Dando continuidade aos meios de
prova, vamos falar hoje do depoimento pessoal da parte e da confissão. São
meios de provas que estão íntimamente ligados porque a confissão pode ser
produzida durante o depoimento pessoal. Fizemos uma inversão na ordem; no
Código de Processo Civil, o depoimento pessoal vem antes da prova testemunhal,
que já estudamos. No entanto, a forma para se observar os dois é a mesma.
Então, fazendo uma revisão rápida
sobre o que começamos a ver, com relação à parte, esta tem o dever de expor os
fatos de acordo com a verdade. É um dever geral da parte, não apenas com
respeito à prova.
Especificamente com relação à
prova, o Código estabelece deveres, das partes e dos terceiros: pessoas de modo
geral que nem integram a relação jurídica.
Art. 339: “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o
descobrimento da verdade.”
O art. 340 irá especificar, com
relação às partes, quais são esses deveres. O art. 341 dispõe sobre o dever do
terceiro.
Art. 340: “Além dos deveres enumerados no art. 14, compete à parte:
I – comparecer em juízo, respondendo ao que
lhe for interrogado;
II – submeter-se à inspeção judicial, que
for julgada necessária;
III – praticar o ato que lhe for
determinado.”
No inciso I já temos uma previsão
específica com relação à parte, que depois é detalhada no Código nos arts. 342
e 347. Quando a testemunha intimada deixa de comparecer, qual a consequência? Ela
será conduzida coercitivamente. Poderá, também, responder pelas despesas do
eventual adiamento da audiência. São consequências bem diferentes que veremos
no caso da ausência da parte.
Sempre que a produção da prova
depender da parte, a solução será a geração de presunção. A parte não pode ser
compelida, forçada a produzir uma prova que seja contra ela mesma. A
consequência, portanto, é a geração da presunção. No caso, poderíamos dizer
mais: a parte poderá até mentir, apesar dos deveres processuais, elencados no
art. 14. Se a parte comparecer e mentir, ela não sofrerá sanções penais por
isso. Mas o juiz fará sua própria avaliação de cada comportamento da parte, e
isso, quase que certeiramente, poderá pesar contra ela quando for proferida a
sentença. Até porque temos a litigância de má-fé prevista para o descumprimento
do art. 14.
Por que não se pode tolher a parte?
Porque a mentira pode não decorrer de uma vontade livre; ela pode ser
inconsciente, e pode ser derivada de uma visão que ela tem. Daí não haver um
tipo penal para a parte que mente. Não há sanção, muito embora o Código use a
expressão “pena de”. É uma pena sem sanção, uma mera conclusão lógica.
Iniciativa
Quem pode ter a iniciativa da
produção da prova? O juiz. Veja o art. 342: “O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o
comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da
causa.”
E também pode a própria parte. Mas
ela deverá requerer o depoimento pessoal da outra, e não dela própria. Se ela
tem alegações a fazer, a oportunidade que o autor terá será na petição inicial e
o réu na contestação. Ao requerer da outra, isso se dará exatamente para
perguntar a ela sobre um fato a quem interessa a quem de direito. Assim, haverá
sentido lógico. Aí vem o art. 343: “Quando
o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento
pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento.
[...]” o réu pode requerer o depoimento pessoal do autor e vice-versa.
Como temos uma consequência para a
ausência da parte ou, caso compareça, deixe de responder, essa consequência,
muito embora prevista na lei, deverá ser levada ao conhecimento da parte.
§ 1º: “A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se
presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou,
comparecendo, se recuse a depor.” A recusa de prestar depoimento ou ausência
acarretará confissão ficta. Aqui, no caso, os fatos se presumirão confessados.
E isso terá que estar expresso no mandado. A intimação pessoal não poderá
ocorrer pela imprensa; só pessoalmente: por mandado ou pelo correio. Sendo que,
pelo correio, terá que ser em mão própria, mediante recibo.
§ 2º: “Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a
depor, o juiz lhe aplicará a pena de confissão.” O Código fala em pena de
confissão, mas lembrem-se que não é uma pena com caráter sancionatório. O dever
de comparecimento acarreta ônus para a parte. Com relação à parte, não é
razoável impor uma punição pelo descumprimento desse dever porque ela estaria
sendo forçada a produzir. Mas ainda assim o legislador usa o termo “pena”.
Forma
A forma a ser observada na colheita
do depoimento é a mesma prevista para a prova testemunhal, que já estudamos.
Art. 344: “A parte será interrogada na
forma prescrita para a inquirição de testemunhas.
Parágrafo único. É defeso, a quem ainda não
depôs, assistir ao interrogatório da outra parte.”
Quem não depôs não poderá assistir
ao depoimento. Veja o art. 452: “As
provas serão produzidas na audiência nesta ordem:
I – o perito e os assistentes técnicos
responderão aos quesitos de esclarecimentos, requeridos no prazo e na forma do
art. 435;
II – o juiz tomará os depoimentos pessoais,
primeiro do autor e depois do réu;
III – finalmente, serão inquiridas as
testemunhas arroladas pelo autor e pelo réu.”
Veja a ordem de produção das
provas, que veremos em mais detalhes em aulas seguintes. Na audiência de
instrução e julgamento, há uma fase de conciliação, em que as partes, depois de
apregoadas, deverão comparecer com seus advogados à presença do juiz para a
tentativa de conciliação. O juiz, caso não haja conciliação, fixará os pontos
controvertidos. Pode haver pontos controvertidos que já foram resolvidos pela
prova pericial. Ouvido o réu ou o autor, independente da ordem, o juiz pedirá
que aquele que acaba de depor se retire da sala. Qual a razão de uma não ouvir
o depoimento da outra? Exatamente para que não tente moldar a resposta em
função do depoimento da outra. Assim, elas são ouvidas sem que saibam o que a
outra falou para o juiz.
Assim como a testemunha, a parte
deve responder sem ler um escrito que tenha sido preparado previamente. É o
princípio da oralidade. Isso é para maior espontaneidade da resposta. Presume-se
que o escrito preparado compromete a responsabilidade e a avaliação da prova.
Também porque o escrito pode ter sido preparado por alguém mais preparado, como
um advogado. Mas é permitida a consulta a breves notas, como de fatos antigos,
nomes, datas, valores. Uma agenda da época, por exemplo.
Quem faz perguntas primeiro
O autor é ouvido primeiro, seguido,
naturalmente, pelo réu. Depois de interrogar o autor, o juiz dará a palavra
para o advogado do réu, em seguida ao advogado do autor. Na prática, os
advogados não fazem perguntas ao seu próprio constituinte. A vontade de ajudar
pode acabar colocando o cliente em contradição. Em caso de perguntas complexas,
pode-se pedir aparte para esclarecimento da pergunta. A parte que requereu é
quem formula a pergunta primeiro. Art. 452, inciso II.
Com relação às respostas evasivas,
temos o art. 345: “Quando a parte, sem
motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado, ou empregar
evasivas, o juiz, apreciando as demais circunstâncias e elementos de prova,
declarará, na sentença, se houve recusa de depor.” A consulta a escritos está
no art. 346, que diz: “A parte responderá
pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos
adrede preparados; o juiz lhe permitirá, todavia, a consulta a notas breves,
desde que objetivem completar esclarecimentos.”
Adrede
significa “anteriormente”. Se o juiz entender que houve recusa, seja pelo
emprego de resposta evasiva ou não respondida, ele considerá presumido o fato
objeto da pergunta. Mas o juiz só poderá chegar a essa conclusão quando
confrontar esse comportamento com as demais provas. E quando fará isso? Na
sentença.
Escusa do dever de depor
Da mesma forma que há situações em
que a testemunha não tem o dever de responder, teremos as hipóteses em que a
parte está dispensada do dever de responder, o que acarretará a não aplicação
da chamada “pena de confissão”. Ou seja, mesmo que deixe de responder, sua
omissão não gerará nenhuma presunção de veracidade.
Art. 347: “A parte não é obrigada a depor de fatos:
I – criminosos ou torpes, que lhe forem
imputados;
II – a cujo respeito, por estado ou
profissão, deva guardar sigilo.
Parágrafo único. Esta disposição não se
aplica às ações de filiação, de desquite e de anulação de casamento.”
Depor sobre fatos criminosos cairá
naquela situação em que a parte produz provas contra si, o que poderá gerar
demandas, inclusive penais. Torpes: gerar conduta desonrosa, indecorosa, muito
embora não seja tipificada como crime. É expor ao vexame, a constrangimento.
Fatos protegidos por sigilo:
médico, advogado, pai e filho, padre, etc. Note o parágrafo único: as ações de
estado, pelas mesmas razões em que a testemunha não pode se eximir de depor.
Por isso que tais processos já correm em segredo de justiça, justamente para
evitar que se tornem públicos.
Confidentes religiosos também estão
imunes à obrigatoriedade de depor sobre fatos que lhe tenham sido confessados
pelos fiéis.
Confissão
Temos que fazer uma diferença entre
a confissão, que é um ato voluntário da parte de reconhecer a veracidade de um
fato que seja do interesse da parte contrária, do reconhecimento da procedência do pedido, que é a manifestação de
conformação com a pretensão do autor, o que só o réu pode fazer. A confissão,
por sua vez, pode ser feita por qualquer das partes e diz respeito a um fato
especificamente. Isso será, em alguns casos, determinante para julgamento, mas
poderá não ser.
No art. 348 está o conceito legal:
“Há confissão, quando a parte admite a
verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A
confissão é judicial ou extrajudicial.”
A confissão judicial, do art. 349,
pode ser espontânea ou provocada. Na espontânea, a parte, por iniciativa própria,
comparece em juízo e confessa o fato. Pode ser feita via petição, mediante
declarações, ou pode ser provocada quando, no decorrer do depoimento pessoal,
perguntada sobre o fato, confessa, afirmando verdadeiro o fato. Por que é
provocada? Porque a parte foi incitada a dizer a respeito.
Art. 349: “A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. Da confissão
espontânea, tanto que requerida pela parte, se lavrará o respectivo termo nos
autos; a confissão provocada constará do depoimento pessoal prestado pela
parte.” A confissão pode vir assinada pela própria parte, ou por procurador
com poderes especiais. A confissão extrajudicial ocorre fora dos autos. Pode
ser manifestada diretamente à parte, ou a terceiro, ou pode até constar em
testamento. A força probante irá mudar conforme essa situação. Parágrafo único
do art. 349: “A confissão espontânea pode
ser feita pela própria parte, ou por mandatário com poderes especiais.”
Note que a procuração geral para o foro (procuração ad judicia) não habilita o advogado a confessar em nome da parte,
seu constituinte. Também não habilita a transigir, renunciar ao direito,
desistir da ação, etc. São atos que, para serem praticados para o procurador, necessitarão
poderes expressos. O que esses atos excluídos têm em comum é que são todos atos
que têm um caráter de disposição, de
renúncia a direito. Reconhecer a procedência do pedido é se conformar com a
pretensão.
Art. 350: “A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando,
todavia, os litisconsortes. Parágrafo único. Nas ações que versarem sobre bens
imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge não valerá
sem a do outro.”
O alcance da confissão fica restirto
à esfera jurídica do confitente, pois é ato de disposição. Ainda que o fato também
interesse à relação jurídica entre o autor e os outros réus, a confissão não
irá se estender aos demais.
Os cônjuges, de acordo com o
parágrafo único, precisarão do consentimento do outro para fazer confissões.
Neste caso, ambos terão que ser citados e formarão um litisconsórcio passivo
necessário para os casos de bens imóveis.
Direitos indisponíveis: se a
revelia não produz a presunção de veracidade quando se tratar de direitos
indisponíveis, exatamente porque não é possível a disposição do direito, pela
mesma razão, o reconhecimento de fato não é considerado confissão quando se
tratar de direito indisponível. Art. 351: “Não
vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos
indisponíveis.”
Na prática, o que veremos é que a
confissão é suficiente para tornar dispensável a prova testemunhal. Art. 400,
inciso I: “A prova testemunhal é sempre
admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição
de testemunhas sobre fatos: I – já provados por documento ou confissão da
parte; [...]”
Então, para direitos indisponíveis,
o art. 351 dizer que não vale como confissão a admissão de fatos relativos a
direitos indisponíveis não irá autorizar que o juiz indefira a produção de
prova testemunhal em razão de confissão. Em relação a direitos indisponíveis, o
Processo Civil deve buscar mais ainda a verdade real.
Erro, dolo e coação
Se a confissão tiver sido obtida
com esses vícios, com erro, dolo ou coação, ela poderá ser revogada. A única
diferença é com relação a já estar terminado o processo. Se ainda não houve
trânsito em julgado, poderá ser obtida a revogação por meio de uma ação
anulatória. Se tiver transitado, a ação rescisória é a ação adequada para esse
fim. Neste caso, ela será admitida se a confissão for o único fundamento para a
sentença.
A ação que desfaz a confissão
transmite-se aos sucessores do confitente se
já tiver sido ajuizada. Exemplo: alguém confessou porque foi coagido.
Quando cessou a ameaça e ela se sentiu em condições de propor ação anulatória, e
o fez. Se a pessoa vier a falecer no curso da ação, os sucessores poderão
seguir com ela. Mas, se a parte não tiver ajuizado, os sucessores não poderão
propor. Veja o art. 352: “A confissão,
quando emanar de erro, dolo ou coação, pode ser revogada:
I – por ação anulatória, se pendente o
processo em que foi feita;
II – por ação rescisória, depois de
transitada em julgado a sentença, da qual constituir o único fundamento.
Parágrafo único. Cabe ao confitente o
direito de propor a ação, nos casos de que trata este artigo; mas, uma vez
iniciada, passa aos seus herdeiros.”
Confissão extrajudicial
Art. 353: “A confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a
represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; feita a terceiro, ou
contida em testamento, será livremente apreciada pelo juiz. Parágrafo único. Todavia,
quando feita verbalmente, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija
prova literal.”
A confissão feita diretamente à
parte favorecida terá a mesma eficácia da confissão judicial. O réu, sabendo do
litígio, manda uma carta ao autor. Significa então que há vontade de praticar o
ato de reconhecimento da procedência. O réu pode, por outro lado, escrever uma
carta a um primo muito estimado dizendo: “realmente fui eu quem, bêbado, subi
no meio-fio e bati no carro daquela mulher.” Essa confissão foi feita no
sentido de dividir um segredo com alguém de confiança. Portanto, feita a
terceiro ou contida em testamento, ela será livremente apreciada pelo juiz, que
terá que confrontar aquilo com outras provas produzidas.
Na confissão verbal, a pessoa
confessa verbalmente a outra, e essa confissão precisará ser provada por
testemunhas.
Indivisibilidade da confissão
Como regra, e a exemplo do que
ocorre com a prova documental, temos a indivisibilidade. A parte não pode
querer aproveitar o trecho que lhe é favorável e rejeitar aquele que não lhe é
conveniente. A prova tem que ser apreciada como um todo. Mas há exceções a essa
regra de indivisibilidade. Art. 354: “A
confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar
como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for
desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente lhe aduzir fatos novos,
suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de
reconvenção.” Exemplo da exceção: o réu confessa que deve algo ao autor.
Confessou a existência da dívida, ou o fato que daria o direito ao crédito do
autor. Entretanto adiciona: “mas, entretanto, o autor me perdoou a dívida”.
Significa que ele aduziu um fato novo que constitui defesa de direito material.
Neste caso, será possível separar a confissão.
O réu tamnbem pode dizer: “eu
realmente devo, mas ele também me deve, pois me causou um dano naquela batida,
também.” São casos em que a cisão é permitida. Fora isso, prevalece a regra da
indivisibilidade.