O
que vimos até agora? História
do Direito do Trabalho, princípios, autonomia, princípio da proteção, pacta sunt
servanda, e o da
continuidade da relação de emprego. E
depois vimos fontes, convenção coletiva, acordo coletivo de trabalho,
CLT,
jurisprudência, OJs e Precedentes Normativos. Na aula passada falamos
sobre a
aplicação da lei trabalhista no tempo e no espaço. Vamos agora para a
unidade
didática II, que é a figura do empregado. A CLT diz não quem é
alcançado, mas
não quem não é.
Vamos
ver o art. 3º da CLT, que
define a figura do empregado. Depois, veremos o empregador. Aliás, o
melhor é
internalizarmos de uma vez por todas o art. 3º: “Considera-se
empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário.” Pessoa física, não eventual, sob dependência,
mediante salário.
Vamos estudar cada uma dessas coisas.
Logo
saberemos ver a diferença
entre o risco da atividade de um prestador de serviço e de um
empregado.
Não-eventualidade
O
primeiro elemento caracterizador
de um empregado é a não-eventualidade. O que é um evento? Algo que não
acontece
com muita frequência. A não-eventualidade é algo que se dá, portanto,
com certa
reiteração, ou habitualidade. Essa
palavra é importante porque termina interferindo na relação
empregado-empregador de maneira significativa. Algo que não é eventual
traz
determinadas consequências. Uma gratificação dada ao empregado a cada
dois
anos, ou 10 meses, é eventual. Daí não trará as consequências que o
Direito do
Trabalho reserva. O Direito do Trabalho se preocupa com a continuidade.
Em
algumas situações, o sujeito
já tem a carteira de trabalho assinada, portanto não haverá maiores
problemas. Mas
alguém que trabalhe por quatro, ou seis meses poderá pedir o
reconhecimento da
relação de emprego. O prestador de serviços vai a juízo pedir a
declaração da
relação de emprego. Qual a consequência? Os direitos sociais: 13º
salário, férias,
adicional noturno...
Note
que há situações em que o
empregador tenta burlar a norma trabalhista. Como os empregadores que
propõem
que o prestador constitua pessoa jurídica para continuar com o
mesmíssimo
trabalho, na mesma sala e com as mesmas atribuições. Significa que,
tecnicamente, ele não é mais um empregado, mas devemos sempre atentar
para o
princípio da primazia da realidade nessas ocasiões. Significa que fatos
se
sobrepõem aos documentos, e esse “prestador de serviços” será
reconhecido como
empregado em juízo. Isso se dá analisando o tempo, e não algo pontual.
Cuidado
com o risco material e
processual sobre o sujeito que acha que, constituindo pessoa jurídica,
irá
ganhar dinheiro no futuro pleiteando o reconhecimento da relação de
trabalho, e
não de prestação de serviços. Muitos, depois de saber desse direito ao
reconhecimento da relação de emprego, acharão que poderão seguramente
continuar
trabalhando como pessoa jurídica e não mais como pessoa física, e,
depois,
pleitear em juízo a declaração de que ele era, durante todo esse tempo,
um
empregado. Isso é uma roleta russa, na verdade. O órgão julgador poderá
entender que o sujeito era de fato um prestador mesmo, e não um
empregado.
O
que importa é a reiterabilidade,
o que não é ocasional. Essa repetição não precisa ser necessariamente
diária.
Sendo diária, claro, ter-se-á maior facilidade de caracterizar tudo. O
professor, por exemplo, poderia dar uma disciplina de apenas dois
créditos,
trabalhando um dia por semana. Ainda assim seria habitual e suficiente
para
caracterizar a relação de emprego, até porque é o teor do contrato, em
que o
professor participa de um sistema acadêmico. Na graduação, felizmente, não
há espaço para que se contrate um
professor como prestador de serviços.
Outra
coisa da não-eventualidade
é a figura da necessidade do serviço, na atividade direta ou indireta.
Atividade direta é a atividade-fim. Se eu contrato um empregado para
uma
atividade que não é a atividade-fim, posso dizer que ele não é
empregado? Essa
é uma discussão que divide opiniões; irá depender da corrente. O
pessoal da
limpeza aqui do CEUB, por exemplo, está aqui para a atividade fim? Não.
Mas os
faxineiros são empregados. Os professores, por sua vez, estão
empregados na
atividade-fim, que é a atividade acadêmica. Significa então que a
atividade não
necessariamente coincide com a atividade-fim. O mesmo para um convite
feito ao Prof.
Rezek para dar uma palestra.
Todos
são empregados,
independentemente da atividade desempenhada.
Pessoa física
Passamos
agora para a pessoa
física. O empregado é pessoa física, não pode ser pessoa jurídica. Não
pode ser
empresa, nem pode ser um animal. Como reconhecer uma pessoa física? É a
pessoa
de acordo com a formalidade do Código Civil, ou usamos o princípio da
primazia
da realidade? Determinaremos quem é pessoa física de acordo com o
princípio da
primazia da realidade, é claro. Devemos aferir, caso a caso, se o
sujeito de
fato trabalha como empregado, ou como empresa prestadora de serviços.
Empresas
que trabalham com mais
segurança contratam alguém na área de propaganda ou como representante
comercial desde que o sujeito tenha no mínimo dois anos de prática no
mercado.
Assim tem-se mais segurança no sentido de que o tomador terá mais fé no
sujeito
que se apresenta no mercado como pessoa jurídica. Segundo porque o
tomador irá
contratar os serviços de alguém que já conhece a região, e a praça
muitas vezes
coincide com o interesse do próprio tomador. Se minha empresa vende
roupas de
cama, e conheço um sujeito que atualmente é um representante comercial
na área
de roupas íntimas, contratá-lo para vender minhas roupas de cama na
mesma área
de atuação dele, aquela praça, onde ele já é conhecido, será favorável
tanto
para ele quanto para mim. O cliente também continuará comprando de uma
pessoa
já conhecida. Se uma empresa contrata alguém que tem dois anos de
pessoa
jurídica, aquela presume que esta trabalha com boa-fé.
Mas
também é normal que se peça
que o prestador constitua uma pessoa jurídica. Assim, ele terá gastos
com
registro, por exemplo. Os juízes têm decidido no sentido de que cabe à
empresa pagar
os gastos que o sujeito teve ao constituir a pessoa jurídica, como os
gastos
cartorários. O que é isso? Princípio da
reparação integral.
O
empregado tem que ser pessoa
física, portanto. Entretanto, se ele for uma pessoa jurídica, mas se
verificar
que ele está sendo tratada como pessoa física, então ele deverá pedir o
reconhecimento da relação empregado-empregador.
Outra
coisa: eu contrato você, e
você constitui uma sociedade para que você fique numa situação de
empresa
individual. Mas como pode uma sociedade ser uma empresa individual, já
que,
para a existência de uma sociedade, são necessários pelo menos dois
sócios?
Justamente. Alguém terá 99% das cotas e o outro terá 1%. Não deixa de
ser uma
sociedade, pois tem dois ou mais sócios. mas nem se sabe quem é o
sujeito do 1%.
Isso é o que empresas têm feito para descaracterizar a relação de
emprego. É
uma maneira de burlar a legislação. E, mesmo que se descubra quem é o
detentor
do 1% restante, provavelmente ele integralizou esse capital usando
empréstimo
do majoritário, que detém 99%. Acaba sendo uma empresa individual. O
professor
ainda não viu o tema passar pelos tribunais.
Não
existe ninguém, nenhum
advogado, membro do Ministério Público do Trabalho ou profissional do
Direito
voltado para a criação de instrumentos que visem reduzir os encargos
trabalhistas. Só há uma pessoa que termina inventando esse tipo de
coisa, no
sentido de identificar uma forma de evitar a aplicação da lei
trabalhista, que
é exatamente quem sofre com isso: o tomador.
Subordinação
É
o que o art. 3º chama de dependência.
Quando se tem a relação de
emprego formalizada, até se coloca em segundo plano a figura e o
entendimento
desses elementos, uma vez que o sujeito já está estável e com carteira
de
trabalho assinada. Esses elementos só são notados quando não se tem uma
situação estável. Daí, o que fazer? De novo: princípio da primazia da
realidade.
E
a dependência, o que é?
Dependência do empregado para com o empregador, no sentido de que o
empregador
tem mais conhecimento que o empregado, tem know-how
e, por ser o organizador dos meios de produção, sabe o que e como fazer
as
coisas? É uma coisa que não é muito verificada na prática. O tomador é
quem, na
verdade, não tem o mesmo conhecimento do que o prestador do serviço. Em
nossa
casa mesmo vemos: a empregada doméstica sabe cozinhar muito melhor que
nós! Ao
mesmo tempo que o tomador de um serviço prestado por um pintor,
contratado para
fazer um trabalho numa sala, não tem o mesmo conhecimento do prestador.
Subordinação
moral: obrigação de
cooperar com eficiência e lealdade. É o aspecto espiritual. Tem relação
com a
corrente dualista das obrigações, que fala que a relação que existe
entre
devedor e credor é uma relação primeiramente espiritual, e o patrimônio
do
devedor só será alcançado quando essa relação espiritual for quebrada.
Subordinação
disciplinar: poder
do empregador de punir. Também diz respeito à posição do empregado na
empresa. Agora
perguntamos: ser subordinado por si só, já caracteriza a dependência, a
dependência é mais ampla do que somente a subordinação disciplinar?
Claro que
não quer dizer respeito apenas à subordinação disciplinar. Suspender o
empregado,
que é um dos poderes do empregador, também importa certo prejuízo. Uma
punição
para o prestador ou empregado também tem um reflexo negativo para o
tomador ou
empresa. Suspensão por oito dias significa pagamento de menos oito
dias, mas
também significa que não se terá oito dias de serviço.
Conclusão:
a subordinação
disciplinar é suficiente para caracterizar a dependência, ou esta é
mais
abrangente? Ela é com certeza mais abrangente. Não é puramente
disciplinar.
Subordinação
econômica: deriva de
correntes alemãs e francesas. O conjunto de bens do tomador é maior do
que o
conjunto de bens do empregado. É como se o empregador fosse mais rico e
tivesse
patrimônio maior que o empregado. Isso é verdadeiro? Na maioria das
vezes. Mas
há situações em que o empregador está em processo de falência, enquanto
o
empregado está em situação estável. Um exemplo é um boteco que por
algum motivo
perdeu a clientela. O empregado pode estar lá há muitos anos, e ter
acumulado
vários benefícios. O dono entrou em falência, e é a parte
hipossuficiente.
Subordinação
social: parecida com
a econômica. O empregado depende do empregador para cumprir com seus
compromissos sociais, como pagar a escola do filho e suas necessidades
para a
convivência com a sociedade. Daí ele precisa do dinheiro, que é o
salário. No
final das contas, essa dependência social se traduz na necessidade e
mesmo na
urgência/imprescindibilidade do salário. Não podemos deixar para
comprar a água
amanhã; é hoje que temos sede. E se não houver como pagar? Não pagará.
Pior que
pagar menos é não pagar. Daí surge a importância do acordo.
Sugestão
de filme: Tempos
Modernos.
Subordinação
jurídica: é o
entendimento majoritário. É o poder do empregador de controlar,
coordenar e fiscalizar a atividade do empregado. Por
exemplo, obrigá-lo a participar de reuniões e assinar pontos. O
empregado tem
ordens, e se submete a fiscalização. Aqui no CEUB, o coordenador pode
aparecer
a qualquer momento para ver o desempenho do professor.
Quando
o empregador atua com
excesso na fiscalização, o empregador incorre em abuso ou assédio
moral, como a
colocação de câmeras em banheiros e revistas na saída. Houve uma
empresa que
designou um homem e uma mulher para revistarem os empregados na saída
todos os
dias. A mulher revistava as mulheres e o homem os homens. O
constrangimento foi
inevitável. Um homem e uma mulher, ambos empregados da mesma empresa,
ajuizaram
pedido de danos morais. A empregada recebeu indenização quatro vezes
maior do
que o empregado.
Resumindo,
então, a subordinação
pode ser moral, disciplinar, econômica, social ou jurídica.
Mediante salário
Vamos
agora para este termo usado
pelo art. 3º da CLT. O que podemos ver agora é que o salário pode ser
pago em
pecúnia, dinheiro, ou em vantagens, o que se chama de “utilidades”. O
que é um
salário utilidade? Traz determinada vantagem para o empregado, mas não
se
constitui em moeda. Como habitação, roupas (desde que não seja o
uniforme):
algo recebido pelo trabalho, e não para
o trabalho.
Existem
exceções. Onde não houver
salário não há trabalho; não há vínculo de emprego. O salário é
essencial para
existência da relação. Como bolsa-estágio, pro
labore, e dividendos de uma sociedade.
Outra
situação é aquela em que a
prestação de serviço é gratuita. Como trabalho voluntário, em que se
ajudam
doentes, por exemplo. O trabalhador voluntário pode receber uma
contraprestação, como apoio para o transporte, o alimento, mas isso
também não
é salário.
Veremos
o salário em detalhes
depois. O que temos que saber agora é que o valor pago pelo empregador
ao
empregado se denomina salário. Na sua falta, já temos grandes indícios
de que
não se trata de uma relação de emprego.
E
assim fechamos os quatro
elementos que constituem a figura do empregado: não-eventualidade,
pessoa
física, sob dependência e mediante salário.
Alguns
autores, quando falam de
pessoa física, dizem que o trabalho é intuitu
personae. Qual a diferença entre uma obrigação de fazer
personalíssima e um
trabalho intuito personae? Nenhuma! Tudo está na mesma ideia. Significa
que não
há possibilidade de substituição do empregado quando se fala em pessoa
física.
O trabalho é pessoal, e não se pode substituir o empregado pura e
simplesmente,
mesmo que o substituto faça exatamente a mesma coisa. Outra pessoa até
pode
realizar o trabalho em meu lugar. Mas isso traz duas consequências: não
porá
fim ao meu contrato de trabalho pois da pessoa que acidentalmente está
me
substituindo é ocasional; outra é que isso não fará nascer um contrato
de
trabalho com o substituto, pois não se consegue caracterizar a
dependência.
A
ideia de dependência e
não-eventualidade estão ligadas demais ao princípio da primazia da
realidade e
ao da continuidade da relação de emprego.
Exclusividade
A
ideia de exclusividade está no
fato de que o prestador de serviço realiza exclusivamente a tarefa para
aquele
tomador. A faculdade, por exemplo, não exige que o professor seja
empregado
exclusivo. A lei também não impõe que a empresa pague um adicional de
exclusividade. Mas, de qualquer forma, numa contratação entre tomador e
prestador de serviço, pode ser que o tomador requeira a realização de
uma tarefa
de pintura e reparos a um vizinho, desde que haja exclusividade. Isso
seria um
vínculo de emprego? Não existe relação entre essas duas ideias. Há os
que
prestam serviços com exclusividade para alguém e não têm relação de
emprego.
Não fica caracterizado o vínculo de emprego. No trabalho voluntário,
por
exemplo, pode-se atuar exclusivamente para alguém ou uma empresa. Não
significa
que o sujeito terá uma relação de emprego justamente pela ausência de
um
salário. Pode-se, por outro lado, ter vínculo de emprego sem
exclusividade,
como é o caso de alguns professores.
Por
fim, a exclusividade não é
obrigatória, mas existe a possibilidade de o tomador exigi-la. Como nos
trabalhos de grande relevância. Exemplo: os que mexem com segredos
industriais.
Risco do negócio
O
risco do negócio é a
sustentação da atividade empresarial com a assimilação dos lucros e
prejuízos
pelo empregador. Isso se caracteriza como risco da atividade. O
prejuízo não
pode ser passado para o empregado. Ele pode ser mandado embora, mas não
pode
ser obrigado a reservar parte de seu salário para pagar energia.
Tesoureiro
de banco: tomou todas
as medidas para evitar evasão de dinheiro. Significa que o prejuízo tem
que ser
amargado pelo empregador, e não pelo empregado. Frentista de posto de
gasolina
que toma todas as precauções orientadas pelo patrão quanto ao
recebimento de
cheques, quando este vem a ser descoberto sem fundo, não poderá ser
responsabilizado e dele ser exigido o reembolso em favor do empregador.
Somente
em caso de culpa ou dolo que o empregado pode ser responsabilizado.
Claro que é
ônus do empregador provar que o empregado tinha conhecimento das normas.
Esta
é uma das aulas mais
importantes de todo o curso. Leia na doutrina, pois é fundamental.