O professor está fazendo uma inversão
na sequência dos conteúdos. Ele começará por alguns princípios, que são
aplicáveis ao direito público como um todo, em particular ao Direito
Administrativo, e depois irá voltar atrás, falando nos princípios
constitucionais do art. 37: legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência, e os princípios complementares, constantes da
doutrina e da legislação infraconstitucional.
Falando um pouco sobre a doutrina,
não encontramos facilmente esses três primeiros princípios que o
professor colocará: a supremacia do interesse público sobre o privado,
chamado por alguns chamados de
finalidade pública; alguns autores
separam os dois significados em dois diferentes princípios.
Em seguida vamos para o princípio da
indisponibilidade do interesse público
e o da continuidade da prestação dos serviços
públicos. Esses são os mencionados na doutrina, mas não
constam com essa denominação específica na legislação brasileira, tanto
constitucional quanto infraconstitucional.
Celso Antônio Bandeira de Mello, um
dos maiores administrativistas brasileiros, aponta-os como os dois
princípios, aplicáveis a todo o direito público, do Administrativo ao
Tributário, passando pelo Financeiro.
Chamamos alguns princípios de
fundamentais. Essa denominação é a
usada pelo Decreto-lei 200 de 1967, aqueles cinco: planejamento,
coordenação, descentralização, delegação de competência e controle.
Supremacia
O que é? Vem de
supremus, que significa “o mais alto”, de maior poder, de
maior autoridade. Supremacia significa hegemonia, predominância,
prevalência de algo. E o interesse, no sentido vulgar, pode significar
vantagem, lucro, empenho, dedicação; quem está empenhado tem interesse
naquilo.
A expressão “interesse público” é um
dos conceitos chamados, pela doutrina, de vagos, imprecisos ou
indeterminados. É um conceito jurídico que não é satisfatório.
Caracterizado em termos de seu conteúdo, significado e alcance, quer
pela lei, pela doutrina, ou até mesmo pela jurisprudência. Interesse
público, utilidade pública, interesse social, necessidade pública,
moralidade, razoabilidade, notório saber jurídico, reputação ilibada
são exemplos colocados dentro desse mesmo campo lexical de conceitos
imprecisos. São conceitos postos pelo legislador, porém não definidos
de forma satisfatória em relação a que quer expressar seu
significado e alcance, o que impede, às vezes, sua aplicação adequada
aos casos concretos.
Nossa Constituição, por exemplo,
fala, nalguns casos, em edição de normas gerais, exigindo lei
complementar. Normas gerais de Direito Tributário, orçamento e
finanças, e licitações e contratos. O que são normas gerais também não
sabemos nem pela doutrina nem pela jurisprudência, mesmo do Supremo.
Não há uniformidade. Para alguns são princípios, para outros são regras
uniformizadas, para outros são leis nacionais aplicáveis a todos os
entes federativos. Então são normas gerais por definição legal. “Normas
gerais de Direito Financeiro e Orçamento”, é um exemplo encontrado
dentro da Constituição.
Norma geral é uma coisa de muita
importância porque não pode entrar muito em detalhes, sob pena de
elidir a competência de outros entes federativos submetendo-se ao risco
de ser contraditada através da ação direta de inconstitucionalidade.
‘Interesse público’ também é uma
expressão que aparece em alguns dispositivos da nossa Constituição,
assim como interesse social, necessidade pública, utilidade social; em
algumas partes da Constituição, quando se trata da questão da
desapropriação, está previsto que esta pode ocorrer por interesse
público, necessidade pública ou interesse social. Aí se indaga: quando
ocorrerá por necessidade pública? E quando a desapropriação se reputa
feita em razão de interesse social, ou utilidade social? São as três
hipóteses. O que é uma necessidade pública? Lembrando as noções de
Economia Política, vimos que necessidade é um conceito econômico que
diz respeito a um estado de privação de bens e serviços. Esse estado
passou a ser suprido pelas pessoas individualmente, com a necessidade
de alimentação, ou da coletividade, na medida da evolução das
sociedades. Aí surgiram as necessidades coletivas. E nem todas essas
necessidades coletivas puderam, ao longo do tempo, ser atendidas pelo
Estado, que daí liberou para os particulares, e depois o contrário
novamente. Toda necessidade pública é sempre uma necessidade coletiva.
Mas nem toda necessidade coletiva será necessidade uma necessidade
pública. Necessidade pública é a que, por decisão política do Estado,
este assumiu, dentro do ordenamento jurídico, a responsabilidade de
atender perante a sociedade.
Mas não é um raciocínio que se faz
dentro da Economia Política. Eles dizem que a necessidade pública é
aquela inadiável. O interesse social é o que atende aos mais pobres. A
utilidade social diz respeito ao que é inadiável. São conceitos vagos e
imprecisos. Alguns afirmam que o interesse público é um somatório de
interesses individuais que assume a forma coletiva, de maneira coesa,
assumindo, posteriormente, a forma pública, pelo fato de o Estado ter
assumido politicamente a defesa desses interesses coletivos maiores.
A questão da supremacia do interesse
público sobre o privado ou particular é contestada pelos liberais, que
defendem o direito à liberdade e à propriedade. Os direitos individuais
devem ser opostos a esses interesses, dizem. Vieram os alemães no
século XIX e cunharam a ideia de razoabilidade, até com o uso de poder
de polícia, buscando meios e fins a ser atingidos.
A própria Constituição já contém rol
de motivos que dão ensejo à desapropriação, bem como a justificativa
para alienação do bem público, com autorização legislativa. Art. 17 da
Lei 8666/93:
Art. 17. A alienação de bens públicos deverá atender ao interesse público, ser precedida de avaliação e autorização legislativa. |
A Lei nº 9784/99, em seu art. 2º,
também determina que deve ser observado o interesse público:
Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. |
Notem, entretanto, que em todos os
casos não há a expressão “prevalência do interesse público sobre o
particular”. Fala-se em interesse público, então é uma diretriz
implícita. Quando se fala na supremacia de interesses, existirá
necessariamente uma série de circunstâncias que justificarão que certos
direitos individuais sejam prejudicados em função de um bem maior, que
será o pseudo-interesse público.
Interessante observar que não é só o
direito público que defende o interesse público, mas também
dispositivos de direito privado. Há as OCIPs, pessoas
jurídicas
de direito privado, que atuam na área pública. Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público. Vulgas ONGs. Não existe a
expressão “organização não governamental” em nosso ordenamento
jurídico, mas sim associações, fundações e sociedades. “ONG” é uma
expressão corriqueira.
Poder de
polícia
A atuação do Estado para atender ao
interesse público em detrimento do interesse privado deve se pautar por
normas de direito público, como as normas de limitação do direito de
propriedade. O direito de liberdade individual também é enfraquecido
pelo poder de polícia do Estado. O que é poder de polícia? É uma
expressão usada na época do liberalismo econômico na França, concebida
para que se proteja o regime baseado na livre concorrência e
iniciativa. O Estado precisava garantir a o arcabouço do sistema
econômico. E isso se ligava à prestação de serviços públicos
indivisíveis, como defesa, segurança, administração fazendária,
normalmente atreladas à cobrança de impostos. E havia uma relação de
proporcionalidade entre o pagamento de impostos e a contrapartida do
Estado. Isso faria com que os pobres obtivessem proporcionalmente
menos. Isso foi abandonado.
Começou a cobrança de impostos para o
exercício regular do poder de polícia, para que o Estado trabalhe sem
inconvenientes. Como a obrigatoriedade do alvará de construção para
iniciar uma obra. Depois, a obtenção do “habite-se”. O poder de polícia
é uma atividade administrativa, tal como a atividade de fiscalização. É
um conceito próprio de Direito Administrativo.
Outro exemplo de supremacia do
interesse público sobre o privado se insere na celebração de contratos
administrativos, entre a Administração e o particular, em que razões de
interesse público podem significar a rescisão unilateral dos contratos.
Unilateralidade justificada, fundamentada, sob pena de o particular
também poder recorrer. Exemplos são as cláusulas exorbitantes,
extravagantes. Temos também a convalidação de atos administrativos com
vícios formais, deste que sem prejuízo a terceiros. Mais um exemplo são
os bens públicos, os dominicais e de uso especial. No direito privado a
propriedade dos bens privados se dá pelo Direito Civil; e a propriedade
dos bens públicos é regulada por regime jurídico de direito público. Os
bens públicos se pautam pela incomunicabilidade, pela inalienabilidade
e pela impenhorabilidade. Os bens chamados de uso especial, a serviço
público, podem ser objeto de autorização para uso pelo particular, em
caráter precário. Havendo interesse público justificado, desde que haja
avaliação prévia do bem e autorização legislativa, com o bem desafetado
à prestação de serviço público, ele poderá ser alienado. Isso se faz no
regime de direito público. Alienação de bens públicos é uma forma de
licitar.
Por que os bens públicos são
impenhoráveis? Existe a possibilidade de penhora dos bens públicos em
execução? Não, a Constituição dá a possibilidade de o particular
executar a dívida com outro procedimento, que são os precatórios
judiciais. Não se pode sobrepor o interesse do particular em haver o
bem público em execução sobre o interesse público pela manutenção do
bem.
E nem sempre a Administração Pública
age de acordo com o interesse público! A doutrina italiana passou a
dividir os interesses públicos em primários e secundários. Os
interesses públicos primários são aqueles que coincidem com as
necessidades do povo. Os interesses secundários são os que remetem ao
interesse patrimonial do Estado.
Mais
características dos atos administrativos
Os atos administrativos também se
presumem legítimos, com fé pública, de que foram editados de acordo com
a ordem jurídica, o que não significa que não possa ser contestada pelo
particular. É uma forma de a Administração Pública agir
presumidamente em nome do interesse público, e que seus atos
são legítimos.
Por que se acredita que as certidões
emitidas por órgãos públicos têm fé pública? Porque há presunção de
legitimidade da certidão, ou nada funcionaria. Deve existir em função
da confiança que o administrado deposita no administrador.
Outro princípio de Direito, corolário
do anterior, afirma que os bens, direitos e serviços são patrimônio da
coletividade, e que, por isso, não podem ficar disponíveis ao bel
prazer dos órgãos e dos agentes públicos, que, pelo contrário, têm a
obrigação de zelar pela preservação do patrimônio público. Há
comportamentos particulares às vezes transportados para a esfera
pública. Exemplo: fazer ligações pessoais do telefone que pertence ao
órgão público. Os bens públicos têm que ser preservados. Já se
fez inclusive
comissão de sindicância para investigação do sumiço de papel higiênico.
Temos a Lei Complementar 101/2000, a
Lei de Responsabilidade Fiscal, que trata de finanças públicas. Um dos
objetivos da Lei é a preservação dos bens públicos, evitando que os
recursos levantados com sua venda sejam utilizados em gastos correntes
do governo. Raciocínio: a decisão de vender o apartamento onde
mora para comprar um
veículo importado, viajar ao exterior ou comer em lugares caros é
dilapidação do patrimônio. É o que a lei veio para combater.
A competência para a prática de atos
também é
irrenunciável, salvo possibilidade
de delegação de competência. Um funcionário público pode ter
responsabilidade funcional. Deixar de praticar certos atos enseja
responsabilidade.
Art. 11 da LRF: Constituem requisitos essenciais da
responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva
arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente
da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos. |
Em função do princípio da indisponibilidade do interesse público, nem seria necessária
essa norma, pois, se a União, os estados, os municípios e o Distrito
Federal têm competência tributária para instituir e cobrar determinados
tributos, isso constitui poder-dever. Institui-se o tributo, faz-se
prevê-lo na lei do orçamento, e efetivamente arrecada-se-o, fazendo
cumprir a obrigação tributária do sujeito passivo dessa relação
tributária. Esse é o caminho que o art. 11 manda seguir. O que acontecia é
que, em vários municípios, os prefeitos preferiam a transferência
voluntária do governo federal para eles ao invés de instituir o tributo
municipal.
Despesa: só pode ser realizada se
praticada por autorização competente. É o mandamento do art. 58 da Lei
4320/64, no campo do Direito Financeiro, e do art. 142, parágrafo
único, do Código Tributário Nacional, no que tange ao Direito
Tributário.
Na aula que vem vamos ver a parte da
continuidade o do serviço público.