Aqui inicia-se o conteúdo da segunda prova de Direito Processual Civil.
Estudamos no semestre passado os atos do juiz. Vimos que
esses atos podem ser classificados em sentenças, decisões interlocutórias e
despachos. Há também os atos ordinatórios, praticados pelos servidores, e
revistos e fiscalizados pelo juiz. Vamos falar especificamente da sentença, ato
judicial que teve sua função no processo mudada de forma significativa. Tínhamos
a sentença como o término do processo de conhecimento antes da Lei 11232. O
art. 269 dizia: “extingue-se o processo
com julgamento de mérito [...]”. Hoje a redação do mesmo artigo é “haverá resolução de mérito: [...]” A sentença,
portanto, passou a ser um marco divisor entre a fase de conhecimento e a fase
de cumprimento da sentença. Antigamente, depois do processo de conhecimento e no
início do processo de execução, a parte tinha que propor nova ação.
Havia ações que não precisavam de execução, como as possessórias,
obrigações de fazer, mandados de segurança e outras. Foi a alteração do art.
461. Qual é a repercussão disso sobre a sentença? Antes, a sentença era o ato
judicial que representava o fim da prestação jurisdicional; agora é só uma
fase. A sentença não enfraqueceu, pelo contrário. O descumprimento da sentença
era um fenômeno desconsiderado totalmente no processo, pois o cumprimento da
sentença era algo que, numa visão ilusória, iria acontecer naturalmente uma vez
que o Estado tivesse reconhecido o direito do autor. Na prática, isso não
acontecia. A regra era o descumprimento solene, e um estímulo a que os devedores
de modo geral utilizassem do processo como instrumento de protelação do
pagamento.
Agora o legislador dá fim ao processo nos casos dos artigos
267 e 269. Em termos de conceito de sentença, o anterior era mais simples: “ato
do juiz que põe fim ao processo”. Hoje em dia não mais põe fim. Art. 162, § 1º:
“§ 1º Sentença é o ato do juiz que
implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.” Quando
falamos, anteriormente, em indeferimento da petição inicial, nalgumas situações
o ato do juiz poderá por fim ao processo e não ser sentença. Por quê? Temos uma
vinculação do sistema recursal a essa classificação dos atos do juiz. Sendo
sentença, independentemente do conteúdo, o recurso será sempre o mesmo: de
apelação. Isso porque, antes de 1973, o Código anterior previa que a extinção
do processo sem resolução de mérito se dava pela chamada de absolvição de instância, que podia ser
recorrida por um agravo de petição. O
Código de 1973 veio para simplificar. Daí a decisão interlocutória e despachos
irrecorríveis.
A forma de processamento desses recursos é totalmente
diferente hoje. A apelação se processa nos mesmos autos, que são remetidos ao
Tribunal. Os recursos sobem para o segundo grau de jurisdição. O recurso
pressupõe o encerramento da fase de conhecimento no primeiro grau. Se há dois
pedidos e o juiz extingue o processo em relação a um, o processo irá
prosseguir. Então, se formos classificar com base no § 1º do art. 162, temos
que o recurso de apelação terá que subir de grau, portanto irá paralisar o processo.
Então, neste caso, a classificação correta é a do § 2º: “Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo,
resolve questão incidente.” Se aquilo
que está nos arts. 267/269 configura na verdade um incidente, isto é, o processo segue ainda na fase de conhecimento
em relação aos outros pedidos, teremos uma decisão interlocutória, e não uma
sentença.
Encontraremos essas situações em que, embora previstas nos
artigos 267 e 269, temos decisão interlocutória e não sentença. Em princípio,
ela ocorrerá quando a ação de conhecimento, que poderia se encerrar com uma
sentença, não se encerrar. Daí teremos decisão interlocutória.
Classificação das
sentenças
A classificação das sentenças, exatamente em função do
conjunto de situações dos artigos 267 e 269, podem ser de mérito e terminativas.
A sentença de mérito, a rigor, é aquela em que o juiz dá a solução do litígio.
Ele aprecia o pedido do autor acolhendo-o ou não. São equiparadas a sentença de
mérito as sentenças em que, embora o juiz não dê a solução do litígio, ele homologa
o acordo feito entre as partes. Quem deu a solução do litígio foram as partes,
fazendo concessões recíprocas, e o juiz apenas analisou a natureza dos
direitos, se comportavam a transação ou a disponibilidade, e, se indisponíveis,
analisou a forma de exercício dos direitos.
A sentença homologatória também é sentença de mérito. Também
o é a sentença que o juiz declara a prescrição ou decadência. Essa sentença, no
caso, produzirá coisa julgada material,
que impedirá o ajuizamento de outra ação sobre aquela mesma causa. E a sentença
terminativa, por sua vez, é a que extingue o processo mas não contém resolução
de mérito, portanto permite o ajuizamento posterior da mesma ação. Aqui, diz-se
que ela produz coisa julgada apenas formal.
Em termos de execução, tanto a sentença de mérito quanto a
terminativa irão constituir título executivo judicial. Por exemplo: a sentença
de mérito, que corresponde à hipótese de pronúncia da decadência ou prescrição,
do art. 269, não terá providência a ser cumprida. Não há obrigação de fazer,
pagamento, nada. A sentença de mérito não contém um comando de natureza
material. Temos também a sentença terminativa, como o reconhecimento da
ilegitimidade passiva do réu para a ação, o que constituirá título executivo em
favor do réu para que o autor pague honorários advocatícios. Pode haver
execução da sentença terminativa. Ela sempre ficará restrita às verbas de
sucumbência, mas não deixa de ser título executivo.
Quando estudarmos o cumprimento de sentença, veremos que o
legislador não foi tão feliz na enumeração dos títulos executivos. Ficou
parecendo que a própria sentença não constitui título executivo judicial.
Princípio da
congruência
Orienta-nos no sentido de que a sentença deverá guardar uma
correlação com o objeto da causa, ou seja, o que foi deduzido em juízo
determina o objeto da atuação do órgão jurisdicional naquele caso, e o juiz
deverá julgar quanto àquilo sem ultrapassar. Se o juiz deixar de se pronunciar
sobre algo, ele estará se omitindo. Se avançar e se manifestar sobre algo que
não foi objeto da ação, ele estará prestando tutela jurisdicional de ofício, o
que não é permitido.
A sentença poderá ter sua nulidade decretada caso ela seja ultra petita, citra petita ou extra petita:
a primeira, a ultra petita, é a
sentença que condena, constitui ou declara além do que foi pedido pelo réu. A
sentença citra petita é o contrário:
é aquela em que o juiz deixa de se pronunciar sobre um ou mais pedidos do
autor. Por último, a extra petita é a
sentença que dá um provimento jurisdicional de natureza diversa da pedida ou,
se da mesma natureza, condena, constitui ou declara coisa diversa da requerida
pelo autor.
Art. 126: “O juiz não
se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No
julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,
recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”
Isso significa o quê? Em hipótese alguma o juiz irá deixar de decidir. Ou seja,
é uma situação que não possui norma legal disciplinando. Precisamos entender
que nosso Direito tem uma forte inspiração positivista, o que estava em voga no
final do século XIX, quando nossa República foi constituída. Havia a ideia de
que, no Direito Positivo, inspirado no modelo romano, os juízes tinham a função
única de aplicar a lei, que era a mesma doutrina de Montesquieu. Diferentemente
do sistema de common law anglo-saxão,
em que os precedentes têm força normativa obrigatória. Significa que, quando o
Direito positivo não cobrir a norma, o juiz terá que dar a solução de algum
jeito.
Art. 460: “É defeso ao
juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem
como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi
demandado. [...]” O juiz terá que ficar adstrito àquilo que foi pedido, não
só em relação ao autor mas também ao réu, como quando alega nulidade da
citação, prescrição, o que terá que ser decidido na sentença. Não fazê-lo
caracterizará omissão.
Um interessado pode ir a juízo alegando vício num contrato de
licitação, contratos que normalmente são eivados de vício no sujeito. Mas o juiz pode
acabar entendendo que há outro vício que não no sujeito. Como isso é causa de
pedir, portanto questão de fundamento, esse erro do juiz causa surpresa e
cerceia a defesa. Daí a importância do princípio da congruência.
Sentença citra petita
É aquela em que o juiz descumpre o preceito do art. 126,
deixando de apreciar algo, algum ponto do pedido. Note que não condenar ao pagamento
de indenização tão alta como pedida pelo autor não constitui vício na sentença.
A sentença citra petita deixa de
apreciar algum ponto do pedido. Cabe recurso de embargo de declaração. O juiz
poderá corrigir a sentença antes que o processo suba de grau. Em princípio o
recurso não modifica a sentença, mas poderá eventualmente. Exemplo: arguição da
prescrição pelo réu. É o efeito modificativo
dos embargos de declaração.
Sentença ultra petita
Art. 460, segunda parte: “...bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do
que lhe foi demandado.” Ao notar o pedido tímido do autor, o juiz não
poderá ultrapassar quando for proferir julgamento. Só cabem os acréscimos
legais, os juros de mora, correção monetária e ônus da sucumbência. Neste caso
o valor poderá ultrapassar o montante, o que não configura sentença ultra petita. Inclusive os juros legais,
que vimos quando estudamos o pedido, que não precisa sequer ser expresso. Eles
são presumidos. Já os juros convencionais têm que estar expressos.
Sentença extra petita
Temos duas possibilidades de se configurar descumprimento da
forma correta de sentença: art. 460: “de natureza diversa”. O que é isso? Se o
autor pede uma declaração e o juiz condena, temos uma sentença extra petita, de natureza diversa. O que
o autor pediu foi uma declaração, enquanto o juiz proferiu uma condenação.
Outra hipótese configuradora é a condenação em objeto diverso. O autor pediu
que o réu restituísse ou repusesse a coisa, enquanto o juiz condena ao
pagamento de indenização. É objeto diverso, mas a natureza da sentença será a
mesma. Em ambos os casos temos sentença extra
petita.
Exemplo: o autor, pessoa ligada a uma sociedade limitada,
ajuíza em face dos sócios pedindo o reconhecimento da condição de sócio. O
juiz, em vez de emitir sentença meramente declaratória, condena os sócios ao
pagamento dos dividendos ao autor. O objeto da ação era apenas o reconhecimento
da condição de sócio.
Falaremos sobre requisitos, limites e efeitos da sentença na
aula de terça-feira.