Direito Administrativo

terça-feira, 1º de março de 2011

Supremacia do interesse público - da finalidade pública

 

O professor está fazendo uma inversão na sequência dos conteúdos. Ele começará por alguns princípios, que são aplicáveis ao direito público como um todo, em particular ao Direito Administrativo, e depois irá voltar atrás, falando nos princípios constitucionais do art. 37: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e os princípios complementares, constantes da doutrina e da legislação infraconstitucional.

Falando um pouco sobre a doutrina, não encontramos facilmente esses três primeiros princípios que o professor colocará: a supremacia do interesse público sobre o privado, chamado por alguns chamados de finalidade pública; alguns autores separam os dois significados em dois diferentes princípios.

Em seguida vamos para o princípio da indisponibilidade do interesse público e o da continuidade da prestação dos serviços públicos. Esses são os mencionados na doutrina, mas não constam com essa denominação específica na legislação brasileira, tanto constitucional quanto infraconstitucional.

Celso Antônio Bandeira de Mello, um dos maiores administrativistas brasileiros, aponta-os como os dois princípios, aplicáveis a todo o direito público, do Administrativo ao Tributário, passando pelo Financeiro.

Chamamos alguns princípios de fundamentais. Essa denominação é a usada pelo Decreto-lei 200 de 1967, aqueles cinco: planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle.

 

Supremacia

O que é? Vem de supremus, que significa “o mais alto”, de maior poder, de maior autoridade. Supremacia significa hegemonia, predominância, prevalência de algo. E o interesse, no sentido vulgar, pode significar vantagem, lucro, empenho, dedicação; quem está empenhado tem interesse naquilo.

A expressão “interesse público” é um dos conceitos chamados, pela doutrina, de vagos, imprecisos ou indeterminados. É um conceito jurídico que não é satisfatório. Caracterizado em termos de seu conteúdo, significado e alcance, quer pela lei, pela doutrina, ou até mesmo pela jurisprudência. Interesse público, utilidade pública, interesse social, necessidade pública, moralidade, razoabilidade, notório saber jurídico, reputação ilibada são exemplos colocados dentro desse mesmo campo lexical de conceitos imprecisos. São conceitos postos pelo legislador, porém não definidos de forma satisfatória em relação a que quer expressar seu significado e alcance, o que impede, às vezes, sua aplicação adequada aos casos concretos.

Nossa Constituição, por exemplo, fala, nalguns casos, em edição de normas gerais, exigindo lei complementar. Normas gerais de Direito Tributário, orçamento e finanças, e licitações e contratos. O que são normas gerais também não sabemos nem pela doutrina nem pela jurisprudência, mesmo do Supremo. Não há uniformidade. Para alguns são princípios, para outros são regras uniformizadas, para outros são leis nacionais aplicáveis a todos os entes federativos. Então são normas gerais por definição legal. “Normas gerais de Direito Financeiro e Orçamento”, é um exemplo encontrado dentro da Constituição.

Norma geral é uma coisa de muita importância porque não pode entrar muito em detalhes, sob pena de elidir a competência de outros entes federativos submetendo-se ao risco de ser contraditada através da ação direta de inconstitucionalidade.

‘Interesse público’ também é uma expressão que aparece em alguns dispositivos da nossa Constituição, assim como interesse social, necessidade pública, utilidade social; em algumas partes da Constituição, quando se trata da questão da desapropriação, está previsto que esta pode ocorrer por interesse público, necessidade pública ou interesse social. Aí se indaga: quando ocorrerá por necessidade pública? E quando a desapropriação se reputa feita em razão de interesse social, ou utilidade social? São as três hipóteses. O que é uma necessidade pública? Lembrando as noções de Economia Política, vimos que necessidade é um conceito econômico que diz respeito a um estado de privação de bens e serviços. Esse estado passou a ser suprido pelas pessoas individualmente, com a necessidade de alimentação, ou da coletividade, na medida da evolução das sociedades. Aí surgiram as necessidades coletivas. E nem todas essas necessidades coletivas puderam, ao longo do tempo, ser atendidas pelo Estado, que daí liberou para os particulares, e depois o contrário novamente. Toda necessidade pública é sempre uma necessidade coletiva. Mas nem toda necessidade coletiva será necessidade uma necessidade pública. Necessidade pública é a que, por decisão política do Estado, este assumiu, dentro do ordenamento jurídico, a responsabilidade de atender perante a sociedade.

Mas não é um raciocínio que se faz dentro da Economia Política. Eles dizem que a necessidade pública é aquela inadiável. O interesse social é o que atende aos mais pobres. A utilidade social diz respeito ao que é inadiável. São conceitos vagos e imprecisos. Alguns afirmam que o interesse público é um somatório de interesses individuais que assume a forma coletiva, de maneira coesa, assumindo, posteriormente, a forma pública, pelo fato de o Estado ter assumido politicamente a defesa desses interesses coletivos maiores.

A questão da supremacia do interesse público sobre o privado ou particular é contestada pelos liberais, que defendem o direito à liberdade e à propriedade. Os direitos individuais devem ser opostos a esses interesses, dizem. Vieram os alemães no século XIX e cunharam a ideia de razoabilidade, até com o uso de poder de polícia, buscando meios e fins a ser atingidos.

A própria Constituição já contém rol de motivos que dão ensejo à desapropriação, bem como a justificativa para alienação do bem público, com autorização legislativa. Art. 17 da Lei 8666/93:

Art. 17.   A alienação de bens públicos deverá atender ao interesse público, ser precedida de avaliação e autorização legislativa.

A Lei nº 9784/99, em seu art. 2º, também determina que deve ser observado o interesse público:

Art. 2º.  A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Notem, entretanto, que em todos os casos não há a expressão “prevalência do interesse público sobre o particular”. Fala-se em interesse público, então é uma diretriz implícita. Quando se fala na supremacia de interesses, existirá necessariamente uma série de circunstâncias que justificarão que certos direitos individuais sejam prejudicados em função de um bem maior, que será o pseudo-interesse público.

Interessante observar que não é só o direito público que defende o interesse público, mas também dispositivos de direito privado. Há as OCIPs, pessoas jurídicas de direito privado, que atuam na área pública. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Vulgas ONGs. Não existe a expressão “organização não governamental” em nosso ordenamento jurídico, mas sim associações, fundações e sociedades. “ONG” é uma expressão corriqueira.

 

Poder de polícia

A atuação do Estado para atender ao interesse público em detrimento do interesse privado deve se pautar por normas de direito público, como as normas de limitação do direito de propriedade. O direito de liberdade individual também é enfraquecido pelo poder de polícia do Estado. O que é poder de polícia? É uma expressão usada na época do liberalismo econômico na França, concebida para que se proteja o regime baseado na livre concorrência e iniciativa. O Estado precisava garantir a o arcabouço do sistema econômico. E isso se ligava à prestação de serviços públicos indivisíveis, como defesa, segurança, administração fazendária, normalmente atreladas à cobrança de impostos. E havia uma relação de proporcionalidade entre o pagamento de impostos e a contrapartida do Estado. Isso faria com que os pobres obtivessem proporcionalmente menos. Isso foi abandonado.

Começou a cobrança de impostos para o exercício regular do poder de polícia, para que o Estado trabalhe sem inconvenientes. Como a obrigatoriedade do alvará de construção para iniciar uma obra. Depois, a obtenção do “habite-se”. O poder de polícia é uma atividade administrativa, tal como a atividade de fiscalização. É um conceito próprio de Direito Administrativo.

Outro exemplo de supremacia do interesse público sobre o privado se insere na celebração de contratos administrativos, entre a Administração e o particular, em que razões de interesse público podem significar a rescisão unilateral dos contratos. Unilateralidade justificada, fundamentada, sob pena de o particular também poder recorrer. Exemplos são as cláusulas exorbitantes, extravagantes. Temos também a convalidação de atos administrativos com vícios formais, deste que sem prejuízo a terceiros. Mais um exemplo são os bens públicos, os dominicais e de uso especial. No direito privado a propriedade dos bens privados se dá pelo Direito Civil; e a propriedade dos bens públicos é regulada por regime jurídico de direito público. Os bens públicos se pautam pela incomunicabilidade, pela inalienabilidade e pela impenhorabilidade. Os bens chamados de uso especial, a serviço público, podem ser objeto de autorização para uso pelo particular, em caráter precário. Havendo interesse público justificado, desde que haja avaliação prévia do bem e autorização legislativa, com o bem desafetado à prestação de serviço público, ele poderá ser alienado. Isso se faz no regime de direito público. Alienação de bens públicos é uma forma de licitar.

Por que os bens públicos são impenhoráveis? Existe a possibilidade de penhora dos bens públicos em execução? Não, a Constituição dá a possibilidade de o particular executar a dívida com outro procedimento, que são os precatórios judiciais. Não se pode sobrepor o interesse do particular em haver o bem público em execução sobre o interesse público pela manutenção do bem.

E nem sempre a Administração Pública age de acordo com o interesse público! A doutrina italiana passou a dividir os interesses públicos em primários e secundários. Os interesses públicos primários são aqueles que coincidem com as necessidades do povo. Os interesses secundários são os que remetem ao interesse patrimonial do Estado.

 

Mais características dos atos administrativos

Os atos administrativos também se presumem legítimos, com fé pública, de que foram editados de acordo com a ordem jurídica, o que não significa que não possa ser contestada pelo particular. É uma forma de a Administração Pública agir presumidamente em nome do interesse público, e que seus atos são legítimos.

Por que se acredita que as certidões emitidas por órgãos públicos têm fé pública? Porque há presunção de legitimidade da certidão, ou nada funcionaria. Deve existir em função da confiança que o administrado deposita no administrador.

Outro princípio de Direito, corolário do anterior, afirma que os bens, direitos e serviços são patrimônio da coletividade, e que, por isso, não podem ficar disponíveis ao bel prazer dos órgãos e dos agentes públicos, que, pelo contrário, têm a obrigação de zelar pela preservação do patrimônio público. Há comportamentos particulares às vezes transportados para a esfera pública. Exemplo: fazer ligações pessoais do telefone que pertence ao órgão público. Os bens públicos têm que ser preservados. Já se fez inclusive comissão de sindicância para investigação do sumiço de papel higiênico.

Temos a Lei Complementar 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que trata de finanças públicas. Um dos objetivos da Lei é a preservação dos bens públicos, evitando que os recursos levantados com sua venda sejam utilizados em gastos correntes do governo. Raciocínio: a decisão de vender o apartamento onde mora para comprar um veículo importado, viajar ao exterior ou comer em lugares caros é dilapidação do patrimônio. É o que a lei veio para combater.

A competência para a prática de atos também é irrenunciável, salvo possibilidade de delegação de competência. Um funcionário público pode ter responsabilidade funcional. Deixar de praticar certos atos enseja responsabilidade.

Art. 11 da LRF: Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

Em função do princípio da indisponibilidade do interesse público, nem seria necessária essa norma, pois, se a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal têm competência tributária para instituir e cobrar determinados tributos, isso constitui poder-dever. Institui-se o tributo, faz-se prevê-lo na lei do orçamento, e efetivamente arrecada-se-o, fazendo cumprir a obrigação tributária do sujeito passivo dessa relação tributária. Esse é o caminho que o art. 11 manda seguir. O que acontecia é que, em vários municípios, os prefeitos preferiam a transferência voluntária do governo federal para eles ao invés de instituir o tributo municipal.

Despesa: só pode ser realizada se praticada por autorização competente. É o mandamento do art. 58 da Lei 4320/64, no campo do Direito Financeiro, e do art. 142, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, no que tange ao Direito Tributário.

Na aula que vem vamos ver a parte da continuidade o do serviço público.