Direito Administrativo

terça-feira, 17 de maio de 2011

Licitação inexigível



 
Vamos prosseguir o assunto das licitações. Vamos agora para a licitação dispensada e para licitação inexigível.

Pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, nossa Constituição determina que a aquisição e realização de obras, bem como a alienação de bens devem obedecer a um procedimento administrativo. Alguns falam em procedimento, outros falam em processo, escolhendo a melhor proposta que atenda ao interesse público, com vistas, quando for necessário, à assinatura do respectivo contrato administrativo.

No art. 37, inciso XXI da Constituição está estabelecido como regra geral que sempre deverá ocorrer a licitação, ressalvados aqueles casos expressamente determinados na legislação.

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

A Lei 8666/93, em seu art. 2º, estabelece a mesma regra, determinando que a realização de obras, compras de bens, prestação de serviços, locações de bens e alienações devem observar o procedimento da licitação, ressalvados os casos expressos. O que é disciplinado pela Lei 8666/93 é a realização de obras, fornecimento de bens, prestação de serviços e alienação de bens.

É importante observar que para que as sociedades de economia mista e empresas públicas que exerçam atividade econômica em sentido estrito, ou prestação de serviços não públicos, de natureza privada deveria existir um estatuto jurídico da empresa pública aprovado por lei determinado o uso de regras de licitação diferenciadas para tais casos. Já vimos que esse estatuto jurídico não existe. Houve um caso específico da Petrobras, que acabou parando no Supremo Tribunal Federal, em que o Tribunal de Contas da União entendeu que, na forma da Constituição, a Petrobras deveria seguir as regras gerais de licitação que são estabelecidas na Lei 8666/93, enquanto não editado esse estatuto jurídico das empresas estatais.

Mas, na área federal, por ocasião da criação da ANP, instituiu-se um dispositivo dentro da lei que, por decreto do Presidente da República, poder-se-ia aprovar um regulamento simplificado da Petrobras. Por força dessa regra, que criou a ANP, o Presidente da República estabeleceu esse regulamento simplificado sobre licitações e contratos especificamente em relação à Petrobras. O Supremo entendeu favoravelmente à estatal.

A concessão de serviços públicos estava prevista na Lei 8666/93, mas essas regras passaram por lei própria a ter tratamento diferenciado, e agora a Lei 8666/93 só pode ser usada em caráter subsidiário.

Observação: concessão de empresas aéreas não é disciplinada pela Lei 8666. São feitas até hoje pelo Código Brasileiro de Aeronáutica. Quaisquer concessões de transportes aéreos.

Outra questão é a da contratação de operações de crédito que tenham como garantia o aval do próprio governo federal. Contratação de empréstimos não se subordina à Lei de Licitações e Contratos. Por extensão, pode-se admitir que empresas estatais que atuem no sistema financeiro como o Banco do Brasil e a Caixa, que tenham como atividade finalística a concessão de empréstimos a terceiros, certamente não haverá licitação. Até porque o BB atua na área de serviços privados.

Por equiparação, veremos nos casos de dispensa de licitação para empresas estatais que comercializam bens, o que faz parte da própria atividade fim da empresa. Naturalmente não haverá licitação para comercialização de petróleo e derivados pela Petrobras.

São situações dentro desse contexto, já que a regra básica é a Lei 8666/93.

Existem, entretanto, exceções, que são os casos tratados especificamente na legislação, tanto na Lei 8666/93 quanto em outros diplomas legais, referentes à aquisição de outras instituições financeiras pela Caixa e pelo Banco do Brasil. Pela falta de tempo, infelizmente não vamos examinar isso.

Um dos grandes problemas que temos vivido com a lei de licitações é que normas gerais de qualquer ramo do direito são taxadas por lei complementar, que precisam de maioria absoluta para aprovar. No caso da Lei 8666/93, esta é lei ordinária, e é mais fácil o governo ter maioria no Poder Legislativo e fazer alterações.

No caso da concessão e permissão de serviços públicos, não existe exceção nenhuma. A Constituição diz que sempre haverá licitação. É a regra do art. 175.

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

[...]

Mas, no art. 37, inciso XXI,

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Significa que poderá ou não haver licitação, dependendo dos casos especificados.

Esses casos são tratados pela doutrina como de inexigibilidade ou de dispensa de licitação, sendo que esta última comporta duas modalidades: licitação dispensada e licitação dispensável. À primeira vista não parece haver diferença no sentido da expressão. Mas as hipóteses que acarretam a possibilidade de uma ou de outra é que farão a diferença para o Direito.

Quando é caso de licitação inexigível, não há possibilidade de ela ocorrer. Essa é uma hipótese decorrente das entrelinhas do art. 25 da Lei 8666. Bens e serviços de natureza singular que excluirão a possibilidade de haver competição entre os possíveis candidatos a licitantes.

A licitação não ocorrerá nunca se houver impossibilidade de competição.

Na licitação dispensável temos duas situações: licitação dispensável em sentido amplo e em sentido estrito. No sentido amplo não pode ocorrer a licitação porque a própria lei determina que ela seja dispensada, que é o caso em que não há discricionariedade; na situação de licitação dispensável em sentido estrito poderá ou não ocorrer a licitação, e existe a discricionariedade administrativa para decidir se realiza ou não a licitação dentro das hipóteses comportadas pela lei.

A diferença básica entre as duas modalidades de dispensa de licitação é que no caso de licitação dispensada se refere exclusivamente à alienação de bens móveis e imóveis.

É importante observar que o conceito de alienação para o Direito Administrativo consiste na transferência do domínio útil dos bens. Diferente do que ocorre no Direito Civil, que pode ser doação, dação em pagamento, permuta de bens, e também investidura, que é uma situação peculiar. Então, em Direito Administrativo, a alienação de bens significa uma forma mais ampla da transferência de domínio de determinados bens da administração. No Direito Financeiro, por exemplo, ao falar em alienação, só interessa a venda deles, pois gera-se dinheiro para o Estado.

Portanto a licitação dispensada ocorre somente em relação à alienação de bens imóveis ou bens móveis. É o princípio da indisponibilidade do interesse público, e são bens da Administração Pública. Deverá haver avaliação, justificativa fundamentada, autorização legislativa, que são pressupostos.

Há licitação dispensada em quatro hipóteses: valor do objeto, em função de situações excepcionais, em situações relativas a determinadas pessoas, ou a determinados objetos. Maria Sylvia Di Pietro fala em 34 casos de licitação dispensada. Claro que não teremos que saber tudo, ou ficaríamos loucos. Mas, para facilitar o entendimento, temos a licitação dispensada em razão do valor do objeto, se este for de até 10% do valor do convite para compras e serviços, 15 mil reais para obras e serviços de engenharia e 8 mil reais para e outros; e 20% para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas (parágrafo único do art. 24). Além das situações excepcionais como guerra, calamidade pública, comprometimento da segurança nacional, estado de sítio, estado de defesa, gêneros alimentícios que se destroem, sem contar com determinados sujeitos, em que o legislador entende que deve ser dispensada da licitação: cooperativas de catadores de resíduos sólidos.

Governo Lula fez mais modificações na LLC no tema da licitação dispensada. Governo Fernando Henrique atuou mais na licitação dispensável.

É importante também fazer uma ressalva: embora a licitação seja dispensada por força da lei, de acordo com a discricionariedade administrativa, ou pela impossibilidade de competição, isso não significa dizer que não há necessidade de motivação dos atos administrativos. O procedimento de licitação é um conjunto de atos e fatos, da Administração e de terceiros. Os atos administrativos têm aqueles pressupostos: motivo, competência, objeto, forma e finalidade. Então, como há um princípio de indisponibilidade do interesse público, deve-se justificar e motivar os atos.

O art. 50, inciso IV da Lei 9784 trata dos atos administrativos na área federal, mas a doutrina encontrou aplicações em outros níveis de governo:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

[...]

IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

[...]

Outros artigos da Lei 8666/93 também reforçam essa tese:

Art. 38.  O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:

[...]

VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade;

[...]

Toda dispensa de licitação tem que ser enviada à área jurídica, obrigatoriamente. Quais pressupostos de fato e de direito que justificam? Essa justificativa tem que estar presente por escrito. A forma do ato, a motivação do ato correspondente.

No parágrafo único do art. 26 da Lei 8666 temos a necessidade de justificativa em todos os casos de licitação dispensada, tirando o caso da licitação dispensável em razão do valor. É o único caso em que o art. 26 não exige, obrigatoriamente, a justificativa.

Parágrafo único.  O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.

Retardamento é outra situação que a lei fala quando existe a inexecução ou paralisação de obras e serviços. Não interessa aqui no caso.

Inciso I: São esses os casos de situações excepcionais em que a licitação é dispensável. Tem que haver dentro do processo a caracterização dessa situação emergencial ou calamitosa.

O caso do inciso II é específico para as situações de inexigibilidade. Inciso III fala da justificativa do preço, que também se aplica aos casos de inexigibilidade, embora possa não haver a convicção, deve-se avaliar a situação presente. Pode haver um artista que está cobrando um preço que não é o de mercado. Por isso deve-se justificar a inexigibilidade da contratação do profissional. No inciso IV temos “documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados”. É a hipótese do art. 24, com a licitação dispensável, em que se exige a licitação para financiamento de pesquisas na área de ciência e tecnologia.

Essa aparente liberdade da dispensa de licitação deverá ser motivada nos autos do processo administrativo. A motivação é a essência dos atos administrativos.

Temos três situações de inexigibilidade de licitação no art. 25:

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

[...]

As mais simples são as três hipóteses de inexigibilidade de licitação, que se refere ao fornecimento de bens chamados singulares, que só podem ser oferecidos por produtor ou representante comercial exclusivo. São situações de excepcionalidade em que os bens têm características próprias.

Uma peculiaridade: o que seria essa exclusividade? É o fato de se ter no país apenas um produtor ou representante, ou haver no país uma diversidade de fornecedores, mas somente um deter a exclusividade do fornecimento no local da licitação. Isso é o que a doutrina chama respectivamente de exclusividade absoluta e exclusividade relativa.

Como resolver essa questão? A prática que tem sido usada atualmente é a seguinte: combinar a exclusividade com o valor estimado no contrato. Se o valor estimado no contrato ou no procedimento licitatório corresponder ao valor máximo do convite, para efeito de compra de bens e prestação de serviços de até 80 mil reais, deve-se considerar como exclusivo aquele que existe na praça no local da realização da licitação. Se for, entretanto, o valor referente à tomada de preços, será exclusivo aquele fornecedor que detectarmos no registro cadastral. É um procedimento usado pela Administração para que os interessados se cadastrem na licitação para participem do procedimento licitatório. Então procura-se no registro cadastral aquele fornecedor exclusivo. Mas, se for o caso de concorrência, será o fornecedor que opere com exclusividade dentro do país. Esse é o critério que a doutrina recomenda, que está sendo utilizado na prática. A exclusividade tem que ser detectada pelo valor do contrato. Se for um valor contratual estimado até o valor em que se permita realizar a licitação na modalidade de convite, o fornecedor exclusivo será aquele existente na praça ou local da licitação; se o valor do contrato for até o permitido na modalidade da tomada de preços, será aquele existente no registro cadastral da própria organização ou unidade (órgão). Se for um valor de concorrência, deve-se buscar o fornecedor exclusivo no país. Essa tem sido a solução usada pela doutrina e pela prática para solucionar o problema.

Outro detalhe em relação ao fornecedor diz respeito à vedação que a lei estabelece no que se refere à preferência de marca. O art. 25, inciso I traz a possibilidade:

Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

[...]

Vedada a preferência de marca. Ontem vimos o princípio da padronização, que tem suas vantagens e desvantagens. É referenciado na Lei 8666/93 no art. 15, inciso I, exatamente para a compra de bens, quando se determina que a compra de bens deverá, sempre que possível, obedecer ao princípio da padronização. É um standard que a Administração tem que utilizar e que tem suas vantagens. Padronizar a aquisição da frota de veículos, que é um objetivo comum. Se virmos Brasília do ponto de vista das obras, os prédios além dos ministérios nada têm a ver com aqueles.

No Brasil a lei não contempla o princípio de padronização. Vantagens são trazer qualidade, quantidade, economia de escala, facilidade de assistência técnica, uma série de vantagens. Na realidade, tem sido entendido que a questão da vedação da preferência de marcas é subjetiva e forçada. Um fornecedor exclusivo tem características que estão associadas à marca. O que não se pode é escolher determinada marca subjetivamente, o que seria uma arbitrariedade. Mas não há problema na preferência de marca se bem fundamentada e justificada com a observância de todos os princípios que regem o interesse público.

Portanto temos que interpretar a vedação da preferência de marca sistematicamente, harmonizando com os demais princípios norteadores da Administração Pública. Se temos um fornecedor exclusivo, a marca traduzirá necessariamente aquele produto. Não tem como ser de outra maneira. O que o legislador veda é o estabelecimento de uma marca escolhida subjetivamente, sem justificar as vantagens da padronização que o uso daquela marca pode trazer para a Administração. É como falamos ontem: no princípio da padronização não podemos, no procedimento licitatório, identificar a marca. Na inexigibilidade também não se pode preferir a marca, embora isso deva ser interpretado dessa outra maneira. Não se podem escolher iPads, pois há outros tablets! A especificação maliciosa tem que ser comprovada. Deve o concorrente interessado provar que o edital foi caprichoso ao determinar exatamente as dimensões do produto que alguém subjetivamente escolheu, como “tablets com tela de tamanho entre 10.1 e 10.3 polegadas”, sabendo que no mercado há somente um tablet de 7” e outro por acaso de 10.2” (situação hipotética). Há de se justificar, sob pena de tratar como exclusividade.

Há os serviços profissionais comuns, que não exigem nenhuma qualificação ou habilitação para sua prestação; os técnicos, que exigem habilitação, e os técnicos profissionais, em que a pessoa passa por processo de aperfeiçoamento. Assim classifica Hely Lopes Meirelles.

Quantos escritórios de advocacia temos? A concorrência é grande. Mas, dependendo do trabalho e da complexidade, não se contratará qualquer escritório de advocacia.

Por fim, no art. 25 temos “artistas consagrados pela opinião crítica e pela opinião pública.” Assunto polêmico. Aqui há o problema de saber se o artista é consagrado naquela localidade, na região, no país ou internacionalmente.