Direito do Trabalho

segunda-feira, 22 de março de 2010

Outras figuras afins ao empregado


Vamos continuar a ver hoje as figuras afins ao empregado. Este é o conteúdo das aulas 9 e 10 dos roteiros distribuídos pelo professor.

Por que estamos estudando as figuras afins ao empregado? Porque são relações laborais. Todas as relações laborais são de competência da Justiça do Trabalho, hoje. Antes da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, a Justiça do Trabalho tinha uma competência menor. Não estamos falando somente em relação de emprego, mas em relação de trabalho.

Antes dela, uma pessoa terceirizada que trabalhava na Caixa Econômica Federal poderia ter sua função era desviada. O sujeito, por conta disso, pedia o reconhecimento do vínculo de emprego com a Caixa e indenização. O vínculo não foi aceito por causa da necessidade de concurso público. A Justiça Trabalhista reconhecia a procedência da indenização, mas se declarava incompetente. No final das contas, era o TST o órgão que acabava por decidir. Às vezes, com seis anos de demora entre o pedido e a satisfatividade.

Esses estudos, portanto, estão ligados ao fato de que temos que identificar se temos um empregado e um empregador, ou se temos figuras afins a esses sujeitos. A primeira relação que vemos é a empregado-empregador; identificada essa relação, por consequência incidirão todos os direitos trabalhistas previstos na legislação e no art. 7º da Constituição Federal. Nas relações que estamos vendo hoje, temos um tomador, que é uma figura afim ao empregador, e um prestador, que é a figura afim ao empregado, mas não é empregado, portanto não terá tais direitos.

Se o tomador, por exemplo, for uma sociedade, o sócio, que faz seu esforço em prol da sociedade, não receberá 13º salário , férias e nenhum outro benefício próprio do empregado. O que temos que saber são as qualidades de uma e outra figura afim ao empregado e o que as diferenciam. Sócio não é figura afim a empregado.

Vejamos, então, a questão dos avulsos. Quanto a eles, não existe uma definição legal de atividades que são enquadradas como de avulsos. A lei, portanto, deixou para que o Executivo elaborasse decretos para definir o que eles são e quais tarefas eles podem realizar. A Lei 8212, do Direito Previdenciário, dispõe sobre as pessoas que são seguradas obrigatórias, define quem será devedor de contribuições mensais e, ao mesmo tempo, diz a quem se destina a Previdência. Elas são sujeitos passivos e ativos ao mesmo tempo: devem contribuir (obrigação) mas têm direito à prestação da saúde, por exemplo. Auxilio maternidade é um dos exemplos. Vejamos o art. 12 da Lei 8212: “São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: [...] VI - como trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no regulamento;” Ao falar sem vinculo empregatício, o legislador refere-se ao art. 3º da CLT: pessoa física que, em caráter não eventual, exerce, mediante salário, atividade sob dependência. Daí já tiramos que o avulso não se encaixa no art. 3º da Consolidação. Quando falamos que determinada pessoa trabalha para várias empresas, dizemos que ela é o quê? Não-exclusiva. Nisso, o decreto, de 1999, cita os segurados obrigatórios: Art. 9º: “São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas: [...] VI - como trabalhador avulso - aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço de natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra, nos termos da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, ou do sindicato da categoria, assim considerados:

Note que ele pode ser sindicalizado ou não; ele não perderá a qualificação, o enquadramento se não for sindicalizado. O serviço pode ser na área urbana ou rural, e, como vermos, alguns são, de fato, urbanos enquanto outros são rurais. “Diversas empresas”: no sentido de que não tem exclusividade. “Sem vinculo empregatício”: repetição do comando do art. 12 da Lei 8212.

Esse órgão gestor de mão de obra está disciplinado na Lei 8630, de 1993, específica do assunto. O órgão funciona assim: o avulso se liga ao órgão gestor, que gerencia aquela tarefa, e, ao chegar ao navio, este entra em contato com o órgão gestor, dizendo do que precisará: um prático de barra e depois um guindasteiro, por exemplo. São atividades que movimentam muito dinheiro. Com a Lei 8630, a ideia foi que o órgão gestor substituísse o sindicato, mas isso não aconteceu justamente porque o rol acima não é taxativo, e o sindicato subsiste bem firme. Na verdade, o órgão gestor e o sindicato não se misturam, nem na teoria muito menos na prática.

Quem quiser trabalhar no Ministério Público do Trabalho, por exemplo, terá que ler essas figuras para os concursos. Especialmente nós do Centro-Oeste.

Em suma, esses serviços são prestados por meio do órgão gestor ou sindicato, que recruta pessoal a fim de trabalhar durante a carga e descarga de certa embarcação. O serviço prestado pela pessoa jurídica é de natureza do Direito Civil. Em seguida, após o pagamento, são rateados os ganhos entre os avulsos.

 

Características do trabalho avulso

·         Presença de um órgão gestor da mão-de-obra ou sindicato que atuam como intermediários entre o tomador e o trabalhador;

·         Serviço de curta duração;

·         Remuneração em forma de rateio procedido pelo sindicato, atendidos todos os direitos dos avulsos, equiparados aos empregados (Art 7º, inciso XXXIV da Constituição).

A Terceira Turma do TST entendeu que “ao trabalhador avulso foram estendidos, em nossa Carta Magna, todos os direitos dos demais trabalhadores, incluindo-se, por conseqüência, o vale-transporte”. Quer dizer: todos os direitos do empregado o avulso tem. Mas não é considerado empregado. É uma figura diferente, afim, mas não deixa de ser igual “de fato”. Não é considerado empregado nos termos do art. 3º da CLT, porque não encaixa naquelas descrições.

 

Trabalhador eventual e empregado

Se o empregado é pessoa física que realiza atividade subordinada não eventual mediante salário, aquele que realiza atividade eventual é ou não empregado? Não. O empregado já sabemos o que é: pessoa física, que realiza atividade não-eventual, sob dependência, mediante salário. Nunca esqueçam esses elementos. Isso é muito  importante.

No caso do trabalhador eventual, o que temos é a realização de um serviço esporádico. A dificuldade é definir o que é uma atividade eventual em virtude da repetibilidade. Daí a doutrina criou quatro teorias para qualificar, ajustar, ou identificar o eventual em relação ao empregado.

Teoria do evento: É a primeira delas. O trabalhador é contratado para certo evento – acontecimento, obra, serviço específico. Assim, o obreiro cumpre o que ficou ajustado e dá-se por fim ao contrato, com desligamento automático. Na verdade, então, evento significa determinada tarefa, até a conclusão. Obras, por exemplo.

Teoria dos fins: O eventual não trabalha na atividade fim da empresa; somente o empregado (art 3º, CLT). Assim, a atividade-meio é o objeto da relação laboral do eventual. Essa teoria é verdadeira? Lembrem-se que essas teorias são para entender como a doutrina vê as relações e assim formarmos nosso próprio entendimento. Já vimos que, por exemplo, a atividade-meio temos somente eventuais, ou temos empregados também? Podemos ter empregados na atividade-fim e na atividade-meio, isso não importa: em nosso curso de Direito, a faculdade emprega tanto professores, que são os empregados da atividade-fim, qual seja, a atividade acadêmica, mas também emprega secretários, que não dão aula, mas auxiliam em tarefas administrativas imprescindíveis.

Teoria da descontinuidade: o empregado é trabalhador permanente, cujo serviço tem natureza repetitiva. Por outro lado, o eventual tem trabalho ocasional, esporádico, realizado “de vez em quando”. Então vemos que há pessoas, numa empresa, que trabalham uma vez a cada 15 dias, ou uma semana por mês, o que é considerado trabalho eventual. Mas cada caso tem que ser visto de per si. A atividade-fim é aquela eleita pela própria sociedade ou pelo empresário como a atividade principal da empresa, digamos, uma empresa na área de industria. A atividade-meio é a que serve de suporte para a atividade-fim. Cuidado com a confusão. A atividade-fim é estabelecida pelo empregador, pela sociedade.

Teoria da fixação: a última delas. O trabalhador eventual não se fixa uma fonte de trabalho, mas sim a várias, para sua subsistência. Enquanto isso, o empregado é o trabalhador que se fixa a uma fonte. Mas essa premissa também não é absoluta, pois não é condição básica para a existência de vínculo de emprego que o empregado seja exclusivo. A teoria termina na palavra “fonte”. O resto é uma crítica à teoria. O que importa imprescindivelmente são os elementos do art. 3º. A exclusividade não é elemento indispensável.

 

Mandato

Vamos agora estudar o mandato.

Há as figuras do mandatário e do mandante. Mandato é uma ordem para se fazer algo por alguém. Procuração, por exemplo, é o instrumento do mandato. Veremos isso em contratos em espécie.

Vamos verificar se se combinam a relação empregado-empregador com o ato de passar uma procuração para alguém: tu, que crias a procuração, é o mandante; tu dás o papel a um mandatário, que é quem administra o teu interesse. A relação de emprego pode ser entendida dessa forma? Não, simplesmente porque o empregado não é representante do empregador, pois isso não é característica da relação de emprego.

No caso do mandatário, a representação pode ser gratuita ou onerosa. Na relação de emprego, ela só pode ser onerosa. Note que o empregado não administra interesses do empregador. Não mesmo, pois administrar interesses é diferente de estar na atividade que constitui o interesse da empresa. Quem administra o interesse, então? Não é o empregado, mas o mandatário. Quando se faz uma procuração para que alguém faça para a pessoa uma inscrição num concurso público, ou aliene um imóvel, o procurador irá administrar o interesse daquele que lhe deu tais poderes.

Onde que temos a realização de atos jurídicos, e onde temos uma prestação de serviço para determinado fim? Essa é a diferença entre o mandatário e o empregado. O mandatário é o autorizado a praticar atos jurídicos, com continuidade, em nome de seu mandante. É uma delegação de poderes. O empregado, por sua vez, irá realizar, com seu trabalho, o fim pretendido pelo empregador.

Quais são as figuras do mandato? Temos o mandatário, o mandante e o terceiro. Se te passo uma procuração para que vás ao Tribunal Regional Federal ajuizar uma ação em meu nome, tu serás o mandatário, eu serei o mandante e o terceiro será o Tribunal. E no caso do emprego? Quantas pessoas estão envolvidas na relação de emprego? Duas, o empregado e o empregador. Não confunda, pois é possível que pensemos que sempre haverá um terceiro envolvido: no caso do trabalho na instituição de ensino superior, podemos ser forçados a entender que o terceiro é o aluno, para quem o serviço educacional é prestado, enquanto que numa atividade comercial o terceiro seria a clientela. Mas a relação jurídica, que é entre empregado e empregador, não passa pela figura do terceiro. O professor, por exemplo, pode estar de licença, ou sem turma para dar aula, mas ainda assim estar recebendo. Note que, neste caso, não há a figura do terceiro.

Risco da atividade: comparando o mandatário com o empregado: quem tem o risco da atividade? Mandatário ou empregado? O empregado não tem o risco da atividade. O risco é do empregador. Por outro lado o mandatário, na sua relação com o mandante, é quem tem o risco da atividade. O empregado tem férias, e deixa de trabalhar sem que sua ausência possa responsabilizá-lo pela queda de faturamento da empresa em que trabalha durante o tempo em que ficar fora. Com o mandatário não, que é um serviço prestado por um profissional liberal ou determinada pessoa. Ela é quem assume o risco. O advogado não pode ligar para seu cliente na véspera da audiência e dizer que irá se casar no dia seguinte; assim, ele perderá o percentual do valor da causa acertado com seu constituinte.

 

O sócio e a sociedade

Algumas vezes o sócio quer se caracterizar não como sócio, mas como empregado. O filho de um sócio de uma sociedade passou a participar da sociedade. Depois foi ao Judiciário pedir declaração de vínculo. O Judiciário não concedeu. Para isso, ele requereu a justiça gratuita, o que também foi negado. Ele perdeu a ação e, só de custas processuais, chegou a ter mais de cem mil Reais em gastos. Levou a discussão sobre a gratuidade da justiça até o TST. De quem foi a culpa? Do advogado, claro. As ações de declaração de vínculo também podem gerar custas processuais!

E a sociedade? Art. 981 do Código Civil: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilham, entre si, dos resultados.

Além de contribuir com bens e serviços, cada sócio contribui com esforço e gasto de energia. O animus societatis é o necessário para se constituir uma sociedade. O empregado não tem animus societatis, nem que ele queira.

Sócios contribuem reciprocamente com bens e serviços.

Troca de prestações e trabalho em comum: na relação de emprego, temos troca de prestações, já que, como vimos, a relação entre empregado e empregador é obrigacional de mão dupla, ambos figurando como sujeitos ativos e passivos um do outro. Não há como dizer que “o empregado trabalha em comum com o empregador”. Na sociedade, temos um trabalho em comum. Daí podemos pensar numa sociedade médica, em que trabalham um cirurgião, um anestesista, um obstetra, todos trabalhando em comum.

Sujeitos: na sociedade, temos o sócio, enquanto na relação de emprego temos o empregado e o empregador. Dizer que os sujeitos são a grande diferença não é o mais correto; os sujeitos são consequência de toda a análise da relação. Ao se concluir que uma relação está em alinhamento com o art. 3º da Consolidação, passamos a chamar o sujeito de empregado, e não antes disso. É depois que concluímos a natureza de uma relação que damos o nome aos sujeitos, como empregador e empregado.

Objeto da sociedade: a sociedade, em regra, busca o lucro. A relação de emprego não busca lucro! Quem aqui trabalha aqui no CEUB não busca receber, por exemplo, 10% do faturamento da empresa. E, na relação de emprego, temos que objetos? Em relação ao empregado, seu interesse é receber o salário. Para o empregador, seu grande interesse é receber o serviço. E na sociedade? Os sócios todos têm como objeto o lucro. Isso significa que o sócio recebe lucro, e não salário.

Subordinação e igualdade: vemos subordinação na relação de emprego. O que é? Capacidade do empregador de fiscalizar, controlar e coordenar a atividade do empregado.

Risco da atividade: como sabemos, o empregado não tem o risco da atividade. E o sócio? É claro que tem, pois é ele quem sofre o prejuízo tido por sua sociedade em um exercício. Isso está dentro da ideia de “partilha de resultados” do art. 981 do Código Civil.

De vez em quando temos uma dificuldade em identificar, na sociedade, quem é sócio e quem é empregado porque muitas das vezes o sócio que tem maior reconhecimento acaba dando seu nome à sociedade. Como “o dono da bola”. Ele fica parecendo o empregador único, enquanto os demais aparentam ser empregados.

 

Prestação autônoma de serviços

Nessa prestação, presente no art. 593 do Código Civil, que vamos chamar de locação de serviços, temos a figura do locador, que é o que se compromete a prestar o serviço sem a direção do tomador (locatário). O locatário remunera.

Caracterização da subordinação e pessoalidade: o que é pessoalidade? É obrigação de fazer infungível, obrigação intuitu personae. Esses termos são sinônimos. O empregado presta obrigação intuitu personae, enquanto o locador presta uma obrigação que pode ou não ser infungível.

O empregado é pessoa física necessariamente, enquanto o locador é pessoa física ou jurídica.

O locador faz uma atividade voltada para o resultado, enquanto o empregado está dentro de um processo. O professor mesmo está dentro de um processo e não busca um resultado definido. Ele mesmo não consegue identificar o resultado do que está fazendo. Seria possível identificar o resultado do trabalho do professor de Filosofia ao final de nossa graduação?

E o risco da atividade? Também é do locador. Ele receberá a quantia pactuada se prestar o serviço. De nada adiantará, para ele, alegar que arrumou uma viagem de última hora num belo cruzeiro. O empregado, por sua vez, poderá se ausentar nos dias de folga sem que, por isso, deixe de receber.