Direito do Trabalho

segunda-feira, 29 de março de 2010

O empregador


Vamos estudar o empregador hoje para depois estudar a relação jurídica de trabalho em si.

Veremos o que é o empregador, o grupo de empresas e a sucessão de empresas. A empresa pode ser incorporada, cindida, fundida, ter quotas transferidas, etc. Existe regulamentação própria no Código Civil para essas transformações.

Temos o art. 2º da CLT para sabermos, tecnicamente, o que é empregador: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. [...]

A primeira dica é que o empregador é uma empresa, individual ou coletiva. A ideia de empresa já estudamos no Direito Societário, mas essa empresa, como sujeito ou objeto, conforme visto no Código Civil, é uma operacionalização, uma atividade empresarial propriamente dita.

Também estudamos o que é uma empresa individual, que é aquela que pertence a uma só pessoa. Não temos em nosso Direito a figura da empresa de um sócio só. Só se pode falar em sociedade com dois ou mais sócios. Celebram contrato social duas ou mais pessoas. É o art. 981, que estudamos em Direito Empresarial: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

O empresário individual tem responsabilidade ilimitada em relação aos gastos da empresa. Se ele quiser constituir uma empresa sozinho, ele poderá, mas terá sua responsabilidade estendida ao seu patrimônio pessoal.

E empresa coletiva, o que é? Estamos tentando ajustar o Código Civil de 2002 com a CLT, um Decreto-Lei de 1943. A ideia é que houvesse dois ou mais sócios. Empresa coletiva, para nós, aqui no Direito do Trabalho, é qualquer tipo de empresa. Quais as sociedades? Sociedade anônima, sociedade limitada, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita por ações, sociedade em comandita simples e sociedade em conta de participação. A expressão empresa, seja individual ou coletiva, abrangerá qualquer espécie de empresa, até mesmo a Caixa Econômica Federal. Vamos interpretar bem ampliativamente aqui.

O Código Civil estabelece quais são os tipos de sociedade, e não há como se criar, em nosso Direito, um tipo novo, distinto de sociedade hoje. O próprio cartório não aceitará o registro de sociedade de tipo não existente.

O que é mesmo empregador? Vamos decorar de uma vez por todas o art. 2º da CLT: empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Quando a Consolidação fala “assume riscos da atividade”, significa que se podem ratear entre os sócios os resultados positivos e negativos. O que é risco econômico? Se tenho uma atividade econômica, uma empresa de software, e o governo, meu principal comprador, deixa de importar minhas soluções, não poderei imputar ao governo a responsabilidade pelo meu problema comercial, mesmo que as consequências atinjam, e devem atingir, o conjunto de empregados que eu tenho (ou tinha).

A empresa ou empresário saberá do risco de sua atividade. O Judiciário julgou o bingo como proibido, e as empresas resolveram imputar ao Estado a responsabilidade pelas consequências. Até hoje não foi feita lei sobre bingo.

As empresas de ônibus não podem responsabilizar seus cobradores no caso do desaparecimento de valores causados por furto ou roubo. O mesmo para frentistas de postos, que não poderiam ser responsabilizados pela consequência do recebimento de cheque sem fundo, salvo se descumprirem as diretrizes de segurança ao aceitar um cheque.

E o prejuízo causado dolosa ou culposamente pelo empregado? Esses terão disciplina diferenciada. Sendo culposo, só poderá haver o desconto no salário se houver previsão contratual. Se doloso, não precisa haver previsão contratual. O que se sugere ao empregador é que ele elabore o contrato dispondo que o prejuízo causado por ato culposo pelo empregado importe desconto de salário e, na dúvida, ainda que haja indícios de que o ato foi doloso, o que o empregador deve fazer é classificar o ato como culposo e descontar com base no contrato. Se ele se prontificar a classificar como doloso, ele terá o ônus de provar não só o dolo, mas que esse dolo ensejou a possibilidade de desconto.

A admissão do empregado pode se dar de forma verbal ou escrita ou até tácita. A escrita ou verbal contém declaração de vontade. No contrato tácito, não se tem a declaração de vontade, mas tem-se o consentimento omissivo das partes. É o comportamento das partes que leva a crer que existe o contrato. Daí dizer que o contrato é sintomatológico. Significa que o contrato está ligado a sintoma, que por sua vez está ligado ao princípio da primazia da realidade. Em outras palavras, o que se está sentindo; em última análise, a ideia de sentidos. Daí perceber o que está ao redor de um sujeito e saber o que está acontecendo. É outra pessoa, de fora da relação jurídica, notar que existe uma relação jurídica de contrato de trabalho: saber que, naquela história, há um sujeito que se encaixa na descrição do empregado e na do empregador. Assim se obtém o reconhecimento da relação trabalhista.

Não conseguimos muito ver contratos tácitos no todo, mas há muitas cláusulas tácitas. Exemplo: havia supermercados em que havia uns homens que empurravam o carrinho até o carro do cliente e ajudavam a colocar as compras no porta-malas. Esses indivíduos desapareceram. Também os auxiliares de frentistas de postos de gasolina, aqueles sem uniforme mas que sabiam operar a bomba muito bem. Desapareceram por que se tratava de contrato tácito, que depois vinham a requerer em juízo o reconhecimento da relação de trabalho. Vendedores de rua do Correio Braziliense, aqueles que andavam de colete amarelo com a marca do jornal vendendo exemplares em semáforos também não são vistos com tanta frequência.

Também temos a ideia de que o empregador é aquele que assalaria. Enquanto o empregado é aquele que recebe o salário, o empregador é aquele que paga-o. É a coerência do art. 2º com o art. 3º. Pagar salário é ônus do empregador, enquanto ônus do empregado é trabalhar.

Poder de direção: o empregador é quem assalaria e dirige a prestação do serviço. Essa direção da prestação pelo empregador corresponde a qual elemento da figura do empregado? À subordinação. Enquanto o empregado realiza atividade sob dependência, o empregador é aquele que dirige. Enquanto o empregador é o que assalaria, o empregado é aquele que recebe salário. Essas definições, portanto, são coerentes, até correspondentes.

O problema surge quando o contrato não está assinado ou, assinado como figura afim, deseja-se caracterizar como contrato de emprego. Não diarista, mas doméstico 1.

A direção, portanto, é um modo de como a tarefa será cumprida e como ele organizará sua atividade.

Quando se tem um desvio de função, é porque há um desvio no poder de direção. Esse abuso poderá trazer consequências ruins, como aquela em que determinado trabalhador é contratado para uma função, mas acaba exercendo outra função maior, que seria merecedora de um salário maior. Ou o contrário, que é caso de desrespeito ao status, que pode inclusive acarretar dano moral. Exemplo: ser alocado numa atividade de digitador enquanto o sujeito tem condições de programar criativamente em Java. Então, toda vez que for analisada uma relação de emprego, pode-se alegar que um lado teve vantagem, mas pode não ser somente isso. Cabe ao talento do advogado. Não se reclama do salário, mas do tratamento que se recebe.

A análise dessa relação empregado-empregador passa por outra ciência também, que é a administração de empresas. Não é assunto exclusivo do Direito. Pode-se alegar por essa visão, mas o Judiciário só tem a visão do Direito. É assim que eles julgarão.

Houve uma ocasião em que a ECT usou a imagem de um empregado (carteiro) para um calendário: o empregado ajuizou pedido de indenização pelo uso da imagem. A defesa, pensando com cabeça de administrador de empresas, sustentou que ele era humilde e, com a fotografia, viabilizou a divulgação da imagem dele, o que teria aumentado seu prestígio na comunidade. Mas os órgãos julgadores não têm essa visão; a ideia não deveria ser fazer com que o carteiro ficasse como modelo da coisa. Passou-se a ideia de que os Correios são uma empresa formada por gente do povo e que trabalha para o povo.

Então, ao analisar, não se deve ver somente o foco do Direito, mas também na perspectiva da empresa.

Dentro do poder de direção, temos três poderes: de organização, disciplina e de controle. O de organização é o que o empregador estrutura o patrimônio e esforço de pessoas para atender aos fins da empresa. Dentro de uma pizzaria, por exemplo, cada um já sabe exatamente onde ficar. Quais as pessoas que integram essas empresas? Sócios, empregados, colaboradores, estagiários, e terceirizados. Colaborador é um eufemismo para empregado, pois, por incrível que pareça, há quem pense que “empregado” é um termo pejorativo.

Conselho consultivo, ou espaço de desporto também é atribuição da estrutura organizacional da empresa, e quem o cria é o empregador. Daqui tiramos a primeira faceta do poder de direção.

O poder disciplinar, por sua vez, é a capacidade do empregador de realizar diligências, buscas, escutar o empregado, e, em decorrência disso, aplicar ou não determinada punição. Determinar como o empregado se colocará. Quando estudamos a figura da dependência (um dos elementos caracterizadores do empregado de acordo com o art. 3º da CLT), estudamos a dependência disciplinar. O poder disciplinar está dentro do poder de direção, mas a direção não se resume à disciplina pois a direção também passa pela organização. Por outro lado há também a subordinação jurídica: fiscalizar, controlar e coordenar a atividade do empregado. Isso é o art. 2º da CLT.

O que se discute nesse poder disciplinar é que o empregador pode limitar os dias de trabalho, como estabelecendo punições de suspensão. Isso dá um prejuízo enorme para o empregado. Nisso a doutrina começou a tentar explicar por que o empregado pode ser punido a ponto de ter seu salário reduzido, sem haver acordo ou convenção coletiva. Não é redução propriamente dita, mas em virtude de uma pena por falta disciplinar. Como explicar? Três correntes principais.

1.  Primeira: teoria contratualista. É a majoritária. Há uma liberdade de contratar e uma submissão do empregado às regras contratuais. Ao assinar o contrato de trabalho, o empregado se submete à possibilidade de ser punido por algum fato, como desrespeito ao regulamento da empresa ou da lei.

2.  Teoria da propriedade privada: no sentido de que a empresa pertence ao patrimônio do empregador. Ele tem o poder sobre o patrimônio. Então, toda vez que o empregado descumprir uma ordem, ele trará prejuízo para o patrimônio. É como se o empregador estivesse pagando por um serviço que não estivesse sendo realizado. O esforço torna-se menor que a remuneração, pois o empregador está pagando por serviço não prestado. Isso corresponde ao empobrecimento sem causa do empregador e enriquecimento sem causa do empregado, que recebe como se trabalhando estivesse. Mas o empregado pode deixar de colocar combustível num avião particular, ou deixar de apertar os parafusos de uma roda de um carro, enfim, coisas mais graves. Omissões aparentemente não tão graves podem trazer consequências gravíssimas. Como colocar o filho para controlar o tráfego aéreo. Risco de dano é dano, e risco de prejuízo é prejuízo, pelo menos assim pensa o STJ. Legítima defesa do empregador: não precisa o empregador ir a juízo para pedir autorização para punir.

3.  Teoria Institucionalista: é o uso da autoridade do empregador para alcançar o bem comum. Cabe ao empregador aplicar a punição para que o empregador respeite os demais, a empresa e a clientela. É uma ideia de responsabilidade social. Não é uma visão contratual ou negocial.

Por que estamos estudando essas três teorias? Para justificar o poder de punir do empregador, que traz, como prejuízo para o empregado, a redução de salário.

Poder de controle: já vimos que o poder de direção é abrangente. O poder de controle habilita que o empregador acompanhe o desenvolvimento dos resultados e da conduta do empregador. Como funciona isso? O que é esse controle da atividade, do resultado? É saber se realmente o que é feito é na qualidade e quantidade previstas, como 20 camisas em 4 horas, ou qualquer que tenha sido a diretriz fixada pelo empregador desde que humanamente razoável.

O controle pode ser feito dentro ou fora da empresa. O empregado é controlado de fora da empresa, por exemplo, nos serviços de atendimento por chat das empresas, como as aéreas. Assim o empregador controla porque tudo fica registrado. Esse controle não fica perdido enquanto o empregado está afastado do ambiente físico da empresa.

E a fiscalização da conduta do empregado: esse tema suscitou uma discussão muito grande. O empregado pode assumir uma conduta que você não gostaria, mas não a ponto de caracterizar culpa do empregado para dar fim ao emprego. Uma jovem mulher bonita, por exemplo, tem total liberdade para posar nua para uma revista masculina. Mas e se ela for uma educadora de crianças? Não é a conduta que o empregador irá desejar dela. O mesmo para o caso em que ela, em pleno exercício de seu direito de livre manifestação, declarar que fuma maconha. Cada caso é um caso. O que não pode é o empregador ter prejuízo pelo comportamento do empregado. É ônus do empregador provar que houve prejuízo.

 

Elementos caracterizadores da relação de emprego

Como caracterizar uma relação empregado-empregador? Precisamos de uma sociedade registrada na Junta Comercial, se sociedade empresária, ou que atenda aos requisitos do art. 966 do Código Civil? Não. Precisamos somente de uma tarefa: ler o art. 3º da CLT e verificar se os elementos se verificam. O nome da empresa, se é sociedade, que tipo de sociedade é simplesmente não importa. Só não se tem vinculo empregatício se o objeto do empregado for ilícito.

Quais as pessoas equiparadas a empregador? Art. 2º, § 1º da CLT: “Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. [...]” veja o profissional liberal: temos um engenheiro, um médico, um advogado, e sua secretária. O empregador não precisa ter uma finalidade lucrativa, necessariamente. Uma instituição beneficente pode ter empregados, mesmo sem fim lucrativo. Associação de juízes e a OAB: o clube dos advogados tem empregados. Há interpretação analógica no § 1º pela expressão “outras instituições”. Como enquadrar? Pela subordinação.

Enfim, quase qualquer instituição pode ser empregadora. Como averiguar? Princípio da primazia da realidade.

A palavra trabalhador é colocada como “aquele que admitido como empregado.” Se ele for contratado como empregado, tem-se o vinculo de emprego. O sujeito pode ser chamado de empreiteiro, mas, se realizar uma atividade não habitual mediante salário sob dependência, ele será empregado. Basta ler os arts. 2º e 3º da CLT.

Veja o final do § 1º: “...que admitirem trabalhadores como empregados.” O conceito é aberto. Então, quem não tem cuidado torna-se empregador, e não importa o nome que se dá ao sujeito que com ele trabalha.

Grupos despersonalizados: são os que a doutrina indica como grupos que não necessariamente constituam uma empresa, assim como os profissionais liberais, que não têm aquela visão de empresa individual ou coletiva. A sociedade em comum é o registro? Não. A sociedade em comum é a sociedade não registrada, de fato, assim disciplinada pelo Código Civil. A sociedade em comum pode ser empregadora, pois, se não pudesse sê-lo, ela teria benefício muito grande. Ela poderá exigir o labor de alguém, mas, quando demandada em juízo, ela poderia alegar a inexistência de contrato social. Esse argumento não cabe no Direito do Trabalho.

E a família? Pode ser empregadora? Sim, contudo não pela CLT, mas pela lei do trabalhador doméstico.

E o condomínio? Pode ser empregador? Sim. E os condomínios irregulares, de imóveis que não tem escritura pública? Não haverá problema pelo mesmo motivo da sociedade de fato. Basta provar que há alguém que se encaixe na descrição de empregador.

No § 2º veremos a figura do grupo de empresas, depois da Semana Santa.

Ver vídeo no Youtube sobre assédio moral. Assédio moral traz pressão psicológica durante determinado tempo. Não se tem a figura do assédio no Código Penal, nem na CLT, nem na Lei 8112. Temos somente legislações estaduais e municipais. Frases como “vou te dispensar” podem ser consideradas como assédio moral.


1 – Este foi só um exemplo, pois, na realidade, os diaristas terminam por receber bem mais do que os domésticos mensalistas. Daí muitos, hoje em dia, mudarem a forma como se apresentam.