Dando continuidade a essa introdução que começamos na aula
passada sobre provas, paramos no tópico que trata da prova requisitada a outro
juízo. A requisição da prova pelo juiz de outro juízo estudamos quando vimos a
parte geral do Direito Processual Civil nas cartas, no capítulo da comunicação
dos atos processuais. Cartas não servem somente para a comunicação dos atos
processuais, mas também para a produção de provas.
Ocorre que, quando a prova tiver que ser produzida fora dos
limites territoriais da comarca em que tramita o processo, a questão passará a
ser saber se essa requisição terá o efeito de suspender o processo. A reforma
recente no Código de Processo Civil foi pautada pela intenção do legislador em
tornar o processo mais sério. Mas qual é o risco? A interferência na celeridade
processual, na medida em que, aguardando o processo pela produção de prova, gerar-se-á
demora. Para evitar que isso seja usado de maneira indiscriminada, foi
acrescentado um novo conceito. O próprio art. 130, que prevê que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento
da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo
as diligências inúteis ou meramente protelatórias”, significa que a prova
que pode ser dispensada não será deferida. Houve tentativa, mas na prática
compromete-se o rigor que havia no texto do art. 130. Mas, de todo modo, a
finalidade é que o juiz possa indeferir provas inúteis ou admitir provas
imprescindíveis à apuração verdade dos fatos.
Deveres das partes e
de terceiro
No que diz respeito à prova, encontramos uma previsão de um
dever geral de que todos devem colaborar com o Judiciário para o esclarecimento
da verdade. Essa regra geral, depois subdividida em artigos, pois a relação
jurídica processual gera poderes, direitos, deveres, obrigações e ônus para as
partes. Aqui estamos falando de deveres.
A parte tem deveres? Sim, mas esses deveres têm que se compatibilizar com o
objeto da causa, como o dever de comparecer. Isso é condizente com o princípio
da lealdade processual. No Processo Civil, a solução pode ser uma presunção,
pois temos a verdade formal, que é suficiente.
Logo, com relação a todos em geral temos o dever de
colaborar com o Poder Judiciário para a verdade. O dever de prestar depoimento
na qualidade de testemunha pode ser equiparado ao dever de natureza semelhante
ao que todos têm de integrar o Tribunal do Júri quando convocados.
Com relação às partes, o art. 340 diz: “Além dos deveres enumerados no art. 14, compete à parte:
I – comparecer em juízo, respondendo ao
que Ihe for interrogado;
II – submeter-se à inspeção judicial,
que for julgada necessária;
III – praticar o ato que Ihe for
determinado.”
Note que existe também o art. 14, mas aquele é mais genérico.
Este aqui diz respeito à prova.
Inciso I: podemos nos perguntar: a parte é obrigada a
responder? Nisso cairá na questão do ônus. A parte que tem ônus de provar é a
que requer. A parte que é perguntada de um fato contrário ao seu interesse é
obrigada a responder? Sim. Mas pode ficar em silêncio, o que gerará presunção
de veracidade. Algo como o ditado “quem cala consente”. Mas não tome isso
absolutamente. Há a garantia constitucional de que o réu tem o direito de
permanecer em silêncio, e isso não poderá lhe causar mal; significa que, no
Processo Civil, se o fato perguntado à parte puder lhe causar problemas na
esfera penal, ela terá, neste caso, a cobertura legal e jurídica para o
silêncio. O silêncio, nessas circunstâncias, não pode levar à presunção de
confissão.
Inciso II: a própria parte tem que se submeter à inspeção
judicial. Exemplo: alguém ingressa alegando que sofreu acidente e não pode mais
trabalhar, daí que teria direito a uma pensão vitalícia a cargo do empregador.
Ele terá que aceitar se submeter à inspeção pericial.
Falamos, na última aula, sobre o DNA para a aferição da
paternidade. O pretenso pai deverá participar voluntariamente da colheita do
material para análise.
Inciso III: praticar o ato que lhe for determinado. Digamos
que a parte tem em seu poder um documento, que produziria provas contra si, em
favor da outra. Se ela for determinada a exibir o documento ou coisa, ela terá
que fazê-lo. Claro que ela não incluiu nos autos, no início do processo. Não se
trata de ato decorrente da própria obrigação de dar ou de fazer. O documento
pode ser desfavorável ao seu interesse, e a parte naturalmente não quererá
apresentar de bom grado. O juiz determinará o uso de força policial? Não seria
preciso tanto; para o Processo Civil, basta a presunção de veracidade.
Art. 341: “Compete ao
terceiro, em relação a qualquer pleito:
I – informar ao juiz os fatos e as
circunstâncias, de que tenha conhecimento;
II – exibir coisa ou documento, que
esteja em seu poder.”
Inciso I: isso tanto pode ser no caso da testemunha,
prestando seu depoimento na qualidade de testemunha, ou um estabelecimento
comercial prestando informação por escrito. Esse dever de terceiro não tem
distinção; as provas pessoais só dizem respeito às pessoas físicas. Mas o terceiro
também pode ser pessoa jurídica.
Inciso II: aqui não temos condições de aplicar a presunção
de veracidade do fato. Isso porque estamos diante de um terceiro que não tem interesse
na lide. Então, aplicar a presunção não teria efeito. O ordenamento jurídico
coloca essa previsão num patamar elevado, pois, se descumprido, fica
configurado o crime de desobediência, e a determinação judicial pode ser
cumprida coercitivamente, inclusive pela polícia.
Quando falamos em parte, falamos também no assistente?
Aquele terceiro cuja intervenção foi admitida nos termos de uma das modalidades
de intervenção de terceiros? Não é o caso aqui. Aqui o terceiro é o estranho à
relação processual; é aquele que não tem interesse na lide. Se tiver interesse,
ele é suspeito como testemunha.
Tudo que diz respeito a provas e que dependa da ação da
parte ou do terceiro encontraremos um fundamento jurídico num desses três
dispositivos que acabamos de discutir.
Prova ilícita
Nos princípios constitucionais relativos ao processo estudamos
o art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal. É o princípio da vedação da
admissão de provas ilícitas.
E se a única prova que puder inocentar alguém, no campo
penal, estiver mantida oculta? Esse fato constitui ilícito; mas a
antijuridicidade pode ser afastada em razão de estado de necessidade. O
Processo Civil se contenta com a verdade formal, muito embora a verdade real possa
ser o objetivo.
A prova ilícita é a prova cuja obtenção constitua um
ilícito, não necessariamente penal. Trata-se de ilicitude em geral, a contrariedade
a normas mesmo infralegais. Questões que decorrem dos Códigos e Ética de
variadas profissões, por exemplo.
Uma prova que está resguardada por sigilo terá que ser
obtida por meio do processo, e não pelas próprias mãos do interessado. O juiz
pode nomear um perito e o detentor da propriedade a ser invadida terá que
permitir a entrada. Lembre-se que a finalidade do processo é solucionar
litígios, e não criá-los. Se fôssemos permitir que as partes fossem exercer
esse papel por elas mesmas, sem dúvida nenhuma cada litígio produziria quatro
outros. Existe solução processual para todas as necessidades de provas. A única
restrição para o Processo Civil, e isso decorre da Constituição, é que não pode
ser determinada a interceptação das comunicações telefônicas, pois o
constituinte reservou essa ressalva exclusivamente para a investigação criminal
e a instrução processual penal. Mas a gravação pode ser aproveitada no Processo
Civil como uma...
Prova emprestada
Como funciona isso? Há cerca de três anos, o Supremo
Tribunal Federal tinha decisões monocráticas de vários Ministros, mas não do
Pleno, sobre venda de sentenças pela Justiça do Rio de Janeiro. Não se pode
determinar no Processo Civil ou num processo administrativo disciplinar a
quebra do sigilo telefônico. Mas a prova obtida por inquérito policial poderá
ser cedida para o processo civil. o que não pode é o juiz cível decretar. A
finalidade era preservar a privacidade. Uma vez quebrada, o conteúdo não foi a
público, mas foi a inviolabilidade foi quebrada para o processo.
Suponha que um agente público receba propina de uma empresa
para favorecê-la numa licitação. A concorrente denuncia e faz-se a interceptação.
Isso configurará ilícito penal mas também ato de improbidade administrativa,
que poderá responsabilizá-lo por meio do processo civil. Sem aquela prova,
seria quase impossível se demonstrar a verdade. Então o Supremo decidiu: a
interceptação só pode ser primariamente feita na instrução penal mas, já que já
foi quebrada a privacidade, ela poderá ser usada em outros processos.
Se a prova emprestada foi declarada nula no processo
original, ela também será nula nos demais processos que a aproveitem. A prova
emprestada nunca se torna autônoma.
Quando forem profissionais do Direito, muito cuidado para
não invalidar a prova!
Conceito de prova emprestada: nada mais é que o aproveitamento de uma prova já produzida
em outro processo. Como parâmetro, como critério, o que se exige é que a
parte contra quem esteja sendo produzida a prova tenha sido parte naquele
processo, e que ela tenha exercido o direito ao contraditório e à ampla defesa
naquela ocasião.
A coisa julgada não alcança a verdade dos fatos. Art. 469,
inciso II: “Não fazem coisa julgada:
[...] II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;”
A avaliação que o juiz do processo anterior não vincula o entendimento do juiz
do processo atual. O que transita é a condenação, e não a consideração íntima
do juiz anterior. O juiz tem liberdade na apreciação da prova.
Meios de prova
Art. 332: “Todos os
meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados
neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a
ação ou a defesa.” O que temos é uma liberdade ou uma não-rigidez com
relação aos meios de prova. Meio de prova é tudo aquilo que seja capaz de
demonstrar a verdade no processo. O Código, entretanto, disciplina alguns meios
de prova que são mais comuns. São eles: o depoimento pessoal, a confissão, a
exibição de documento ou coisa, a prova documental, a prova testemunhal, a
prova pericial e a inspeção judicial. São os meios que têm previsão legal para
o procedimento.
Desses meios de prova, temos dois que têm disciplina mais
detalhada: a documental e a testemunhal. Vamos colocá-las primeiramente, para
depois ver as demais.
Prova documental
A regulamentação no Código vai do art. 369 até o art. 399.
Primeiramente: o que é documento para fins de prova? Poderíamos pensar no
documento convencional, escrito, em papel, assinado por uma ou mais pessoas.
Mas não é só isso, como já sabemos. O conceito de documento para fins
probatórios é mais amplo: qualquer
registro de fato ou de manifestação de vontades. Isso pode ser feito em
arquivo eletrônico, fotografia, gravação de áudio, e até mesmo por meio dos documentos
convencionais. O CPC, para discipliná-los, classifica-os em dois grupos:
documentos públicos e documentos particulares. Daí, toda a disciplina
relacionada à força probante do documento acompanhará essa classificação.
Lemos, no art. 364: “O
documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o
escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.”
Então, enquanto no documento particular temos algumas regras para solucionar
dúvidas de data e autoria, no caso do documento público isso já fica fora de
dúvida porque o próprio documento prova isso, pois ocorreu na presença do
tabelião ou escrivão ou secretário. Uma escritura de compra e venda, por exemplo,
é acompanhada pelo tabelião ou escrivão. Tudo isso ficará registrado no
cartório.
No caso do documento particular, como não temos essa
segurança na formação do documento, teremos que atribuir um valor diferente. No
caso do documento particular, o art. 368 diz: “As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado,
ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.” Veja
que ele não faz prova da formação, portanto, data e autoria estão de fora. Há
regras próprias para resolver dúvidas, o que não ocorre no documento público.
Em relação ao signatário: se ele lavra, em instrumento particular, alguma coisa
atribuindo certo fato a outra pessoa, isso só provará em relação a ele, mas não
em relação a terceiros. Isso deixa bem clara a diferença do tratamento com
referência à força probante do documento público.
Força probante: cópias e reproduções; no caso do documento
particular, isso não tem maiores problemas: tira-se uma cópia e autentica-se.
Ela terá a mesma força. No caso dos documentos públicos, temos os registros que
permanecem nos cartórios. Aquele livro não poderá sair do estabelecimento do
cartório, nem o banco de dados, obviamente. Como tirar? Daí que se fazem as extrações de certidão. O registro de
nascimento está no cartório, e o que se tem em casa é uma certidão do registro
guardado no cartório.
O art. 365 é bem detalhado e rigorso com relação a isso.
Só há cópias e certidões, na prática. Os traslados acabam
sendo iguais à cópia. É a reprodução de documento público desde que
autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os respectivos
originais (inciso III do art. 365). A cópia do instrumento público tem a mesma
força desde que autenticada. O advogado poderá autenticar com a original,
usando uma cópia, e o próprio escrivão atesta para ele.
O que está no inciso III pode ser feito até com o controle
digital, que dá um número de controle que permite conferir a autenticidade. É o
caso do inciso VI, que diz respeito às formas digitalizadas de provas, importantes
para o processo eletrônico: “as
reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando
juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério
Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em
geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e
fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.” O documento pode ter sido adulterado antes, e
a digitalização estará comprometida também. Mas também a manipulação pode ter
sido feita no processo de digitalização, e a perícia analisará não o documento,
mas o que foi feito nesse processo. As partes são obrigadas a manter consigo os
documentos que foram encaminhados digitalmente. É o que está no parágrafo
único: “Os originais dos documentos
digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser
preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação
rescisória.” Mas, sendo título executivo extrajudicial, o juiz poderá
determinar que esses documentos fiquem acautelados no cartório (§ 2º). Isso na
hipótese da necessidade de se esclarecer eventual arguição de falsidade.
Instrumento público
essencial ao ato
O art. 366 (Quando a
lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra
prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta) que já tivemos
a oportunidade de mencionar antes, fala da situação em que o instrumento
público é considerado essencial ao ato, ou seja, for considerado da substância
do ato; neste caso, o juiz não poderá admitir nenhuma outra prova, por mais
especial que seja.
Vamos agora ler o art. 371 para que entendamos a...
Data e autoria do
documento particular
Eis o artigo: “Reputa-se
autor do documento particular:
I – aquele que o fez e o assinou;
II – aquele, por conta de quem foi
feito, estando assinado;
III – aquele que, mandando compô-lo,
não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar,
como livros comerciais e assentos domésticos.”
Em relação ao documento público, ele mesmo prova sua
formação. Então a data e a autoria estão fora de dúvida. Mas e o documento
particular? Ele pode ter sido produzido unilateralmente por alguém, que pode
ter pré-datado ou pós-datado. Como alguém que pretendia provar que um documento
era da década de 40, mas estava grafado em caneta esferográfica, inventada no
final da década de 60. Dessa forma não poderia existir um documento que seria
da década de 40 a ser feito com caneta esferográfica. Se não houver impugnação,
não haverá problema. Sendo impugnado, o Código traz algumas regras para
simplificar o esclarecimento.
Art. 370: “A data do
documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre
os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito. Mas, em relação a
terceiros, considerar-se-á datado o documento particular:
I - no dia em que foi registrado;
II - desde a morte de algum dos
signatários;
III - a partir da impossibilidade
física, que sobreveio a qualquer dos signatários;
IV - da sua apresentação em repartição
pública ou em juízo;
V - do ato ou fato que estabeleça, de
modo certo, a anterioridade da formação do documento.”
Inciso I: se esse documento foi levado a registro, é da data
do registro é que se presume que, dali para trás, o documento foi feito.
Inciso II: se duas pessoas assinaram um documento no mesmo
ato, e uma das pessoas vem a morrer, considera-se que a data da assinatura não
pode ter sido posterior à data daquela morte.
Inciso III: alguém sofreu acidente e engessou o braço, então
claramente o documento foi assinado antes.
Inciso IV: aqui não se fala do o ato formal do registro, mas
se esse documento, por alguma razão, foi apresentado em repartição pública, àquela
data temos certeza que o documento é anterior.
Inciso V: qualquer outra situação que puder determinar a
data do documento.
Mas aí perguntamos: qual a importância da data do documento?
Suponhamos que apareça um documento assinado em data posterior à morte de
alguém, em meio a uma questão de sucessão. Art. 371: “Reputa-se autor do documento particular:
I – aquele que o fez e o assinou;
II – aquele, por conta de quem foi
feito, estando assinado;
III – aquele que, mandando compô-lo,
não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar,
como livros comerciais e assentos domésticos.”
Este é o artigo que indicará quem é o autor. No caso do
comerciante, este tem um contador e cuida de suas escrituras contábeis. Ele é
autor, inclusive para fins de responsabilidade perante o próprio fisco.
Continuamos na aula que vem.