Direito Penal

quinta-feira, 11 de março de 2010

Crimes contra a dignidade sexual - continuação


Vamos continuar o estudo dos crimes de natureza sexual.

A mudança do Título VI do Código Penal foi interessante porque o legislador estabeleceu, dentro dos crimes de violência sexual dos vulneráveis, os chamados crimes de lenocínio. Não poderemos ver tudo hoje, mas temos o Capítulo V deste título, que fala do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.

Note que agora se fala em tráfico de pessoas, e não mais apenas de mulheres. Houve duas alterações substanciais: de mulheres para pessoas, e também “para fins de exploração sexual”. O que é lenocínio no Direito Penal brasileiro? Toda atividade que fomentará ou explorará a prostituição alheia. Uma delas é a atividade do rufião.

Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, novembro de 2000): dispõe sobre o tráfico internacional de pessoas. A Convenção fala em tráfico de pessoas para qualquer fim, ou seja, para trabalho escravo, prostituição, submissão a um grupo diferente, limpeza étnica, transplante de órgãos, o que for. No Brasil, tivemos uma restrição em relação ao tráfico de pessoas: pelo Código Penal, só podemos ter uma forma de tráfico: para fins de exploração sexual. Então cuidado com a terminologia.

E quais são as formas de tráfico de pessoas? Mediação para servir a lascívia de outrem, favorecimento da prostituição, casa de prostituição, rufianismo, tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual e tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual. Seis crimes, portanto.

Não existe prostituição somente quando a vítima for menor de 14 anos, nem somente quando não houver o consentimento.

Quando falamos em prostituição dentro do crime de lenocínio, temos alguns requisitos:

  1. Encontro de natureza sexual;
  2. Com um número indeterminado de pessoas;
  3. Habitualidade.  

O legislador previu a figura do art. 218, que é o induzir, parecido com a mediação. Vejamos o art. 218: “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

E agora o art. 227: "Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de um a três anos."

Os tipos são iguais. O que muda? O sujeito passivo. Quem é o sujeito passivo no art. 218? Menor de 14 anos, enquanto no 227 é “alguém”, qualquer pessoa. Então, se estivermos tratando de menores de 14 anos, usamos o art. 218 pelo princípio da especialidade. O legislador incluiu aqui no art. 218 uma figura equiparada ao lenocínio, pois se assemelha ao art. 227.

A mediação é o ato que pode vir a fomentar o desejo de alguém se prostituir. No art. 218 o núcleo é induzir. A vítima é um menor de 14 anos, enquanto “outrem” é pessoa incerta e indeterminada. Então, nos dois artigos referidos, não há o requisito prostituição, em que pese ser uma figura de lenocínio.

No caso do induzimento de pessoa maior de 14 anos, deve-se provar que houve o induzimento. No art. 227, dever-se-á comprovar a vontade da vítima de satisfazer a lascívia de outrem. Mas essa vontade é derivada do induzimento! Sem induzimento, não há crime. Por que não? Pois aí estaremos dentro da esfera da liberdade sexual da pessoa. Isso na mediação. O induzimento é o núcleo; sem induzimento, caímos no puro exercício da liberdade sexual.

“Para satisfazer a lascívia de outrem” = com fins de satisfazer = dolo específico. O dolo aqui é necessário. A lascívia não precisa ser satisfeita, mas o intuito de satisfazê-la é suficiente. Quem pratica o crime não tem nenhum encontrno sexual com a vítima. O encontro que o autor tem com a vítima é para induzir, não para se favorecer.

E os outros vulneráveis? Quem são? Os que não podem oferecer resistência ou que tenham debilidade mental a ponto de não compreenderem o que praticam. Note que não existe essa figura aqui. Mas, em relação à idade, veja o que ocorre no art. 227, § 1º: “§ 1o Se a vítima é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda: Pena - reclusão, de dois a cinco anos."

Na verdade, o legislador não previu a mediação para os outros vulneráveis, isto é, para quem tem deficiência mental ou quem não pode oferecer resistência. Essa figura só existe em relação ao menor de 14 anos. E, em relação aos outros vulneráveis, só haverá a previsão para a ocorrência de violência real ou fraude. Não haverá agravação da pena pois o alienado mental, por exemplo, na melhor das hipóteses só poderá ser enquadrado no caput. A professora crê que foi um cochilo do legislador.

 

Vamos agora ao art. 218-A.

“Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.” Este era o antigo crime de corrupção de menores. Era o antigo art. 218, bem como trazia a Lei 2252/54.

Induzi-lo a presenciar ato de libidinagem. O que é? Qualquer ato sexual. Pode ser conjunção carnal, ou qualquer outro ato libidinoso. É uma figura parecida com a antiga corrupção de menores. O que mudou? É que além do presenciar/induzir a presenciar, hoje o crime não mais se chama corrupção de menores, e não temos mais o art. 218, que foi revogado pela Lei 12015. A Lei 2252 previa outra figura de corrupção de menores, que era para a prática de atos infracionais, ou seja, para infrações penais, norma que também foi revogada. Essas duas figuras foram parar no Estatuto da Criança e do Adolescente. Aqui no Código Penal o crime se chama de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente. Mas o sujeito passivo é quem mesmo? Quem é a vítima? Não é criança ou adolescente como o ECA. É menor de 14. Então cuidado com isso. São todas as crianças, mas não todos os adolescentes; são somente os que tenham 12 ou 13 anos. Muito cuidado.

Grifem ato de libidinagem em suas anotações. Não é conjunção carnal ou somente outros atos libidinosos. Não exige contato físico, pois a norma fala em presenciar. Ato de libidinagem não inclui filmes, mas presenciar o ato sexual.

Até aqui temos crimes sexuais contra vulneráveis, e precisavam de contato físico (até o art. 218). O art. 218-A dispensa o contato físico com a vítima.

 

Favorecimento da prostituição

Está no art. 228: "Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. [...]"

Aqui o nome já diz: favorecer-se da prostituição alheia. A prostituição já é elementar do crime. Temos um tipo misto na norma do art. 228: há cinco núcleos. Isso se chama tipo de conteúdo misto, múltiplo ou variado. Veja o uso da conjunção alternativa ou. Quais são os requisitos? Número indeterminado de pessoas, atos sexuais, habitualidade. Quem se favorece da prostituição, induz, atrai, facilita ou dificulta o abandono. Com ou sem fim lucrativo. Se houver o intuito de lucro, haverá rufianismo também. Exemplo: aquele que trabalha numa agência captando meninas para uma escola de modelos que não existe. Na verdade, é uma casa de prostituição. Ganha para isso, mas não sabe o destino físico, apesar de saber o que acontecerá.

Art. 218-B: “(Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável) Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.”

Compare os dois artigos agora. vejam que aqui temos uma espécie maior de vulneráveis, de sujeitos passivos. No art. 228 não se trata apenas dos vulneráveis. No 218-B trata-se por vulnerável aquele que tem menos de 18 anos. Sempre fique atento na redação dos tipos penais para não se enrolar. Cuidado hein! Até então os vulneráveis eram os menores de 14, deficientes mentais, os que não tinham discernimento e não poderiam oferecer resistência. Agora é tudo isso, com a exceção de que não é mais o menor de 14 anos, mas sim o menor de 18 anos. Essa confusão toda chama-se má técnica legislativa.

Regra geral: art. 228. Regra especial: art. 218-B.

Continuamos com as qualificadoras depois, inclusive a idade.