Começamos na aula passada a ver a falsidade documental.
Trouxemos as características do documento, que tem que ter autoria, com
relevância jurídica, tem que ser escrito, em papel, etc. pode ser público ou
particular, falsificado materialmente ou ideologicamente.
Vimos a questão da folha de branco, que não é documento, mas
passa a ser a partir da elaboração, quando o conteúdo é conhecido o falso é
ideológico, quando não, mas a falsi incide sobre a forma, é material.
Vamos ver os falsos materiais e ideológicos e os falsos
equiparados.
No art. 296, o objeto jurídico tutelado não é o documento em
si, mas o selo público destinado à autenticação de atos oficiais dos entes
federativos, e os sinais ou selos que são atribuídos por lei a uma autoridade
ou ao tabelião. Não se trata de documento,
mas uma insígnia para autenticá-los. “Falsificar,
fabricando-os ou alterando-os:
I – selo público destinado a autenticar
atos oficiais da União, de Estado ou de Município;
II – selo ou sinal atribuído por lei a
entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, e
multa.”
Temos que diferenciar os selos. O Governo de São Paulo, por exemplo,
criou um selo próprio para colocar nos DUTs. Cada lugar tem seu próprio. Neste
artigo temos o terceiro tipo de selo protegido pelo Direito Penal. O primeiro é
o selo tributário, no art. 293, e também o postal, no tutelado na Lei 6538, que
é a Lei de Serviços Postais. O selo do art. 296 tem a força de autenticar um
documento.
O tabelião, no cartório, tem um sinal. Por isso que, quando
levamos um documento ao tabelião, depois que ele conferiu ele apõe um carimbo e
uma assinatura. Sem ela, o documento não equivale ao original. A firma é o
cartão de autógrafos que fazemos no banco.
Agora vejam: no cartório é a mesma coisa: depositamos a
assinatura, que na verdade é chamada de firma.
Suponha que eu passe uma procuração para outrem, e preciso
reconhecer firma, ou não terá eficácia contra terceiros. Por semelhança, o
tabelião irá reconhecer a minha firma, atestando que quem assinou determinado
documento fui mesmo eu.
Temos o selo nacional, com padrão fixado por lei, e ninguém
pode alterar. Alguém pode até alterar por brincadeira, mas não terá validade.
Assim como selos de outras instituições, como o selo especial de São Paulo para
evitar fraude nos DUTs. Outros estados também fazem selos para seus documentos
oficiais.
O sinal já é diferente: é a rubrica, a grafia humana que vai
autenticar determinado documento, que irá conferir autenticidade. É produção
humana. Pode ser um X, um Y, meu nome, minha rubrica, o que for. Vai da criatividade
humana. A rubrica é o sinal. Selo é o desenho gráfico com algumas
especificações, às vezes decorrente de lei.
O diretor do DETRAN é quem assina nossa CNH à época em que
tiramos a carteira. É sinal dele, mesmo que o diretor mude com os anos. Ao mesmo
tempo, ao tomar posse num cargo público, quem assinará sua carteira será o
diretor do órgão. Assim poderemos verificar a autenticidade. Se for exigida, a
autenticidade terá que ser feita por cartório, salvo se feita por alguns agentes
públicos, como escrivão de órgãos judiciários, que têm fé pública.
Teremos, ainda, um acréscimo nesses crimes: leia o caput e os dois incisos. Depois, as
figuras equiparadas: § 1º “Incorre nas
mesmas penas:
I - quem faz uso do selo ou sinal
falsificado;
II - quem utiliza indevidamente o selo
ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.
III - quem altera, falsifica ou faz uso
indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados
ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública.”. Temos
o princípio da consunção novamente. Se falsifico e uso, respondo só pela
falsificação.”
Inciso II – aqui também utilizamos indevidamente, o
verdadeiro. “Indevidamente” é elemento normativo do tipo. Diante de cada
caso concreto, ter-se-á que verificar se o uso foi ou não indevido. Temos que
ter o elemento normativo e o dolo específico. Se não for para prejuízo de
alguém, não há crime.
Inciso III – a novidade. O dispositivo foi inserido com o elemento
normativo "indevido". Mas
não e refere mais aos objetos que já vimos o selo ou sinal. São os outros
sinais, ou qualquer símbolo que possa ser usado
pela Administração Pública Direta ou Indireta. Aqui entram os símbolos, os
slogans, enfim, tudo que identifica a pessoa jurídica. Só não pode ser o que
está no caput. Temos conflito
aparente de normas que se resolve pelo princípio da especialidade, mais uma
vez.
Os símbolos de cada órgão
são protegidos.
No § 2º temos um crime funcional impróprio, que é comum, mas
haverá aumento de pena se o crime for cometido por funcionário público, por ter
se prevalecido do cargo: “Se o agente é
funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a
pena de sexta parte.”
No art. 305 temos a supressão
de documento. “Destruir, suprimir ou
ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento
público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, e
multa, se o documento é público, e reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o
documento é particular.”
Se eu junto um documento ao processo, deixo de ser dono dele.
Enquanto é meu, posso até fazer fogueira usando o documento como combustível.
Aqui temos um tipo misto alternativo. Destruir, suprimir ou
ocultar. Aqui tanto faz se o documento é público ou particular; a diferente
está na pena. Cabe suspensão condicional do processo se for particular,
portanto.
Tem que haver dolo específico, em benefício próprio ou de
outrem, e o documento não pode ser de
propriedade de quem destrói, oculta ou inutiliza. É um requisito do crime,
também. Não temos o domínio sobre o documento em si. Se rasgo um cheque, sendo
eu o titular e o dono, não há problema. Mas se o cheque estava sob domínio da
loja, ele não mais é meu.
Se uma pessoa guarda documentos para você e depois se recusa
a devolvê-los pratica crime de supressão, provavelmente em concurso com
extorsão. O documento não é falso, mas ele é disposto quando não se poderia
dispor. O crime de dano aqui é elementar do tipo, e aplicamos o princípio da
consunção também. A modalidade aqui é a forma do crime progressivo e não progressão
criminosa. O legislador estabelece o dano como
crime autônomo, mas aqui ele é elementar expressa.
Falso material
Teremos que incrementar agora aquela primeira noção que
tivemos sobre falso material e ideológico. Analisaremos o falso material e
ideológico a partir da exclusão. Vejam só: comecemos pelo falso ideológico, do
art. 299. Temos um tipo misto alternativo, com três núcleos. Omitir é o
primeiro, inserir é o segundo e fazer inserir é o terceiro núcleo. Eu posso
omitir, escrever informação falsa ou declinar para que alguém a escreva. “Omitir, em documento público ou particular,
declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração
falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar
obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e
multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o
documento é particular.
Parágrafo único – Se o agente é
funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a
falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a
pena de sexta parte.”
O crime de falso ideológico aqui tem um dolo específico. “Com
o fim de” significa intenção. É preciso que ocasione seu intuito? Não. Não
preciso chegar às últimas finalidades. “...com
o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante: [...]”. Cria prejuízo, obrigação para alguém. Ou
então o agente pode se beneficiar com a falsidade. Mas tem que ser comprovado
que ele tiraria algum proveito, pessoal ou para terceiro.
O que acontece na falsidade ideológica: o agente inseriu,
omitiu ou fez inserir? Então ele está no caminho de cometer o crime. Falta só
provar o dolo específico. Se não for o caso, vamos para o art. 297 ou 298. 297:
“Falsificar, no todo ou em parte,
documento público, ou alterar documento público verdadeiro: [...]”, e 298: “Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar
documento particular verdadeiro:”. A diferença entre ambos é a pena e a
consequente incidência de suspensão condicional do processo no segundo caso.
O art. 299 tutela tanto documentos públicos quanto
particulares. O que mudará é apenas a pena. Em ambos os casos cabe a suspensão
processual na falsidade ideológica. Veja a pena dos dois casos. Cabe a
suspensão por causa da pena mínima cominada, de um ano.
O art. 297, caput
e o art. 298 é a regra geral para falso material, sendo um para documento
público e outro para documento particular.
São três regras gerais, portanto. Fiquem atentos porque pode
parecer, no tipo, uma figura especial. Se aparecer uma figura especial, ela
terá que ser aplicada.
Vejam o falso reconhecimento de firma ou letra, no art. 300:
“Reconhecer, como verdadeira, no
exercício de função pública, firma ou letra que o não seja:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e
multa, se o documento é público; e de um a três anos, e multa, se o documento é
particular.” Por que este é um tipo próprio e especial em relação ao caput? Quem pode fazer reconhecimento de
firma ou letra? Só a pessoa que tem a atribuição para tanto. Tabelião, perito,
funcionário de cartório. Até a pessoa que não tinha atribuição, se for nomeada
pelo juiz, ela presta o compromisso, passa a ter fé pública, e passa a estar
sujeito às penas da lei se mentir. O tipo diz: no exercício da função pública:
não pode ser qualquer um. Tem que ser na função de tabelião, de escrevente, de
escrivão da polícia, quem estiver no exercício da função pública. Presume-se
que ele sabe o que tem que fazer, então não se presume a culpa, mas o dolo, sem
prejuízo da necessidade de prová-lo.
Art. 301: “Atestar ou
certificar falsamente, em razão de função pública, fato ou circunstância que
habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter
público, ou qualquer outra vantagem:
Pena – detenção, de dois meses a um
ano.”
Aqui também não falamos em qualquer documento. Qual é o
objeto de análise e proteção aqui? Certidão ou atestado. No art. 300, firma ou
letra. Esse atestado é emitido por alguém que participa de um ato. Ou então a certidão.
Vai-se à secretaria geral e pede-se a certidão de quantas matérias e créditos
que alguém já fez aqui no CEUB. A secretária não participa do ato aqui, mas
emite certidão a partir de documentos anteriores.
No § 2º, temos a pena de multa caso o crime seja praticado
com o fim de lucro.
Falsidade de atestado
médico
“Art. 302 – Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso:
Pena – detenção, de um mês a um ano.
Parágrafo único – Se o crime é cometido
com o fim de lucro, aplica-se também multa.”
É falso ideológico porque o médico sabe exatamente o que
escrever, mas não escreve, dolosamente. Se não é médico, não há o crime. Mas
temos que lembrar que pode haver coautoria e comunicação da circunstância
funcional. Se a secretária emite sabendo da falsidade, haverá coautoria.
O atestado médico é falso ideológico. Se eu sou médico e
atuo junto com um não médico, sei que ele falsifica minha assinatura e deixo,
passo para ele as elementares do crime. Se não sou médico e não tenho
associação com um, o atestado médico é materialmente
falso. O conteúdo será sempre falso; nem sei quais serão as doenças. Quando
não decorre da função, será sempre material.
Este artigo é especial em relação aos arts. 297 e 298.
Se o sujeito escreve o nome “atestado” em documento que
falsificou, mas nunca foi médico, ele é falso material, e a pessoa não tinha
conhecimento exato do conteúdo, colocou qualquer coisa. Enquadra-se onde? E um
atestado, então não vamos para o caput
do 297 nem do 298, vamos para o 301, § 1º, quando diz: “Falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar o
teor de certidão ou de atestado verdadeiro, para prova de fato ou circunstância
que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de
caráter público, ou qualquer outra vantagem:
Pena – detenção, de três meses a dois
anos.”
A vantagem estabelecida é ficar de repouso, por exemplo. Sem
obtenção de vantagem ou prejuízo para outrem, o fato não é atípico, e vamos
para a regra geral, indo para o art. 297, se for documento público, ou para o
art. 298, se particular.
Então, se o sujeito é médico e emite o atestado, o artigo é
o art. 302. A falsidade é ideológica. Se não é médico, mas havendo a
possibilidade de vantagem para alguém, art. 301, § 1º, sendo atestado. Não havendo
dolo específico, nem produção de vantagem ou prejuízo para terceiros, vamos
para a regra geral: 297 ou 298.
Quem usa o documento falso cai no art. 304: “Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados
ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:
Pena – a cominada à falsificação ou à
alteração.”
Observações:
Terminem de ler, em casa, as figuras equiparadas a crime de
falso material. Art. 303 foi revogado.