Direito Processual Civil

terça-feira, 23 de março de 2010

Provas - continuação



Prova documental (arts. 364 a 399)

Dando continuidade a essa introdução que começamos na aula passada sobre provas, paramos no tópico que trata da prova requisitada a outro juízo. A requisição da prova pelo juiz de outro juízo estudamos quando vimos a parte geral do Direito Processual Civil nas cartas, no capítulo da comunicação dos atos processuais. Cartas não servem somente para a comunicação dos atos processuais, mas também para a produção de provas.

Ocorre que, quando a prova tiver que ser produzida fora dos limites territoriais da comarca em que tramita o processo, a questão passará a ser saber se essa requisição terá o efeito de suspender o processo. A reforma recente no Código de Processo Civil foi pautada pela intenção do legislador em tornar o processo mais sério. Mas qual é o risco? A interferência na celeridade processual, na medida em que, aguardando o processo pela produção de prova, gerar-se-á demora. Para evitar que isso seja usado de maneira indiscriminada, foi acrescentado um novo conceito. O próprio art. 130, que prevê que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”, significa que a prova que pode ser dispensada não será deferida. Houve tentativa, mas na prática compromete-se o rigor que havia no texto do art. 130. Mas, de todo modo, a finalidade é que o juiz possa indeferir provas inúteis ou admitir provas imprescindíveis à apuração verdade dos fatos.

 

Deveres das partes e de terceiro

No que diz respeito à prova, encontramos uma previsão de um dever geral de que todos devem colaborar com o Judiciário para o esclarecimento da verdade. Essa regra geral, depois subdividida em artigos, pois a relação jurídica processual gera poderes, direitos, deveres, obrigações e ônus para as partes. Aqui estamos falando de deveres. A parte tem deveres? Sim, mas esses deveres têm que se compatibilizar com o objeto da causa, como o dever de comparecer. Isso é condizente com o princípio da lealdade processual. No Processo Civil, a solução pode ser uma presunção, pois temos a verdade formal, que é suficiente.

Logo, com relação a todos em geral temos o dever de colaborar com o Poder Judiciário para a verdade. O dever de prestar depoimento na qualidade de testemunha pode ser equiparado ao dever de natureza semelhante ao que todos têm de integrar o Tribunal do Júri quando convocados.

Com relação às partes, o art. 340 diz: “Além dos deveres enumerados no art. 14, compete à parte:

        I – comparecer em juízo, respondendo ao que Ihe for interrogado;

        II – submeter-se à inspeção judicial, que for julgada necessária;

        III – praticar o ato que Ihe for determinado.

Note que existe também o art. 14, mas aquele é mais genérico. Este aqui diz respeito à prova.

Inciso I: podemos nos perguntar: a parte é obrigada a responder? Nisso cairá na questão do ônus. A parte que tem ônus de provar é a que requer. A parte que é perguntada de um fato contrário ao seu interesse é obrigada a responder? Sim. Mas pode ficar em silêncio, o que gerará presunção de veracidade. Algo como o ditado “quem cala consente”. Mas não tome isso absolutamente. Há a garantia constitucional de que o réu tem o direito de permanecer em silêncio, e isso não poderá lhe causar mal; significa que, no Processo Civil, se o fato perguntado à parte puder lhe causar problemas na esfera penal, ela terá, neste caso, a cobertura legal e jurídica para o silêncio. O silêncio, nessas circunstâncias, não pode levar à presunção de confissão.

Inciso II: a própria parte tem que se submeter à inspeção judicial. Exemplo: alguém ingressa alegando que sofreu acidente e não pode mais trabalhar, daí que teria direito a uma pensão vitalícia a cargo do empregador. Ele terá que aceitar se submeter à inspeção pericial.

Falamos, na última aula, sobre o DNA para a aferição da paternidade. O pretenso pai deverá participar voluntariamente da colheita do material para análise.

Inciso III: praticar o ato que lhe for determinado. Digamos que a parte tem em seu poder um documento, que produziria provas contra si, em favor da outra. Se ela for determinada a exibir o documento ou coisa, ela terá que fazê-lo. Claro que ela não incluiu nos autos, no início do processo. Não se trata de ato decorrente da própria obrigação de dar ou de fazer. O documento pode ser desfavorável ao seu interesse, e a parte naturalmente não quererá apresentar de bom grado. O juiz determinará o uso de força policial? Não seria preciso tanto; para o Processo Civil, basta a presunção de veracidade.

Art. 341: “Compete ao terceiro, em relação a qualquer pleito:

        I – informar ao juiz os fatos e as circunstâncias, de que tenha conhecimento;

        II – exibir coisa ou documento, que esteja em seu poder.

Inciso I: isso tanto pode ser no caso da testemunha, prestando seu depoimento na qualidade de testemunha, ou um estabelecimento comercial prestando informação por escrito. Esse dever de terceiro não tem distinção; as provas pessoais só dizem respeito às pessoas físicas. Mas o terceiro também pode ser pessoa jurídica.

Inciso II: aqui não temos condições de aplicar a presunção de veracidade do fato. Isso porque estamos diante de um terceiro que não tem interesse na lide. Então, aplicar a presunção não teria efeito. O ordenamento jurídico coloca essa previsão num patamar elevado, pois, se descumprido, fica configurado o crime de desobediência, e a determinação judicial pode ser cumprida coercitivamente, inclusive pela polícia.

Quando falamos em parte, falamos também no assistente? Aquele terceiro cuja intervenção foi admitida nos termos de uma das modalidades de intervenção de terceiros? Não é o caso aqui. Aqui o terceiro é o estranho à relação processual; é aquele que não tem interesse na lide. Se tiver interesse, ele é suspeito como testemunha.

Tudo que diz respeito a provas e que dependa da ação da parte ou do terceiro encontraremos um fundamento jurídico num desses três dispositivos que acabamos de discutir.

 

Prova ilícita

Nos princípios constitucionais relativos ao processo estudamos o art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal. É o princípio da vedação da admissão de provas ilícitas.

E se a única prova que puder inocentar alguém, no campo penal, estiver mantida oculta? Esse fato constitui ilícito; mas a antijuridicidade pode ser afastada em razão de estado de necessidade. O Processo Civil se contenta com a verdade formal, muito embora a verdade real possa ser o objetivo.

A prova ilícita é a prova cuja obtenção constitua um ilícito, não necessariamente penal. Trata-se de ilicitude em geral, a contrariedade a normas mesmo infralegais. Questões que decorrem dos Códigos e Ética de variadas profissões, por exemplo.

Uma prova que está resguardada por sigilo terá que ser obtida por meio do processo, e não pelas próprias mãos do interessado. O juiz pode nomear um perito e o detentor da propriedade a ser invadida terá que permitir a entrada. Lembre-se que a finalidade do processo é solucionar litígios, e não criá-los. Se fôssemos permitir que as partes fossem exercer esse papel por elas mesmas, sem dúvida nenhuma cada litígio produziria quatro outros. Existe solução processual para todas as necessidades de provas. A única restrição para o Processo Civil, e isso decorre da Constituição, é que não pode ser determinada a interceptação das comunicações telefônicas, pois o constituinte reservou essa ressalva exclusivamente para a investigação criminal e a instrução processual penal. Mas a gravação pode ser aproveitada no Processo Civil como uma...

 

Prova emprestada

Como funciona isso? Há cerca de três anos, o Supremo Tribunal Federal tinha decisões monocráticas de vários Ministros, mas não do Pleno, sobre venda de sentenças pela Justiça do Rio de Janeiro. Não se pode determinar no Processo Civil ou num processo administrativo disciplinar a quebra do sigilo telefônico. Mas a prova obtida por inquérito policial poderá ser cedida para o processo civil. o que não pode é o juiz cível decretar. A finalidade era preservar a privacidade. Uma vez quebrada, o conteúdo não foi a público, mas foi a inviolabilidade foi quebrada para o processo.

Suponha que um agente público receba propina de uma empresa para favorecê-la numa licitação. A concorrente denuncia e faz-se a interceptação. Isso configurará ilícito penal mas também ato de improbidade administrativa, que poderá responsabilizá-lo por meio do processo civil. Sem aquela prova, seria quase impossível se demonstrar a verdade. Então o Supremo decidiu: a interceptação só pode ser primariamente feita na instrução penal mas, já que já foi quebrada a privacidade, ela poderá ser usada em outros processos.

Se a prova emprestada foi declarada nula no processo original, ela também será nula nos demais processos que a aproveitem. A prova emprestada nunca se torna autônoma.

Quando forem profissionais do Direito, muito cuidado para não invalidar a prova!

Conceito de prova emprestada: nada mais é que o aproveitamento de uma prova já produzida em outro processo. Como parâmetro, como critério, o que se exige é que a parte contra quem esteja sendo produzida a prova tenha sido parte naquele processo, e que ela tenha exercido o direito ao contraditório e à ampla defesa naquela ocasião.

A coisa julgada não alcança a verdade dos fatos. Art. 469, inciso II: “Não fazem coisa julgada: [...] II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;” A avaliação que o juiz do processo anterior não vincula o entendimento do juiz do processo atual. O que transita é a condenação, e não a consideração íntima do juiz anterior. O juiz tem liberdade na apreciação da prova.

 

Meios de prova

Art. 332: “Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.” O que temos é uma liberdade ou uma não-rigidez com relação aos meios de prova. Meio de prova é tudo aquilo que seja capaz de demonstrar a verdade no processo. O Código, entretanto, disciplina alguns meios de prova que são mais comuns. São eles: o depoimento pessoal, a confissão, a exibição de documento ou coisa, a prova documental, a prova testemunhal, a prova pericial e a inspeção judicial. São os meios que têm previsão legal para o procedimento.

Desses meios de prova, temos dois que têm disciplina mais detalhada: a documental e a testemunhal. Vamos colocá-las primeiramente, para depois ver as demais.

 

Prova documental

A regulamentação no Código vai do art. 369 até o art. 399. Primeiramente: o que é documento para fins de prova? Poderíamos pensar no documento convencional, escrito, em papel, assinado por uma ou mais pessoas. Mas não é só isso, como já sabemos. O conceito de documento para fins probatórios é mais amplo: qualquer registro de fato ou de manifestação de vontades. Isso pode ser feito em arquivo eletrônico, fotografia, gravação de áudio, e até mesmo por meio dos documentos convencionais. O CPC, para discipliná-los, classifica-os em dois grupos: documentos públicos e documentos particulares. Daí, toda a disciplina relacionada à força probante do documento acompanhará essa classificação.

Lemos, no art. 364: “O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.” Então, enquanto no documento particular temos algumas regras para solucionar dúvidas de data e autoria, no caso do documento público isso já fica fora de dúvida porque o próprio documento prova isso, pois ocorreu na presença do tabelião ou escrivão ou secretário. Uma escritura de compra e venda, por exemplo, é acompanhada pelo tabelião ou escrivão. Tudo isso ficará registrado no cartório.

No caso do documento particular, como não temos essa segurança na formação do documento, teremos que atribuir um valor diferente. No caso do documento particular, o art. 368 diz: “As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.” Veja que ele não faz prova da formação, portanto, data e autoria estão de fora. Há regras próprias para resolver dúvidas, o que não ocorre no documento público. Em relação ao signatário: se ele lavra, em instrumento particular, alguma coisa atribuindo certo fato a outra pessoa, isso só provará em relação a ele, mas não em relação a terceiros. Isso deixa bem clara a diferença do tratamento com referência à força probante do documento público.

Força probante: cópias e reproduções; no caso do documento particular, isso não tem maiores problemas: tira-se uma cópia e autentica-se. Ela terá a mesma força. No caso dos documentos públicos, temos os registros que permanecem nos cartórios. Aquele livro não poderá sair do estabelecimento do cartório, nem o banco de dados, obviamente. Como tirar? Daí que se fazem as extrações de certidão. O registro de nascimento está no cartório, e o que se tem em casa é uma certidão do registro guardado no cartório.

O art. 365 é bem detalhado e rigorso com relação a isso.

Só há cópias e certidões, na prática. Os traslados acabam sendo iguais à cópia. É a reprodução de documento público desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório, com os respectivos originais (inciso III do art. 365). A cópia do instrumento público tem a mesma força desde que autenticada. O advogado poderá autenticar com a original, usando uma cópia, e o próprio escrivão atesta para ele.

O que está no inciso III pode ser feito até com o controle digital, que dá um número de controle que permite conferir a autenticidade. É o caso do inciso VI, que diz respeito às formas digitalizadas de provas, importantes para o processo eletrônico: “as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização. O documento pode ter sido adulterado antes, e a digitalização estará comprometida também. Mas também a manipulação pode ter sido feita no processo de digitalização, e a perícia analisará não o documento, mas o que foi feito nesse processo. As partes são obrigadas a manter consigo os documentos que foram encaminhados digitalmente. É o que está no parágrafo único: “Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação rescisória.” Mas, sendo título executivo extrajudicial, o juiz poderá determinar que esses documentos fiquem acautelados no cartório (§ 2º). Isso na hipótese da necessidade de se esclarecer eventual arguição de falsidade.

 

Instrumento público essencial ao ato

O art. 366 (Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta) que já tivemos a oportunidade de mencionar antes, fala da situação em que o instrumento público é considerado essencial ao ato, ou seja, for considerado da substância do ato; neste caso, o juiz não poderá admitir nenhuma outra prova, por mais especial que seja.

Vamos agora ler o art. 371 para que entendamos a...

 

Data e autoria do documento particular

Eis o artigo: “Reputa-se autor do documento particular:

        I – aquele que o fez e o assinou;

        II – aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado;

        III – aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e assentos domésticos.

Em relação ao documento público, ele mesmo prova sua formação. Então a data e a autoria estão fora de dúvida. Mas e o documento particular? Ele pode ter sido produzido unilateralmente por alguém, que pode ter pré-datado ou pós-datado. Como alguém que pretendia provar que um documento era da década de 40, mas estava grafado em caneta esferográfica, inventada no final da década de 60. Dessa forma não poderia existir um documento que seria da década de 40 a ser feito com caneta esferográfica. Se não houver impugnação, não haverá problema. Sendo impugnado, o Código traz algumas regras para simplificar o esclarecimento.

Art. 370: “A data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito. Mas, em relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular:

        I - no dia em que foi registrado;

        II - desde a morte de algum dos signatários;

        III - a partir da impossibilidade física, que sobreveio a qualquer dos signatários;

        IV - da sua apresentação em repartição pública ou em juízo;

        V - do ato ou fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento.

Inciso I: se esse documento foi levado a registro, é da data do registro é que se presume que, dali para trás, o documento foi feito.

Inciso II: se duas pessoas assinaram um documento no mesmo ato, e uma das pessoas vem a morrer, considera-se que a data da assinatura não pode ter sido posterior à data daquela morte.

Inciso III: alguém sofreu acidente e engessou o braço, então claramente o documento foi assinado antes.

Inciso IV: aqui não se fala do o ato formal do registro, mas se esse documento, por alguma razão, foi apresentado em repartição pública, àquela data temos certeza que o documento é anterior.

Inciso V: qualquer outra situação que puder determinar a data do documento.

Mas aí perguntamos: qual a importância da data do documento? Suponhamos que apareça um documento assinado em data posterior à morte de alguém, em meio a uma questão de sucessão. Art. 371: “Reputa-se autor do documento particular:

        I – aquele que o fez e o assinou;

        II – aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado;

        III – aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e assentos domésticos.

Este é o artigo que indicará quem é o autor. No caso do comerciante, este tem um contador e cuida de suas escrituras contábeis. Ele é autor, inclusive para fins de responsabilidade perante o próprio fisco.

Continuamos na aula que vem.