Vamos ao Capítulo IV do Título X, dos crimes contra a fé
pública agora.
Falsificação
empregado no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins
Art. 306: “Falsificar,
fabricando-o ou alterando-o, marca ou sinal empregado pelo poder público no
contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária, ou usar marca ou
sinal dessa natureza, falsificado por outrem:
Pena – reclusão, de
dois a seis anos, e multa.
Parágrafo único – Se a
marca ou sinal falsificado é o que usa a autoridade pública para o fim de
fiscalização sanitária, ou para autenticar ou encerrar determinados objetos, ou
comprovar o cumprimento de formalidade legal:
Pena – reclusão ou
detenção, de um a três anos, e multa.”
Qual o objeto jurídico tutelado? Aqui temos mais um sinal.
Mas não é o do art. 296 (falsificação do selo ou sinal público), que o
legislador poderia ter incluído na parte de documentos, já que o próprio selo
não é um documento, mas serve para autenticar um ato.
Aqui temos, como objeto jurídico, a marca ou sinal empregado
pelo poder público do contraste de metal precioso ou na fiscalização
alfandegária. Temos outro conflito aparente de normas. Essa marca ou sinal não podem ser o selo tributário. São as
marcas das alfândegas, nas fronteiras entre dois países. Ao ir a um país
estrangeiro, passamos pela alfandega. Vejam que objetos de importação e
exportação têm que conter o selo destinado à autenticação pode ser o selo tributário, aquele do art. 293. Mas aquele selo não
é previsto apenas para as relações
alfandegárias. Aqui no art. 306 a figura é restrita. Se estamos falando em alfândega,
estamos falando em fronteira. Há também o selo para o trânsito de mercadorias
entre dois estados da Federação, não só entre países.
Contraste de metal precioso: é marca ou sinal usado para
identificar que temos uma peça genuína, autêntica. Ouro, bronze, platina, etc. Serve
para atestar que aquilo se trata de um metal precioso verdadeiro, maciço. Ao comprar
joias, além do certificado de garantia, há também um pequeno lacre indicando o
tipo de metal, se é, por exemplo, ouro 18 quilates ou 24... Esse é o objeto:
marca ou sinal.
Esse tipo é específico em relação ao do art. 296, que fala
em elaboração de documentos. Aqui no art. 306 o sinal ou marca é para
fiscalização ou para comprovação de que se trata de um metal precioso.
Nem precisaria colocar na norma legal a expressão “falsificado
por outrem”, pois já temos a regra da consunção: quem falsifica e usa responde
apenas pela falsificação pois usamos a regra da progressão criminosa, sendo a
segunda conduta um post factum impunível.
No entanto, se um sujeito falsifica e outro usa, aí sim teremos, neste tipo, a
primeira parte para quem falsificou e a segunda para quem usou.
Parágrafo único: temos uma figura equiparada. Continua sendo
objeto de tutela a marca ou sinal, mas é a usada para a fiscalização sanitária,
como as marcas do Ministério da Agricultura que atestam a procedência da carne.
Todo alimento na prateleira do supermercado presume-se
fiscalizado pelo Ministério da Agricultura ou pelo Ministério da Saúde.
Segunda parte: ao se falar em autenticar ou encerrar
determinados objetos, como apreensão, penhora, nos referimos ao sinal que autentica determinados
objetos. Quando falamos em imóveis, falamos em interdições. Daí há um lacre posto
por uma autoridade dizendo que o imóvel está interditado.
“...ou comprovar o
cumprimento de formalidade legal:” Aqui temos uma regra bem geral mesmo.
Aqui temos toda a gama de atos que podem ser praticados pelo juiz, promotor,
delegado de polícia, então, para cumprir a formalidade legal, usa-se um sinal.
Há outro conflito aparente de normas com o art. 296: este parágrafo fala em
generalidades. Se for sinal, símbolo ou sinal de tabelião, vamos para o art.
296, pois eles especificam que o sinal é de tabelião ou outros entes públicos. Esta
parte é geral enquanto a do art. 296 é especial. Então procuramos primeiro no
art. 296; não encontrando, aplicamos o parágrafo único do art. 306.
Na verdade, o legislador poderia ter colocado como forma do
art. 296, mas colocou aqui porque não se trata só de documentos, mas podem ser
também objetos.
Falsa identidade
Segunda hipótese de crime que temos é a falsa identidade. É
um crime subsidiário de forma expressa. Art. 307: “Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter
vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena – detenção, de
três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais
grave.”
É um falso ideológico verbal. Alguém se apresenta como outra
pessoa, mas sem apresentar nenhum documento. Usar algo falso é apresentar
contra terceiro. Atribuir-se ou atribuir a terceiro é ato verbal, sem
necessidade de se mostrar qualquer documento ou insígnia.
Praticou este crime um sujeito que se dizia padre para
recolher doações de estabelecimentos comerciais do Lago Sul. Quanto aos que não
acreditaram nele, o tipo do art. 307 está consumado; para os que caíram no
golpe e deram contribuição, houve estelionato.
Ainda dentro do mesmo nomen
juris, temos o art. 308: “Usar, como
próprio, passaporte, título de eleitor, caderneta de reservista ou qualquer
documento de identidade alheia ou ceder a outrem, para que dele se utilize,
documento dessa natureza, próprio ou de terceiro:
Pena – detenção, de
quatro meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui elemento de crime
mais grave.”
O que é usar? Apresentar contra alguém a carteira. Alguém
pode “tomar emprestada” uma carteira de identidade de alguém parecido e querer
entrar num clube, cujo controle de entrada se dá por meio de uma roleta com
sistema de identificação por biometria. Ao não ser reconhecida a impressão
digital, o “sócio” apresenta a identidade ou carteira social ao porteiro, que
libera a entrada. Isto é usar. Lembrem-se que portar documento falso não é
crime, então menos ainda o será portar documento de outrem.
Observação: quem apenas diz ser outra pessoa, sem nada
apresentar, não está usando.
Parte in fine: ceder documento para que alguém use. Aqui, não se
exige que quem recebeu chegue a fazer uso.
Diferentemente do art. 307, caput, não se precisa ter o benefício. Se houver, ele será considerado
na dosimetria, mas não precisa.
No caso do art. 308, também, temos um crime de menor
potencial ofensivo e também subsidiário de forma expressa.
Fraude de lei sobre
estrangeiro
Os arts 309 e 310 falam sobre o estrangeiro. Art. 309: “Usar o estrangeiro, para entrar ou
permanecer no território nacional, nome que não é o seu:
Pena – detenção, de um
a três anos, e multa.
Parágrafo único –
Atribuir a estrangeiro falsa qualidade para promover-lhe a entrada em território
nacional:
Pena – reclusão, de um
a quatro anos, e multa.”
Aqui temos dolo específico. Atribuição de nome de outrem para
entrar no território nacional. Pode se dar na forma de atribuir-se, ou na forma
de documento. Mas aqui é uma figura especial em relação ao art. 307 porque
fala-se do estrangeiro. Ele pode ou não chegar a ingressar no território brasileiro.
Vejam que, no parágrafo único, o crime pode ser praticado
por qualquer pessoa. Atribuir falsa identidade a estrangeiro para aqui entrar.
É a figura do que auxilia o estrangeiro.
Tanto o art. 309 quanto seu parágrafo único se referem a
estrangeiro. Posso atribuir identidade a alguém que não seja estrangeiro. Aqui voltamos
para o art. 307 pois trata-se de falsa identidade. Aqui no art. 309 a especialidade
está no estrangeiro.
O art. 310 é um pouco mais grave. Hoje temos a pessoa que se
oferece para servir como testa de ferro, laranja, se passar por dono de uma
empresa quando, na verdade, quem é o dono é o estrangeiro, quando não poderia
sê-lo. “Prestar-se a figurar como
proprietário ou possuidor de ação, título ou valor pertencente a estrangeiro,
nos casos em que a este é vedada por lei a propriedade ou a posse de tais bens:
Pena – detenção, de
seis meses a três anos, e multa.”
Imagine uma empresa de telecomunicações ou companhia que
tenha monopólio para explorar minérios, e há proibição para estrangeiro ser
proprietário de ações ou ser dono mesmo. Aqui é a figura daquele que se presta
a figurar como testa de ferro. Na Amazônia isso é um grande problema hoje em
dia. Os estrangeiros se apresentam como colaboradores, mas eles mesmos que
trouxeram o capital, e vêm para traficar flora, fauna, borboletas, insetos, e
desenvolver novas drogas. É uma ameaça à segurança nacional. É uma norma penal
em branco, a ser preenchida com a própria Constituição.
Vamos para o último crime do título.
Adulteração de sinal
identificador de veículo automotor
Provavelmente o crime mais importante deste capítulo.
Art. 311: “Adulterar
ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo
automotor, de seu componente ou equipamento:
Pena – reclusão, de
três a seis anos, e multa.
§ 1º - Se o agente
comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é
aumentada de um terço.
§ 2º - Incorre nas
mesmas penas o funcionário público que contribui para o licenciamento ou
registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material
ou informação oficial.”
Precisamos do complemento do Código de Trânsito Brasileiro
para saber o que é sinal identificador de um veículo. Hoje são considerado sinais
identificadores, entre outros, a placa de identificação, o número do chassi,
cor, modelo e o ano.
O objeto de tutela é o sinal identificador dos veículos,
para evitar que se compre carro roubado ou furtado, e para que não haja o
comércio irregular de peças do carro.
Essa norma só entrou no Código Penal em 1996. Houve um
congresso de delegados de polícia pedindo a inclusão desse artigo. Os estados
do Sul eram os que mais sofriam com isso, pois o adulterador de sinais dos
veículos era parte da cadeia criminosa, mas não se podia condená-los. Agora, a
só desnaturação é crime. Se vender, pode haver mais de um crime.
Temos duas formas equiparadas nos parágrafos, a primeira se
referindo ao agente em função pública. Imagine os DETRANs e os policiais
rodoviários federais praticando este crime. E a última: “Incorre nas mesmas penas o funcionário público que contribui para o
licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo
indevidamente material ou informação oficial. ” Aqui não há falsificação
nem adulteração. Ele contribui, com a negligência dolosa, e possibilita o
licenciamento do veículo em outra unidade da federação.
Agora temos, tendo como objeto um automóvel, o crime de furto,
de adulteração de sinal identificador e receptação.