Ainda estamos na unidade didática 1.
Vimos as formas de
autonomia do Direito do Trabalho, e agora estamos vendo quatro
princípios. O
primeiro é o mega-princípio da proteção, com três sub-princípios: norma
mais
favorável, condição mais benéfica e in
dúbio pro operário.
Faltou ver o princípio
da primazia da realidade. São quatro dos vários princípios
que existem no
Direito do Trabalho. Alguns autores apresentam outros tantos
princípios.
O princípio da primazia da realidade
é chamado também de princípio
da primazia da realidade sobre a forma. Em boa parte dos negócios
jurídicos do
Direito Comum não utilizamos a premissa de que vale o que está escrito;
mas sim
a verdade, o que efetivamente está ocorrendo. A verdade tem primazia
sobre a
forma. Significa então que pode-se contratar alguém, declarar na
carteira de
trabalho que paga à pessoa R$ 600,00 e, por fora, pagar mais R$ 400,00
por
algum moivo. Na hora de pagar o 13º salário, você, empregador, terá que
pagar
quanto? R$ 600,00 ou 1.000,00? 600 mais os 400. Qual é a realidade?
Quanto se
paga realmente? Mil. Isso quer dizer que se o empregado comprovar que
recebe R$
400,00 por fora, por testemunhas ou cheque ou qualquer meio de prova,
significa
que todo cálculo será feito em cima de R$ 1.000,00 de salário e não em
cima de
R$ 600,00.
Isso em termos numéricos.
Diga que você é advogado e tem uma
trabalhadora doméstica.
Como você tem um escritório em casa, ela liga para seus clientes, serve
cafezinho para os que comparecem, faz também um trabalho de marketing,
e
outros. Ela é uma empregada doméstica ou, na verdade, faz um serviço de
secretária? Claro que é secretária. Isso é o que vale.
Como mostrar? Documentos, depoimento
de testemunha, perícia,
etc. Excepcionalmente o princípio pode ser desfavorável ao empregado.
Os
tribunais não alteram os casos nem as súmulas, mas alteram a
interpretação.
Aconteceu quando um advogado foi contratado por um partido político
para
acompanhar um caso durante o período eleitoral em determinado ano.
Atuou somente
naquela causa, e seu serviço se encerrou. Quatro anos depois ele ajuíza
ação
trabalhista pedindo o reconhecimento de vinculo empregatício com o
partido,
alegando que trabalhara habitualmente durante esse período de 4 anos.
Ficou
provado, no final das contas, que ele só havia trabalhado naquela causa
e nunca
mais, e seu pedido foi negado, apesar de haver um contrato de trabalho
demonstrando que ele não era profissional liberal, mas advogado
empregado.
O princípio da verdade real é próprio
do Direito Processual
Penal. Esse entendimento é que migrou para o Direito Processual do
Trabalho: a
análise das provas pelo juiz. Busca no máximo a realidade dos fatos. No
final,
o Processo Penal termina acarretando pagamento de multa, restrição de
liberdade, ou outras penas, enfim, há necessidade de se saber o mais
fielmente
possível o que aconteceu. Mas o Processo do Trabalho não tem a mesma
contundência do Processo Penal. Se você agir com a perspicácia do
Processo
Penal, o juiz do trabalho poderá estranhar e negar relevância à sua
pergunta. A
pergunta pode ter a ver com o caso. Discutir com o juiz é a pior coisa
a se
fazer. Educação é o melhor caminho.
Primazia da realidade, portanto, se
associa à ideia de verdade
real.
Os documentos que são unilateralmente
feitos pela empresa
não oferecem toda a prova que a empresa poderia fazer. Cuidado então:
esses
documentos podem fazer prova contra própria empresa. Os registros
oferecidos
unilateralmente não têm efeito quando se precisa de outra prova para
dar
substância dela, a essência do ato. O pagamento, por exemplo, é
comprovado pelo
recibo, que é um instrumento de quitação. Existe a possibilidade de se
provar
além do recibo? Sim, como nos casos em que o pagamento é feito a
credores
desqualificados, credor putativo, etc. Fato é que o recibo é o primeiro
instrumento de quitação que facilita, e afasta a exigência de se buscar
outras
provas de pagamento. O que pode-se alegar depois é a inidoneidade do
recibo.
Basta que a empresa declare que pagou? Não mesmo. Ela tem que mostrar o
recibo.
Outro ponto é que temos uma posição
semelhante no Código
Civil, no art. 112:
“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá
mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”
Se você escreve um documento de
promessa de compra e venda
de um apartamento, e nele escreve “Apartamento 302”, quando na verdade
você
mora no 202, nem você nem seu comprador estará imerso numa complicação.
Até
porque, quando se verificar que o apartamento 302 nem é de propriedadde
do
vendedor, aquele documento não terá validade.
Esse artigo 112 é dito pela doutrina
como uma ligação, uma
ideia com o princípio da primazia da realidade. Dá-se maior valor à
intenção, à
vivência daqueles fatos. Vivenciamos a realidade. No caso introdutório
desta
aula, vivenciamos um pagamento de
R$
1.000,00 e não de R$ 600,00. É a declaração de vontade. Embora esteja
escrito
que o empregador paga R$ 600,00, ele na verdade paga R$ 1.000,00.
O contrato de trabalho é denominado
por Mario De La Cueva como
contrato-realidade. O
contrato-realidade fecha toda essa ideia: não é um contrato formal, mas
que se
está vivenciando, a ponto de, no Direito do Trabalho, o contrato pode
até ser
verbal. O Estado, por exemplo, não aceita um contrato verbal de 10
anos, mas
isso não pode aproveitar ao empregador. O que não está escrito pode
valer.
Princípio da
continuidade da relação de emprego
Ele transvaza o Direito do Trabalho,
e passa até pela
Sociologia. O que é mais interessante para o empregado? Realizar um
contrato
determinado de 3 ou 4 meses, ou um por prazo indeterminado?
Indeterminado. Qual
a importância? O sentimento de estabilidade e de segurança. E quais
outras
vantagens? Possibilidade de promoção. A promoção está ligada ao
contrato de
trabalho por prazo indeterminado. Não é razoável promover um sujeito
que
assinou um contrato de seis meses. Outras coisas são educação e
profissionalização. Quem bancará para você um mestrado de três anos se
você só
vai trabalhar por um ano?
O princípio é importante para o
Estado pois um empregado estável
é mais rentável para o fisco. É importante para o fomento da economia,
pois sem
estabilidade o consumo diminui, e assim não se podem abrir outros
postos de
trabalho.
E para o empregador? Qual a vantagem?
Esforço do empregado
para o empregador. Haverá retorno constante, permanente, em prol dos
interesses
do empregador. Então é interesse do empregador qualificar seus
empregados, pois
assim sua instituição irá pontuar no mercado.
Qual é a relação entre esse princípio
e o da norma mais
favorável? Quando tenho normas mais favoráveis de um lado, é melhor que
o
empregado tenha contratos por prazo determinado ou indeterminado?
Indeterminado
porque daí segue que haverá a incidência de normas mais favoráveis.
Princípio da
força
obrigatória
É o pacta
sunt
servanda. Só se pode alterar o contrato (art. 468 da CLT) se
tiver-se a
aquiescência do empregado e não trouxer prejuízo imediato ou mediato.
Exemplo:
baixar salário imediatamente, para que em seis meses se aumente mais do
que o
valor atual: essa cláusula é nula. Os pactos devem ser observados. Note
que o
latim é língua mãe. É é bom que se use uma língua morta, pois não
variará. Não
há gírias em latim. Pacta sunt servanda terá o mesmo significado daqui
a cem
anos.
Se a mudança trouxer prejuízo para o
empregado, dizemos que
há uma reforma in pejus. Mauricio
Godinho
denomina esse princípio de inalterabilidade
contratual lesiva.
O pacta
está no
art. 313 do Código Civil: O credor não é
obrigado a receber prestação diversa da pactuada, ainda que de maior
valor.
Da mesma forma, o devedor não é obrigado a dar mais do que foi
acordado.
Mas se sou empregador de alguém, e me
dirijo à pessoa e diga
que pagarei não mais 50%, mas 70% de hora extra. Posso? Sim. Pode-se
fazer
alterações in mellius.
Por que o empregado fica proibido de
negar benefício? É para
evitar coação do empregador sobre o empregado: “assina aqui declarando
que você
está ciente de que eu te ofereci o aumento e você assina declarando que
não
quer.” Daí o legislador não dá esse direito à negativa. Só pode negar
em caso
de prejuízo, como uma transferência para a Amazônia. No Direito das
Obrigações,
o credor é obrigado a receber antecipadamente, salvo
comprovado o prejuízo.
Ainda sobre a força obrigatória: o
surgimento de novos
planos econômicos não caracteriza a força maior do Direito Civil. Aqui
no
Direito do Trabalho a reforma econômica tem um outro entendimento. A
empresa
continua devedora do empregado mesmo que haja mudança drástica do status quo.