Direito Processual Civil

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Execução da obrigação de fazer ou não fazer fundada em sentença (art. 461)




Hoje vamos falar sobre execução da obrigação de fazer ou não fazer fundada em sentença. Está tudo praticamente no art. 461.

Quando começamos a falar sobre o cumprimento da sentença, vimos no art. 475-A que já determina que a incidência das normas daquele capítulo ficaria restrita ao cumprimento da sentença de pagar quantia certa. E já remete ao art. 461 e art. 461-A o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer fundada em sentença.

O procedimento cujo estudo concluímos na aula passada se restringe à execução da sentença que condena o réu a pagar quantia certa. Essa é a finalidade daquele capítulo. Por que àquele capítulo não seriam aplicadas outras obrigações? Pela própria natureza delas. Pagar quantia certa é pagar em moeda corrente determinado valor. A forma de obter a satisfação dessa obrigação sofre pouquíssimas variações. Temos a possibilidade de bloqueio, ou penhora e expropriação do bem. Não há muitas alternativas. Por isso que o legislador, neste aspecto, estabeleceu o procedimento bem detalhado. No caso da execução da sentença de pagar quantia certa, o juiz coloca o procedimento no “piloto automático” mesmo. O procedimento fica no cartório e só vem para o juiz quando houver complicações.

A execução que veremos hoje não será tão automática, pois o procedimento terá que se adaptar às ocorrências de cada caso. Está tudo num único artigo, o 461 e seus parágrafos.

Enquanto a execução da obrigação por quantia certa, além de ter aqueles dispositivos dos artigos 475-[A-R], há todo um regramento subsidiário de execução de título executivo extrajudicial que representa uma obrigação de pagar quantia certa. É um detalhamento minucioso. Por que essa diferença? Porque a obrigação de fazer e não fazer abre um leque para uma infinidade de possibilidades. Pode ser a construção de uma rodovia, um armário, uma obra de arte, a participar de um show para o qual foi contratado, enfim, muitas possibilidades. Por isso o legislador não tem como cercar todas as possibilidades. Daí o juiz ganhará uma parcela de discricionariedade muito maior, exatamente para ele escolher, no caso concreto, qual é a medida mais adequada, coisa que, no procedimento da execução de obrigações consistentes em pagar coisa certa, as coisas ficam restritas. Lá, ao receber a impugnação, o juiz poderá atribuir a ela efeito suspensivo. Não com base na discricionariedade, mas com os parâmetros que o legislador estabeleceu. Ele só verá se se aplicam ao caso concreto, e, se for o caso, atribuirá o efeito suspensivo.

Mesmo onde há uma margem de decisão do juiz, os parâmetros estão bem delineados. Aqui na obrigação de fazer teremos um procedimento mais aberto, e o domínio dos princípios processuais acabará sendo mais importante. Não há norma específica, e não teremos como analisar se aquela medida adotada no caso concreto está de acordo com os princípios. A busca da efetividade da execução foi o que orientou toda essa reforma de 2005, já que o processo estava sendo usado como forma de protelar a satisfação das obrigações, inclusive estimulando a inadimplência.

Por outro lado, tudo isso tem que ocorrer sem onerar excessivamente o devedor, indo além do que pede o credor. A opção pela forma menos onerosa tem que ser a certa. Por outro lado, veremos a fixação de multas. A multa não pode servir para enriquecer o credor; ela não tem essa finalidade. É o princípio geral do Direito de que diz que ninguém pode enriquecer sem causa. Não há um limite específico definido na lei, mas há limites dentro do sistema que terá que ser seguido. Não é liberdade absoluta, é discricionariedade, que é liberdade dentro de um parâmetro mais ou menos amplo, porém delimitado.

Essa alteração do Código, no art. 461, prevendo que a execução se dá dessa forma, ocorreu muito antes da mudança com relação ao cumprimento de sentença. Foi a primeira experiência no Código em que a obrigação de fazer também se dava por ação de execução. Então, essa mudança ficou restrita, num primeiro momento, a obrigações de fazer ou não fazer, depois a entrega de coisa, e depois à obrigação consistente em pagamento de quantias.

Veremos aqui, então, um procedimento muito simples quanto à tipificação, justamente por causa da natureza da obrigação. Quando o legislador fala das medidas, ele não esgota as possibilidades, exatamente para não retirar do juiz uma determinada medida que seria adequada.

Antes de vermos o procedimento, no caput do art. 461 temos: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994) [...]” é tutela específica. Curiosidade: note que essa norma foi inserida por um dos três grandes diplomas alteradores do CPC, a Lei 8952/94. Outras foram a Lei 10444/02, a própria 11232/05 e a 11.382/06, sem contar com a própria 5925, do mesmo ano em que o CPC entrou em vigor, que alterou pelo menos duzentas unidades normativas do Código.

Poderíamos, baseados em classificações de alguns doutrinadores, agrupar as tutelas pela sua natureza em mandamental, ressarcitória e específica. É desta última que o artigo fala.

A tutela mandamental consiste numa ordem dada ao réu, ao sujeito passivo da relação processual. Isso fica totalmente evidente no mandado de segurança, que prevê a prisão da autoridade pelo descumprimento da ordem. Aqui não temos possibilidade que não seja o cumprimento da ordem. Trata-se, portanto, de um mandamento. Não há alternativa. O réu não pode optar por deixar de fazer e pagar uma multa. Ordem é ordem mesmo.

Pesquisem julgados sobre mandado de segurança. Vocês verão “ordem concedida”, ou “ordem denegada”. Exatamente porque mandado é ordem, e o que se pede com essa ação é exatamente que seja expedida uma ordem.

Outro caso é a reintegração de posse. Se não desocupada a propriedade, a ordem será cumprida coercitivamente.

Temos também a reparação; quando o dano se consuma, e não é mais possível garantir o direito material, tal qual existia para seu titular, há sua substituição por pecúnia, dinheiro, ou outro bem. Mas não é o mesmo. E aqui temos o ressarcimento, daí tutela ressarcitória.

Até um tempo atrás, tínhamos uma lógica que guiava o sistema processual civil que resultava do pensamento de forte influência liberal, forte no século XIX e início do século XX, mudando só depois da segunda guerra mundial. Mas a ideia de que o Estado não deveria intervir nas relações entre particulares, mesmo se fosse para impedir uma lesão. Haveria indenização, mas isso significaria que todos os bens podem ser substituídos por pecúnia. Mas há agora outros direitos que não podem ser dispostos dessa forma. Os bens de terceira e quarta geração precisam ser tutelados como eles são, pois não têm como ser substituídos. Um exemplo bem fácil de ilustrar é o meio-ambiente, o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado. A Constituição coloca como titulares não só todos nós, que estamos hoje vivos, mas também as gerações futuras. Isso gera uma série de necessidades de cautela, pois o que acontece é que, se formos analisar que há em determinado lugar numa região uma plantinha única, porém inútil, esse juízo de valor só poderá, na melhor das hipóteses, ser emitido com base nos conhecimentos que temos hoje. Daqui a 10 anos, pesquisas podem descobrir que aquela espécie de planta tem um princípio ativo que é a cura de determinadas doenças. Como saberíamos se não fosse por essa proteção, que não pode ser substituída por pecúnia?

Isso posto, pensem agora na reparação com dinheiro em virtude de ato ilícito consistente em destruição dessa plantinha. Não satisfaria. Precisamos ter formas de tutela que impeçam a ocorrência da lesão ao bem, e não o “ressarcimento”. No campo do direito privado, em caso de patentes, uso de marcas, se não for impedido, o dano, uma vez consumado será difícil de ser reparado, até pela dificuldade de reparação.

Não temos censura, mas isso não impede que o Ministério Público, na defesa dos interesses da coletividade, peça, em juízo, uma tutela específica que impeça a consumação dessa lesão a um direito da coletividade. Aí temos uma questão que tem sido muito recorrente em nossa sociedade, que é o conflito entre princípios que têm sede constitucional, como a liberdade de pensamento e de imprensa. E o direito à honra? Pode ser que a divulgação de uma matéria controvertida, íntima de alguém, pessoal e desnecessária para o saber alheio seja objeto de “censura”, pois, uma vez divulgada, a reparação pode ser tão difícil que dinheiro não pagaria de maneira satisfatória. Com frequência há essa discussão, e a imprensa é muito coesa no sentido de questionar essas decisões. Mas quando aquilo corresponde a um fato verdadeiro que realmente há um prejuízo mas trata-se da divulgação da verdade, claro que não poderá ser censurado.

Mas se for algo inverídico e configura lesão honra a alguém, é ilusão pensar que uma indenização irá reparar. A indenização não é mais a solução para todos os males. Houve um caso em que a hierarquia dos valores iria determinar muito isso. Essa ideia decorre do fato de se colocar a liberdade no patamar mais elevado, até mais do que honra e a própria vida. Não pode, entretanto, a liberdade interferir no que outros fazem. E do outro lado, como impedir o dano? É uma visão que, para a época, poderia resolver bem os problemas. Direitos que antes não eram reconhecidos surgiram, e o processo terá que seguir isso.

Daí vem a tutela específica, que é garantir o direito material intacto, e não ficar inerte, esperar que seja destruído e dar algo em seu lugar.

Temos aqui a possibilidade disso acontecer basicamente de duas formas: uma, impedindo, daí alguns autores dizerem que a tutela é inibitória, ou, naqueles casos em que o dano esteja se estendendo, procedendo-se à sua retirada, então seria por meio da “retirada do ilícito”. Teríamos, aqui, a remoção do ilícito como uma das formas de tutela específica. Alguém está construindo na beira do lago onde não se podem construir edificações mais altas do que uma certa altura. Temos a possibilidade de impedir a construção antes de ela se iniciar ou, se iniciada, paralisar e destruir.

Sempre que for possível impedir que se concretize o ilícito, que é pernicioso, deve-se impedir, desde que tenhamos um ilícito evidente. Exemplo é a tutela concedida contra uma indústria poluidora que está em início de atividades e descobre-se que ela está prestes a causar dano ambiental. Não se pode deixar que o dano se concretize para que só então ele seja reparado. Como fazer isso? diante do caso concreto, com aplicação de multa, até interdição ou fechamento da fábrica. Vai depender do que o juiz entender como medida mais efetiva e que, ao mesmo tempo, não seja injusto contra a empresa.

Se possível, o juiz deve tentar dar ao credor o direito íntegro, pois há um direito a essa tutela. Em geral, em casos em que há urgência, se aguardar a sentença o dano já se consumou. ¹

Temos a tutela específica com essa finalidade.

O próprio caput do art. 461 diz que também determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento. Isso não é a mesma coisa. Significa que a tutela especifica é o direito material íntegro, enquanto o resultado prático equivalente é o que mais se aproxima. Exemplo: a indústria produz um determinado resíduo que, despejado nas águas do rio, irá causar poluição, temos a possibilidade de paralisar a obra. Essa é a tutela específica. Pois bem. O que mais se aproximará disso? A colocação de barreiras que impeçam o escoamento de resíduos para o rio.

Alguém contrata uma construtora para fazer uma obra, mas esta mudou de ramo, e nem há mais essa atividade na empresa. O que mais se aproxima é fazer por outra construtora às expensas daquela que deixou de atuar tendo se comprometido antes.

O resultado prático equivalente é uma forma de assegurar a tutela específica. Mas não integralmente como a tutela específica propriamente dita, ou seja, quando contratamos com uma determinada construtora e, no final, ela mesma fez, o direito do contrato foi garantido integralmente. Quando foi outra que fez, o resultado não é o mesmo do desejado pelo credor da prestação (a entrega da construção), mas o resultado prático foi quase equivalente.

O resultado prático equivalente passa a ser uma alternativa quando a entrega do bem não mais é possível.

 

Escolha da medida destinada a garantir a efetividade da tutela

Cabe ao juiz. Temos aqui a possibilidade de o juiz fixar multa, interditar estabelecimentos, e essa medida será escolhida diante do caso concreto e dentro daquilo que ele identifica como mais eficaz, atendendo sempre àquelas balizas do princípio da menor onerosidade do devedor, da vedação de enriquecimento sem causa do credor, duração razoável do processo...

 

Conversão em perdas e danos

Em algumas situações, torna-se impossível a tutela específica. Ou, em outras, pela dificuldade que tenha a sentença originária de garantir a obrigação, o próprio credor terá a liberdade de optar pela conversão em pecúnia, em indenização. A tutela específica passaria para ressarcitória.

§ 1º: “A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.” No caso de não ser possível mais, o credor escolherá. Em se tratando de um direito disponível, o autor tem o direito de optar por converter a obrigação em perdas e danos.

E a multa que incidiu no período anterior, antes da conversão? Na obrigação de fazer, o juiz determinou que por dia de mora o devedor deveria pagar uma importância X. A multa se desfaz e se converte em perdas e danos, ou não? Note que não podemos ficar presos à legislação. Foi o descumprimento que gerou aquilo, e não há desfazimento da multa pela conversão. Pedir a conversão não significa que o credor abriu mão da multa.

Exemplo: você é artista e havia contratado com um tomador de que você pintaria um quadro. Por algum motivo você não o fez, e foi condenado realizar a obra, a pintar o quadro, entregar o objeto da obrigação. É fixada uma multa para cada dia além do sexagésimo em que se deixa de cumprir a obrigação. Em determinado momento, o credor pode entender que não valerá mais a pena receber a obra, e pede a conversão. Pode ser que ele tenha querido que você a fizesse para que ele pudesse expor numa festa que daria na residência dele. Aquela multa que incidiu no período em que você deixou de fazer você continuará devendo. São as multas astreintes, que forçam ao cumprimento de uma obrigação de fazer.

Temos, portanto, a possibilidade de subsistência da multa anterior com perdas e danos à qual tenha se convertido a obrigação.

§ 2º: “A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).

E se a sentença não tiver especificado a multa? Pode ela ser imposta na execução? Sim, justamente pela função da multa que é garantir o cumprimento da tutela. O juiz pode estabelecer multa mesmo sem requerimento.

A tutela do art. 273 fica condicionada ao requerimento do autor.

 

Concessão liminar da tutela

§ 3º: “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

Tanto isso pode acontecer na fase de conhecimento quanto depois da fase de cumprimento. A finalidade aqui é exatamente garantir a efetividade naqueles casos em que ainda seja possível impedir o ilícito. Por via de regra teremos uma tutela específica, determinada liminarmente para impedir ou mitigar o dano.

 

Imposição de multa

Já adiantamos.

§ 4º: “O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

Na antecipação de tutela ou na sentença, portanto. Esse prazo é para o cumprimento. Nesse prazo que é concedido não incide a multa. Ela incidirá somente depois de transcorrido o prazo. Torna-se ilegítima a multa se aplicada antes de terminar esse prazo. Numa obrigação de fazer em que pode-se demandar muito mais tempo, o prazo que o juiz fixará o será feito de acordo com a natureza da obrigação. Da intimação, deve ser dado um prazo, e a multa só incidirá depois desse prazo. O descumprimento só é considerado depois de findo esse prazo.

O Código também fala em periodicidade diária.

 

Outras medidas

§ 5º: “Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

Aqui, essas medidas que estão mencionadas neste parágrafo são exemplificativas. O próprio texto fala “tais como”. Outras não são excluídas, mas as citadas abrangem boa parte das que normalmente ocorrem. O trânsito em julgado não congela a medida que tenha sido determinada na sentença quando ela se tornar ineficaz. O juiz poderá rever o valor da multa ou substituir a medida, sem que viole a coisa julgada.

§ 6º: “O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.” O juiz poderá alterar mesmo depois do trânsito em julgado, pois a finalidade é garantir o cumprimento da obrigação, é dar efetividade à tutela específica. Se é efetiva no momento do cumprimento, se a coisa julgada impedisse sua modificação, isso seria um tiro no pé. O legislador estaria criando um instrumento eficaz com uma mão e desfazendo-o com a outra. Então o juiz, na execução, tem essa a liberdade de alterar a periodicidade e, interpretado em conjunto com o § 5º, podemos concluir inclusive alterar a medida, ou seja, substituir a multa por outra medida, ou utilizar a medida concomitantemente com outra. Essa, portanto, é uma liberdade que o juiz não tem no procedimento de execução de sentença que imponha obrigação de pagar quantia certa.

Depois falaremos de obrigação de entregar coisa.

 1 – Neste momento o professor recomendou-nos o filme Todos os Homens do Presidente.