Direito do Trabalho

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Nulidades do contrato de trabalho


 

Hoje vamos ver alguns casos de nulidade do contrato de trabalho.

A grande pergunta da nulidade é: que elementos caracterizam a nulidade contratual trabalhista? Neste caso, o empregador deve ou não pagar o empregado? O empregado faz jus ou não ao seu pagamento em caso de nulidade? Veremos os casos em que fará e os casos em que ele não deverá receber pagamento.

O contrato de trabalho é um negócio jurídico, neste caso, ele respeita os artigos atinentes do Código Civil, a começar pelo art. 104. Agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.Vamos ver primeiro a...

 

capacidade do empregado.

O art. 7º, inciso XXXIII da Constituição diz que o empregado pode trabalhar a partir dos 16 anos. E a partir dos 14 como aprendiz. A partir dos 18 ele pode trabalhar como adulto, formalmente; antes disso há as restrições, como não trabalhar em ambiente penoso, insalubre, perigoso, noturno, que prejudique sua formação moral, psicológica, desenvolvimento físico. O trabalho de aprendizagem, que veremos no semestre que vem, tem inspiração grande nas corporações de ofício de muitos séculos atrás.

O que temos hoje na doutrina e na jurisprudência trabalhista é uma norma de proteção à capacidade do empregado quando menor. Quando maior, não haverá problema. Quando menor, faremos o estudo da nulidade em relação ao Código Civil. Deve haver representação no caso do absolutamente incapaz, ou assistência, no caso do relativamente incapaz.

No final das contas, o que temos no Direito do Trabalho é a proteção do incapaz, do menor de 18 anos. A maioridade trabalhista se dá aos 16 anos. Não se fala “o maior de 16 anos é considerado maior para o Direito do Trabalho”, mas ele já está apto a receber como empregado adulto. O que se criaram no Direito do Trabalho foram questões de proteção ao trabalhador menor, uma nulidade teórica, em tese, que não traz efeito ex-tunc. Só há efeito ex-nunc. A partir da declaração de nulidade é que temos impedimento da continuidade daquele contrato de trabalho. Mas, em relação ao contrato celebrado ainda quando o menino era menor, a doutrina constituiu um pensamento para desestimular a exploração extra de menores. Se um empregador usou o trabalho de um menor de 16 anos durante alguns meses, houve dispêndio de energia do menor em prol do patrimônio do empregador, que enriqueceu em virtude do trabalho. Por isso ele terá que dar a contraprestação.

Neste contexto, não se fala em convalidação, que é possível para os atos anuláveis, pois o contrato é nulo mesmo. Não pode ser convalidado um negócio jurídico nulo. É aqui que devemos prestar atenção: neste caso único, a sentença que vier a declarar a nulidade desse contrato de trabalho, já que ele é mesmo nulo (e não anulável), não terá efeitos retroativos¸ e o pagamento pelo labor será devido pelo empregador ao empregado menor. É, portanto, uma sentença ex-tunc com efeitos de ex-nunc. Vamos detalhar mais ainda hoje.

O que temos, então, é validade até a declaração da autoridade. Enquanto alguns autores defendem que, se o juiz determinar que o contrato de trabalho, até a data do ajuizamento, terá que ser considerado válido, outros dirão que o contrato não poderá ser validado por conta do próprio Código Civil, que não contém essa previsão.

Dentro dessa validade teórica, temos a teoria trabalhista das nulidades, que prega a irretroatividade da sentença no sentido de que ela tem um efeito ex-nunc, não ex-tunc, e, para outros, ela tem o efeito ex-tunc com caráter ex-nunc. Então dizem que, se houver sentença, ela só pode ser ex-nunc. Ela impedirá que o contrato continue produzindo efeitos, mas não retroagirá. Esse é o pensamento.

Outro é: a sentença que declara a invalidade do contrato celebrado entre empregador e empregado menor é ex-tunc, retroativa, mas com caráter de ex-nunc, ou seja, é inválido desde o início, mas o período trabalhado como menor deve ser pago. A jurisprudência se apoia mais neste segundo caso. O contrato é considerado nulo mas com efeitos minorados. Qual o sentido? Se a decisão for retroativa, o empregado será prejudicado, e o empregador será favorecido. O que foi feito deve ser pago. É um caso raro, dentro do Direito Brasileiro, de sentença ex-tunc com efeitos de ex-nunc.

São posições diversificadas com relação à capacidade do empregado.

Há autores que dizem que não é possível essa forma, porque, como dissemos, o Código Civil também não prevê essa possibilidade de sentença ex-tunc produzindo efeitos somente de ex-nunc. Argumentam que a sentença não chega ou não deve chegar a esse ponto.

 

Objeto do contrato

O objeto também é um elemento essencial do negócio jurídico. É outro ponto em que a doutrina discute questões sobre, caso o objeto seja lícito, então neste caso temos um trabalho lícito e pagável, e o tempo de serviço será computado. Essa é a ideia inicial. Enquanto isso, se o empregado tiver o objeto do seu contrato de trabalho ilícito, neste caso não será pagável. Mas não se confunde o objeto do contrato do empregado com o objeto da empresa, que esteja encampando a atividade laboral.

A OJ 199 da SDI-1 dispõe que o apostador do jogo do bicho, em virtude de a atividade ser ilícita, não tem o direito a pagamento de salário, nem à contagem do tempo. É que os bicheiros iam pagando os apostadores de início, e depois não mais. O trabalhador ajuizava pedindo a continuidade do pagamento.

Há relação laboral, de acordo com uma decisão da Paraíba, fundamentada no fato de que o Estado não tem poder de fiscalizar. Significa que o Judiciário não deve acompanhar a omissão do Executivo.

A atividade de uma empresa pode ser preponderantemente lícita, em virtude da variedade. Como assim? É que havia locais em que promoviam-se diferentes serviços, entre eles o jogo do bicho, mas também havia “assistência psicológica”, coisa lícita. A parte de jogo do bicho funcionava com elevado luxo, com guichês de atendimento similares ao da própria Caixa Econômica Federal. Podemos ter atividade lícita do empregador e ilícita do empregado, e vice-versa.

Aqui no caso do jogo do bicho,a atividade ilícita é do empregador, enquanto entendeu-se que a atividade do empregado é lícita.

OJ 296: o auxiliar de enfermagem precisa de um curso especial. Dessa forma, o que presta o serviço sem o curso desempenha uma atividade que não poderia sê-lo. A liberdade de profissão é uma regra, mas a lei pode exigir requisitos para o exercício de algumas delas. Existem atos próprios de contador, de advogado, de médicos e engenheiros, para dar apenas alguns exemplos. É a reserva de mercado. Administrador, por outro lado, tem reserva de mercado bem pequena; são pouquíssimos os concursos que exigem a qualidade de administrador formado para a admissão. Exigir graduação no curso superior de administração iria contra o princípio da livre iniciativa, defendido pela Constituição.

A nulidade com efeito ex-tunc é objeto de discussão. Como dissemos, a sentença é ex-tunc, mas com efeitos ex-nunc. O contrato tem objeto ilícito então é ilícito ab initio. O sujeito que planta maconha na fazenda do empregador pratica serviço ilícito dentro de atividade também ilícita.

O art. 594 do Código Civil diz que qualquer atividade lícita merece pagamento: “Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.” Isso significa dizer que a ilícita não merece a contraprestação. No caso do objeto ilícito, a obrigação é inexigível; ela se torna natural. Vamos para a teoria das obrigações, e não falamos somente no art. 594 da Lei Civil. Lembrando que a obrigação natural é aquele em que o pagamento não é exigível, mas, uma vez pago, não se pode exigir a devolução.

O doutrinador Rodrigues Pinto, quando trata dessas questões ligadas ao objeto, discute uma “dosagem”: o empregado sabe e contribui com a atividade ilícita do empregador? Em que casos será válida? Vamos ver isso agora.

Se o empregado não sabe da atividade ilícita do empregador, e não contribui com ela, então seu contrato é válido. Ele pode ser trabalhador rural e trabalhar numa área da fazenda diferente daquela em que se cultivam ervas. Ele pode trabalhar na gleba de café e não ter sequer idéia de que, a alguns metros dali, plantam-se drogas. Ele não sabe e não contribui com a atividade ilícita do empregador. Por isso seu contrato, de acordo com o autor, deve ser considerado válido.

Pode também ocorrer de ele saber e contribuir com essa atividade ilícita do empregador. Neste caso, o contrato deve ser considerado inválido.

E ainda o empregado pode saber, mas não contribuir, ou contribuir sem saber o que está fazendo. Exemplo desse último caso é a empregada de loja de roupas que revende peças contrabandeadas, mas, como não é da alçada da vendedora saber a procedência das roupas, então ela não tem consciência e o contrato deve ser reputado válido. Veja que o que importa é a atividade do empregado, aqui. “Vender” é uma atividade, em regra, lícita. Essa é a 0.

Aliás, se o empregado sabe e não contribui com a atividade ilícita do empregador, então houve omissão do empregado, e nesse particular a doutrina divergirá. Diz parte dos autores que o empregado deveria se negar àquele contrato; apesar de não trabalhar na atividade ilícita do empregador, ele contribui indiretamente. Exemplo: segurança de casa de prostituição. Ser segurança é uma atividade lícita, mas ele poderia ser segurança de qualquer lugar; mas, no caso, ele está salvaguardando o proveito da atividade ilícita do seu empregador.

Agora veja a nuance: havia uma casa de “entretenimento” que oferecia, aos clientes, apresentações de lindas mulheres dançando. Elas eram contratadas como dançarinas, mas o intento do empregador, na verdade, era atrair os clientes para a prática da “atividade fim”, que era a relação sexual. Ou eram as próprias dançarinas que acabavam praticando sexo com os clientes, ou eram outras mulheres da casa. Como resolver? A dança, neste caso, seria considerada ilícita, uma vez que no final há o objetivo da prática de uma atividade que o Direito não protege, que é a prostituição.

A jurisprudência é taxativa: apontador, atendente e auxiliar de enfermagem terão seu vínculo reconhecido porque o que importa é a atividade do empregado.

 

Impossibilidade física e indeterminação do objeto

Se sobrevier impossibilidade física do objeto do contrato, como construir um prédio em 10 dias, o contrato será considerado nulo.

Indeterminação: não se pode contratar alguém para realizar um trabalho que não sabe o que é, qual a qualidade do serviço, que instrumentos serão utilizados, etc. O cuidado que temos que ter é que, muitas das vezes, embora ele não seja determinado, a pessoa pode passar a simplesmente executar ordens do empregador, até que entenda que não tem determinação o objeto do contrato. Pode ser que se descubra posteriormente que não há nada definido. Isso pode descambar, pelo art. 444 da CLT, que as partes podem pactuar qualquer trabalho desde que não contrarie a lei ou a convenção coletiva: “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.” Depois de iniciado, pode haver uma delimitação pela habitualidade daquela tarefa, tudo pelo princípio da primazia da realidade.

O contrato nulo acarreta dois entendimentos dentro da doutrina trabalhista das nulidades; como falamos, o efeito ex-tunc, ex-nunc, o pagamento do menor, e voltamos a discutir o que vem a ser trabalho proibido e o que é trabalho ilícito. O proibido é o que não atende a determinadas restrições exigidas pela lei e, na verdade, é proibido desde o início. Então, se se contrata um menor de 16 anos, que trabalha sem ser na condição de aprendiz, o ainda assim o contrato é considerado válido, mesmo que seja proibido. É que continua havendo dispêndio de energia do empregado em prol do empregador, aumentando seu patrimônio.

O trabalho ilícito é aquele caracterizado pela ilicitude do objeto mesmo do contrato. Na questão da capacidade do empregado, temos a decretação da nulidade com qualidade ex-tunc mas produzindo efeitos somente para frente (portanto ex-nunc), bem como ocorre no caso de objeto indeterminado.

Súmula 363 do TST: policial militar trabalhando como segurança: sabemos que policiais militares não podem, por regras da Corporação, trabalharem em segurança particular. Sem saber disso, alguém contrata um policial para fazer sua segurança. O policial deixa de ser pago por algum motivo e ajuíza reclamação trabalhista pedindo o reconhecimento do vínculo de emprego. O vínculo não existe, mas o serviço não deve deixar de ser pago. O trabalho é considerado proibido, porém pagável.

A doutrina também indica um trabalho proibido diferente do trabalho com cláusula em condições proibidas. É o trabalho proibido ab initio, desde o início. É o caso do trabalho do menor em condições insalubres; esse contrato, não obstante, pode ser válido com cláusula em condições proibidas. Trabalho proibido é aquele que já nasce proibido, mesmo que sua declaração seja posterior.

Dolo, coação e erro: no Direito Civil, a sentença, nestes casos, terá efeitos ex-nunc. No caso do Direito do Trabalho, temos uma nulidade (e não anulação) do contrato mas ela gera o direito do empregado a receber os valores do trabalho que já foi realizado.

Um caso de dolo do empregador é a promessa de participação nos lucros: o empregado é atraído para o trabalho com a promessa de que receberá um salário nominal relativamente baixo, mas uma decente porcentagem em participação nos lucros da empresa. Ao chegar o primeiro pagamento, ele nota que seu salário é na verdade maior do que imaginava, mas sem o percentual de participação computado, o que acabou ficando pior, no final das contas, para o empregado.

Coação: já vimos alguns exemplos no passado. Mas este também pode consistir em ameaça do empregado contra o empregador, em que aquele diz que, se este não contratá-lo ou dispensá-lo, irá causar algum mal injusto e grave.

Nestes casos, a decisão do Judiciário pode demorar muito. Pode demorar para se obter a declaração de que o contrato foi feito por erro, dolo ou coação. O empregador deve dispensar o empregado, e aguardar pela decisão.

É direito potestativo de qualquer das partes na relação de trabalho colocar fim ao contrato. É um contrato típico em que há possibilidade de resilição unilateral.

A fraude caracteriza o uso do Direito para fim distinto de sua finalidade social. Se designo o cooperado para trabalhar na atividade fim da empresa tomadora, estou usando o Direito para alcançar um fim diferente de seu próprio objeto. Isso caracteriza a fraude, que por sua vez acarreta a nulidade.

Terminamos a nulidade lembrando-nos de alguns artigos, a começar pelo art. 9º da CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Art. 444, que vale a pena ler de novo: “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Art. 468: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. [...]

Lembrando: somente a licitude do objeto é capaz de retirar o pagamento. Neste caso, a sentença terá efeito ex-tunc e retirará o direito do empregado de receber. Nos demais casos, a sentença é ex-tunc mesmo pois o contrato é todo nulo, mas o efeito será de ex-nunc pois não se pode tirar do empregado o direito de receber. Levar o efeito ex-tunc a cabo implicaria forçar o empregado a devolver todo o dinheiro que já recebeu por todo o tempo até a declaração de nulidade.

 

Força maior

Art. 501: “Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

§ 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.

§ 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.

Força maior é acontecimento inevitável. No art. 393 do Código Civil, o caso fortuito ou força maior é o fato que o devedor não poderia evitar nem impedir: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.” O terremoto é previsível em algumas horas, mas os resultados e prejuízos não. A previsibilidade não é elemento essencial, só a evitabilidade. Uma coisa é evitar o fato, outra é evitar as consequências.

§ 1º: imprevidência significa o quê? Não ter tomado cuidado. Não é não prever, mas ter sido displicente com relação às conseqüências do evento catastrófico.

§ 2º: há a necessidade de que haja um prejuízo contundente, significativo, profundo. O problema é que não tem como fazer gradação da força maior. Não há força maior pequena, força maior média e grande.

Art. 502: “Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:

I – sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478;

II – não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;

III – havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.

Vamos começar pelo inciso II, que fala em indenização. Essa indenização deve ser vista como se trata a estabilidade, no art. 492: “O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas. Parágrafo único – Considera-se como de serviço todo o tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador.

A doutrina majoritária entende que se devem os 40% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. A Lei 8036, que trata do FGTS, fala que o valor é de 40%, mas, em caso de força maior, o valor cai pela metade, o que é coerente com esse inciso II acima: “não tendo direito à estabilidade, metade do que seria devida em caso de rescisão sem justa causa”. Logicamente a metade aqui é só da multa dos 40% sobre o FGTS, não do salário, do décimo terceiro, das férias, o que ficou para trás. O empregador terá que pagar tudo 100%. No Direito Civil, se ocorrer força maior na obrigação de restituir um imóvel, caso o devedor entre em mora, o fato de perder o imóvel o prejudica? Não, pois aquilo teria ocorrido mesmo que o imóvel tivesse sido devolvido. Mas o tempo de mora tem que ser pago. Neste caso, a mora não favorece o empregador no sentido de dispensar o que ele já tinha que pagar anteriormente.

Aqui no Direito do Trabalho a regra é a mesma: se o empregador tiver uma dívida com o empregado antecedente à força maior, ele terá que pagar tudo. Férias, décimo terceiro, adicionais, etc. A força maior é uma flexibilização do risco da atividade econômica do empregador, já que o risco é dele. Pela definição de empregador do art. 2º (considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço), a perda é dele.

A consequência pode ser até uma redução de jornada.

Outra forma de flexibilizar é o inciso III do art. 502, que estávamos analisando: “havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.” O inciso nos remete ao art. 479: “Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado será obrigado a pagar-lhe, a titulo de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato. Parágrafo único – Para a execução do que dispõe o presente artigo, o cálculo da parte variável ou incerta dos salários será feito de acordo com o prescrito para o cálculo da indenização referente à rescisão dos contratos por prazo indeterminado.” O art. 479 diz que, se tivermos um contrato por prazo determinado e dispensarmos o empregado, teremos que pagar a metade do que ele receberia pelo período que está para vencer. Aqui, o que se diz é que se pagará a metade desse valor, o que significa que pagaremos a metade da metade.

Se, num contrato por prazo determinado de 12 meses, a força maior sobrevier depois de 4 meses, faltariam 8 para a conclusão, então divide-se esse tempo restante por 2, e ficarão devidos os pagamentos referentes a 4 meses. Isso para contratos por prazo determinado. Se for por prazo indeterminado, paga-se 20%, que é a metade da multa sobre o FGTS.

 

Factum principis

É o art. 486: “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável. [...]

É uma espécie de força maior. É no caso de fato produzido por aquele que tem o poder, quando interfere profundamente na atividade, acarretando paralisação temporária ou definitiva.

§ 1º: “Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria.

Embora a lei diga que a responsabilidade é da autoridade competente, por exemplo quando emitiu ordem de desapropriação, ou elevação de taxas, construção de edificação inconveniente, proibição de bingos, tentou-se transportar a responsabilidade para a União.

Já existem decisões dizendo que a competência é puramente da justiça do trabalho, nada com a justiça federal. O que pode ser discutido são os valores da indenização. Na força maior temos 20% de multa, e no fato do príncipe temos o transporte da responsabilidade para o administrador que deu causa à impossibilidade. A justiça do trabalho é competente para julgar esses fatos.

Outra questão importante é a inexistência de culpa ou dolo do tomador e a imprevisibilidade da decisão do ente público. Por outro lado, há um pequeno número de causas trabalhistas que chegam ao TST sobre factum principis com base no risco da atividade do empregador.

 

Casos de hoje

Como sempre, notem os comentários após o texto.

Massa falida do Mappin é multada em ação trabalhista

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho mudou decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (2ª Região), e aplicou a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço em favor de uma trabalhadora dispensada pela Massa Falida do Mappin Lojas de Departamento S.A..

O TRT-SP havia determinado a redução da multa do FGTS para 20% - em lugar dos 40% previstos no artigo 7º, inciso I, da Constituição -. Segundo o TRT-SP, a rescisão contratual decorreu de motivo de força maior, ou seja, a falência da empresa.

"O rompimento contratual ocorreu em virtude de falência. Com fulcro no artigo 18, parágrafo 2º, da Lei n.º 8.036/90, entendo que o mesmo se deu por força maior, devendo a multa em epígrafe ser reduzida para o percentual de 20%", sustentou o relator do acórdão do TRT. A reforma da decisão do TRT foi liderada pela ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora do recurso de revista em que a ex-empregada da Massa Falida do Mappin Lojas de Departamento pede o restabelecimento da multa de 40%.

A defesa da funcionária do falido Mappin cita o artigo 449 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que assegura ao empregado os salários e indenizações a que tiver direito, em caso de falência. Sustenta ainda que a dispensa ocorreu sem justa causa, "o que lhe confere o direito ao percentual de 40% sobre os depósitos do FGTS, já que não pode ser responsabilizada pela falência". Para os advogados da ex-funcionária, o risco da atividade econômica deve ser um ônus apenas ao empregador. "Entendimento contrário nos conduziria fatalmente à inversão dos papéis entre empregado e empregador".

A ministra relatora Maria Cristina Peduzzi acatou o argumento da trabalhadora e decidiu pela multa de 40%. Ela observou que "o empregado não pode ser constrangido a compartilhar com o empregador os riscos da atividade empresarial". A Terceira Turma, por unanimidade, decidiu que a decretação de falência de uma empresa "não pode ser equiparada à força maior".

Para a ministra, a falência geralmente está associada à má administração dos negócios, causa perfeitamente evitável. "A falência de uma empresa não pode ser vista como um acontecimento inevitável, que independe da vontade do empregador, ou para o qual ele não tenha concorrido direta ou indiretamente", sustentou.

Maria Cristina Peduzzi afirmou também que a CLT assegura aos trabalhadores os direitos oriundos do contrato de trabalho em casos de falência, concordata ou dissolução da empresa, em seu artigo 449. "Ora, se para o empregado dispensado em razão de falência subsistem todos os direitos oriundos do contrato de trabalho, e sendo a indenização de 40% sobre o FGTS direito igual, deve ser afastada a alternativa da redução da multa de 20%", concluiu a ministra Cristina Peduzzi. (TST)

RR 814324/2001

O que é essa inversão do papel do empregador e empregado? Seria como se o empregado tivesse o risco da atividade, coisa que não é admitida.

A ministra também entendeu que a falência da empresa não é caso de força maior, e portanto a hipótese não se encaixa na previsão do art. 501, caput: “Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.” A magistrada entendeu que houve presunção de má administração, que os empregadores concorreram direta ou indiretamente para a falência, assim como diz o artigo.

O art. 449 diz: “Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.” A falência não foi considerada força maior. Nem incêndio é considerado caso não haja seguro contra incêndio. Não fazer seguro caracteriza imprevidência do tomador.
 

Caso 2

Justiça do Trabalho é competente para julgar fato do príncipe

A Justiça do Trabalho de Pernambuco terá de analisar o recurso do Incra que discute o pagamento de indenização a trabalhadores rurais por ter ocorrido fato do príncipe após a desapropriação de uma área rural para reforma agrária. A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho.

O fato do príncipe ocorre quando o Poder Público torna impossível o cumprimento de contrato celebrado entre terceiros. No caso, a desapropriação da terra inviabilizou a manutenção do contrato dos trabalhadores.

Apesar de o artigo 486 da CLT ainda declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar causas em que se constata a ocorrência do fato do príncipe, o entendimento da 2ª Turma é o de que a evolução constitucional das atribuições da Justiça do Trabalho demonstra o contrário.

De acordo com o relator, ministro Simpliciano Fernandes, o artigo 486, parágrafo 3º, da CLT foi introduzido no ordenamento jurídico nacional no contexto da Carta Magna de 1934, quando ainda não era reconhecida, constitucionalmente, a competência da Justiça do Trabalho para examinar causas em que figurassem como partes os entes da Administração Pública.

“Todavia, a análise da evolução constitucional das atribuições da Justiça do Trabalho conduz ao entendimento de que a Constituição de 1988 retirou os fundamentos de validade daquele dispositivo, na medida em que lhe foi atribuída, pelo artigo 114, a competência para dirimir controvérsias decorrentes da relação de trabalho entre entidade de Direito Público e trabalhadores”, afirmou o relator.

O ministro relator explicou que compete à Justiça do Trabalho apreciar tanto a questão relativa à caracterização do fato do príncipe, como o pedido de indenização, a cargo do governo responsável pelo ato que originou a rescisão contratual. Segundo ele, na ocorrência do fato do príncipe, o ente público transforma-se em “litisconsorte necessário”, participando efetivamente da relação processual.

RR 605.365/1999.1

Este caso é de 2006, posterior à Emenda Constitucional nº 45. Antes, não era de competência da justiça do trabalho o julgamento de causas em que os entes públicos figurassem como parte. Para cair na responsabilidade do poder público, deverá cair nos precatórios. Então, deve-se pagar somente no ano seguinte.

Quarta-feira: direito coletivo.