Direito do Trabalho

segunda-feira, 15 de março de 2010

Vinculo de emprego


O que vimos até agora? História do Direito do Trabalho, princípios, autonomia, princípio da proteção, pacta sunt servanda, e o  da continuidade da relação de emprego. E depois vimos fontes, convenção coletiva, acordo coletivo de trabalho, CLT, jurisprudência, OJs e Precedentes Normativos. Na aula passada falamos sobre a aplicação da lei trabalhista no tempo e no espaço. Vamos agora para a unidade didática II, que é a figura do empregado. A CLT diz não quem é alcançado, mas não quem não é.

Vamos ver o art. 3º da CLT, que define a figura do empregado. Depois, veremos o empregador. Aliás, o melhor é internalizarmos de uma vez por todas o art. 3º: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” Pessoa física, não eventual, sob dependência, mediante salário. Vamos estudar cada uma dessas coisas.

Logo saberemos ver a diferença entre o risco da atividade de um prestador de serviço e de um empregado.

 

 

Não-eventualidade

O primeiro elemento caracterizador de um empregado é a não-eventualidade. O que é um evento? Algo que não acontece com muita frequência. A não-eventualidade é algo que se dá, portanto, com certa reiteração, ou habitualidade. Essa palavra é importante porque termina interferindo na relação empregado-empregador de maneira significativa. Algo que não é eventual traz determinadas consequências. Uma gratificação dada ao empregado a cada dois anos, ou 10 meses, é eventual. Daí não trará as consequências que o Direito do Trabalho reserva. O Direito do Trabalho se preocupa com a continuidade.

Em algumas situações, o sujeito já tem a carteira de trabalho assinada, portanto não haverá maiores problemas. Mas alguém que trabalhe por quatro, ou seis meses poderá pedir o reconhecimento da relação de emprego. O prestador de serviços vai a juízo pedir a declaração da relação de emprego. Qual a consequência? Os direitos sociais: 13º salário, férias, adicional noturno...

Note que há situações em que o empregador tenta burlar a norma trabalhista. Como os empregadores que propõem que o prestador constitua pessoa jurídica para continuar com o mesmíssimo trabalho, na mesma sala e com as mesmas atribuições. Significa que, tecnicamente, ele não é mais um empregado, mas devemos sempre atentar para o princípio da primazia da realidade nessas ocasiões. Significa que fatos se sobrepõem aos documentos, e esse “prestador de serviços” será reconhecido como empregado em juízo. Isso se dá analisando o tempo, e não algo pontual.

Cuidado com o risco material e processual sobre o sujeito que acha que, constituindo pessoa jurídica, irá ganhar dinheiro no futuro pleiteando o reconhecimento da relação de trabalho, e não de prestação de serviços. Muitos, depois de saber desse direito ao reconhecimento da relação de emprego, acharão que poderão seguramente continuar trabalhando como pessoa jurídica e não mais como pessoa física, e, depois, pleitear em juízo a declaração de que ele era, durante todo esse tempo, um empregado. Isso é uma roleta russa, na verdade. O órgão julgador poderá entender que o sujeito era de fato um prestador mesmo, e não um empregado.

O que importa é a reiterabilidade, o que não é ocasional. Essa repetição não precisa ser necessariamente diária. Sendo diária, claro, ter-se-á maior facilidade de caracterizar tudo. O professor, por exemplo, poderia dar uma disciplina de apenas dois créditos, trabalhando um dia por semana. Ainda assim seria habitual e suficiente para caracterizar a relação de emprego, até porque é o teor do contrato, em que o professor participa de um sistema acadêmico. Na graduação, felizmente, não há espaço para que se contrate um professor como prestador de serviços.

Outra coisa da não-eventualidade é a figura da necessidade do serviço, na atividade direta ou indireta. Atividade direta é a atividade-fim. Se eu contrato um empregado para uma atividade que não é a atividade-fim, posso dizer que ele não é empregado? Essa é uma discussão que divide opiniões; irá depender da corrente. O pessoal da limpeza aqui do CEUB, por exemplo, está aqui para a atividade fim? Não. Mas os faxineiros são empregados. Os professores, por sua vez, estão empregados na atividade-fim, que é a atividade acadêmica. Significa então que a atividade não necessariamente coincide com a atividade-fim. O mesmo para um convite feito ao Prof. Rezek para dar uma palestra.

Todos são empregados, independentemente da atividade desempenhada.

 

Pessoa física

Passamos agora para a pessoa física. O empregado é pessoa física, não pode ser pessoa jurídica. Não pode ser empresa, nem pode ser um animal. Como reconhecer uma pessoa física? É a pessoa de acordo com a formalidade do Código Civil, ou usamos o princípio da primazia da realidade? Determinaremos quem é pessoa física de acordo com o princípio da primazia da realidade, é claro. Devemos aferir, caso a caso, se o sujeito de fato trabalha como empregado, ou como empresa prestadora de serviços.

Empresas que trabalham com mais segurança contratam alguém na área de propaganda ou como representante comercial desde que o sujeito tenha no mínimo dois anos de prática no mercado. Assim tem-se mais segurança no sentido de que o tomador terá mais fé no sujeito que se apresenta no mercado como pessoa jurídica. Segundo porque o tomador irá contratar os serviços de alguém que já conhece a região, e a praça muitas vezes coincide com o interesse do próprio tomador. Se minha empresa vende roupas de cama, e conheço um sujeito que atualmente é um representante comercial na área de roupas íntimas, contratá-lo para vender minhas roupas de cama na mesma área de atuação dele, aquela praça, onde ele já é conhecido, será favorável tanto para ele quanto para mim. O cliente também continuará comprando de uma pessoa já conhecida. Se uma empresa contrata alguém que tem dois anos de pessoa jurídica, aquela presume que esta trabalha com boa-fé.

Mas também é normal que se peça que o prestador constitua uma pessoa jurídica. Assim, ele terá gastos com registro, por exemplo. Os juízes têm decidido no sentido de que cabe à empresa pagar os gastos que o sujeito teve ao constituir a pessoa jurídica, como os gastos cartorários. O que é isso? Princípio da reparação integral.

O empregado tem que ser pessoa física, portanto. Entretanto, se ele for uma pessoa jurídica, mas se verificar que ele está sendo tratada como pessoa física, então ele deverá pedir o reconhecimento da relação empregado-empregador.

Outra coisa: eu contrato você, e você constitui uma sociedade para que você fique numa situação de empresa individual. Mas como pode uma sociedade ser uma empresa individual, já que, para a existência de uma sociedade, são necessários pelo menos dois sócios? Justamente. Alguém terá 99% das cotas e o outro terá 1%. Não deixa de ser uma sociedade, pois tem dois ou mais sócios. mas nem se sabe quem é o sujeito do 1%. Isso é o que empresas têm feito para descaracterizar a relação de emprego. É uma maneira de burlar a legislação. E, mesmo que se descubra quem é o detentor do 1% restante, provavelmente ele integralizou esse capital usando empréstimo do majoritário, que detém 99%. Acaba sendo uma empresa individual. O professor ainda não viu o tema passar pelos tribunais.

Não existe ninguém, nenhum advogado, membro do Ministério Público do Trabalho ou profissional do Direito voltado para a criação de instrumentos que visem reduzir os encargos trabalhistas. Só há uma pessoa que termina inventando esse tipo de coisa, no sentido de identificar uma forma de evitar a aplicação da lei trabalhista, que é exatamente quem sofre com isso: o tomador.

 

Subordinação

É o que o art. 3º chama de dependência. Quando se tem a relação de emprego formalizada, até se coloca em segundo plano a figura e o entendimento desses elementos, uma vez que o sujeito já está estável e com carteira de trabalho assinada. Esses elementos só são notados quando não se tem uma situação estável. Daí, o que fazer? De novo: princípio da primazia da realidade.

E a dependência, o que é? Dependência do empregado para com o empregador, no sentido de que o empregador tem mais conhecimento que o empregado, tem know-how e, por ser o organizador dos meios de produção, sabe o que e como fazer as coisas? É uma coisa que não é muito verificada na prática. O tomador é quem, na verdade, não tem o mesmo conhecimento do que o prestador do serviço. Em nossa casa mesmo vemos: a empregada doméstica sabe cozinhar muito melhor que nós! Ao mesmo tempo que o tomador de um serviço prestado por um pintor, contratado para fazer um trabalho numa sala, não tem o mesmo conhecimento do prestador.

Subordinação moral: obrigação de cooperar com eficiência e lealdade. É o aspecto espiritual. Tem relação com a corrente dualista das obrigações, que fala que a relação que existe entre devedor e credor é uma relação primeiramente espiritual, e o patrimônio do devedor só será alcançado quando essa relação espiritual for quebrada.

Subordinação disciplinar: poder do empregador de punir. Também diz respeito à posição do empregado na empresa. Agora perguntamos: ser subordinado por si só, já caracteriza a dependência, a dependência é mais ampla do que somente a subordinação disciplinar? Claro que não quer dizer respeito apenas à subordinação disciplinar. Suspender o empregado, que é um dos poderes do empregador, também importa certo prejuízo. Uma punição para o prestador ou empregado também tem um reflexo negativo para o tomador ou empresa. Suspensão por oito dias significa pagamento de menos oito dias, mas também significa que não se terá oito dias de serviço.

Conclusão: a subordinação disciplinar é suficiente para caracterizar a dependência, ou esta é mais abrangente? Ela é com certeza mais abrangente. Não é puramente disciplinar.

Subordinação econômica: deriva de correntes alemãs e francesas. O conjunto de bens do tomador é maior do que o conjunto de bens do empregado. É como se o empregador fosse mais rico e tivesse patrimônio maior que o empregado. Isso é verdadeiro? Na maioria das vezes. Mas há situações em que o empregador está em processo de falência, enquanto o empregado está em situação estável. Um exemplo é um boteco que por algum motivo perdeu a clientela. O empregado pode estar lá há muitos anos, e ter acumulado vários benefícios. O dono entrou em falência, e é a parte hipossuficiente.

Subordinação social: parecida com a econômica. O empregado depende do empregador para cumprir com seus compromissos sociais, como pagar a escola do filho e suas necessidades para a convivência com a sociedade. Daí ele precisa do dinheiro, que é o salário. No final das contas, essa dependência social se traduz na necessidade e mesmo na urgência/imprescindibilidade do salário. Não podemos deixar para comprar a água amanhã; é hoje que temos sede. E se não houver como pagar? Não pagará. Pior que pagar menos é não pagar. Daí surge a importância do acordo.

Sugestão de filme: Tempos Modernos.

Subordinação jurídica: é o entendimento majoritário. É o poder do empregador de controlar, coordenar e fiscalizar a atividade do empregado. Por exemplo, obrigá-lo a participar de reuniões e assinar pontos. O empregado tem ordens, e se submete a fiscalização. Aqui no CEUB, o coordenador pode aparecer a qualquer momento para ver o desempenho do professor.

Quando o empregador atua com excesso na fiscalização, o empregador incorre em abuso ou assédio moral, como a colocação de câmeras em banheiros e revistas na saída. Houve uma empresa que designou um homem e uma mulher para revistarem os empregados na saída todos os dias. A mulher revistava as mulheres e o homem os homens. O constrangimento foi inevitável. Um homem e uma mulher, ambos empregados da mesma empresa, ajuizaram pedido de danos morais. A empregada recebeu indenização quatro vezes maior do que o empregado.  

Resumindo, então, a subordinação pode ser moral, disciplinar, econômica, social ou jurídica.

 

Mediante salário

Vamos agora para este termo usado pelo art. 3º da CLT. O que podemos ver agora é que o salário pode ser pago em pecúnia, dinheiro, ou em vantagens, o que se chama de “utilidades”. O que é um salário utilidade? Traz determinada vantagem para o empregado, mas não se constitui em moeda. Como habitação, roupas (desde que não seja o uniforme): algo recebido pelo trabalho, e não para o trabalho.

Existem exceções. Onde não houver salário não há trabalho; não há vínculo de emprego. O salário é essencial para existência da relação. Como bolsa-estágio, pro labore, e dividendos de uma sociedade.

Outra situação é aquela em que a prestação de serviço é gratuita. Como trabalho voluntário, em que se ajudam doentes, por exemplo. O trabalhador voluntário pode receber uma contraprestação, como apoio para o transporte, o alimento, mas isso também não é salário.

Veremos o salário em detalhes depois. O que temos que saber agora é que o valor pago pelo empregador ao empregado se denomina salário. Na sua falta, já temos grandes indícios de que não se trata de uma relação de emprego.

E assim fechamos os quatro elementos que constituem a figura do empregado: não-eventualidade, pessoa física, sob dependência e mediante salário.

Alguns autores, quando falam de pessoa física, dizem que o trabalho é intuitu personae. Qual a diferença entre uma obrigação de fazer personalíssima e um trabalho intuito personae? Nenhuma! Tudo está na mesma ideia. Significa que não há possibilidade de substituição do empregado quando se fala em pessoa física. O trabalho é pessoal, e não se pode substituir o empregado pura e simplesmente, mesmo que o substituto faça exatamente a mesma coisa. Outra pessoa até pode realizar o trabalho em meu lugar. Mas isso traz duas consequências: não porá fim ao meu contrato de trabalho pois da pessoa que acidentalmente está me substituindo é ocasional; outra é que isso não fará nascer um contrato de trabalho com o substituto, pois não se consegue caracterizar a dependência.

A ideia de dependência e não-eventualidade estão ligadas demais ao princípio da primazia da realidade e ao da continuidade da relação de emprego.

 

Exclusividade

A ideia de exclusividade está no fato de que o prestador de serviço realiza exclusivamente a tarefa para aquele tomador. A faculdade, por exemplo, não exige que o professor seja empregado exclusivo. A lei também não impõe que a empresa pague um adicional de exclusividade. Mas, de qualquer forma, numa contratação entre tomador e prestador de serviço, pode ser que o tomador requeira a realização de uma tarefa de pintura e reparos a um vizinho, desde que haja exclusividade. Isso seria um vínculo de emprego? Não existe relação entre essas duas ideias. Há os que prestam serviços com exclusividade para alguém e não têm relação de emprego. Não fica caracterizado o vínculo de emprego. No trabalho voluntário, por exemplo, pode-se atuar exclusivamente para alguém ou uma empresa. Não significa que o sujeito terá uma relação de emprego justamente pela ausência de um salário. Pode-se, por outro lado, ter vínculo de emprego sem exclusividade, como é o caso de alguns professores.

Por fim, a exclusividade não é obrigatória, mas existe a possibilidade de o tomador exigi-la. Como nos trabalhos de grande relevância. Exemplo: os que mexem com segredos industriais.

 

Risco do negócio

O risco do negócio é a sustentação da atividade empresarial com a assimilação dos lucros e prejuízos pelo empregador. Isso se caracteriza como risco da atividade. O prejuízo não pode ser passado para o empregado. Ele pode ser mandado embora, mas não pode ser obrigado a reservar parte de seu salário para pagar energia.

Tesoureiro de banco: tomou todas as medidas para evitar evasão de dinheiro. Significa que o prejuízo tem que ser amargado pelo empregador, e não pelo empregado. Frentista de posto de gasolina que toma todas as precauções orientadas pelo patrão quanto ao recebimento de cheques, quando este vem a ser descoberto sem fundo, não poderá ser responsabilizado e dele ser exigido o reembolso em favor do empregador. Somente em caso de culpa ou dolo que o empregado pode ser responsabilizado. Claro que é ônus do empregador provar que o empregado tinha conhecimento das normas.

Esta é uma das aulas mais
importantes de todo o curso. Leia na doutrina, pois é fundamental.