Direito do Trabalho

quarta-feira, 03 de março de 2010

Princípios do Direito do Trabalho - continuação


Ainda estamos na unidade didática 1. Vimos as formas de autonomia do Direito do Trabalho, e agora estamos vendo quatro princípios. O primeiro é o mega-princípio da proteção, com três sub-princípios: norma mais favorável, condição mais benéfica e in dúbio pro operário.

Faltou ver o princípio da primazia da realidade. São quatro dos vários princípios que existem no Direito do Trabalho. Alguns autores apresentam outros tantos princípios.

O princípio da primazia da realidade é chamado também de princípio da primazia da realidade sobre a forma. Em boa parte dos negócios jurídicos do Direito Comum não utilizamos a premissa de que vale o que está escrito; mas sim a verdade, o que efetivamente está ocorrendo. A verdade tem primazia sobre a forma. Significa então que pode-se contratar alguém, declarar na carteira de trabalho que paga à pessoa R$ 600,00 e, por fora, pagar mais R$ 400,00 por algum moivo. Na hora de pagar o 13º salário, você, empregador, terá que pagar quanto? R$ 600,00 ou 1.000,00? 600 mais os 400. Qual é a realidade? Quanto se paga realmente? Mil. Isso quer dizer que se o empregado comprovar que recebe R$ 400,00 por fora, por testemunhas ou cheque ou qualquer meio de prova, significa que todo cálculo será feito em cima de R$ 1.000,00 de salário e não em cima de R$ 600,00.

Isso em termos numéricos.

Diga que você é advogado e tem uma trabalhadora doméstica. Como você tem um escritório em casa, ela liga para seus clientes, serve cafezinho para os que comparecem, faz também um trabalho de marketing, e outros. Ela é uma empregada doméstica ou, na verdade, faz um serviço de secretária? Claro que é secretária. Isso é o que vale.

Como mostrar? Documentos, depoimento de testemunha, perícia, etc. Excepcionalmente o princípio pode ser desfavorável ao empregado. Os tribunais não alteram os casos nem as súmulas, mas alteram a interpretação. Aconteceu quando um advogado foi contratado por um partido político para acompanhar um caso durante o período eleitoral em determinado ano. Atuou somente naquela causa, e seu serviço se encerrou. Quatro anos depois ele ajuíza ação trabalhista pedindo o reconhecimento de vinculo empregatício com o partido, alegando que trabalhara habitualmente durante esse período de 4 anos. Ficou provado, no final das contas, que ele só havia trabalhado naquela causa e nunca mais, e seu pedido foi negado, apesar de haver um contrato de trabalho demonstrando que ele não era profissional liberal, mas advogado empregado.

O princípio da verdade real é próprio do Direito Processual Penal. Esse entendimento é que migrou para o Direito Processual do Trabalho: a análise das provas pelo juiz. Busca no máximo a realidade dos fatos. No final, o Processo Penal termina acarretando pagamento de multa, restrição de liberdade, ou outras penas, enfim, há necessidade de se saber o mais fielmente possível o que aconteceu. Mas o Processo do Trabalho não tem a mesma contundência do Processo Penal. Se você agir com a perspicácia do Processo Penal, o juiz do trabalho poderá estranhar e negar relevância à sua pergunta. A pergunta pode ter a ver com o caso. Discutir com o juiz é a pior coisa a se fazer. Educação é o melhor caminho.

Primazia da realidade, portanto, se associa à ideia de verdade real.

Os documentos que são unilateralmente feitos pela empresa não oferecem toda a prova que a empresa poderia fazer. Cuidado então: esses documentos podem fazer prova contra própria empresa. Os registros oferecidos unilateralmente não têm efeito quando se precisa de outra prova para dar substância dela, a essência do ato. O pagamento, por exemplo, é comprovado pelo recibo, que é um instrumento de quitação. Existe a possibilidade de se provar além do recibo? Sim, como nos casos em que o pagamento é feito a credores desqualificados, credor putativo, etc. Fato é que o recibo é o primeiro instrumento de quitação que facilita, e afasta a exigência de se buscar outras provas de pagamento. O que pode-se alegar depois é a inidoneidade do recibo. Basta que a empresa declare que pagou? Não mesmo. Ela tem que mostrar o recibo.

Outro ponto é que temos uma posição semelhante no Código Civil, no art. 112:

“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”

Se você escreve um documento de promessa de compra e venda de um apartamento, e nele escreve “Apartamento 302”, quando na verdade você mora no 202, nem você nem seu comprador estará imerso numa complicação. Até porque, quando se verificar que o apartamento 302 nem é de propriedadde do vendedor, aquele documento não terá validade.

Esse artigo 112 é dito pela doutrina como uma ligação, uma ideia com o princípio da primazia da realidade. Dá-se maior valor à intenção, à vivência daqueles fatos. Vivenciamos a realidade. No caso introdutório desta aula, vivenciamos um pagamento de R$ 1.000,00 e não de R$ 600,00. É a declaração de vontade. Embora esteja escrito que o empregador paga R$ 600,00, ele na verdade paga R$ 1.000,00.

O contrato de trabalho é denominado por Mario De La Cueva como contrato-realidade. O contrato-realidade fecha toda essa ideia: não é um contrato formal, mas que se está vivenciando, a ponto de, no Direito do Trabalho, o contrato pode até ser verbal. O Estado, por exemplo, não aceita um contrato verbal de 10 anos, mas isso não pode aproveitar ao empregador. O que não está escrito pode valer.

 

Princípio da continuidade da relação de emprego

Ele transvaza o Direito do Trabalho, e passa até pela Sociologia. O que é mais interessante para o empregado? Realizar um contrato determinado de 3 ou 4 meses, ou um por prazo indeterminado? Indeterminado. Qual a importância? O sentimento de estabilidade e de segurança. E quais outras vantagens? Possibilidade de promoção. A promoção está ligada ao contrato de trabalho por prazo indeterminado. Não é razoável promover um sujeito que assinou um contrato de seis meses. Outras coisas são educação e profissionalização. Quem bancará para você um mestrado de três anos se você só vai trabalhar por um ano?

O princípio é importante para o Estado pois um empregado estável é mais rentável para o fisco. É importante para o fomento da economia, pois sem estabilidade o consumo diminui, e assim não se podem abrir outros postos de trabalho.

E para o empregador? Qual a vantagem? Esforço do empregado para o empregador. Haverá retorno constante, permanente, em prol dos interesses do empregador. Então é interesse do empregador qualificar seus empregados, pois assim sua instituição irá pontuar no mercado.

Qual é a relação entre esse princípio e o da norma mais favorável? Quando tenho normas mais favoráveis de um lado, é melhor que o empregado tenha contratos por prazo determinado ou indeterminado? Indeterminado porque daí segue que haverá a incidência de normas mais favoráveis.

 

Princípio da força obrigatória

É o pacta sunt servanda. Só se pode alterar o contrato (art. 468 da CLT) se tiver-se a aquiescência do empregado e não trouxer prejuízo imediato ou mediato. Exemplo: baixar salário imediatamente, para que em seis meses se aumente mais do que o valor atual: essa cláusula é nula. Os pactos devem ser observados. Note que o latim é língua mãe. É é bom que se use uma língua morta, pois não variará. Não há gírias em latim. Pacta sunt servanda terá o mesmo significado daqui a cem anos.

Se a mudança trouxer prejuízo para o empregado, dizemos que há uma reforma in pejus. Mauricio Godinho denomina esse princípio de inalterabilidade contratual lesiva.

O pacta está no art. 313 do Código Civil: O credor não é obrigado a receber prestação diversa da pactuada, ainda que de maior valor. Da mesma forma, o devedor não é obrigado a dar mais do que foi acordado.

Mas se sou empregador de alguém, e me dirijo à pessoa e diga que pagarei não mais 50%, mas 70% de hora extra. Posso? Sim. Pode-se fazer alterações in mellius.

Por que o empregado fica proibido de negar benefício? É para evitar coação do empregador sobre o empregado: “assina aqui declarando que você está ciente de que eu te ofereci o aumento e você assina declarando que não quer.” Daí o legislador não dá esse direito à negativa. Só pode negar em caso de prejuízo, como uma transferência para a Amazônia. No Direito das Obrigações, o credor é obrigado a receber antecipadamente, salvo comprovado o prejuízo.

Ainda sobre a força obrigatória: o surgimento de novos planos econômicos não caracteriza a força maior do Direito Civil. Aqui no Direito do Trabalho a reforma econômica tem um outro entendimento. A empresa continua devedora do empregado mesmo que haja mudança drástica do status quo.