Direito Penal

terça-feira, 13 de abril de 2010

Crimes contra a família


 

A prova será com consulta e objetiva. Pode-se usar tudo não seja eletrônico e que não seja o colega. Nada do que não vimos em sala cairá. Será cobrada somente a legislação atual, nada de parte histórica.

Antigamente o Código Penal tutelava a honra, dignidade e honestidade das famílias. A sociedade era eminentemente patriarcal: o homem com todo o direito dentro da família, e a esposa era coadjuvante. Ela tinha o direito de ser mãe, dona de casa, mas não estabelecia nenhuma regra.

Não era um sistema absurdo, se formos olhar o momento histórico. Se estudarmos a sociedade grega e a romana, o pai era o deus lares, que determinava todo o rumo da família. O pai é que tinha o direito de vida e morte sobre sua família. Cada filho que saía de casa teria que constituir um deus próprio.

O pátrio poder decorria do pai, e a mãe era uma pessoa sem voz. O próprio destino das moças era definido pelos pais.

Nossa sociedade se arrastou até 2001 como uma sociedade patriarcal, até que foi editado o novo Código Civil. No Código de 1916, era o homem, com a colaboração da mulher, que cuidava da casa e da família. Até mesmo o direito de representar numa delegacia requeria o aval do marido.

O papel feminino sempre foi de subserviência. Com a promulgação do Estatuto da Mulher Casada, ela passou a ter alguns direitos. Havia também a relação de concubinato, que poderia ensejar pedido de reparação de danos por serviços prestados, já que não era um casamento. Note que só a mulher casada tinha direito a pensão, mas a concubina recebia uma quantia em dinheiro, de única prestação.

Só existia a família “legal” até 1978, quando publicada a Lei de Divórcio. A família teria que ser constituída por casamento civil ou por casamento religioso com efeitos civis, que é o casamento na igreja com posterior averbação em cartório.

Mudou um pouco, pois, depois do Código Civil de 1916 tivemos apenas o Estatuto da Mulher Casada e a Lei de Divórcio.

Filhos tidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos do filho “legal”. A própria concubina tinha medo de ir a juízo pedir alimentos para seu filho, que tivera com um homem casado, pois sobre ela é que recairia a imagem negativa.

A família continua calcada nesses padrões. O homem não pode praticar bigamia. Isso é crime, tanto para a mulher quanto para o homem. Hoje não falamos mais em pátrio poder, mas em poder familiar, exercido pelo pai e pela mãe. Há mesmos direitos e mesmos deveres; antigamente havia direitos e deveres do pai e apenas deveres da mãe.

A partir do casamento, então, temos família. Que casamento é esse, hoje, para o Direito Civil? O casamento religioso com efeitos civis e o próprio casamento civil. Assim, quando vamos a um casamento num clube, vemos um juiz de paz, que celebra no local, depois de feita uma habilitação prévia dos cônjuges. Então ele faz a emblemática pergunta: se os nubentes têm vontade livre e espontânea de se casar. A habilitação é para verificar se não há nenhum impedimento para os pretensos cônjuges, como o fato de já serem casados, o que constitui bigamia, que é o objeto do nosso estudo de hoje.

E no religioso? Também se faz a habilitação, mas, depois da cerimônia, os documentos têm que ser levados ao cartório para averbação. Daí se extrai uma certidão de casamento.

O casamento tem que ser monogâmico e com cônjuges de sexos opostos.

Note que a Constituição também protege algo chamado entidade familiar. Foi com a promulgação da Carta de 88 que a proteção à família ganhou uma abrangência maior. Veja a Constituição, no art. 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

        § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

        § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

        § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

        § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

O § 1º do artigo acima teve sua redação replicada no art. 1512 do Código Civil de 2002.

União de pessoas que se gostam para dividir despesas não é entidade familiar.

A polêmica toda recai sobre uniões homossexuais. Há também a Lei Maria da Penha dizendo que constitui “violência no ambiente familiar” o ato praticado por companheiro do mesmo sexo. É um prenúncio da legalização da união “homoafetiva”, como é chamada.

O Código Penal protege a família, nos termos do art. 226 da Constituição e do Código Civil, a partir do art. 1511.

Veja que está-se fazendo um aprimoramento da família. Hoje está havendo algo que a doutrina chama de “repersonificação da família”. Temos questões de interesse social e de interesse público. Interesse social é aquele monitorado pelo Estado, porém sem intervenção; o interesse público é não só monitorado, como também tutelado e passível de intervenção.

 

Os crimes contra a família

Dentro dos crimes contra a família, precisamos notar os que dizem respeito a questões essenciais e os que remetem a questões não essenciais. Para comprovar bigamia requer-se a certidão de casamento.

Os crimes são todos materiais, vagos, dolosos, em que o sujeito passivo é, em regra, qualquer pessoa.

O Capítulo I do Título VII, que sucede o Título dos crimes contra a dignidade sexual que acabamos de estudar, traz os crimes contra o casamento, seja o casamento civil ou o religioso com efeitos civis. Mulher que “se casa” com mulher não pratica crime contra o casamento, pois não existe casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O primeiro crime que temos é a bigamia. Logo de início temos um conflito aparente de normas com o crime de indução a erro essencial/ocultação de impedimento e o de contração de casamento com conhecimento prévio de impedimento. Por quê? O fato de ser casado é um impedimento. O Código Civil diz que não podem casar as pessoas casadas (art. 1521, inciso VI). Mas estamos falando do casamento, e não da pessoa que “se juntou” a outra. Quem se casa sendo casado pratica o crime de bigamia, em que pese ter havido uma ocultação de impedimento ou a pessoa conhecendo previamente esse impedimento.

Como uma pessoa casada consegue se casar novamente? O crime que terá que ser praticado antes dele é fraude, falsificação. Teremos, portanto, como elemento constitutivo implícito a falsificação. Podemos dizer que aplicamos o princípio da consunção. Significa então que dados terão que ser ocultados ou falsificados para que então se possa casar novamente. Temos aqui o princípio da especialidade.

Se não se podem casar as pessoas casadas, temos aqui um impedimento. Figura especial é a bigamia, que é a contração de casamento por pessoa já casada. Só se fala de um impedimento aqui: ser casado. Segundo conflito é o princípio da consunção, porque, para se contrair casamento novamente, é preciso que se falsifique algo, ou que se mude de nome, ou se apresentem documentos falsos. A fraude será obrigatoriamente meio para se praticar o crime de bigamia. A falsificação é implícita.

E no caso do homicídio, como se mata? Praticando lesões. A lesão não está expressa; ela está implícita. O crime de bigamia é material, descrito pelo núcleo: contrair novo casamento sendo já casado. A é casado com B, e C é casado com D. Se B se casa com C, há bigamia em relação a A e D. Se o contraente sabia que o novo cônjuge já era casado, ele sofrerá pena na forma privilegiada (§ 1º do art. 235). Se não sabia, ele é considerado vítima.

Art. 235: “Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

        Pena – reclusão, de dois a seis anos.

        § 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.

        § 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

§ 1º: ou seja, com dolo. É uma forma privilegiada pois a pena é de detenção, portanto o regime é aberto ou semi-aberto.

Nesse § 2º, há o que se chama questão prejudicial, instituto do Processo Penal, em que o juiz fica impedido de julgar enquanto o juízo cível não proferir sua decisão sobre a anulação do casamento. ¹

 

Induzimento a erro e ocultação de impedimento

Art. 236: “Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.”

Aqui teremos um crime diferente, apesar de haver um conflito aparente de normas. É necessário que se contraia casamento induzindo em erro essencial à pessoa do outro contraente. Erro essencial é aquele que, se o outro cônjuge soubesse antes de contrair o casamento, ele jamais o faria. Por exemplo: ser homossexual, sádico, pedófilo, criminoso, traficante, portador de DST, portador de doença que impeça a geração de filhos, etc.

São erros que versam sobre a identidade, sobre a moral, sobre boa fama, sobre a saúde física e mental. Também considera-se erro essencial casar-se com um homem ou mulher que se apresentava como religioso e, ao casar-se, o cônjuge revela ser pervertido. O erro gera a anulação do casamento.

O impedimento do art. 236 não pode ser o casamento anterior porque seria o caso de bigamia. 2

Ação penal privada por quê? Na verdade ela não se justifica quanto aos casos de impedimento, que são absolutos, de interesse do Estado.

  1. Havia mais coisas neste parágrafo.
  2. Neste momento a professora comentou o caso de cônjuge que trama com o amante o homicídio do outro cônjuge e a possibilidade de casamento com o amante depois. Não consegui copiar.