A prova será com consulta e objetiva. Pode-se usar tudo não seja
eletrônico e que não seja o colega. Nada do que não vimos em sala cairá. Será
cobrada somente a legislação atual, nada de parte histórica.
Antigamente o Código Penal tutelava a honra, dignidade e
honestidade das famílias. A sociedade era eminentemente patriarcal: o homem com
todo o direito dentro da família, e a esposa era coadjuvante. Ela tinha o direito
de ser mãe, dona de casa, mas não estabelecia nenhuma regra.
Não era um sistema absurdo, se formos olhar o momento
histórico. Se estudarmos a sociedade grega e a romana, o pai era o deus lares, que determinava todo o rumo
da família. O pai é que tinha o direito de vida e morte sobre sua família. Cada
filho que saía de casa teria que constituir um deus próprio.
O pátrio poder decorria do pai, e a mãe era uma pessoa sem
voz. O próprio destino das moças era definido pelos pais.
Nossa sociedade se arrastou até 2001 como uma sociedade
patriarcal, até que foi editado o novo Código Civil. No Código de 1916, era o
homem, com a colaboração da mulher,
que cuidava da casa e da família. Até mesmo o direito de representar numa
delegacia requeria o aval do marido.
O papel feminino sempre foi de subserviência. Com a
promulgação do Estatuto da Mulher Casada, ela passou a ter alguns direitos.
Havia também a relação de concubinato, que poderia ensejar pedido de reparação
de danos por serviços prestados, já
que não era um casamento. Note que só a mulher casada tinha direito a pensão,
mas a concubina recebia uma quantia em dinheiro, de única prestação.
Só existia a família “legal” até 1978, quando publicada a Lei
de Divórcio. A família teria que ser constituída por casamento civil ou por casamento
religioso com efeitos civis, que é o casamento na igreja com posterior
averbação em cartório.
Mudou um pouco, pois, depois do Código Civil de 1916 tivemos
apenas o Estatuto da Mulher Casada e a Lei de Divórcio.
Filhos tidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos
do filho “legal”. A própria concubina tinha medo de ir a juízo pedir alimentos
para seu filho, que tivera com um homem casado, pois sobre ela é que recairia a
imagem negativa.
A família continua calcada nesses padrões. O homem não pode
praticar bigamia. Isso é crime, tanto para a mulher quanto para o homem. Hoje
não falamos mais em pátrio poder, mas em poder familiar, exercido pelo pai e pela mãe. Há mesmos direitos e mesmos
deveres; antigamente havia direitos e deveres do pai e apenas deveres da mãe.
A partir do casamento, então, temos família. Que casamento é
esse, hoje, para o Direito Civil? O casamento religioso com efeitos civis e o próprio
casamento civil. Assim, quando vamos a um casamento num clube, vemos um juiz de paz, que celebra no local,
depois de feita uma habilitação prévia dos cônjuges. Então ele faz a
emblemática pergunta: se os nubentes têm vontade livre e espontânea de se
casar. A habilitação é para verificar se não há nenhum impedimento para os pretensos
cônjuges, como o fato de já serem casados, o que constitui bigamia, que é o
objeto do nosso estudo de hoje.
E no religioso? Também se faz a habilitação, mas, depois da
cerimônia, os documentos têm que ser levados ao cartório para averbação. Daí se
extrai uma certidão de casamento.
O casamento tem que ser monogâmico e com cônjuges de sexos opostos.
Note que a Constituição também protege algo chamado entidade familiar. Foi com a promulgação
da Carta de 88 que a proteção à família ganhou uma abrangência maior. Veja a
Constituição, no art. 226: “A família,
base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a
celebração.
§
2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§
4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.”
O § 1º do artigo acima teve sua redação replicada no art.
1512 do Código Civil de 2002.
União de pessoas que se gostam para dividir despesas não é
entidade familiar.
A polêmica toda recai sobre uniões homossexuais. Há também a
Lei Maria da Penha dizendo que constitui “violência no ambiente familiar” o ato
praticado por companheiro do mesmo sexo. É um prenúncio da legalização da união
“homoafetiva”, como é chamada.
O Código Penal protege a família, nos termos do art. 226 da
Constituição e do Código Civil, a partir do art. 1511.
Veja que está-se fazendo um aprimoramento da família. Hoje
está havendo algo que a doutrina chama de “repersonificação da família”. Temos questões
de interesse social e de interesse público. Interesse social é aquele
monitorado pelo Estado, porém sem intervenção; o interesse público é não só
monitorado, como também tutelado e passível de intervenção.
Os crimes contra a família
Dentro dos crimes contra a família, precisamos notar os que
dizem respeito a questões essenciais e os que remetem a questões não essenciais.
Para comprovar bigamia requer-se a certidão de casamento.
Os crimes são todos materiais, vagos, dolosos, em que o
sujeito passivo é, em regra, qualquer pessoa.
O Capítulo I do Título VII, que sucede o Título dos crimes
contra a dignidade sexual que acabamos de estudar, traz os crimes contra o
casamento, seja o casamento civil ou o religioso com efeitos civis. Mulher que “se
casa” com mulher não pratica crime contra o casamento, pois não existe
casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O primeiro crime que temos é a bigamia. Logo de início temos um conflito aparente de normas com o
crime de indução a erro essencial/ocultação de impedimento e o de contração de
casamento com conhecimento prévio de impedimento. Por quê? O fato de ser casado
é um impedimento. O Código Civil diz que não podem casar as pessoas casadas
(art. 1521, inciso VI). Mas estamos falando do casamento, e não da pessoa que
“se juntou” a outra. Quem se casa sendo casado pratica o crime de bigamia, em
que pese ter havido uma ocultação de impedimento ou a pessoa conhecendo
previamente esse impedimento.
Como uma pessoa casada consegue se casar novamente? O crime
que terá que ser praticado antes dele é fraude, falsificação. Teremos,
portanto, como elemento constitutivo implícito a falsificação. Podemos dizer
que aplicamos o princípio da consunção. Significa então que dados terão que ser
ocultados ou falsificados para que então se possa casar novamente. Temos aqui o
princípio da especialidade.
Se não se podem casar as pessoas casadas, temos aqui um
impedimento. Figura especial é a bigamia, que é a contração de casamento por
pessoa já casada. Só se fala de um impedimento aqui: ser casado. Segundo
conflito é o princípio da consunção, porque, para se contrair casamento
novamente, é preciso que se falsifique algo, ou que se mude de nome, ou se
apresentem documentos falsos. A fraude será obrigatoriamente meio para se
praticar o crime de bigamia. A falsificação é implícita.
E no caso do homicídio, como se mata? Praticando lesões. A
lesão não está expressa; ela está implícita. O crime de bigamia é material,
descrito pelo núcleo: contrair novo casamento
sendo já casado. A é casado com B, e C é casado com D. Se B se casa com C, há
bigamia em relação a A e D. Se o contraente sabia que o novo cônjuge já era
casado, ele sofrerá pena na forma privilegiada (§ 1º do art. 235). Se não
sabia, ele é considerado vítima.
Art. 235: “Contrair
alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena – reclusão, de dois a seis anos.
§ 1º - Aquele que, não sendo casado,
contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido
com reclusão ou detenção, de um a três anos.
§ 2º - Anulado por qualquer motivo o
primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se
inexistente o crime.”
§ 1º: ou seja, com dolo. É uma forma privilegiada pois a
pena é de detenção, portanto o regime é aberto ou semi-aberto.
Nesse § 2º, há o que se chama questão prejudicial, instituto do
Processo Penal, em que o juiz fica impedido de julgar enquanto o juízo
cível
não proferir sua decisão sobre a anulação do casamento. ¹
Induzimento a erro e
ocultação de impedimento
Art. 236: “Contrair
casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe
impedimento que não seja casamento anterior:
Pena - detenção, de
seis meses a dois anos.
Parágrafo único - A
ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada
senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou
impedimento, anule o casamento.”
Aqui teremos um crime diferente, apesar de haver um conflito
aparente de normas. É necessário que se contraia casamento induzindo em erro
essencial à pessoa do outro contraente. Erro essencial é aquele que, se o outro
cônjuge soubesse antes de contrair o casamento, ele jamais o faria. Por
exemplo: ser homossexual, sádico, pedófilo, criminoso, traficante, portador de
DST, portador de doença que impeça a geração de filhos, etc.
São erros que versam sobre a identidade, sobre a moral,
sobre boa fama, sobre a saúde física e mental. Também considera-se erro
essencial casar-se com um homem ou mulher que se apresentava como religioso e,
ao casar-se, o cônjuge revela ser pervertido. O erro gera a anulação do
casamento.
O impedimento do art. 236 não pode ser o casamento anterior
porque seria o caso de bigamia. 2
Ação penal privada por quê? Na verdade ela não se justifica
quanto aos casos de impedimento, que são absolutos, de interesse do Estado.