Direito Administrativo

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Empresas públicas e sociedades de economia mista

Vamos continuar a Administração Indireta, vendo, agora a questão das empresas públicas e sociedades de economia mista, além das subsidiárias controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público. É aqui que encontramos uma ligação entre o Direito Administrativo e o Direito Econômico, por conta dos aspectos relacionados à exploração da atividade econômica, o que é tema do Direito Econômico.

Há autores que entendem que a questão das empresas públicas e sociedades de economia mista se trata de Direito Administrativo, enquanto outros autores excluem-nas da matéria administrativista.

Pelo Decreto-lei 200/67, no art. 4º, além das autarquias e fundações, fazem parte da Administração Indireta as empresas públicas e sociedades de economia mista, que são consideradas, ainda, pessoas jurídicas administrativas pelo Direito Administrativo. Mas, com frequência, vê-se na mídia o termo “empresas estatais”. Também vemos falarem-se muito em empresas públicas em seu sentido amplo, incluindo, agora, as empresas privadas, a contrariu sensu.

Empresa estatal é um conceito vago e impreciso que não é muito utilizado no Direito Administrativo exatamente por isso. O que é uma empresa estatal? Em regra, nossa Constituição não usa essa expressão. Ela fala em Administração Direta, Administração Indireta, empresas públicas, sociedades de economia mista, em alguns pontos “subsidiárias” e, incidentalmente, “entidades controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público.”

Há uma exceção, entretanto, em nossa legislação, que não é propriamente de Direito Administrativo, mas de Direito Financeiro, que a Lei de Responsabilidade Fiscal contempla. Ali temos empresas controladas e empresa estatal controlada pelo poder público, que a lei chama de “empresa estatal dependente”. É aquela que é controlada, mas depende de recursos do poder público, seja para seu custeio ou investimentos. Há entretanto uma exceção que a lei estabelece, que é o caso do recebimento de recursos pelo governo ser destinado à participação do poder público na própria empresa estatal. Visa à manutenção do controle do Estado, especialmente nas sociedades de economia mista, seja de forma direta ou indireta. É a única exceção que usamos em empresa estatal: uma norma não de Direito Administrativo, mas de Direito Financeiro, que o legislador buscou usar para dar cumprimento à LRF. Aplica-se a todas as entidades da Administração Direta e Administração Indireta, e a todos os entes da Federação.

Usa-se também o termo “empresa estatal dependente” (do governo), que depende de recursos para investir e subsistir. É a participação que o governo tem em seu capital, seja em sua construção ou sua manutenção, daí ser chamada de empresa estatal dependente.

Autores recomendam que não se use o termo “empresa estatal”. É como empresa pública em sentido amplo, o que pode gerar confusão. No sentido corriqueiro, entretanto, o cidadão leigo fala sempre em “empresa estatal”.

Na doutrina, entretanto, temos no esquema um conceito do livro da professora Irene Batista 1, que procurou dar um conceito de empresa estatal em seu sentido amplo: toda sociedade civil ou comercial em que o Estado detém o controle acionário. O que significa dizer que esse controle acionário pode ser parcial ou total. No caso da empresa pública há o controle acionário total. Na sociedade de economia mista, o controle é parcial. O controle pode ser feito de maneira direta, quando o próprio poder público constitui ou aumenta seu capital, ou indiretamente, quando o Estado atua mediante uma empresa estatal controladora. Subsidiária é a empresa submetida a uma controladora que detém a maioria das ações. Cuidado com a confusão entre controladora e controlada! O controle direto se faz pelo próprio poder público na empresa, injetando-se recursos ou aumentando o capital. No indireto, faz-se através da controladora, sobre as subsidiárias ou as empresas controladas.

Esse conceito de empresa estatal ou empresa pública no sentido mais amplo possível é posto aqui porque não há mais conceitos.

Neste caso, a noção de empresa estatal ou empresa pública em sentido amplo compreende as empresas públicas, as sociedades de economia mista, e, ainda, as subsidiárias e entidades controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público. É o que colocamos aqui: realiza-se o controle parcial em relação às sociedades anônimas e às subsidiárias, enquanto o controle total é feito através de empresas públicas.

Importante ver que tanto empresas públicas quanto sociedades de economia mista podem ter subsidiárias. É a sociedade anônima que tem a tradição no Brasil de criar subsidiárias, mas não é uma regra. Pensamos logo na Petrobras e no Banco do Brasil, além da Telebrás, com suas “teles”. Mas isso pode acontecer também em relação às empresas públicas. Nada impede, e Constituição também dispõe sobre isso, da possibilidade de as empresas públicas terem filhas, que são as controladas ou subsidiárias.

O que interessa, na realidade, é o estabelecimento do controle. Quando o Estado participa do capital privado ele caminha para a estatização minoritária. O que interessa para nós aqui é o controle majoritário, ou o Estado não teria o interesse em fazer prevalecer sua vontade nas assembleias.

Curiosidade: nossa Constituição, relativamente a esse segundo caso de subsidiárias, ora fala em “subsidiárias e entidades controladas pelo poder público para determinados fins”, ora fala apenas em “empresas subsidiárias”. Mas em nível infraconstitucional, com a Lei 8666/93, não se menciona nem subsidiárias, mas sim entidades controladas direta ou indiretamente pelo poder público, por via da “holding” (Petrobras em relação à BR Distribuidora, por exemplo, ou o Banco do Brasil em relação à BB Seguros).

Alguns exemplos da nossa Constituição: vejam que ela, no Título III, Capítulo VII, dispondo sobre a Administração Pública, se refere ao assunto das empresas públicas e sociedades de economia mista como sendo de Administração Pública. Para determinados fins, é curioso observar que o legislador trata as subsidiárias como se fizesse parte da Administração Pública para determinados efeitos somente. Noutros casos não diz nada. Nos princípios da Administração Pública, no caput do art. 37, não se fala em obrigação de observância para as subsidiárias nem para as entidades controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público. Mas veja o art. 37, inciso XI, que trata do limite de remuneração dos agentes públicos de uma forma geral:

Empresas públicas e sociedades de economia mistaXI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

Então, no que se refere ao art. 37, inciso XVII, o legislador coloca “proibição de acumular empregos e funções estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; [...]” A diferença entre subsidiária e controlada é que a subsidiária é a empresa que tem uma controladora que detém a maioria das ações. É controlada, mesmo que indiretamente pelo poder público, então não há diferença.

No caso de autorização legislativa, diz o legislador no art. 37, inciso XIX:

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;

XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada;

Vejam bem: dependem de autorização legislativa a criação de empresa pública e sociedade de economia mista. Depois o legislador coloca exatamente as subsidiárias e não menciona que, para essa finalidade, devem estar as entidades controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público. A necessidade de autorização legal para participarem em empresas privadas é justamente para evitar o avanço do Estado, tendo em vista que o objetivo é prestigiar a livre concorrência, e limitar as hipóteses de intervenção do Estado nas empresas.

Voltemos ao inciso XVII do art. 37:

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

Este inciso coloca também as subsidiárias na proibição de acumular. Mas antes, no caput, quando fala dos princípios, a Constituição não menciona as subsidiárias! Para determinados fins, há um tratamento de Administração Indireta. Se a lei determina que precisam de autorização legislativa para serem criadas, então elas são tratadas, em princípio, como se estivessem dentro da Administração Pública. Para efeito de criação dependem de autorização legislativa; para efeito de observância de tetos e limites de remuneração, a condição estabelecida pelo texto constitucional é de que a empresa pública e a sociedade de economia mista, além da subsidiária, recebam recursos do governo. § 9º do art. 37:

§ 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Vejam: na Lei de Responsabilidade Fiscal, a empresa dependente do governo o é, para efeitos orçamentários, quando depende dele para seu custeio ou investimento. Exceto a participação do governo em seu capital. Mas, para efeito de limites de tetos, o legislador não colocou essa condição. Ela só depende do governo para o pagamento de suas despesas de custeio. Nas despesas de investimento, de qualquer natureza, se ela receber aportes, ela não é obrigada a observar limites. Observem, portanto, que o legislador só fala em subsidiárias, e não “e entidades controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público”. A Constituição é variável a respeito desse tratamento. O que interessa é saber se ela é controlada diretamente ou indiretamente pelo poder público. Se o for, poderá ser subsidiária do ente político.

Curiosamente, na Lei 8666/93 o legislador não fala em empresas subsidiárias para efeito de observância da lei, mas fala apenas que a lei se aplica a entidades controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público. Veja que o legislador varia na delimitação das subsidiárias e entidades controladas pelo poder público, dependendo do que quer determinar. Para efeito de limite de remuneração, ele só fala em subsidiárias, dizendo que ela só deverá observar o teto de subsídios se ela depender de recursos do governo para seu custeio e funcionamento normal, não para investimento. Para efeito de acumulação de cargos, a proibição se estende às subsidiárias e às empresas estatais. E, para efeito de autorização legislativa para o Poder Executivo criá-las, só fala a lei em subsidiárias, mas depende de autorização legislativa, que estende isso para o caso dessas subsidiárias quererem ter participação em empresas privadas com objetivo de evitar a estatização das empresas privadas. São resíduos de tempos anteriores que fazem com que o Estado tenha participação minoritária em empresas privadas. Até em fábricas de lingerie!

Depende, portanto, do objetivo do legislador. Assim, ele inclui ou não no conceito.

As instituições que integram a Administração Pública são as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, que é um conceito que vem desde 1967, o que a doutrina chama de conceito formal ou adjetivo. Mas há o conceito material, pois, para determinadas atividades, se considera dentro do contexto da Administração Pública até empresas permissionárias, que se incluem em atividade material. Nossa Constituição adota uma caracterização formal.

A interrogação no esquema é para observarmos que, em certos casos, as empresas públicas e sociedades de economia mista, no conceito material ou formal, estão dentro do conceito de Administração pública indireta. Mas as entidades controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público, especialmente no caso do controle direto das subsidiárias, nem sempre são tratadas no aspecto material como integrante da Administração Pública Brasileira. O legislador então ora dá um tratamento equivalente às empresas públicas e sociedades de economia mista, ora trata de maneira diferente. Proíbe para acumular cargos, mas silencia-se em relação aos princípios.

São aspectos peculiares. A lei complementar não faz diferença, e considera que, para efeitos de orçamento, todas as empresas públicas e sociedades de economia mista, e todas as empresas controladas pelo Estado desde que recebam recursos do governo para custeio ou investimento, tirando a questão da participação acionária do governo sobre elas.

Na fase de criação, para sua Constituição, o governo pode participar da empresa. Ou, depois, ao longo do tempo o governo pode aumentar sua participação no capital da empresa, destinar recursos pra subvencioná-la, ou mesmo para investimentos, tirando a hipótese de participação no capital. São as três formas através das quais a lei de orçamento permite a intervenção do governo nas empresas.

Repetindo: em relação à empresa pública e à sociedade de economia mista não há dúvida: são entidades da Administração Indireta. Um pouco mais difícil é o tratamento das subsidiárias ou entidades controladas diretamente ou indiretamente pelo poder público. Existe, para elas, um tratamento diferenciado na Constituição. Como dito, não se fala nelas para a observância de princípios mas sim para a proibição de acumulação de cargos, para a autorização legislativa para sua criação e participação em empresas privadas, para o teto de remuneração, tudo isso se receberem recursos do governo para seu custeio.

A mídia geralmente fala em “salário”, o que é curioso. Aquilo não é salário, mas subsídio. É a remuneração que o governo dá para um agente político que desempenha um mandato ou uma função pública. Salário é derivado da relação de emprego regida pela CLT.

O conceito de empresa pública e sociedade de economia mista foi estabelecido pelo Decreto-lei 200/67, no art. 5º, inciso II e III, mas esse conceito deve ser adaptado à evolução, em primeiro lugar porque ele se aplica apenas ao governo federal. Na doutrina temos autores que conceituam de maneira diferente. Os estados, municípios e Distrito Federal podem ter seus próprios conceitos, mas em geral, se aproveita essa conceituação já existente. O que se deve fazer é adaptar esse conceito à Constituição de 1988, e também à Emenda Constitucional nº 19 que, substancialmente, mudou a caracterização do que seja a exploração de atividade econômica.

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

[...]

II - Emprêsa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969)

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969)

Quais os aspectos principais que se aplicam a uma e a outra? Temos que ambas são pessoas jurídicas de direito privado. Mas, na realidade, atuam sob um regime especial, que pode ser preponderantemente de direito privado, o que significa ser pessoa jurídica de direito privado, mas incidentalmente se tem a observância de regras de direito público, ou ao contrário: regime jurídico ser preponderantemente de direito público mas com uma utilização secundária de normas de direito privado. É que o Brasil é um país curioso: na época do Decreto-lei 200/67, as empresas precisavam de autonomia, então davam-se às empresas estatais ampla liberdade, daí pessoa jurídica de direito privado, mas, com o tempo, essa liberdade foi sendo tolhida, modificada, cada vez mais relativa e não absoluta, e agora temos até fundações de direito público. E aqui temos fundações instituídas pelo poder público com normas de direito privado.

A predominância de direito privado acontece nas empresas públicas e sociedades de economia mista que exerçam atividade econômica em sentido restrito, o que está no art. 173 da Constituição. E, no caso das empresas públicas ou sociedades de economia mista em que haja prestação de serviços públicos, a predominância é de que o regime jurídico seja de direito público, o que se estende até às empresas concessionarias e permissionárias de serviços públicos, o que é o conceito material de Administração Pública. Essa predominância depende do tipo de atividade econômica que governo exercerá por meio dessa empresa estatal.

Atividade econômica é conceito amplo. Consiste nas atividades do Estado, ou do setor privado; envolve a produção, a distribuição e a circulação de bens e serviços. Observem que a atividade econômica é coisa do Direito Econômico. Atividade financeira gera o Direito Financeiro, e a atividade administrativa gera o Direito Administrativo. Aprende-se, em Economia Política, o que é atividade econômica. Atividade voltada à produção, distribuição e circulação de bens e serviços. Temos, em nossa grade, o Direito Empresarial, o Direito do Consumidor, e o Direito da Circulação, que é o Direito Econômico em sentido estrito, que trata do papel do Estado para garantir a livre concorrência. É o papel do CADE. A parte de circulação de bens é regulada pelo Direito Empresarial, e a parte de consumo é regulada pelo Direito do Consumidor. Esse é o entendimento do professor. A atividade econômica pode ser de bens ou de prestação de serviços. E, aqui, temos a noção de serviços públicos, que pode ser vista em sentido amplo ou em sentido estrito, e também a prestação de serviços de natureza privada.

Quando o Estado atua como empresário e exerce a atividade econômica em sentido restrito, que é a atividade de comercialização e produção de bens, ou prestação de serviços de natureza privada, o regime jurídico será predominantemente de direito privado, com observância secundária às regras de direito público, que é um Direito criado a se preservar a atividade do Estado em relação à concorrência às atividades particulares.  

Quando se trata da prestação de serviços que não são de natureza privada, os chamados serviços públicos em sentido restrito, temos a predominância de um regime jurídico de direito público. Isso ocorre naquelas atividades em que a prestação de serviços é delegada, mediante descentralização por colaboração, às empresas privadas, que figurarão como permissionárias ou concessionarias de serviços públicos por via contratual. O ente político mantém a titularidade do serviço mas delega, por colaboração, a execução desse serviço. Nestes casos temos um regime jurídico de direito público, por isso que no Direito Administrativo se estuda a lei que regula a permissão e concessão de serviços públicos, a Lei 8987/95. 

Vamos continuar seguindo o esquema do início.

“Criadas por lei”: antigamente, o Decreto-lei 200/67 previa que as empresas públicas e sociedades de economia mista eram criadas por lei. Mas como é que poderiam criar por lei uma pessoa jurídica de direito privado? A criação da pessoa jurídica de direito privado precisa da autorização legislativa, e adquire personalidade jurídica somente com o registro de seus atos constitutivos. Diferente das autarquias, que são criadas por lei, sem autorização legislativa. As fundações precisam de autorização legislativa, bem como as empresas públicas e as sociedades de economia mista, além de suas subsidiárias. Coisa que não existia no passado. Então, o Decreto-lei 200 só falava que a empresa pública e a sociedade de economia mista seriam criadas por lei. Não fazia nenhuma menção à criação de subsidiárias, por isso que se criaram as subsidiárias e outras empresas controladas indiretamente pelo poder público. Até que chegaram a uma expansão tão grande que o legislador decidiu incluir a norma que condiciona a criação de subsidiárias à autorização legislativa. Lembrando que o Decreto-lei 200/67 é do tempo do regime militar. Na época, nem o orçamento era examinado como hoje. O próprio Poder Executivo era quem exercia o controle. Isso só veio a acontecer com a Emenda Constitucional nº 19 de 1998.

Precisa-se, agora, de autorização legislativa. Mas dentro desse contexto temos também a medida provisória, o que significa que o Poder Executivo pode autorizar a si mesmo a criação de uma empresa estatal. Temos um exemplo recente de medida provisória, a 520 de 31/12/2010, que venceu o prazo, mas, por ato da Mesa do Congresso Nacional, sua vigência foi prorrogada por mais 60 dias. Peguem-na ² e leiam como exemplo. Ela diz: “Autoriza o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. - EBSERH e dá outras providências.”

Art. 1º:

Art. 1o  Fica o Poder Executivo autorizado a criar empresa pública sob a forma de sociedade anônima, denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. - EBSERH, com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, vinculada ao Ministério da Educação, com prazo de duração indeterminado.

[...]

Cria sobre a forma de sociedade anônima, com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, vinculada ao Ministério da Educação.

§ 2o  Fica a EBSERH autorizada a criar subsidiárias de âmbito regional para o desenvolvimento de atividades inerentes ao seu objeto social.

Então vejam bem: a exigência de autorização legislativa para a criação de subsidiárias da empresa pública ou sociedade de economia mista faz-nos entender que a própria lei que autoriza a criar a empresa estatal autoriza também a criar a subsidiária, além da própria empresa estatal. Tudo num mesmo ato. Art. 2º:

Art. 2o  A EBSERH terá seu capital social representado por ações ordinárias nominativas, integralmente sob a propriedade da União.

A medida provisória também traz um caso de dispensa de licitação:

Art. 6o  É dispensada a licitação para a contratação da EBSERH pela administração pública, para realizar atividades relacionadas ao seu objeto social.

A empresa pode ter sua criação pelo Poder Executivo através de medida provisória. O Decreto-lei 200 fala em criação mediante autorização legislativa, mas a Constituição atual não veda a expedição de medida provisória; neste caso é curioso observar que, no chamado decreto autônomo, com a Emenda Constitucional nº 19, não se permite mais ao Poder Executivo dispor sobre organização e funcionamento da Administração Pública quando existe à criação de um órgão. Só que, curiosamente, a medida provisória aborda essa possibilidade! Isso porque há vários casos de relevância e urgência que o Supremo não se atreve a questionar; ele não entra no mérito da relevância ou urgência.

Temos dois casos: o Decreto-lei 200/67 56 fala que as empresas públicas têm por objetivo a exploração de atividade econômica. O objetivo não é a rentabilidade, o lucro, como as associações particulares e fundações privadas.

No Decreto-lei 200/67 fala-se em exploração da atividade econômica, que significa produção, distribuição, circulação e consumo de bens e serviços. Nossa Constituição só fala em produção e circulação de bens, além de prestação de serviços, sem dizer que são públicos.

No primeiro caso, em relação à atividade econômica, disposta no art. 173 da Constituição, temos neste artigo um conceito de atividade econômica em sentido restrito. Empresas que produzam e comercializem bens, e prestem serviços que não são caracterizados como públicos, ou seja, serviços de natureza privada. No art. 175, temos que competência do poder público para, diretamente, ou mediante concessão ou permissão, a prestação de serviços públicos. É um conceito de atividade econômica dentro de seu sentido amplo.

Art. 173:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[...]

Daí podemos colocar: predominância de um regime jurídico de direito privado. A intenção é fazer com que as empresas estatais possam ter a possibilidade de concorrer no mercado também, explorando a atividade econômica em sentido restrito. Se ficarem amarradas demais, elas não terão condições de entrar no mercado. Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal concorrem no mercado de serviços bancários. Se ficassem muito presas ao regime impeditivo que é o regime jurídico de direito público, a concorrência seria inviável. Assim, o regime adotado foi o de direito privado próprio das obrigações civis, comerciais e trabalhistas, além das tributárias.

Continuando no § 1º do art. 173 da Constituição:

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[...]

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Deveria haver um estatuto, mas que não existe até hoje, estabelecendo as regras peculiares de contratação e licitação. Aconteceu com a Petrobras. A lei que criou a ANP permitiu à Petrobras ter regras próprias de licitação. Isso foi aprovado por decreto do Poder Executivo na ocasião. O Tribunal de Contas da União entendeu que isso é inconstitucional porque a regra geral de licitações não foi observada, mas ela se aplica à Petrobras. O STF deu razão a ela, entendendo que, como era uma empresa que competia no mercado internacional, ela deveria ter um tratamento diferenciado com regras específicas de licitações.

Repetindo o § 2º:

§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

“Não poderão gozar de privilégios fiscais”: ou seja, imunidades tributárias, por exemplo, só foi garantida pela nossa Constituição aos entes políticos, e a Carta da República também estendeu essas imunidades de impostos para autarquias e fundações. Curiosamente o Supremo Tribunal Federal entendeu que a imunidade deveria se estender para a ECT, que é uma empresa. Por mais que analisemos, é uma prestadora de serviços. O STF entendeu que a ECT não presta serviços privados, mas públicos, com continuidade. Estendeu a imunidade também para a Infraero.

Essa diferenciação é importantíssima porque haverá um desdobramento. Primeiro, que o regime predominante é de direito privado, mas não se elimina a possibilidade da observância do direito público.

A segunda caracterização é a prestação de serviços públicos. Isso é matéria de Direito Administrativo II. Prestação de serviços públicos em sentido amplo, na verdade: são os proporcionados por todos os entes da Administração Pública, inclusive o Ministério Público. O legislador não caracterizou isso, mas colocou os serviços executados diretamente pelo poder público ou diretamente pelas empresas estatais. A exploração da atividade econômica direta é aquela feita pelo ente político em si ou de maneira descentralizada. O que acontece é que se transfere a titularidade da prestação do serviço para um ente de Administração Indireta. Quando o legislador fala em “indiretamente através de permissão ou concessão”, ele está falando em descentralização por delegação que se faz para empresas privadas. E aqui se entende por que que, no caso da prestação de serviços públicos, o regime predominante é o de direito público. As empresas particulares que recebem concessão ou permissão para exploração de serviços públicos submetem-se preponderantemente ao regime de direito público. Por isso têm que participar de licitações, que têm regras próprias para concessão e permissão.

Isso é o que o legislador estabeleceu no art. 175 da Constituição:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

A prestação direta de serviços públicos é feita pelo órgão da Administração Direta ou pelo órgão da Administração Indireta para o qual a atribuição foi transferida. Seria absurdo em falar em concessão e permissão para entidades da Administração Indireta, embora exista na prática: CAESB e CEB no Distrito Federal. São concessionárias de serviços públicos. O Estado transferiu para essas empresas a execução do serviço, quando, na verdade, precisariam participar de licitação. Isso é a descentralização do serviço por colaboração.

A Constituição, no art. 175, fala em serviços públicos. No art. 21, temos a competência da União para a prestação de variados serviços. Serviços somente. Só se fala em serviços públicos quando se fala nas atribuições dos municípios. Transportes, no caso.

Art. 30. Compete aos Municípios: [...]

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; [...]

Todas as empresas estatais têm patrimônio e receita própria. Patrimônio é o conjunto de bens. Esses bens, na realidade, não são públicos, mas privados. Autarquias e funções são tratadas como integrantes do patrimônio público, então seus bens são públicos, mas as empresas estatais têm seus bens da natureza privada. E a penhora dos bens? Alguns autores entendem que não podem ser penhorados os bens como se fossem empresas privadas, especialmente se forem empresas voltadas à segurança nacional. E na falência? Inicialmente o art. 242 da LSA não permitia a decretação da falência de empresas públicas; depois esse artigo foi revogado e passou a permitir; por último, veio a Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei 11101/05) e agora não se pode mais novamente.

Isso porque a empresa pública atua em nome da sociedade. Prestação de serviços públicos tem que ser feita de modo continuo, observando o princípio da continuidade dos serviços públicos.

A receita das empresas é própria.

Capital: quando o capital é exclusivo do poder público, estaremos diante de uma empresa pública. Se o capital for misto, mas com maioria para o ente político ou o ente de Administração Indireta, estamos falando em uma sociedade de economia mista. Nada impede, entretanto, que uma entidade de Administração Indireta participe do capital da empresa pública.  

No caso das sociedades de economia mista, o capital pode ser do ente político, com ou sem a participação de entes da Administração Indireta, e, se for o caso, deverá ter participação minoritária de investidores privados.

Forma das empresas públicas e sociedades de economia mista: a empresa pública pode ser regida pelo Direito Civil, ou, se sociedade anônima, deverá regida pelo Direito Comercial, seguindo as regras da sociedade por quotas de responsabilidade limitada. No caso da EBSERH, a forma foi a de sociedade anônima. Empresa pública unipessoal, com um único sócio quotista.

As sociedades de economia mista, por sua vez, não podem ser outra coisa senão sociedades anônimas. O poder público não pode determinar outra forma que não seja a da Lei das Sociedades Anônimas – Lei 6404/76. Vejam que, antes da Constituição de 1988, várias subsidiárias foram criadas sem a autorização legislativa, o que significa dizer que nem todas fazem parte da Administração Pública Indireta. Foi após a Constituição de 1988 com a Emenda Constitucio1nal nº 19 que passou a se ter a necessidade de autorização legislativa para a criação.

Julgamento e processamento de causas: exceto as sociedades de economia mista federais, se a União for opoente ou assistente nas causas, a competência será deslocada para a Justiça Federal.

A responsabilidade objetiva só recai sobre empresas prestadoras de serviços públicos. Não se pode tentar responsabilizar objetivam as empresas que exerçam atividade econômica. Somente nos casos das empresas prestadoras de serviços públicos. Essa é a regra do art. 37, § 6º:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Envolve permissionárias e concessionárias de serviços públicos. Não é somente a prestação direta de serviços públicos pela empresa estatal.

Licitações: há regras próprias? No caso da atividade econômica, há possibilidade de o estatuto jurídico definir regras próprias, como falamos acima em relação à Petrobras.

Concurso públicos: a regra constitucional foi explícita em relação às subsidiárias e controladas pelo poder público de forma indireta, mas é uma obrigação para as empresas estatais, empresas públicas e sociedades de economia mista, mesmo que tenham bens privados.

Controle: comum a todos os casos: interno ou externo. Essa última medida provisória, inclusive, em seu art. 15, diz que...

A EBSERH e suas subsidiárias sujeitar-se-ão á fiscalização dos órgãos de controle interno e externo da União.

A questão do controle também se aplica às empresas estatais de qualquer natureza.

Esses são os principais pontos que dizem respeito à Administração Indireta, autarquias, fundações, empresas estatais e sociedades de economia mista, esclarecendo ainda que a doutrina administrativista fala no terceiro setor, que são uma série de entidades que são consideradas privadas, mas que colaboram com o poder público principalmente no exercício de atividades constitucionais ou de interesse social. A Ordem dos Advogados do Brasil e os demais conselhos profissionais, além do SESC, SEBRAE, SENAI, as organizações sociais ou organizações de sociedade civil de interesse público. O terceiro setor é, na realidade, matéria de Direito Administrativo II, tratando especificamente de agências reguladoras, organizações sociais e organizações de sociedade civil de interesse público.

Amanhã: atos administrativos, a terceira unidade de nossa disciplina.

  1. Não compreendi o último nome dessa autora. Talvez até o “Batista” esteja errado.
  2. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/mpv/520.htm