Direito Processual Civil

quinta-feira, 25 de março de 2010

Prova documental e prova testemunhal


Vamos terminar o conteúdo da aula passada: cartas. Na prova documental, vimos o tópico da força probante. Nos documentos públicos e particulares, a diferença para o processo era a força probante. A disciplina legal, com relação à prova documental, está dividida em três subseções: da força probante, da arguição de falsidade e da produção da prova documental. E, neste contexto, um tópico que faltou vermos é o das cartas, registros domésticos e registros do credor.

Como havíamos dito na aula passada, “documento”, para fins de prova, é qualquer registro. Aquilo que comumente chamamos de documento, que é um papel com um texto e uma assinatura, é, para o Processo, apenas um dos tipos de documento, pois aqui temos um conceito mais amplo. Bilhete, e-mail, foto, ata, o que for: todos poderão ser classificados como documentos.

Art. 376: “As cartas, bem como os registros domésticos, provam contra quem os escreveu quando:

        I – enunciam o recebimento de um crédito;

        II – contêm anotação, que visa a suprir a falta de título em favor de quem é apontado como credor;

        III – expressam conhecimento de fatos para os quais não se exija determinada prova.

Por que o legislador cuidou de disciplinar um registro tão informal? Exatamente porque, em algumas relações jurídicas, especialmente aquelas que ocorrem entre pessoas de uma mesma família, como um irmão emprestar dinheiro para outro, há fatos que não podem ser provados exclusivamente por testemunhas. Daí a necessidade do que se chama de início de prova escrita. Não se precisa provar cabalmente, mas um início de prova que se reputa suficiente. Encontraremos a vedação do uso da prova testemunhal em alguns casos. Em alguns casos a formalidade é a regra. A base de uma relação de compra e venda entre parentes é confiança.

E as anotações feitas pelo credor? Nisso legislador quer que qualquer anotação feita pelo credor seja usada em favor do devedor. É porque o credor tem um domínio maior dos registros. Como compras a crédito à base de caderneta, em pequenos mercados.

Art. 377: “A nota escrita pelo credor em qualquer parte de documento representativo de obrigação, ainda que não assinada, faz prova em benefício do devedor. Parágrafo único.  Aplica-se esta regra tanto para o documento, que o credor conservar em seu poder, como para aquele que se achar em poder do devedor.” Qualquer anotação na caderneta, como um valor pago parcialmente, poderá ser usado em benefício do devedor, mesmo que não tenha havido recibo.

 

Autenticidade e impugnação da prova documental

O art. 372 diz o seguinte: “Compete à parte, contra quem foi produzido documento particular, alegar no prazo estabelecido no art. 390, se lhe admite ou não a autenticidade da assinatura e a veracidade do contexto; presumindo-se, com o silêncio, que o tem por verdadeiro. Parágrafo único: Cessa, todavia, a eficácia da admissão expressa ou tácita, se o documento houver sido obtido por erro, dolo ou coação.

O legislador identificou duas possibilidades de falsidade e autenticidade mais comuns: o documento é formalmente autêntico, mas seu conteúdo não é. Essa seria uma das formas de falsidade. A outra é aquela em que a assinatura é verdadeira, o documento originário é verdadeiro, mas foi adulterado posteriormente. É uma falsidade material. Neste caso, compete à parte contra quem foi produzido o documento arguir a falsidade. E aqui vamos atentar para o uso técnico de duas expressões: autor do documento é aquele que assinou ou o que mandou assinar, como é o caso dos livros comerciais. Autoria é isso. Quem produziu o documento é quem o juntou ao processo, que não necessariamente é quem o criou. Produção e autoria são diferentes. Produção é juntar aos autos, e autoria é o ato de fazer ou assinar o documento.

Se passar o prazo e a parte nada disser sobre sua autenticidade, o documento será tido como verdadeiro, e provará o fato a que se destina. Mas veja o parágrafo único:  Cessa, todavia, a eficácia da admissão expressa ou tácita, se o documento houver sido obtido por erro, dolo ou coação.” Na verdade, o documento seria autêntico mas foi obtido por erro, dolo ou coação. Se for alegada uma dessas causa de nulidade do próprio ato, cessará a eficácia do documento. A preclusão em razão da arguição de falsidade não repercute.

Art. 373: “Ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo anterior, o documento particular, de cuja autenticidade se não duvida, prova que o seu autor fez a declaração, que lhe é atribuída.” Aqui temos a questão da indivisibilidade do documento. A parte não pode requerer o aproveitamento de parte do documento que lhe favoreça: “O documento particular, admitido expressa ou tacitamente, é indivisível, sendo defeso à parte, que pretende utilizar-se dele, aceitar os fatos que lhe são favoráveis e recusar os que são contrários ao seu interesse, salvo se provar que estes se não verificaram.” O ônus da prova em contrário é transferido para a parte a quem interessar parte do documento. O réu pode invocar, em seu favor, parte do que estiver no documento.

 

Livros comerciais

No caso dos livros comerciais, considera-se autor o comerciante, e não o contador que o elaborou. A força probante do livro pode ser separada em duas situações: quando o litígio se dá entre comerciante e alguém que não seja comerciante, a força é em favor do não-comerciante. Consumidor, por exemplo. Não pode o comerciante invocar a anotação que ele mesmo é autor. Quando o litígio é entre dois comerciantes ou mais, aí sim poderá qualquer um deles poderá invocar as anotações por si mesmos feitas, pois há igualdade. É o princípio da paridade das armas.

Art. 378: “Os livros comerciais provam contra o seu autor. É lícito ao comerciante, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos.” Segunda parte: o ônus de provar que o lançamento não corresponde à verdade é do próprio comerciante.

Art. 379: “Os livros comerciais, que preencham os requisitos exigidos por lei, provam também a favor do seu autor no litígio entre comerciantes.” Foi o que vimos.

Art. 380: “A escrituração contábil é indivisível: se dos fatos que resultam dos lançamentos, uns são favoráveis ao interesse de seu autor e outros lhe são contrários, ambos serão considerados em conjunto como unidade.” Vimos em relação ao documento particular, e aqui em relação ao escrito comercial. Note a indivisibilidade.

Exibição dos livros: “Art. 381.  O juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos livros comerciais e dos documentos do arquivo:

        I – na liquidação de sociedade;

        II – na sucessão por morte de sócio;

        III – quando e como determinar a lei.

Os dois casos que estão expressamente previstos são os dois que envolvam a própria sociedade. O herdeiro, por exemplo, não sabe quanto o morto tinha de quotas de uma empresa, qual era o capital que ele possuía. Havendo litígio, a parte deverá exibir integralmente, ou presumir-se-á a veracidade do fato afirmado pela parte contrária.

Art. 382: “O juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas.” Em outros litígios, mesmo que o comerciante não seja parte, isso poderá ser determinado.

Precisamos alertar que o Código é de 1973. Temos que entender apenas a título de ilustração. Não é, portanto, uma relação exaustiva de provas documentais. Notamos, entretanto, que o Código não se tornou obsoleto nesse sentido: nenhuma dessas formas de prova que vimos até agora está em desuso.

Art. 383: “Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade.” Parágrafo único:  Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial.” Então precisamos situar, novamente, às formas de registro de 1973. Não havia FAX, Internet e câmeras digitais. Fora do papel, qualquer outra forma de registro pode ser considerada documento e, se houver impugnação, o juiz determinará que se realize perícia técnica. O que ainda é uma causa de resistência ao processo judicial eletrônico é exatamente isso: o documento tradicional dá mais segurança. Só se vê a imagem, entretanto, do documento eletrônico. Se conseguirmos obter do registro eletrônico e das formas digitalizadas uma segurança equivalente a que o papel oferece, isso estará de bom tamanho. Não podemos querer uma segurança maior. A certificação digital, que é uma exigência de segurança, ainda é muito cara.

 

Falsidade documental

A fé do documento cessa, tanto para o documento público quanto para o particular, quando for declarada sua falsidade. A diferença é que o documento público, mesmo impugnado, tem sua fé mantida até que seja declarada judicialmente sua falsidade. O particular perderá sua fé com a simples impugnação, e aí abre-se o incidente de falsidade.

Art. 387: “Cessa a fé do documento, público ou particular, sendo-lhe declarada judicialmente a falsidade.

        Parágrafo único.  A falsidade consiste:

        I – em formar documento não verdadeiro;

        II – em alterar documento verdadeiro.

No caso do art. 388, veremos que o legislador refere-se especificamente a um documento particular: “Cessa a fé do documento particular quando:

        I – lhe for contestada a assinatura e enquanto não se lhe comprovar a veracidade;

        II– assinado em branco, for abusivamente preenchido.

        Parágrafo único.  Dar-se-á abuso quando aquele, que recebeu documento assinado, com texto não escrito no todo ou em parte, o formar ou o completar, por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário.” Se parte impugnar um documento particular, automaticamente aquele documento fica com a fé suspensa, cessada. Qual a relevância disso? É que há os efeitos da antecipação de tutela. O que temos, neste caso, é a necessidade de que uma prova seja inequívoca. Ou seja, se a parte impugnar, a prova deixa de ser inequívoca. O juiz não poderá conceder uma antecipação de tutela com base num documento controverso.

O previsto no parágrafo único acontece muito em contratos de transferência de bens. Administrativamente é mais fácil, como alguém que quer comprovar renda menor. Mas judicialmente incorrerá no parágrafo único deste art. 388.

Art. 389: “Incumbe o ônus da prova quando:

        I – se tratar de falsidade de documento, à parte que a arguir;

        II – se tratar de contestação de assinatura, à parte que produziu o documento.

Inciso I: Tratando-se de falsidade, a parte que arguir, ou seja, em regra será a parta contra a qual foi produzido o documento.

Inciso II: a parte que produziu deverá provar a autenticidade, e poderá requerer a realização de perícia. A outra parte não poderá deixar de fornecer amostra de sua caligrafia para o exame. Muita atenção que autor é quem criou, enquanto quem produz é a parte.

 

Arguição de falsidade

É um incidente simples. Se o processo ainda está na fase instrutória, o incidente será processado nos próprios autos, e, se estiver encerrada a instrução (todas as provas já tiverem sido produzidas), o incidente será processado em autos apartados. Art. 390: “O incidente de falsidade tem lugar em qualquer tempo e grau de jurisdição, incumbindo à parte, contra quem foi produzido o documento, suscitá-lo na contestação ou no prazo de 10 (dez) dias, contados da intimação da sua juntada aos autos.” Vejam: qualquer tempo e grau de jurisdição, mas há um prazo de 10 dias contados da data da juntada aos autos. Por isso a parte terá que ser intimada para exercer seu direito. Dica: às vezes, querendo achar uma solução para determinado problema, isso gerará uma ansiedade, e o leitor lerá somente o início do artigo, e não verá o final. Cuidado. Leia o dispositivo inteiro. A exceção à regra do caput pode ser facilmente encontrada no parágrafo. E qual é o contexto do dispositivo? será que se aplica ao caso em análise? A interpretação, portanto, tem que ser feita com cautela e paciência.

Art. 391: “Quando o documento for oferecido antes de encerrada a instrução, a parte o argüirá de falso, em petição dirigida ao juiz da causa, expondo os motivos em que funda a sua pretensão e os meios com que provará o alegado.

Art. 393: “Depois de encerrada a instrução, o incidente de falsidade correrá em apenso aos autos principais; no tribunal processar-se-á perante o relator, observando-se o disposto no artigo antecedente.” Então duas formas: o processo pode correr em apenso, fazendo-se, para isso, uma petição, que não tem requisito específico, mas o art. 392 diz que “Intimada a parte, que produziu o documento, a responder no prazo de 10 (dez) dias, o juiz ordenará o exame pericial. Parágrafo único: Não se procederá ao exame pericial, se a parte, que produziu o documento, concordar em retirá-lo e a parte contrária não se opuser ao desentranhamento.” Observação: a falsidade documental é crime.

O art. 394 tem a previsão da suspensão: “Logo que for suscitado o incidente de falsidade, o juiz suspenderá o processo principal.” A finalidade é evitar que seja proferido julgamento sem levar em conta aquele documento cuja fé ou força probante está suspensa, o que seria prejuízo para a parte a quem interessa o documento. Finalmente nesta subseção, o art. 395: “A sentença, que resolver o incidente, declarará a falsidade ou autenticidade do documento.” Aqui a discussão é: qual a natureza jurídica desse incidente? É uma ação declaratória incidental. Tem por finaldade declarar a existência ou inexistência de um direito que se tornou controvertido no decurso do processo.

Não se trata de prazo preclusivo.  

 

Produção da prova documental

Temos aqui a oportunidade, o contraditório e a requisição a repartição pública. Para o autor, a oportunidade da prova documental é a petição inicial, enquanto para o réu é a contestação. Os documentos que cada um têm terão que ser apresentados nesses momentos.

Mas há exceções. Art. 397: “É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.” Autor e réu poderão juntar ao longo do processo, e a à parte contrária será dado o direito de contrapor-se a essa nova prova. Mas, por exemplo, um documento em que há motivo justo para não ter sido apresentado na inicial, ou porque estava sendo omitido pela outra parte, ou por qualquer situação que justifique: poderá ser apresentada depois? Sim, desde que se prove como justa a causa para a não-apresentação na hora certa (a petição inicial ou a contestação).

Com relação ao contraditório, o art. 398 prevê que “Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias.” Se o documento for juntado e o juiz emitir sentença sem considerá-lo, isso caractrerizará cerceamento de defesa e a sentença poderá ser anulada. Se a outra parte não impugnar, a prova é, em princípio, unilateral, e não servirá para embasar o convencimento.

Exemplo: a parte realiza, antes de ajuizar, uma perícia. Essa perícia resultará em um laudo, em outras palavras, um documento. Isso será admitido no processo como prova documental, mas não pericial. A prova pericial disciplinada no Código de Processo Civil é aquela realizada com participação da parte contrária, com o contraditório, na fase instrutória.

Art. 386, para voltamos: “O juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento, quando em ponto substancial e sem ressalva contiver entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento.” Ou seja, se houver algo que o juiz considere sem necessidade de realizar perícia, ele decidirá se realmente aquilo é válido como prova ou não.

 

Requisição a repartições públicas

O terceiro tem o dever de colaborar com o esclarecimento da verdade. No caso das repartições públicas, o funcionamento é mais simples: não há necessidade de estabelecer contraditório pois, sendo públicos os documentos, são eles considerados verdadeiros salvo se protegidos por sigilo, como declaração de imposto de renda. Art. 399: “O juiz requisitará às repartições públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição: I - as certidões necessárias à prova das alegações das partes; II - os procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, o Estado, o Município, ou as respectivas entidades da administração indireta. [...]

Ou seja, a parte alega um vício num procedimento licitatório. O juiz poderá requisitar procedimento. Se o procedimento está em andamento, seria razoável não requisitar, mas simplesmente requisitar cópia. Essa cópia o § 2º prevê que pode ser em meio eletrônico, para evitar que o processo administrativo paralise. Leiamos os parágrafos: “§ 1º  Recebidos os autos, o juiz mandará extrair, no prazo máximo e improrrogável de 30 (trinta) dias, certidões ou reproduções fotográficas das peças indicadas pelas partes ou de ofício; findo o prazo, devolverá os autos à repartição de origem.        § 2º  As repartições públicas poderão fornecer todos os documentos em meio eletrônico conforme disposto em lei, certificando, pelo mesmo meio, que se trata de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou do documento digitalizado.” Se finalizado, portanto, basta a requisição de cópias.

Aula que vem: prova testemunhal.