Direito Penal

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Continuação


Começamos na aula passada a ver a falsidade documental. Trouxemos as características do documento, que tem que ter autoria, com relevância jurídica, tem que ser escrito, em papel, etc. pode ser público ou particular, falsificado materialmente ou ideologicamente.

Vimos a questão da folha de branco, que não é documento, mas passa a ser a partir da elaboração, quando o conteúdo é conhecido o falso é ideológico, quando não, mas a falsi incide sobre a forma, é material.

Vamos ver os falsos materiais e ideológicos e os falsos equiparados.

No art. 296, o objeto jurídico tutelado não é o documento em si, mas o selo público destinado à autenticação de atos oficiais dos entes federativos, e os sinais ou selos que são atribuídos por lei a uma autoridade ou ao tabelião. Não se trata de documento, mas uma insígnia para autenticá-los. “Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:

        I – selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;

        II – selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:

        Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.

Temos que diferenciar os selos. O Governo de São Paulo, por exemplo, criou um selo próprio para colocar nos DUTs. Cada lugar tem seu próprio. Neste artigo temos o terceiro tipo de selo protegido pelo Direito Penal. O primeiro é o selo tributário, no art. 293, e também o postal, no tutelado na Lei 6538, que é a Lei de Serviços Postais. O selo do art. 296 tem a força de autenticar um documento.

O tabelião, no cartório, tem um sinal. Por isso que, quando levamos um documento ao tabelião, depois que ele conferiu ele apõe um carimbo e uma assinatura. Sem ela, o documento não equivale ao original. A firma é o cartão de autógrafos que fazemos no banco.

Agora vejam: no cartório é a mesma coisa: depositamos a assinatura, que na verdade é chamada de firma.

Suponha que eu passe uma procuração para outrem, e preciso reconhecer firma, ou não terá eficácia contra terceiros. Por semelhança, o tabelião irá reconhecer a minha firma, atestando que quem assinou determinado documento fui mesmo eu.

Temos o selo nacional, com padrão fixado por lei, e ninguém pode alterar. Alguém pode até alterar por brincadeira, mas não terá validade. Assim como selos de outras instituições, como o selo especial de São Paulo para evitar fraude nos DUTs. Outros estados também fazem selos para seus documentos oficiais.

O sinal já é diferente: é a rubrica, a grafia humana que vai autenticar determinado documento, que irá conferir autenticidade. É produção humana. Pode ser um X, um Y, meu nome, minha rubrica, o que for. Vai da criatividade humana. A rubrica é o sinal. Selo é o desenho gráfico com algumas especificações, às vezes decorrente de lei.

O diretor do DETRAN é quem assina nossa CNH à época em que tiramos a carteira. É sinal dele, mesmo que o diretor mude com os anos. Ao mesmo tempo, ao tomar posse num cargo público, quem assinará sua carteira será o diretor do órgão. Assim poderemos verificar a autenticidade. Se for exigida, a autenticidade terá que ser feita por cartório, salvo se feita por alguns agentes públicos, como escrivão de órgãos judiciários, que têm fé pública.

Teremos, ainda, um acréscimo nesses crimes: leia o caput e os dois incisos. Depois, as figuras equiparadas: § 1º “Incorre nas mesmas penas:

        I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;

        II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.

        III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.”. Temos o princípio da consunção novamente.  Se falsifico e uso, respondo só pela falsificação.”

Inciso II – aqui também utilizamos indevidamente, o verdadeiro. “Indevidamente” é elemento normativo do tipo.  Diante de cada caso concreto, ter-se-á que verificar se o uso foi ou não indevido. Temos que ter o elemento normativo e o dolo específico. Se não for para prejuízo de alguém, não há crime.

Inciso III – a novidade. O dispositivo foi inserido com o elemento normativo "indevido". Mas não e refere mais aos objetos que já vimos o selo ou sinal. São os outros sinais, ou qualquer símbolo que possa ser usado pela Administração Pública Direta ou Indireta. Aqui entram os símbolos, os slogans, enfim, tudo que identifica a pessoa jurídica. Só não pode ser o que está no caput. Temos conflito aparente de normas que se resolve pelo princípio da especialidade, mais uma vez.

Os símbolos de cada órgão são protegidos.

No § 2º temos um crime funcional impróprio, que é comum, mas haverá aumento de pena se o crime for cometido por funcionário público, por ter se prevalecido do cargo: “Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

No art. 305 temos a supressão de documento. “Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor:

        Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular.

Se eu junto um documento ao processo, deixo de ser dono dele. Enquanto é meu, posso até fazer fogueira usando o documento como combustível.

Aqui temos um tipo misto alternativo. Destruir, suprimir ou ocultar. Aqui tanto faz se o documento é público ou particular; a diferente está na pena. Cabe suspensão condicional do processo se for particular, portanto.

Tem que haver dolo específico, em benefício próprio ou de outrem, e o documento não pode ser de propriedade de quem destrói, oculta ou inutiliza. É um requisito do crime, também. Não temos o domínio sobre o documento em si. Se rasgo um cheque, sendo eu o titular e o dono, não há problema. Mas se o cheque estava sob domínio da loja, ele não mais é meu.

Se uma pessoa guarda documentos para você e depois se recusa a devolvê-los pratica crime de supressão, provavelmente em concurso com extorsão. O documento não é falso, mas ele é disposto quando não se poderia dispor. O crime de dano aqui é elementar do tipo, e aplicamos o princípio da consunção também. A modalidade aqui é a forma do crime progressivo e não progressão criminosa. O legislador estabelece o dano como crime autônomo, mas aqui ele é elementar expressa.

 

Falso material

Teremos que incrementar agora aquela primeira noção que tivemos sobre falso material e ideológico. Analisaremos o falso material e ideológico a partir da exclusão. Vejam só: comecemos pelo falso ideológico, do art. 299. Temos um tipo misto alternativo, com três núcleos. Omitir é o primeiro, inserir é o segundo e fazer inserir é o terceiro núcleo. Eu posso omitir, escrever informação falsa ou declinar para que alguém a escreva. “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

        Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

        Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

O crime de falso ideológico aqui tem um dolo específico. “Com o fim de” significa intenção. É preciso que ocasione seu intuito? Não. Não preciso chegar às últimas finalidades. “...com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: [...]”. Cria prejuízo, obrigação para alguém. Ou então o agente pode se beneficiar com a falsidade. Mas tem que ser comprovado que ele tiraria algum proveito, pessoal ou para terceiro.

O que acontece na falsidade ideológica: o agente inseriu, omitiu ou fez inserir? Então ele está no caminho de cometer o crime. Falta só provar o dolo específico. Se não for o caso, vamos para o art. 297 ou 298. 297: “Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: [...]”, e 298: “Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro:”. A diferença entre ambos é a pena e a consequente incidência de suspensão condicional do processo no segundo caso.

O art. 299 tutela tanto documentos públicos quanto particulares. O que mudará é apenas a pena. Em ambos os casos cabe a suspensão processual na falsidade ideológica. Veja a pena dos dois casos. Cabe a suspensão por causa da pena mínima cominada, de um ano.

O art. 297, caput e o art. 298 é a regra geral para falso material, sendo um para documento público e outro para documento particular.

São três regras gerais, portanto. Fiquem atentos porque pode parecer, no tipo, uma figura especial. Se aparecer uma figura especial, ela terá que ser aplicada.

Vejam o falso reconhecimento de firma ou letra, no art. 300: “Reconhecer, como verdadeira, no exercício de função pública, firma ou letra que o não seja:

        Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público; e de um a três anos, e multa, se o documento é particular.” Por que este é um tipo próprio e especial em relação ao caput? Quem pode fazer reconhecimento de firma ou letra? Só a pessoa que tem a atribuição para tanto. Tabelião, perito, funcionário de cartório. Até a pessoa que não tinha atribuição, se for nomeada pelo juiz, ela presta o compromisso, passa a ter fé pública, e passa a estar sujeito às penas da lei se mentir. O tipo diz: no exercício da função pública: não pode ser qualquer um. Tem que ser na função de tabelião, de escrevente, de escrivão da polícia, quem estiver no exercício da função pública. Presume-se que ele sabe o que tem que fazer, então não se presume a culpa, mas o dolo, sem prejuízo da necessidade de prová-lo.

Art. 301: “Atestar ou certificar falsamente, em razão de função pública, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem:

        Pena – detenção, de dois meses a um ano.

Aqui também não falamos em qualquer documento. Qual é o objeto de análise e proteção aqui? Certidão ou atestado. No art. 300, firma ou letra. Esse atestado é emitido por alguém que participa de um ato. Ou então a certidão. Vai-se à secretaria geral e pede-se a certidão de quantas matérias e créditos que alguém já fez aqui no CEUB. A secretária não participa do ato aqui, mas emite certidão a partir de documentos anteriores.

No § 2º, temos a pena de multa caso o crime seja praticado com o fim de lucro.

 

Falsidade de atestado médico

 Art. 302 – Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso:

        Pena – detenção, de um mês a um ano.

        Parágrafo único – Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

É falso ideológico porque o médico sabe exatamente o que escrever, mas não escreve, dolosamente. Se não é médico, não há o crime. Mas temos que lembrar que pode haver coautoria e comunicação da circunstância funcional. Se a secretária emite sabendo da falsidade, haverá coautoria.

O atestado médico é falso ideológico. Se eu sou médico e atuo junto com um não médico, sei que ele falsifica minha assinatura e deixo, passo para ele as elementares do crime. Se não sou médico e não tenho associação com um, o atestado médico é materialmente falso. O conteúdo será sempre falso; nem sei quais serão as doenças. Quando não decorre da função, será sempre material.

Este artigo é especial em relação aos arts. 297 e 298.

Se o sujeito escreve o nome “atestado” em documento que falsificou, mas nunca foi médico, ele é falso material, e a pessoa não tinha conhecimento exato do conteúdo, colocou qualquer coisa. Enquadra-se onde? E um atestado, então não vamos para o caput do 297 nem do 298, vamos para o 301, § 1º, quando diz: “Falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar o teor de certidão ou de atestado verdadeiro, para prova de fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem:

        Pena – detenção, de três meses a dois anos.

A vantagem estabelecida é ficar de repouso, por exemplo. Sem obtenção de vantagem ou prejuízo para outrem, o fato não é atípico, e vamos para a regra geral, indo para o art. 297, se for documento público, ou para o art. 298, se particular.

Então, se o sujeito é médico e emite o atestado, o artigo é o art. 302. A falsidade é ideológica. Se não é médico, mas havendo a possibilidade de vantagem para alguém, art. 301, § 1º, sendo atestado. Não havendo dolo específico, nem produção de vantagem ou prejuízo para terceiros, vamos para a regra geral: 297 ou 298.

Quem usa o documento falso cai no art. 304: “Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

        Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

Observações:

  1. Guardar na carteira não é usar.
  2. Portar documento falso não é crime.

Terminem de ler, em casa, as figuras equiparadas a crime de falso material. Art. 303 foi revogado.