Hoje vamos falar sobre o tráfico de pessoas apesar de já
termos comentado bastante. Hoje vamos comentar pontuando os aspectos
importantes.
Já fizemos uma prévia sobre a origem desses crimes. Antes,
no Código de 1940, havia a figura do tráfico internacional de mulheres. Era a
única figura que tínhamos, e não havia qualificadoras nem causas de aumento de
pena. A questão era: em que momento o crime se consumava? O próprio legislador estabelece
que, promover a entrada, facilitá-la ou ajudar na saída de mulheres que vão
exercer a prostituição era a conduta típica. Então não era necessário que o crime
se consumasse, quando ela entrasse ou saísse do país. Vejam que o crime liga-se
às questões de extraterritorialidade. Como o crime vinha sendo trabalhado? Na
regra do art. 7º do Código Penal. Existe o caso de extraterritorialidade
condicionada, pois o tráfico de pessoas ainda não é um crime ainda que esteja vinculado à extraterritorialidade
incondicionada. A extraterritorialidade é incondicionada porque a lei
brasileira se aplica incondicionalmente. Mas esse crime não está elencado entre
os crimes que estabelecem a extraterritorialidade incondicionada. Então, para o
crime de tráfico de pessoas, na época denominado tráfico de mulheres, a regra
era a extraterritorialidade condicionada. Hoje em dia o crime existe em quase
todos os países por força da Convenção de Palermo. O primeiro requisito seria a
dupla incriminação o outro requisito é que seja pedida a extradição. A lei
brasileira não poderia alcançar o sujeito, então a extradição teria que ser
requerida ao outro Estado. Ele pode entrar voluntariamente e ficar foragido.
Aqui no Brasil ele poderá ser alvo da lei penal brasileira. O que mais deve
acontecer? Não pode ter cumprido pena no estrangeiro pelo mesmo crime, não pode
ter sido anistiado nem perdoado, e não pode ter havido nenhuma causa de
extinção da punibilidade ocorrida no outro Estado. Ne bis in idem. É interesse do Brasil que ele cumpra parte da pena
aqui, garantida a remição pelos dias já cumpridos.
Note que há
complicadores. A extraterritorialidade é condicionada neste caso pois não é
possível entrar no território de outro país em busca de uma pessoa,
sequestrá-la e trazê-la. Esse procedimento deve passar pelos trâmites legais e nem sempre o Brasil
tem sucesso. Cacciola, por exemplo. Para entrar no Brasil foi muito difícil,
porque ele era cidadão italiano e a Itália não extradita seus nacionais. Ele
foi alcançado no principado de Monaco. Viu-se, no preenchimento das fichas, que
ele tinha mandado de prisão aberto no Brasil.
Questões de extraterritorialidade recairão sobre o crime de
tráfico de pessoas, portanto.
Na Lei 11106/2005, a nomenclatura foi mudada de tráfico de mulheres
para tráfico de pessoas. Agora existe o tráfico interno e internacional. Quem faz,
viaja, leva, transfere, hospeda, aloja, fornece alojamento para pessoas que
queiram exercer a prostituição ou que vão exercê-la também praticam o crime de
tráfico de pessoas. Claro que no âmbito interno é mais fácil. Considera-se
espaço do crime o local onde se produziu a ação ou resultado. Qual é a teoria
da ubiquidade? Aplica-se a lei brasileira independente de onde ele estiver,
desde que dentro do território brasileiro. Aqui dentro só será discutida a
competência para julgar o crime. Temos alguns preceitos de Direito Processual
Penal, como a prevenção do juízo, que deverão ser levados em conta. O
complicador só existe quando há extraterritorialidade. Quem efetivamente
investigará é a Polícia Federal e pedirá auxilio à Interpol.
Então vejam que, em 2005, com a Lei 11106 passamos a ter a
nova nomenclatura e duas figuras: internacional e interno. O internacional permaneceu
nos mesmos moldes, com as previsões de agravantes, como idade, parentesco,
multa, modo de execução. No crime não há a elementar do lucro. O único que tem,
como dissemos, é o rufianismo.
Aquele que aloja: suponhamos que uma pessoa que praticou
tráfico de pessoas liga para um amigo dizendo que não conseguiu cama para as
amigas, na verdade, prostitutas. Não há o condicionamento a lucro ou a
resultado. O terceiro de boa-fé não responderá.
Não existe o crime de tráfico de pessoas a título de culpa. O
dolo eventual pode ficar evidente em alguns casos. No caso de Manaus envolvendo
o Deputado Benício, por exemplo: os antecedentes da cafetina era, o que havia
de mais evidente.
Dito isso, vamos ver que o crime de tráfico de pessoas
continua disciplinado com essa característica de não impedir que uma pessoa
exerça a prostituição. Então consideramos que o crime será tido como consumado
quando o verbo nuclear for realizado.
Note que temos o crime de tráfico de pessoas para fim de prostituição ou exploração
sexual no art. 231, que é um crime de conteúdo múltiplo ou variado. Os
núcleos são alternativos. “Promover ou facilitar a entrada”. Promover e
facilitar a entrada. Note os dois verbos. Ou a saída de alguém que irá exercer
a prostituição no estrangeiro. Aquelas considerações que fizemos sobre
extraterritorialidade recaem sobre este crime. Se alguém vem do estrangeiro
para o Brasil, temos a possibilidade de alguém sair do Brasil e ir para o
estrangeiro.
Diga que o crime ocorreu entre Brasil e Itália. Mas imagine
que ele passe pelo espaço aéreo de Marrocos. Pode o espaço aéreo marroquino ser
considerado lugar do crime? Não, pois não é ali o destino do crime, e não foi
onde começou, e também por causa do direito de passagem inocente. Todavia nada
disso importa para a caracterização do
crime: saiu do território brasileiro? Já consumou. Saiu do território de um
Estado estrangeiro? Consumou. A passagem inocente é um tratado em que uma
aeronave, que esteja em espaço aéreo de um outro Estado, se ali não era a
intenção de se realizar o resultado do crime, este não será punível à luz do
ordenamento daquele lugar. Diferente é o caso do tráfico de drogas: se a
aeronave sobrevoar o espaço a brasileiro, não se identificar e houver indícios
de que o avião está traficando, o abate é autorizado.
Há a possibilidade de duas condutas: a prostituição e a
exploração sexual. Qual a diferença? A prostituição é a prática de atos sexuais
com um número indeterminado de pessoas. Exploração sexual é derivada da
Convenção de Palermo, que requer uma organização, e pressupõe um negócio em
curso. Em regra, ela tem fim lucrativo mesmo, mas o legislador penal brasileiro
remove isso como requisito. A exploração sexual também é um termo usado no
Estatuto da Criança e do Adolescente quando se fala em prostituição de crianças
e adolescentes.
No § 1º, temos uma figura equiparada. § 1º do art. 231: “Incorre na mesma pena aquele que agenciar,
aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa
condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.”
Veja que, quando o legislador coloca agenciar, aliciar ou
comprar pessoa traficada, na exploração sexual há escravidão. A pessoa perde a
condição de ser humano e passa a ser objeto, portanto, negociável. Houve uma
convenção, há muito tempo, para coibir o tráfico de escravas sexuais. Isso,
hoje em dia, parece coisa de filme histórico, da Antiguidade, da Idade Média.
mas não é bem assim. O Estatuto de Roma previu bem essas condutas e o TPI diz-se
competente para julgá-los, na condição de crimes de guerra. É um crime
semelhante, mas em momentos diferenciados, como guerra civil ou guerra
internacional. Causa-nos asco saber que, quando houve o tsunami na Ásia de 2004,
mulheres foram obrigadas a fazerem papel de escravas sexuais.
No § 2º, temos hipóteses de causas especiais de aumento de
pena: “A pena é aumentada da metade se: I
– a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II – a vítima, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III
– se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,
companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se
assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
ou IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.”
No inciso III, temos a previsão da omissão, na medida em que
a pessoa assumiu a obrigação de tomar cuidado, proteção ou vigilância da
vítima. É a posição de garantidor. O sujeito é posto na condição de co-autor e
com pena aumentada.
Por fim, temos a aplicação de multa, no § 3º.
O tráfico interno
O que temos aqui? Outro tipo misto. Também teremos várias
possibilidades com um núcleo parecido, no art. 231-A: “Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território
nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual
[...]”
Por haver deslocamento dentro do território nacional o crime
já está consumado. Note a parte: de alguém que
venha a exercer.
Figura equiparada está no § 1º: “Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a
pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la,
transferi-la ou alojá-la.”
Causas de aumento: § 2º: “A pena é aumentada da metade se: I – a vítima é menor de 18 (dezoito)
anos; II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática do ato; III – se o agente é ascendente,
padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador,
preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV – há emprego de violência,
grave ameaça ou fraude.”
No § 3º também teremos a possibilidade de ocorrer a
cumulação da pena de multa em razão da possibilidade do fim lucrativo. Também,
quando falamos em prostituição ou exploração sexual, fazer a diferenciação:
prostituição é o exercício habitual, enquanto a exploração sexual é o negócio
em que alguém pode vir a ser reduzido à condição de escravo sexual.
Lembrem-se que o art. 232 foi revogado. Então, os arts. 223
e 224 não são mais aplicados.
Ultraje público ao
pudor
O que é pudor? Na verdade, é um sentimento de vergonha, de
constrangimento, que tem a ver com a matéria sexual. Talvez, para uma pessoa
idosa, ver dois homens em manifestação ostensiva de carícias é algo que pode
ser constrangedor no sentido de moral sexual. Um gesto obsceno, um palavrão,
uma palavra dita na hora errada pode ser um atentado ao pudor dependendo de
quem esteja no ambiente. Um homem, passeando com sua família, foi vítima de um
ato obsceno e foi à delegacia registrar ocorrência. Ele talvez não se sentisse
constrangido se estivesse sozinho.
A impropriedade do termo é que não é público o ultraje, mas,
ao invés disso, há um ultraje ao pudor
público. Note a diferença de ordem.
Quais são os dois crimes que temos? Ato obsceno, no art.
233: “Praticar ato obsceno em lugar
público, ou aberto ou exposto ao público: Pena – detenção, de três meses a um
ano, ou multa.” Lugar público, aberto ao público, ou exposto ao público. A varanda
do apartamento de alguém que faz questão de usar roupão aberto é considerado
lugar aberto ao público.
Duas observações:
Escrito ou objeto
obsceno
Art. 234: “Fazer,
importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda, para fim de comércio, de distribuição
ou de exposição pública, escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto
obsceno: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único –
Incorre na mesma pena quem: I – vende, distribui ou expõe à venda ou ao público
qualquer dos objetos referidos neste artigo; II – realiza, em lugar público ou
acessível ao público, representação teatral, ou exibição cinematográfica de
caráter obsceno, ou qualquer outro espetáculo, que tenha o mesmo caráter; III –
realiza, em lugar público ou acessível ao público, ou pelo rádio, audição ou
recitação de caráter obsceno.”
O que percebemos aqui? Por que um sex shop não é proibido? Por
que não há exposição pública, elementar do tipo. E a quando uma atriz faz
campanha contra o câncer de mama? É um
dilema. Temos a Lei de Imprensa foi revogada pelo Supremo.
Quem possibilita o acesso a criança e adolescente pratica o
crime. Consulte o ECA. Temos que saber aquilo que parece obsceno é artístico ou
informativo. Mas, em relação a criança e adolescente não importa.