Vamos prosseguir o assunto das
licitações. Vamos agora para a
licitação dispensada e para licitação inexigível.
Pelo princípio da indisponibilidade
do interesse público,
nossa Constituição determina que a aquisição e realização de obras, bem
como a
alienação de bens devem obedecer a um procedimento administrativo.
Alguns falam
em procedimento, outros falam em processo, escolhendo a melhor proposta
que
atenda ao interesse público, com vistas, quando for necessário, à
assinatura do
respectivo contrato administrativo.
No art. 37, inciso XXI da
Constituição está estabelecido como
regra geral que sempre deverá ocorrer a licitação, ressalvados aqueles
casos
expressamente determinados na legislação.
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. |
É importante observar que para que as
sociedades de economia
mista e empresas públicas que exerçam atividade econômica em sentido
estrito, ou
prestação de serviços não públicos, de natureza privada deveria existir
um
estatuto jurídico da empresa pública aprovado por lei determinado o uso
de
regras de licitação diferenciadas para tais casos. Já vimos que esse
estatuto
jurídico não existe. Houve um caso específico da Petrobras, que acabou
parando
no Supremo Tribunal Federal, em que o Tribunal de Contas da União
entendeu que,
na forma da Constituição, a Petrobras deveria seguir as regras gerais
de
licitação que são estabelecidas na Lei 8666/93, enquanto não editado
esse
estatuto jurídico das empresas estatais.
Mas, na área federal, por ocasião da
criação da ANP, instituiu-se
um dispositivo dentro da lei que, por decreto do Presidente da
República, poder-se-ia
aprovar um regulamento simplificado da Petrobras. Por força dessa
regra, que
criou a ANP, o Presidente da República estabeleceu esse regulamento
simplificado
sobre licitações e contratos especificamente em relação à Petrobras. O
Supremo
entendeu favoravelmente à estatal.
A concessão de serviços públicos
estava prevista na Lei
8666/93, mas essas regras passaram por lei própria a ter tratamento
diferenciado, e agora a Lei 8666/93 só pode ser usada em caráter
subsidiário.
Observação: concessão de empresas
aéreas não é disciplinada
pela Lei 8666. São feitas até hoje pelo Código Brasileiro de
Aeronáutica. Quaisquer
concessões de transportes aéreos.
Outra questão é a da contratação de
operações de crédito que
tenham como garantia o aval do próprio governo federal. Contratação de
empréstimos não se subordina à Lei de Licitações e Contratos. Por
extensão,
pode-se admitir que empresas estatais que atuem no sistema financeiro
como o Banco
do Brasil e a Caixa, que tenham como atividade finalística a concessão
de
empréstimos a terceiros, certamente não haverá licitação. Até porque o
BB atua
na área de serviços privados.
Por equiparação, veremos nos casos de
dispensa de licitação
para empresas estatais que comercializam bens, o que faz parte da
própria
atividade fim da empresa. Naturalmente não haverá licitação para
comercialização de petróleo e derivados pela Petrobras.
São situações dentro desse contexto,
já que a regra básica é
a Lei 8666/93.
Existem, entretanto, exceções, que
são os casos tratados especificamente
na legislação, tanto na Lei 8666/93 quanto em outros diplomas legais,
referentes
à aquisição de outras instituições financeiras pela Caixa e pelo Banco
do
Brasil. Pela falta de tempo, infelizmente não vamos examinar isso.
Um dos grandes problemas que temos
vivido com a lei de
licitações é que normas gerais de qualquer ramo do direito são taxadas
por lei
complementar, que precisam de maioria absoluta para aprovar. No caso da
Lei
8666/93, esta é lei ordinária, e é mais fácil o governo ter maioria no
Poder
Legislativo e fazer alterações.
No caso da concessão e permissão de
serviços públicos, não
existe exceção nenhuma. A Constituição diz que sempre haverá licitação.
É a
regra do art. 175.
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da
lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos. [...] |
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. |
Significa que poderá ou não haver
licitação, dependendo dos
casos especificados.
Esses casos são tratados pela
doutrina como de
inexigibilidade ou de dispensa de licitação, sendo que esta última
comporta
duas modalidades: licitação dispensada e licitação dispensável. À
primeira vista
não parece haver diferença no sentido da expressão. Mas as hipóteses
que
acarretam a possibilidade de uma ou de outra é que farão a diferença
para o Direito.
Quando é caso de licitação
inexigível, não há possibilidade
de ela ocorrer. Essa é uma hipótese decorrente das entrelinhas do art.
25 da
Lei 8666. Bens e serviços de natureza singular que excluirão a
possibilidade de
haver competição entre os possíveis candidatos a licitantes.
A licitação não ocorrerá nunca se
houver impossibilidade de
competição.
Na licitação
dispensável temos duas situações: licitação dispensável em
sentido amplo e
em sentido estrito. No sentido amplo não pode ocorrer a licitação
porque a
própria lei determina que ela seja dispensada, que é o caso em que não
há
discricionariedade; na situação de licitação dispensável em sentido
estrito poderá
ou não ocorrer a licitação, e existe a discricionariedade
administrativa para
decidir se realiza ou não a licitação dentro das hipóteses comportadas
pela
lei.
A diferença básica entre as duas
modalidades de dispensa de
licitação é que no caso de licitação dispensada se refere
exclusivamente à
alienação de bens móveis e imóveis.
É importante observar que o conceito
de alienação para o Direito
Administrativo consiste na transferência do domínio útil dos bens.
Diferente do
que ocorre no Direito Civil, que pode ser doação, dação em pagamento,
permuta
de bens, e também investidura, que
é
uma situação peculiar. Então, em Direito Administrativo, a alienação de
bens
significa uma forma mais ampla da transferência de domínio de
determinados bens
da administração. No Direito Financeiro, por exemplo, ao falar em
alienação, só
interessa a venda deles, pois gera-se dinheiro para o Estado.
Portanto a licitação dispensada
ocorre somente em relação à
alienação de bens imóveis ou bens móveis. É o princípio da
indisponibilidade do
interesse público, e são bens da Administração Pública. Deverá haver
avaliação,
justificativa fundamentada, autorização legislativa, que são
pressupostos.
Há licitação dispensada em quatro
hipóteses: valor do
objeto, em função de situações excepcionais, em situações relativas a
determinadas pessoas, ou a determinados objetos. Maria Sylvia Di Pietro
fala em
34 casos de licitação dispensada. Claro que não teremos que saber tudo,
ou ficaríamos
loucos. Mas, para facilitar o entendimento, temos a licitação
dispensada em
razão do valor do objeto, se este for de até 10% do valor do convite
para
compras e serviços, 15 mil reais para obras e serviços de engenharia e
8 mil
reais para e outros; e 20% para compras, obras e serviços contratados
por consórcios
públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia
ou
fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas
(parágrafo
único do art. 24). Além das situações excepcionais como guerra,
calamidade
pública, comprometimento da segurança nacional, estado de sítio, estado
de
defesa, gêneros alimentícios que se destroem, sem contar com
determinados
sujeitos, em que o legislador entende que deve ser dispensada da
licitação:
cooperativas de catadores de resíduos sólidos.
Governo Lula fez mais modificações na
LLC no tema da licitação
dispensada. Governo Fernando Henrique atuou mais na licitação
dispensável.
É importante também fazer uma
ressalva: embora a licitação
seja dispensada por força da lei, de acordo com a discricionariedade
administrativa, ou pela impossibilidade de competição, isso não
significa dizer
que não há necessidade de motivação dos atos administrativos. O
procedimento de
licitação é um conjunto de atos e fatos, da Administração e de
terceiros. Os
atos administrativos têm aqueles pressupostos: motivo, competência,
objeto,
forma e finalidade. Então, como há um princípio de indisponibilidade do
interesse público, deve-se justificar e motivar os atos.
O art. 50, inciso IV da Lei 9784
trata dos atos
administrativos na área federal, mas a doutrina encontrou aplicações em
outros
níveis de governo:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: [...] IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; [...] |
Outros artigos da Lei 8666/93 também
reforçam essa tese:
Art. 38. O procedimento da licitação será
iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente
autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a
indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e
ao qual serão juntados oportunamente: [...] VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade; [...] |
Toda dispensa de licitação tem que
ser enviada à área
jurídica, obrigatoriamente. Quais pressupostos de fato e de direito que
justificam? Essa justificativa tem que estar presente por escrito. A
forma do
ato, a motivação do ato correspondente.
No parágrafo único do art. 26 da Lei
8666 temos a
necessidade de justificativa em todos os casos de licitação dispensada,
tirando
o caso da licitação dispensável em razão do valor. É o único caso em
que o art.
26 não exige, obrigatoriamente, a justificativa.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de
inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será
instruído, no que couber, com os seguintes elementos: I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; II - razão da escolha do fornecedor ou executante; III - justificativa do preço. IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. |
Retardamento é outra situação que a
lei fala quando existe a
inexecução ou paralisação de obras e serviços. Não interessa aqui no
caso.
Inciso I: São esses os casos de
situações excepcionais em
que a licitação é dispensável. Tem que haver dentro do processo a
caracterização dessa situação emergencial ou calamitosa.
O caso do inciso II é específico para
as situações de
inexigibilidade. Inciso III fala da justificativa do preço, que também
se
aplica aos casos de inexigibilidade, embora possa não haver a
convicção,
deve-se avaliar a situação presente. Pode haver um artista que está
cobrando um
preço que não é o de mercado. Por isso deve-se justificar a
inexigibilidade da
contratação do profissional. No inciso IV temos “documento de aprovação
dos
projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados”. É a hipótese do
art.
24, com a licitação dispensável, em que se exige a licitação para
financiamento
de pesquisas na área de ciência e tecnologia.
Essa aparente liberdade da dispensa
de licitação deverá ser
motivada nos autos do processo administrativo. A motivação é a essência
dos
atos administrativos.
Temos três situações de
inexigibilidade de licitação no art.
25:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. [...] |
As mais simples são as três hipóteses
de inexigibilidade de
licitação, que se refere ao fornecimento de bens chamados singulares,
que só
podem ser oferecidos por produtor ou representante comercial exclusivo.
São
situações de excepcionalidade em que os bens têm características
próprias.
Uma peculiaridade: o que seria essa
exclusividade? É o fato de
se ter no país apenas um produtor ou representante, ou haver no país
uma
diversidade de fornecedores, mas somente um deter a exclusividade do
fornecimento no local da licitação. Isso é o que a doutrina chama
respectivamente
de exclusividade absoluta e exclusividade relativa.
Como resolver essa questão? A prática
que tem sido usada
atualmente é a seguinte: combinar a exclusividade com o valor estimado
no
contrato. Se o valor estimado no contrato ou no procedimento
licitatório corresponder
ao valor máximo do convite, para efeito de compra de bens e prestação
de
serviços de até 80 mil reais, deve-se considerar como exclusivo aquele
que
existe na praça no local da realização da licitação. Se for,
entretanto, o
valor referente à tomada de preços, será exclusivo aquele fornecedor
que
detectarmos no registro cadastral. É um procedimento usado pela
Administração
para que os interessados se cadastrem na licitação para participem do
procedimento licitatório. Então procura-se no registro cadastral aquele
fornecedor exclusivo. Mas, se for o caso de concorrência, será o
fornecedor que
opere com exclusividade dentro do país. Esse é o critério que a
doutrina
recomenda, que está sendo utilizado na prática. A exclusividade tem que
ser
detectada pelo valor do contrato. Se for um valor contratual estimado
até o
valor em que se permita realizar a licitação na modalidade de convite,
o
fornecedor exclusivo será aquele existente na praça ou local da
licitação; se o
valor do contrato for até o permitido na modalidade da tomada de
preços, será
aquele existente no registro cadastral da própria organização ou
unidade
(órgão). Se for um valor de concorrência, deve-se buscar o fornecedor
exclusivo
no país. Essa tem sido a solução usada pela doutrina e pela prática
para
solucionar o problema.
Outro detalhe em relação ao
fornecedor diz respeito à
vedação que a lei estabelece no que se refere à preferência de marca. O
art. 25,
inciso I traz a possibilidade:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; [...] |
Vedada a preferência de marca. Ontem
vimos o princípio da padronização,
que tem suas vantagens e desvantagens. É referenciado na Lei 8666/93 no
art.
15, inciso I, exatamente para a compra de bens, quando se determina que
a
compra de bens deverá, sempre que possível, obedecer ao princípio da
padronização. É um standard que a
Administração tem que utilizar e que tem suas vantagens. Padronizar a
aquisição
da frota de veículos, que é um objetivo comum. Se virmos Brasília do
ponto de
vista das obras, os prédios além dos ministérios nada têm a ver com
aqueles.
No Brasil a lei não contempla o
princípio de padronização.
Vantagens são trazer qualidade, quantidade, economia de escala,
facilidade de
assistência técnica, uma série de vantagens. Na realidade, tem sido
entendido
que a questão da vedação da preferência de marcas é subjetiva e
forçada. Um fornecedor
exclusivo tem características que estão associadas à marca. O que não
se pode é
escolher determinada marca subjetivamente, o que seria uma
arbitrariedade. Mas não
há problema na preferência de marca se bem fundamentada e justificada
com a
observância de todos os princípios que regem o interesse público.
Portanto temos que interpretar a
vedação da preferência de
marca sistematicamente, harmonizando com os demais princípios
norteadores da
Administração Pública. Se temos um fornecedor exclusivo, a marca
traduzirá
necessariamente aquele produto. Não tem como ser de outra maneira. O
que o
legislador veda é o estabelecimento de uma marca escolhida
subjetivamente, sem
justificar as vantagens da padronização que o uso daquela marca pode
trazer para
a Administração. É como falamos ontem: no princípio da padronização não
podemos, no procedimento licitatório, identificar a marca. Na
inexigibilidade
também não se pode preferir a marca, embora isso deva ser interpretado
dessa
outra maneira. Não se podem escolher iPads, pois há outros tablets! A especificação maliciosa tem
que ser comprovada. Deve o
concorrente interessado provar que o edital foi caprichoso ao
determinar
exatamente as dimensões do produto que alguém subjetivamente escolheu,
como “tablets com tela de tamanho
entre 10.1 e
10.3 polegadas”, sabendo que no mercado há somente um tablet
de 7” e outro por acaso de 10.2”
(situação hipotética). Há de se justificar, sob pena de
tratar como exclusividade.
Há os serviços profissionais comuns,
que não exigem nenhuma
qualificação ou habilitação para sua prestação; os técnicos, que exigem
habilitação, e os técnicos profissionais, em que a pessoa passa por
processo de
aperfeiçoamento. Assim classifica Hely Lopes Meirelles.
Quantos escritórios de advocacia
temos? A concorrência é
grande. Mas, dependendo do trabalho e da complexidade, não se
contratará
qualquer escritório de advocacia.
Por fim, no art. 25 temos “artistas
consagrados pela opinião
crítica e pela opinião pública.” Assunto polêmico. Aqui há o problema
de saber
se o artista é consagrado naquela localidade, na região, no país ou
internacionalmente.