Direito Processual Civil

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Depoimento pessoal e confissão




Dando continuidade aos meios de prova, vamos falar hoje do depoimento pessoal da parte e da confissão. São meios de provas que estão íntimamente ligados porque a confissão pode ser produzida durante o depoimento pessoal. Fizemos uma inversão na ordem; no Código de Processo Civil, o depoimento pessoal vem antes da prova testemunhal, que já estudamos. No entanto, a forma para se observar os dois é a mesma.

Então, fazendo uma revisão rápida sobre o que começamos a ver, com relação à parte, esta tem o dever de expor os fatos de acordo com a verdade. É um dever geral da parte, não apenas com respeito à prova.

Especificamente com relação à prova, o Código estabelece deveres, das partes e dos terceiros: pessoas de modo geral que nem integram a relação jurídica.

Art. 339: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.

O art. 340 irá especificar, com relação às partes, quais são esses deveres. O art. 341 dispõe sobre o dever do terceiro.

Art. 340: “Além dos deveres enumerados no art. 14, compete à parte:

    I – comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado;

    II – submeter-se à inspeção judicial, que for julgada necessária;

    III – praticar o ato que lhe for determinado.

No inciso I já temos uma previsão específica com relação à parte, que depois é detalhada no Código nos arts. 342 e 347. Quando a testemunha intimada deixa de comparecer, qual a consequência? Ela será conduzida coercitivamente. Poderá, também, responder pelas despesas do eventual adiamento da audiência. São consequências bem diferentes que veremos no caso da ausência da parte.

Sempre que a produção da prova depender da parte, a solução será a geração de presunção. A parte não pode ser compelida, forçada a produzir uma prova que seja contra ela mesma. A consequência, portanto, é a geração da presunção. No caso, poderíamos dizer mais: a parte poderá até mentir, apesar dos deveres processuais, elencados no art. 14. Se a parte comparecer e mentir, ela não sofrerá sanções penais por isso. Mas o juiz fará sua própria avaliação de cada comportamento da parte, e isso, quase que certeiramente, poderá pesar contra ela quando for proferida a sentença. Até porque temos a litigância de má-fé prevista para o descumprimento do art. 14.

Por que não se pode tolher a parte? Porque a mentira pode não decorrer de uma vontade livre; ela pode ser inconsciente, e pode ser derivada de uma visão que ela tem. Daí não haver um tipo penal para a parte que mente. Não há sanção, muito embora o Código use a expressão “pena de”. É uma pena sem sanção, uma mera conclusão lógica.

 

Iniciativa

Quem pode ter a iniciativa da produção da prova? O juiz. Veja o art. 342: “O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.

E também pode a própria parte. Mas ela deverá requerer o depoimento pessoal da outra, e não dela própria. Se ela tem alegações a fazer, a oportunidade que o autor terá será na petição inicial e o réu na contestação. Ao requerer da outra, isso se dará exatamente para perguntar a ela sobre um fato a quem interessa a quem de direito. Assim, haverá sentido lógico. Aí vem o art. 343: “Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento. [...]” o réu pode requerer o depoimento pessoal do autor e vice-versa.

Como temos uma consequência para a ausência da parte ou, caso compareça, deixe de responder, essa consequência, muito embora prevista na lei, deverá ser levada ao conhecimento da parte.

§ 1º: “A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor.” A recusa de prestar depoimento ou ausência acarretará confissão ficta. Aqui, no caso, os fatos se presumirão confessados. E isso terá que estar expresso no mandado. A intimação pessoal não poderá ocorrer pela imprensa; só pessoalmente: por mandado ou pelo correio. Sendo que, pelo correio, terá que ser em mão própria, mediante recibo.

§ 2º: “Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de confissão.” O Código fala em pena de confissão, mas lembrem-se que não é uma pena com caráter sancionatório. O dever de comparecimento acarreta ônus para a parte. Com relação à parte, não é razoável impor uma punição pelo descumprimento desse dever porque ela estaria sendo forçada a produzir. Mas ainda assim o legislador usa o termo “pena”.

 

Forma

A forma a ser observada na colheita do depoimento é a mesma prevista para a prova testemunhal, que já estudamos. Art. 344: “A parte será interrogada na forma prescrita para a inquirição de testemunhas.

    Parágrafo único. É defeso, a quem ainda não depôs, assistir ao interrogatório da outra parte.

Quem não depôs não poderá assistir ao depoimento. Veja o art. 452: “As provas serão produzidas na audiência nesta ordem:

    I – o perito e os assistentes técnicos responderão aos quesitos de esclarecimentos, requeridos no prazo e na forma do art. 435;

    II – o juiz tomará os depoimentos pessoais, primeiro do autor e depois do réu;

    III – finalmente, serão inquiridas as testemunhas arroladas pelo autor e pelo réu.

Veja a ordem de produção das provas, que veremos em mais detalhes em aulas seguintes. Na audiência de instrução e julgamento, há uma fase de conciliação, em que as partes, depois de apregoadas, deverão comparecer com seus advogados à presença do juiz para a tentativa de conciliação. O juiz, caso não haja conciliação, fixará os pontos controvertidos. Pode haver pontos controvertidos que já foram resolvidos pela prova pericial. Ouvido o réu ou o autor, independente da ordem, o juiz pedirá que aquele que acaba de depor se retire da sala. Qual a razão de uma não ouvir o depoimento da outra? Exatamente para que não tente moldar a resposta em função do depoimento da outra. Assim, elas são ouvidas sem que saibam o que a outra falou para o juiz.

Assim como a testemunha, a parte deve responder sem ler um escrito que tenha sido preparado previamente. É o princípio da oralidade. Isso é para maior espontaneidade da resposta. Presume-se que o escrito preparado compromete a responsabilidade e a avaliação da prova. Também porque o escrito pode ter sido preparado por alguém mais preparado, como um advogado. Mas é permitida a consulta a breves notas, como de fatos antigos, nomes, datas, valores. Uma agenda da época, por exemplo.

 

Quem faz perguntas primeiro

O autor é ouvido primeiro, seguido, naturalmente, pelo réu. Depois de interrogar o autor, o juiz dará a palavra para o advogado do réu, em seguida ao advogado do autor. Na prática, os advogados não fazem perguntas ao seu próprio constituinte. A vontade de ajudar pode acabar colocando o cliente em contradição. Em caso de perguntas complexas, pode-se pedir aparte para esclarecimento da pergunta. A parte que requereu é quem formula a pergunta primeiro. Art. 452, inciso II.

Com relação às respostas evasivas, temos o art. 345: “Quando a parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado, ou empregar evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor.” A consulta a escritos está no art. 346, que diz: “A parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos adrede preparados; o juiz lhe permitirá, todavia, a consulta a notas breves, desde que objetivem completar esclarecimentos.

Adrede significa “anteriormente”. Se o juiz entender que houve recusa, seja pelo emprego de resposta evasiva ou não respondida, ele considerá presumido o fato objeto da pergunta. Mas o juiz só poderá chegar a essa conclusão quando confrontar esse comportamento com as demais provas. E quando fará isso? Na sentença.

 

Escusa do dever de depor

Da mesma forma que há situações em que a testemunha não tem o dever de responder, teremos as hipóteses em que a parte está dispensada do dever de responder, o que acarretará a não aplicação da chamada “pena de confissão”. Ou seja, mesmo que deixe de responder, sua omissão não gerará nenhuma presunção de veracidade.

Art. 347: “A parte não é obrigada a depor de fatos:

    I – criminosos ou torpes, que lhe forem imputados;

    II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

    Parágrafo único. Esta disposição não se aplica às ações de filiação, de desquite e de anulação de casamento.

Depor sobre fatos criminosos cairá naquela situação em que a parte produz provas contra si, o que poderá gerar demandas, inclusive penais. Torpes: gerar conduta desonrosa, indecorosa, muito embora não seja tipificada como crime. É expor ao vexame, a constrangimento.

Fatos protegidos por sigilo: médico, advogado, pai e filho, padre, etc. Note o parágrafo único: as ações de estado, pelas mesmas razões em que a testemunha não pode se eximir de depor. Por isso que tais processos já correm em segredo de justiça, justamente para evitar que se tornem públicos.

Confidentes religiosos também estão imunes à obrigatoriedade de depor sobre fatos que lhe tenham sido confessados pelos fiéis.

 

Confissão

Temos que fazer uma diferença entre a confissão, que é um ato voluntário da parte de reconhecer a veracidade de um fato que seja do interesse da parte contrária, do reconhecimento da procedência do pedido, que é a manifestação de conformação com a pretensão do autor, o que só o réu pode fazer. A confissão, por sua vez, pode ser feita por qualquer das partes e diz respeito a um fato especificamente. Isso será, em alguns casos, determinante para julgamento, mas poderá não ser.

No art. 348 está o conceito legal: “Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial.

A confissão judicial, do art. 349, pode ser espontânea ou provocada. Na espontânea, a parte, por iniciativa própria, comparece em juízo e confessa o fato. Pode ser feita via petição, mediante declarações, ou pode ser provocada quando, no decorrer do depoimento pessoal, perguntada sobre o fato, confessa, afirmando verdadeiro o fato. Por que é provocada? Porque a parte foi incitada a dizer a respeito.

Art. 349: “A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. Da confissão espontânea, tanto que requerida pela parte, se lavrará o respectivo termo nos autos; a confissão provocada constará do depoimento pessoal prestado pela parte.” A confissão pode vir assinada pela própria parte, ou por procurador com poderes especiais. A confissão extrajudicial ocorre fora dos autos. Pode ser manifestada diretamente à parte, ou a terceiro, ou pode até constar em testamento. A força probante irá mudar conforme essa situação. Parágrafo único do art. 349: “A confissão espontânea pode ser feita pela própria parte, ou por mandatário com poderes especiais.” Note que a procuração geral para o foro (procuração ad judicia) não habilita o advogado a confessar em nome da parte, seu constituinte. Também não habilita a transigir, renunciar ao direito, desistir da ação, etc. São atos que, para serem praticados para o procurador, necessitarão poderes expressos. O que esses atos excluídos têm em comum é que são todos atos que têm um caráter de disposição, de renúncia a direito. Reconhecer a procedência do pedido é se conformar com a pretensão.

Art. 350: “A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes. Parágrafo único. Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge não valerá sem a do outro.

O alcance da confissão fica restirto à esfera jurídica do confitente, pois é ato de disposição. Ainda que o fato também interesse à relação jurídica entre o autor e os outros réus, a confissão não irá se estender aos demais.

Os cônjuges, de acordo com o parágrafo único, precisarão do consentimento do outro para fazer confissões. Neste caso, ambos terão que ser citados e formarão um litisconsórcio passivo necessário para os casos de bens imóveis.

Direitos indisponíveis: se a revelia não produz a presunção de veracidade quando se tratar de direitos indisponíveis, exatamente porque não é possível a disposição do direito, pela mesma razão, o reconhecimento de fato não é considerado confissão quando se tratar de direito indisponível. Art. 351: “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis.

Na prática, o que veremos é que a confissão é suficiente para tornar dispensável a prova testemunhal. Art. 400, inciso I: “A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos: I – já provados por documento ou confissão da parte; [...]

Então, para direitos indisponíveis, o art. 351 dizer que não vale como confissão a admissão de fatos relativos a direitos indisponíveis não irá autorizar que o juiz indefira a produção de prova testemunhal em razão de confissão. Em relação a direitos indisponíveis, o Processo Civil deve buscar mais ainda a verdade real.

 

Erro, dolo e coação

Se a confissão tiver sido obtida com esses vícios, com erro, dolo ou coação, ela poderá ser revogada. A única diferença é com relação a já estar terminado o processo. Se ainda não houve trânsito em julgado, poderá ser obtida a revogação por meio de uma ação anulatória. Se tiver transitado, a ação rescisória é a ação adequada para esse fim. Neste caso, ela será admitida se a confissão for o único fundamento para a sentença.

A ação que desfaz a confissão transmite-se aos sucessores do confitente se já tiver sido ajuizada. Exemplo: alguém confessou porque foi coagido. Quando cessou a ameaça e ela se sentiu em condições de propor ação anulatória, e o fez. Se a pessoa vier a falecer no curso da ação, os sucessores poderão seguir com ela. Mas, se a parte não tiver ajuizado, os sucessores não poderão propor. Veja o art. 352: “A confissão, quando emanar de erro, dolo ou coação, pode ser revogada:

    I – por ação anulatória, se pendente o processo em que foi feita;

    II – por ação rescisória, depois de transitada em julgado a sentença, da qual constituir o único fundamento.

    Parágrafo único. Cabe ao confitente o direito de propor a ação, nos casos de que trata este artigo; mas, uma vez iniciada, passa aos seus herdeiros.

 

Confissão extrajudicial

Art. 353: “A confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; feita a terceiro, ou contida em testamento, será livremente apreciada pelo juiz. Parágrafo único. Todavia, quando feita verbalmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal.

A confissão feita diretamente à parte favorecida terá a mesma eficácia da confissão judicial. O réu, sabendo do litígio, manda uma carta ao autor. Significa então que há vontade de praticar o ato de reconhecimento da procedência. O réu pode, por outro lado, escrever uma carta a um primo muito estimado dizendo: “realmente fui eu quem, bêbado, subi no meio-fio e bati no carro daquela mulher.” Essa confissão foi feita no sentido de dividir um segredo com alguém de confiança. Portanto, feita a terceiro ou contida em testamento, ela será livremente apreciada pelo juiz, que terá que confrontar aquilo com outras provas produzidas.

Na confissão verbal, a pessoa confessa verbalmente a outra, e essa confissão precisará ser provada por testemunhas.

 

Indivisibilidade da confissão

Como regra, e a exemplo do que ocorre com a prova documental, temos a indivisibilidade. A parte não pode querer aproveitar o trecho que lhe é favorável e rejeitar aquele que não lhe é conveniente. A prova tem que ser apreciada como um todo. Mas há exceções a essa regra de indivisibilidade. Art. 354: “A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente lhe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.” Exemplo da exceção: o réu confessa que deve algo ao autor. Confessou a existência da dívida, ou o fato que daria o direito ao crédito do autor. Entretanto adiciona: “mas, entretanto, o autor me perdoou a dívida”. Significa que ele aduziu um fato novo que constitui defesa de direito material. Neste caso, será possível separar a confissão.

O réu tamnbem pode dizer: “eu realmente devo, mas ele também me deve, pois me causou um dano naquela batida, também.” São casos em que a cisão é permitida. Fora isso, prevalece a regra da indivisibilidade.