Direito Administrativo

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Licitações


  1. Igualdade
  2. Legalidade
  3. Impessoalidade
  4. Moralidade
  5. Publicidade
  6. Vinculação ao instrumento convocatório
  7. Julgamento objetivo das propostas
  8. Probidade administrativa

 Vamos entrar na penúltima unidade de nosso conteúdo programático. Sempre polêmico o tema das licitações. Agora mesmo com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas.

Como usualmente, buscamos uma origem histórica, seu significado etimológico até chegar ao conceito contemporâneo de licitação.

A palavra licitação no Brasil, como está colocada, apareceu no famoso Decreto-lei 200/67, que introduziu uma reforma administrativa na Administração Pública Federal brasileira.1 Foi o decreto-lei que estabeleceu princípios fundamentais da Administração Pública federal: planejamento, coordenação, descentralização administrativa, delegação de competência, controle, que são aqueles cinco princípios que vimos desde o começo deste semestre.

E também, pela primeira vez, o Decreto tratou de normas gerais para compras e serviços, usando a expressão licitação. Até então usava-se a palavra concorrência, inspirada nos regimes econômicos. Estabelecia, na época, Decreto 4536/1922, que as obras obedeceriam a um regime de concorrência e coleta de preços. Com o Decreto-lei 200/67 passou-se a usar a palavra licitação como gênero, e os demais termos como espécie, tais como tomada de preços, concorrência, concurso, convite, etc.

Mas o que significa licitação? O latim está sempre presente no Direito; a expressão “licitação” deriva da palavra licitatio e dos verbos licieri e licitari, que significam “oferecer preço em leilão”. Corresponde a uma das modalidades administrativas, que é o leilão. Há também o leilão judicial, com a venda de bens em execução, hasta pública, etc.

A palavra licitação significa lançar em leilão ou oferecer preço em leilão, no momento em que se pretende a arrematação daquele bem.

A legislação brasileira fala em “licitação” ou “licitação pública”, tanto quanto na doutrina. Acontece no art. 37, inciso XXI do Texto Magno, mas, às vezes, na própria Constituição brasileira, usa-se o termo licitação. O que a Constituição regula são as licitações públicas. Ressaltando que, em nível infraconstitucional, a principal lei de licitações do Brasil, a Lei 8666/93, que já sofreu uma série de alterações e acréscimos, usa simplesmente a expressão licitação. São expressões sinônimas.

Posteriormente passou a ter um significado literal, como sendo o ato de oferecer preço em leilão. A concepção de licitação é ato pelo qual, durante a realização de algum leilão, as pessoas oferecessem preço para arrematar aquele determinado bem. O ato no qual os lançadores ou licitantes fazem a licitação: oferecem ou dão preço durante a realização do leilão. À época, só se falava em leilão no sentido judicial.

O Brasil tem a mania de imitar expressões de outros países, e, nesse sentido particular, de vez em quando usa-se o termo “garage sale”. Significa nada mais que um leilão em sentido particular.

A partir dessa origem etimológica, em seu sentido literal, passaram a existir vários conceitos de licitação..

Conceito de licitação: é um ato da Administração Pública que pode adquirir diferentes formas, ou diferentes modalidades, conforme o valor daquilo que se pretende obter para a Administração Pública, ou, também, em relação àquilo que a Administração Pública deseja, seja o fornecimento de um bem, um serviço, a realização de uma obra pública, ou a alienação de bens móveis e imóveis. Só gera despesa pública, com compra de bens, realização de serviços e obras. A alienação de bens é a única forma de licitação que gera receita para o Estado. Existem, portanto, tanto a licitação que gera despesas para o Estado quanto a que gera receitas. A alienação de bens, sob a modalidade de leilão, significa a obtenção de dinheiro.

Na concepção etimológica e literal da expressão, passou a fazer parte do Direito Administrativo a noção de que a licitação é um ato administrativo. Entretanto, na legislação brasileira e na doutrina, a concepção de licitação passou a ser tida como princípio. Há autores famosos, como a Maria Sylvia di Pietro, que entendem a licitação como princípio.

O art. 70 da Lei 4320, diploma legal que estabeleceu pela primeira vez normas gerais de Direito Financeiro, prevê que a realização de despesa pública, para a aquisição de material e fornecimento de serviços e obras seria feita observando o “princípio da concorrência”. Não falava em licitação. Mas já havia a noção que despesa pública seria criada e, para isso, deveria observar princípios.

Art. 70. A aquisição de material, o fornecimento e a adjudicação de obras e serviços serão regulados em lei, respeitado o princípio da concorrência.

No Decreto-lei 200/67, também menciona-se a licitação como princípio. As disposições sobre licitações no Decreto-lei 200 foram revogadas pelo Decreto-lei 2300 de 1986, que também não tem mais nenhuma serventia desde a Lei 8666/93, que revogou este. Mas persiste na doutrina que são princípios que ainda valem, como a proposta mais vantajosa para a realização de obras públicas e a aquisição de bens e serviços.

A própria Lei 8666 estabelece que a licitação é um procedimento. Procedimento, em Direito Administrativo, é um conjunto de atos e fatos administrativos realizados pela própria Administração Pública ou por terceiros objetivando selecionar aquela proposta que lhe seja mais vantajosa com essa finalidade.

É importante observar, entretanto, e não está no esquema, que recentemente a Lei 8666/93 sofreu um acréscimo com a Lei 12340/2010, que passou a introduzir outro objetivo fundamental da Administração: selecionar não só a proposta mais vantajosa, mas também promover o desenvolvimento nacional sustentável. Foi uma alteração recente feita no art. 3º da Lei 8666/93.

Então, como procedimento, a licitação é um conjunto de atos e fatos. Esses atos e fatos seriam internos, começando com uma fase inicial com a própria iniciativa da Administração, expondo justificadamente aquilo que deseja contratar. Mas também envolve atos e fatos de terceiros, que, ao tomarem conhecimento do ato convocatório, apresentarão suas propostas durante o procedimento e também observarão uma série de comportamentos que exigem regras de probidade administrativa e regras de Direito Penal. Há um conjunto de dispositivos penais extravagantes na Lei 8666/93. É matéria de Direito Penal, que infelizmente não veremos aqui em Direito Administrativo.

Temos também no Código Penal os crimes praticados contra a Administração Pública, por funcionários públicos ou terceiros.

Os atos de terceiros também fazem parte do ato de licitar. São atos e fatos que envolvem consequências jurídicas. A licitação é um procedimento que envolve uma série de atos e fatos administrativos, praticados pela Administração Pública e por terceiros, visando entregar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

Há também o conceito de licitação como processo. Todo procedimento de licitação começa com a formação de um processo, que tem que ser por escrito, inclusive para a observância de um princípio de controle. Há raríssimas exceções que dispensam a formação de contrato por escrito. Mas deve haver um processo, até para justificar a não realização da licitação. Pode também ser entendido como um processo em que se instaura esse procedimento, ou processo no sentido de ser a licitação desdobrada em fases. A licitação tem uma série de fases que começa com procedimentos internos, editando o instrumento convocatório, até a entrega do bem, do serviço, da obra, qualquer que seja o objeto. Até a homologação ou revogação do ato licitatório por razões de conveniência e oportunidade é uma das fases.

No Direito Processual temos a diferença entre processo e procedimento. A legislação brasileira usa, quando se refere a licitações, a expressão processo, especialmente no art. 37, inciso XXI da Constituição, que diz:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Curiosamente, no art. 4º da Lei 8666/93, temos um dispositivo que poderia ser entendido como procedimento e ato administrativo formal. A regra do art. 4º estabelece, então, o seguinte:

Art. 4º Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.

Parágrafo único. O procedimento licitatório previsto nesta lei caracteriza ato administrativo formal, seja ele praticado em qualquer esfera da Administração Pública.

Ato administrativo formal. A impressão que se dá é que esses atos administrativos são vinculados à lei, ao instrumento convocatório até o ato final, que seria a adjudicação, no entender de alguns, ou a homologação, por parte da autoridade competente, no procedimento licitatório que foi realizado.

São, portanto, procedimentos que envolvem atos, cujo ato final deve ser formal. Não confundir “ato formal” com “formalização”, no sentido de se estabelecerem exigências exageradas que não favoreçam o procedimento da licitação. Muitas vezes temos formalismo, que é o excesso de formalidades, mas não o ato formal. Ato administrativo formal significa dizer que, em todos seus estágios, até a conclusão final do procedimento licitatório, são atos vinculados à legislação e ao instrumento convocatório, até o atendimento das regras finais que concluem o procedimento.

Poderíamos dizer então que, dentro da concepção moderna, a licitação é um procedimento: “conjunto de atos e fatos administrativos realizados pela própria Administração Pública ou por terceiros objetivando selecionar aquela proposta que lhe seja mais vantajosa com essa finalidade.” Na nova linguagem moderna do art. 3º da Lei 8666/93, temos a promoção do desenvolvimento sustentável. Algumas licitações ficam, hoje em dia, prejudicadas por problemas com o meio ambiente.

Desenvolvimento envolve sempre investidas de médio e longo prazo. Ao contrário do crescimento, que envolve também medidas de curto prazo. A licitação sofre um freio várias vezes por uma série de necessidades que surgem durante o procedimento. Então não se adota mais o conceito de licitação como princípio, pelo menos na legislação brasileira, porque o próprio conceito de licitação se baseia em princípios, enquanto ela própria pode ser vista como um processo ou um procedimento.

Na doutrina, esses princípios são mais de nove, de acordo com alguns autores. Na Lei 8666/93 são sete os mencionados, mas o próprio legislador, no art. 3º, estabelece:

Art. 3º;  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010) [...]

“Além dos outros que lhe sejam correlatos.” Arrola somente oito, quatro dos quais fazem parte dos princípios básicos da Administração Pública. O dispositivo não menciona a eficiência, que só surge com a Emenda Constitucional nº 19 de 98, posterior à Lei 8666, que é de 93. Além de outros que são correlatos, como o princípio da padronização, do controle, e mais um que o professor refuta, talvez do ponto de vista operacional, que é o do planejamento. Isso porque às vezes ele falta, no procedimento de licitação, logo no início.

Quando falta material nos hospitais, isso é consequência de falta de planejamento. Planejamento, desde o Decreto-lei 200/67, é um princípio fundamental da Administração Pública, mas a Lei 8666/93 não dá esse destaque. Releia o art. 3º acima!

Vários dos princípios acima nós já vimos em aulas anteriores. Vamos dar destaque aqui para os mais desconhecidos. Vamos, claro, chamar atenção para a importância de todos. O princípio da igualdade ou isonomia tem suas limitações também. Não é um princípio absoluto. Outros princípios envolvem a probidade da Administração. A Lei 8429/92 estabelece a necessidade de observância dos princípios, e inclusive é crime não observá-los. Lealdade e boa-fé estão entre eles. Há o aspecto penal, inclusive no que se refere ao sigilo das propostas, quando são devassadas antes do momento, isso constitui crime contra a Administração Pública. Código Penal:

Violação do sigilo de proposta de concorrência

Art. 326 - Devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo:

Pena - Detenção, de três meses a um ano, e multa.

Os princípios aludem a direitos e garantias fundamentais, mas também deveres da Administração Pública e dos agentes públicos, que, em caso de inobservância, deverão ser aplicadas sanções.

Vamos agora fazer alguns destaques, não necessariamente na ordem vista na legislação. Comecemos pelo planejamento.

Do ponto de vista operacional e prático, o planejamento é o início de todo o procedimento da licitação, e aqui não falamos em planejamento de curto prazo, mas de médio e longo prazo, já que o objetivo da licitação passou a ser, entre outros, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Só se consegue com planejamento de médio ou longo prazo. Planejamento não é fazer planos. As duas ideias não se confundem. Planejamento é um processo que se desenvolve por várias etapas que, a rigor, o professor dividiria em duas grandes etapas: o diagnóstico e o prognóstico. Quando se vai ao médico reclamar de uma doença, ele tem que fazer o diagnóstico, e, diante do diagnóstico feito, ele faz o prognóstico, e resolve aquele problema ou não, conforme a gravidade da situação que se apresente. Na Administração Pública acontece a mesma coisa: o planejamento é um processo; faz-se o diagnóstico de uma situação existente, em seguida o prognóstico disso. Evidentemente que o prognóstico, para a correção daquelas dificuldades encontradas, começa com a elaboração de planos. Na Constituição Brasileira, esse assunto é tratado no Título VI, da Tributação e do Orçamento, mais especificamente no Capítulo II (das Finanças Públicas).

Na Constituição isso se chama plano plurianual, o PPA. Não tem muito efeito prático porque sempre tivemos algo do mesmo tipo no Brasil ao longo da história, e nossa Constituição de 1988 não foi muito inovadora nesse aspecto.

Esses PPAs vieram para substituir o que se tinha na Constituição de 1967/69: os Planos Nacionais de Desenvolvimento Econômico e Social. O que é hoje tratado em PPA era objetivo permanente dos governos militares! Hoje, na Constituição de 1988, que veio num momento em que o Brasil vivia sucessivas crises econômicas, mudou-se a filosofia de planejar na Administração Pública. Adotou-se o planejamento estratégico, elaborando-se os PPAs, com duração de quatro anos, que têm como objetivo definir prioridades, metas da Administração Pública, envolvendo os programas de duração continuada, e as despesas de capital, além das despesas decorrentes. Foi uma conquista importante porque o raciocínio econômico de que o país precisa de investimento econômico para crescer é inegável. Mas do ponto de vista operacional isso implica despesas decorrentes. Não se pode pensar em fazer obras sem investimentos. O próprio PAC consiste em uma série de obras públicas visando ao crescimento do PIB, pois criam novos bens que são agregados ao processo produtivo nacional.

Então uma coisa significa pensar apenas em investimento como um reflexo do que o que o país deseja. Mas todas as despesas de investimento geram despesas decorrentes. Ninguém pode pensar que a construção dos estádios de futebol não trará despesas futuras.

Veremos em Direito Financeiro que a única lei que não pode conter matéria estranha é a lei orçamentária. Rui Barbosa já havia visualizado que esse expediente poderia ser usado, e chamou isso de “caudas orçamentárias”. Hoje isso acontece até mesmo por iniciativa do Poder Executivo. É o que se chama hoje, popular e corretamente, de “contrabando”.

Voltando aos planos plurianuais: temos a necessidade de pensar em despesas de investimento. Os estádios terão que ser mantidos no futuro! Não poderão se transformar em elefantes brancos. Quando se fala em programas de obras públicas ou de investimentos, devemos lembrar da Constituição, que tem um dispositivo que manda que se respeitem os planos plurianuais, sob pena de crime de responsabilidade. Ao planejar investimentos no médio prazo no Brasil, a Administração Pública tem que coloca-los dentro do PPA. A lei que estabelece esses planos não são leis que autorizam a realização de qualquer despesa. É necessário que as leis de orçamento de cada exercício o façam. Veremos que, dentro dos procedimentos de licitação, antes do ato convocatório ser devidamente publicado, dentro da extensão do princípio da publicidade, é necessária a indicação de recursos orçamentários para atender a despesa. Já que há a necessidade e a obrigação de que qualquer procedimento de licitação tenha de observar a existência de recursos, se se chegar ao momento da assinatura e não houver recursos, não haverá contrato.

A feitura dos orçamentos no Brasil é feita de maneira agregada. Faz-se com base no exercício anterior apenas acrescentando a correção inflacionária. Isso não é fazer orçamento.

O trabalho de compras e realização de obras tem que começar com a feitura de um orçamento. Não se pode fazer malfeito, como aprovar a lei e fazer cortes depois. Neste ano, por exemplo, foram 50 bilhões em cortes! O orçamento foi posto, emendas foram feitas durante meses e, posteriormente, por um decreto, o Poder Executivo cortou tudo. Nessas condições não há processo de planejamento que resista.

A licitação se desenvolve através de um princípio de planejamento. Por isso o Decreto-lei 200/67 colocou como o primeiro deles!

TÍTULO II

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 6º As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais:

I - Planejamento.

II - Coordenação.

III - Descentralização.

IV - Delegação de Competência.

V - Contrôle.

Damos destaque aqui porque, quando há problemas no procedimento licitatório, é por falta de planejamento. Administrativamente isso traz consequências, especialmente insegurança. Quando há cortes, que às vezes são temporários, o recurso é liberado depois. Observação: não chamem de “cortes”, mas de “medidas de contenção de despesas.” Isso porque o Executivo pode liberar a realização depois.

Seguindo a ordem, temos o segundo princípio: a igualdade ou isonomia. Está dentre os primeiros em meio aos direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Constituição. Também não é um princípio absoluto; como princípio, é lógico que comporta algumas exceções que a própria Lei 8666/93 estabelece, em determinadas situações. Deve-se procurar observar a máxima igualdade entre os participantes, mas situações há que excluem essa igualdade. Por exemplo: conferir preferência, em caso de empate do julgamento das propostas; neste caso pode perfeitamente a Administração, pelo que estabelecer o edital, conferir preferências. É o que acontece com bens produzidos por empresas nacionais e bens produzidos por empresas estrangeiras: em caso de empate, a empresa que fornecer produtos nacionais pode ter preferência em relação à empresa que forneça produtos estrangeiros.

O princípio da igualdade, no art. 3º da Lei 8666/93, podemos entender que desde o momento do ato convocatório podem ser  estabelecidas condições diferenciadas para os participantes. O procedimento pode chegar até a condições mais extremadas, como a exigência de capitais mínimos, medida que era usada de maneira exagerada.

Já ocorreu de determinadas empresas colocarem, na propostas, preços artificialmente menores unicamente com o fito de vencerem o certame. Ganharam, mas depois tiverem problemas com o passivo trabalhista. A reclamação chegou ao Tribunal Superior do Trabalho, que determinou que a Administração tinha responsabilidade subsidiária em relação à empresa, a quem competia, imediatamente, pagar os empregados. O Supremo reformou a decisão do TST e fixou o entendimento de que a responsabilidade era solidária, e não subsidiária.

Inciso I do § 1º do art. 3º da Lei 8666/93:

§ 1o  É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

E no § 2º do mesmo art. 3º temos uma situação em que não se aplica o princípio da igualdade:

§ 2o  Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:

I - (Revogado pela Lei nº 12.349, de 2010)

II - produzidos no País;

[...]

Mas isso em caso de empate.

Também é possível, como está mencionado, a possibilidade de não se admitir todos os licitantes, mas alguns que já tenham sido declarados inidôneos pela Administração Pública, ou por descumprir o contrato, ou por fraudar algo, o que culminará na impossibilidade daquela empresa ou pessoa física de participar do procedimento licitatório. Vejam, portanto, que a igualdade não é absoluta, e comporta exceções que a própria lei prevê como capazes de não permitir que todos tenham acesso de forma equitativa.

O princípio da igualdade se correlaciona com o princípio da competitividade. Nenhum esses princípios deve ser interpretado dentro de uma visão unilateral apenas; eles devem ter uma interpretação sistêmica.

Fugindo um pouco da regra temos o princípio da publicidade, que veda a realização de procedimento licitatório de caráter sigiloso, em função da necessidade de se ter, então, a combinação com o princípio da competitividade, para que se escolha, dentro da grande quantidade de competidores, a melhor proposta.

§ 3o  A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.

Salvo quanto ao conteúdo das propostas até a respectiva abertura. O Código Penal inclusive tipifica a perturbação do procedimento licitatório:

Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência

Art. 335 - Impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem se abstém de concorrer ou licitar, em razão da vantagem oferecida.

O crime da devassa das propostas, transcrito mais acima, implica na quebra da igualdade.

Então até a proposta do licitante deve ser feita em envelope lacrado, e só então será aberta em ato público. O princípio da publicidade também tem suas exceções. A publicidade pode ser maior ou menor, conforme o caso. Depende da modalidade licitatória. O legislador estabelece uma hierarquia entre elas. Nem o convite nem a tomada de preços substitui a concorrência. Esta requer uma publicidade muito maior. No convite, deve haver pelo menos três licitantes. Convite sequer tem edital ou publicação em jornais ou Diário Oficial. A publicidade é restrita.

Pois bem.

Associado ao princípio da publicidade, temos outro que vamos focalizar com mais ênfase: o princípio da vinculação ao instrumento convocatório.

Pode haver convocação por carta ou convite. O convite é feito somente por uma carta enviada pela Administração. Não é qualquer carta; esta tem aviso de recebimento! O procedimento se trata de ato vinculado, a ser observado pela Administração.

Isso também tem desdobramento no julgamento objetivo das propostas. O julgamento deve ser feito de acordo com uma livre manifestação de vontade da Administração, e deve-se evitar a subjetividade. Da igualdade temos a publicidade, para que todos, na medida do possível concorram em igualdade de condições, daí a vinculação ao instrumento convocatório, com ampla divulgação, e, dentro do ato convocatório temos que definir os critérios de julgamento objetivo. Viram a sistematicidade na relação entre os princípios? Daí concluímos que existe uma diferença entre modalidade de licitação e tipos de licitação. Modalidades são as maneiras de realização do procedimento. Os tipos são os critérios de julgamento. Menor preço, melhor técnica, menor preço e melhor técnica.

Tudo isso leva ao critério da eficiência. Assim completamos a demonstração de que os princípios que regem as licitações são interligados sistematicamente.

Há outro princípio, que às vezes fica escondido dentro da Lei 8666/93, que é o da padronização. É colocado de forma mais incisiva no art. 15, inciso I, para compra de bens:

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas;

[...]

Bens de consumo ou bens de capital, para aquisição de materiais permanentes.

Deverão sempre que possível. “Deverão” não significa dizer que a Administração tenha ampla discricionariedade. Padronizar significa estabelecer um “standard”, um padrão de aquisição de bens e serviços de acordo com as suas especificações que interessem à Administração Pública.

Pode-se estabelecer também padrões de segurança e garantia, mesmo que o preço saia maior. Ultimamente vemos muitos carros chineses no mercado, e por preço médio menor que os demais. Mas estes não têm, ainda, boa reputação. Então, mesmo que o preço seja menor, a Administração poderá (e, às vezes, deverá!) adquirir carros de outras marcas, pois o administrador já confia e podem ter melhor garantia.

O padrão também pode ser estabelecido em função das marcas existentes no mercado, e aqui mora um problema. Alguns dizem que esse procedimento deveria ser banido. Mas o que se veda é a preferência por marca arbitrária, subjetivamente escolhida. O que não se pode é estabelecer “aquela marca”. Deve-se ter critérios objetivos, oportunos e convenientes. O princípio da padronização deve ser seguido dentro da Administração Pública com as circunstâncias oportunas. Não é verdade que se proíba de maneira taxativa a escolha de determinada marca. Observância de garantias, por exemplo, pode ser um critério justificador. Isso porque não se pode abrir outra licitação somente para trocar uma bateria do carro adquirido anteriormente!

Amanhã veremos a dispensa de licitação.

  1. O professor incluiu várias outras observações nos apontamentos de aula dele sobre esta parte.