Direito Processual Civil

terça-feira, 1º de junho de 2010

Execução em quantia certa contra a Fazenda Pública e execução de dívida de alimentos



 

Estamos nos aproximando do término do nosso programa! Depois desta aula, só precisaremos de mais uma aula, quando veremos alguns aspectos da execução de quantia certa por título extrajudicial.

Veremos duas exceções ao procedimento do cumprimento de sentença que estudamos, disciplinadas nos arts. Art. 475-I a R. Aqui temos hipóteses de execução de sentença contra a Fazenda Pública e de prestação alimentícia, que não observam aquele procedimento. São formas de execução especiais, e, especificamente no caso da Fazenda, já mencionamos que o procedimento não é aplicado. Também, pelas particularidades da prestação alimentícia, temos um procedimento especial.

 

Execução contra a Fazenda Pública

Quando se trata de devedor particular, a finalidade é obter a satisfação do crédito, se necessário com a expropriação de bens do seu patrimônio. O primeiro ato é a penhora. No caso da Fazenda Pública, os bens públicos são impenhoráveis. Aquele procedimento dos artigos 475-I em diante é inadequado. Se a finalidade é a expropriação de bens e eles não podem ser penhorados, então precisamos de outra forma de execução.

Quais entidades que podemos classificar dentro do conceito de Fazenda Pública? Pessoa jurídica de direito público interno. Este é o gênero. Espécies são a União, estados, municípios, Distrito Federal, suas autarquias e as fundações públicas. E as empresas públicas, cujo capital é 100% público, como a Caixa Econômica Federal? Não estão neste conceito. As empresas públicas estão excluídas deste conceito de Fazenda Pública pela própria Constituição, quando as equipara às empresas privadas.

Naquilo que diz respeito a funções delegadas de entidades públicas, aí sim seus bens são impenhoráveis. Se as empresas receberem bens para implementação de um programa do Estado, esses bens ficarão impenhoráveis.

A execução que estamos vendo fica restrita aos entes que citamos.

Então, os bens públicos, sendo impenhoráveis, afastam o processo de execução que tem por fim a expropriação de bens, cuja medida é a penhora. Como se dá o pagamento que tenha como devedor a Fazenda Pública? Temos uma determinação constitucional, no art. 100 da Carta da República: “À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Os §§ 1º e 2º irão estabelecer duas preferências: uma, decorrente da natureza do crédito, que são os créditos de natureza alimentícia, que tem preferência sobre os demais, e uma dentre os credores titulares de crédito alimentício que são decorrentes da qualidade da pessoa, como as pessoas idosas, com mais de 60 anos, portadoras de doenças graves, definidas na forma da lei, que terão preferência sobre os demais titulares de créditos alimentícios: “Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.

§ 2º: “Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.

No universo dos titulares de crédito alimentício, temos que identificar quais têm mais de 60 anos, e quais são portadores de doenças graves. Eles terão prioridade dentro dos titulares de créditos de mesma natureza.

O § 2º limita em até 180 salários mínimos para esta preferência, que permite o fracionamento do crédito para assegurar essa exigência. Por quê? Duas coisas. O caput veda a designação de casos. Não se pode dizer: “preferência para entidades que estejam realizando obras do meu programa de governo.” Impera a ordem cronológica.

Precatórios: “em sentença judiciária”. O que temos que adiantar é que o § 3º irá estabelecer uma outra possibilidade, que é a remissão da dívida de pequeno valor, que terá um prazo diferenciado. A lei dos Juizados Especiais definiu um máximo de competência quanto ao valor da causa em 60 salários mínimos. É uma disposição infraconstitucional do § 3º do art. 100. O pagamento, neste caso, será dado em outra forma, com requisição feita à Fazenda.

 

Processamento do precatório

Como se processa o precatório? Vamos ao art. 730 do Código de Processo Civil: “Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras:

Inciso I: “o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente;

Inciso II: “far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.

Atenção ao caput do art. 730: o prazo não é de 10 dias, mas de 30, segundo prevê o art. 1º-B da Lei 9494/97.

Então neste caso temos a necessidade da propositura de uma ação pelo credor. Assim, se se tratar de uma sentença que possa ser liquidada por cálculo aritmético, o credor apresentará o cálculo e fará uma petição inicial instruída com a memória discriminada. Ela será juntada aos autos, e terá início uma nova relação jurídica processual. Extingue-se o processo se o procedimento não for o correto. O credor não se desincumbe da tarefa de provocar a jurisdição, mediante citação, e não intimação. A Fazenda é citada para opor embargos, já que o pagamento só pode ser feito mediante este procedimento constitucional que estamos vendo. Como credor instruiu sua petição pedindo que o ente público seja citado para embargar a execução, caso não faça, que se expeça o precatório.

Não concordando com o valor executado, a Fazenda Pública oporá embargos. Ela terá prazo de 30 dias para fazê-lo.

Qual a natureza jurídica dos embargos? De ação, mesmo que sirvam para a defesa. No entanto o devedor, embargante, propõe a ação, que será autuada em apenso, com a finalidade de desconstituir ou reduzir o valor da execução. O embargado, que é o credor, será notificado, já que a notificação é a comunicação processual usada aqui, para responder ao(s) embargo(s) por meio de uma impugnação. Enquanto não resolvida essa pendência dos embargos, a execução não prossegue.

Como os bens públicos são impenhoráveis, a execução contra a Fazenda Pública pode ser feita independente de garantia do juízo. Aqui, a Fazenda é simplesmente citada para embargar.

A sentença, nos embargos à execução por título judicial, não se sujeita à remessa obrigatória ou ao duplo grau de jurisdição obrigatório. É uma interpretação jurisprudencial porque se trata de sentença que, proferida no processo de conhecimento, já se sujeitou ao duplo grau antes. A sentença, nos embargos, pode ser desfavorável, mas só está confirmando o que já foi decidido anteriormente. Ainda assim cabe recurso de apelação.

Decididos os embargos, temos a expedição do precatório, ou seja, o valor é aquele mesmo, ou estava em excesso, enfim: qualquer que seja a situação, o juiz executará agora a sentença propriamente, expedindo um precatório. Por que o art. 730 diz que o juiz fará a requisição por intermédio do Tribunal? Porque é este quem faz a requisição para o chefe do Poder Executivo. Precatório é emitido pelo juiz de primeiro grau para o presidente do Tribunal; é uma cerimônia, um pedido, uma súplica. O presidente requisitará do Poder Executivo.

O requisito do art. 100 da Constituição praticamente impede alguns desvios que ocorreram no passado. Exemplo: a Fazenda Pública decidia pagar uma empresa, ou, por conta de alguma motivação, fazia um pagamento na frente de outro, em ordem errada. Agora é o Judiciário que faz, não mais o Executivo. Tanto que isso gera até uma distorção quando vão se apurar gastos do Judiciário; os pagamentos da Fazenda estão incluídos na Fazenda do Judiciário. Mas isso não é gasto, nem gasto de pessoal, nem equipamentos, móveis, nada; são apenas pagamentos de dívidas. Só que essa sistemática trouxe benefícios muito visíveis em relação ao sistema anterior. Não há descumprimento dessa regra porque se observa a ordem cronológica. Quando essas regras não existiam na Constituição, havia a necessidade de se observar o art. 731 do Código: “Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o sequestro da quantia necessária para satisfazer o débito.

Pode decorrer da natureza do crédito ou da própria ordem. Então, se houver descumprimento, o presidente do Tribunal poderá ordenar o sequestro diretamente na conta do Tesouro para efetuar o pagamento. Mas o pagamento é feito pelo próprio Tribunal, então o artigo quase que perde a aplicabilidade.

Temos a expedição do precatório. Mas como se processa? Em se tratando de requisição de pequeno valor, temos a desnecessidade do precatório e a requisição terá um prazo de espera de 60 dias.

Não existe execução provisória contra a Fazenda.

§ 1º do art. 100 da Constituição: “É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.” Temos dois prazos: um para requisição e outro para pagamento. O Tribunal irá pegar todos os precatórios distribuídos de 2 de julho do ano passado até 1º de julho deste ano, irá atualizá-los, consolidar o valor por entidade pública, separados de acordo com a natureza do crédito ou a informação daquelas preferências do § 2º e mandar para o órgão encarregado dentro de cada entidade. No caso da União, isso é feito pelo Ministério do Planejamento. Ele que, por meio da Secretaria de Fazenda Federal, irá fazer a inclusão desse valor no orçamento do ano seguinte. Então temos esse prazo, de 1º de julho até 31 de dezembro, para fechar o orçamento. Cada entidade sabe quanto deve.

E a sentença que transitar no dia 2 de julho? Só entrará no ano seguinte. A sentença já está em execução mas esta não terminou porque os embargos ainda não foram julgados, e só vai se tornar livre para ser objeto de precatório depois do dia 1º de julho. Então, ficará para o ano seguinte.

Esses valores serão incluídos no orçamento e o pagamento terá que ocorrer dia 1º de janeiro do próximo ano até 31 de dezembro do mesmo ano. São seis meses para inclusão no orçamento e mais um para o pagamento. Se o dinheiro não for suficiente para pagar a todos, então usam-se as preferências.

 

Execução de prestação alimentícia

Aqui, o que destaca essa forma de execução de todas as demais é a prisão civil do devedor. É a única hipótese em que a prisão civil é admitida. Antes, havia o entendimento de ser cabível também no caso de depositário infiel, mas não mais desde que o Brasil assinou o Pacto de São Jose da Costa Rica. Temos aqui um procedimento relativamente simples, sem prejuízo do procedimento do cumprimento de sentença.

Art. 732: “A execução de sentença, que condena ao pagamento de prestação alimentícia, far-se-á conforme o disposto no Capítulo IV deste Título.

Parágrafo único.  Recaindo a penhora em dinheiro, o oferecimento de embargos não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.

Como a finalidade dos alimentos é garantir a subsistência do credor, se a oposição de embargos impedisse o pagamento, o objeto da pensão seria completamente inviabilizado.

Art. 733: “Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ 1º  Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.

§ 2º  O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas.

§ 3º  Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.

Ele deve provar que já o fez ou demonstrar a impossibilidade de fazê-lo. A finalidade da citação nesta execução é exatamente para isso. Se o devedor não fez nem uma coisa nem outra, o § 1º prevê sua prisão.

Suponha que o juiz fixou em 30 dias a prisão do devedor. Ele teve a oportunidade de demonstrar a impossibilidade. Depois de três ou quatro dias, ele consegue o dinheiro e paga. Ou então ele paga uma parte e garante uma outra, se o credor concordar. Dependendo da situação de carência, o devedor pode conseguir um crédito junto a uma instituição financeira, e depois pode entrar em dívida maior ainda, dificultando ainda mais o pagamento. A outra parte do débito pode ser pago pela forma da execução comum.

Efetuado o pagamento, o juiz suspende o cumprimento da ordem de prisão.

O desconto em folha está previsto no art. 734, que é a forma mais eficiente para prevenir esses incidentes. O devedor precisará receber remuneração e vencimentos de uma fonte. Ou ele é empregado, ou dirigente de uma empresa, ou funcionário público, e o juiz emitirá um ofício para que o credor abra uma conta para se efetuar o desconto na conta do devedor para creditar na daquele. Se se tratar de menor, incapaz, a conta será aberta em nome dele, mas administrada e movimentada pelo seu representante legal.

Para encerrar, temos a...

 

Inacumulabilidade de execuções

A sentença fixou alimentos, que pode ser executada dessa forma que falamos, ou pode ser executada pela forma do cumprimento de sentença. Não pode, ao mesmo tempo, o credor querer duas coisas. Então, por exemplo, se o devedor foi preso, e mesmo assim não pagou, aí parte-se para a penhora, se for possível. Mas ele não será preso e condenado a pagar multa de 10%, pois são duas sanções previstas em procedimentos distintos, que são inacumuláveis. Por outro lado, se ele ficou preso, não pagou e o crédito continua vivo, com o credor ainda precisando de dinheiro para sua sobrevivência. O que será feito então? Penhora de bens do devedor, para expropriar, vendê-lo e usar o dinheiro como pagamento.

Não é possível constituir um terceiro procedimento fazendo a junção das duas coisas. O credor pode optar pelo cumprimento da sentença, e aí incidirá a multa.

Na próxima aula encerraremos o nosso programa. Será terça-feira, dia 8/6.