Direito Administrativo

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Classificação dos atos administrativos - continuação


Vamos continuar a parte de classificação dos atos administrativos.

Atos administrativos, como vimos na aula passada, são atos da Administração Pública ou de outras entidades que pertençam a ela, e que sejam sempre manifestação unilateral de vontade, portanto aqui não estão incluídos os contratos. Contratos também são manifestações de vontade, mas são bilaterais, e não unilaterais como os atos. Para efeitos didáticos, os contratos administrativos são tratados à parte pela doutrina.

Atos administrativos, portanto, são atos que decorrem de manifestação de vontade unilateral sob o aspecto institucional. Alguns autores incluem também os delegatários de serviços públicos como possíveis sujeitos ativos dos atos administrativos. Esse é o sentido material. Implicam efeitos jurídicos imediatos, o que não é colocado por todos os autores. São prerrogativas. Vamos examinar na aula que vem os atributos dos atos administrativos: imperatividade, presunção de veracidade, autoexecutoriedade, presunção de veracidade e legitimidade, e outros.

A Administração Pública também pratica atos regidos pelo direito privado, mas estes, pelo motivo recém-exposto, não são atos administrativos.

Em terceiro lugar, a Administração Pública age com prerrogativa de direito público, portanto excluindo atos em que haja utilização da predominância do direito privado, embora praticados pela Administração Pública. Não são atos administrativos os praticados sem as prerrogativas de poder público.

Atos políticos também estão fora do conceito de ato administrativo. São eles o estabelecimento de diretrizes de políticas públicas, decretação de estado de sítio ou de calamidade, para citar apenas alguns. Dentro dos atos administrativos temos os atos dos três Poderes, mas predominantemente pelo Poder Executivo.

Essa questão, na doutrina, fica um pouco confusa às vezes porque “classificar” é um processo de distribuir em classes. Classificar é o gênero em que a discriminação é a espécie. Classificar é sempre escolher um critério de classificação. Na doutrina de vez em quando aparecem de imediato as espécies de atos administrativos e, em seguida, classificação dos atos administrativos. Ou em sentido inverso. Assim fica complicado, pois a espécie já é um desdobramento da classificação que é o gênero.

O professor prefere tratar a questão colocando primeiro a forma dos atos, como se exteriorizam, e os demais poderão ser enquadrados dentro de cada tipo. Os critérios se combinam. Os atos administrativos serão vistos sob várias perspectivas. Por isso podemos obter novas formas de classificação.

É importante observar que, na doutrina, alguns autores não colocam certos atos administrativos dentro dessa classificação, excluindo em virtude de o fato não traduzir manifestação de vontade da Administração Pública ou de não produzir efeitos jurídicos imediatos. Atos normativos, por exemplo. Alguns autores entendem que não cabem dentro do conceito de ato administrativo porque não têm o efeito imediato. O decreto, por exemplo, é abstrato, e não tem o condão de produzir efeitos jurídicos desde que são editados. Emissão de certidão negativa também não produzem efeitos jurídicos imediatos, nem atos de opinião, como emissão de pareceres, que na doutrina é um tipo de manifestação sobre cujo critério de classificação não há uniformidade.

Enfim, faltando um três elementos caracterizadores dos atos administrativos, que são...

...o ato não será, em geral, considerado ato administrativo pela doutrina. Esses três aspectos têm que ser considerados. Neste assunto temos a predominância da doutrina concordando.

Atos normativos e enunciativos são tratados, por parte da doutrina, como atos não administrativos.

Essa primeira classificação dos atos quanto à forma e espécie são sempre atos escritos. Existem certos tipos que não necessariamente são escritos, mas sim sob a forma de sinais de trânsito, ou placas indicativas de velocidades. Outros podem ser verbais, como o apito de um policial, na missão da fiscalização do trânsito. Vamos deixar de lado porque, quanto à exteriorização, há exceções nos atos normativos. São formas excepcionais dentro da Administração Pública, como o caso do apito.

Dentro dos atos escritos, e isso é uma classificação tradicional, temos cinco espécies de atos administrativos:

  1. Normativos;
  2. Ordinatórios;
  3. Enunciativos;
  4. Negociais; e
  5. Punitivos.

Normativos são atos em regra abstratos, que decorrem do poder de regulamentação das leis que é conferido ao Poder Executivo; por isso se trata de ato administrativo regulamentar, em regra, no sentido de regulamentar o que as leis trazem.

Há outro critério e, a partir dessa espécie, podemos observar outras formas de classificação. É importante observar que se o Poder Executivo exorbitar, cabe ao Congresso Nacional suspender o ato da execução. Art. 49 da Constituição:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...]

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;

É inegável que a Constituição de 1988 não preveja outros tipos de decretos que não os regulamentares. Com a Emenda Constitucional nº 19, vieram os decretos autônomos. Não exigem lei anterior. São expedidos para disciplinar o funcionamento da Administração Pública sem que haja aumento de despesa nem a criação ou extinção de órgãos, o que é matéria privativa de lei. Outra hipótese de decreto autônomo é a extinção de cargos e funções quando declarados vagos. Por isso autônomos: não regulamentam nada e não exigem a presença de lei.

No Direito Administrativo, o princípio da legalidade está sendo substituído pelo da juridicidade. Basta que as hipóteses decorram da Constituição. Assim, algumas matérias que são objeto de resoluções, como do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público, que têm por objetivo zelar pela observância dos princípios da Administração Pública do art. 37, são atos primários, decorrem da Constituição diretamente, e não precisam de lei anterior para ser expedidos. Também o são os regimentos do Poder Legislativo, que têm forte conteúdo constitucional, podendo inclusive ser questionado sob a constitucionalidade. Resolução nº 75 do Conselho Nacional de Justiça foi objeto de ação declaratória de constitucionalidade.

Há em seguida os decretos do Poder Executivo, previstos na Constituição, nos três níveis de governo, e depois temos as instruções. Estas são atos dos Ministros de Estado que objetivam expedir, como diz o próprio nome, instruções para fiel observância das leis e dos decretos. Na prática não existem instruções ministeriais com esse nome. Elas foram substituídas pelas portarias. A concepção originária da portaria era um ato ordinatório, de ordinal, com ideia de sequência, que são atos relacionados ao disciplinamento da organização interna da Administração Pública e seu funcionamento, delimitadores das competências de seus órgãos. Na prática, as portarias não produzem efeitos somente internos, mas também externos. Ato administrativo que aprova o edital de um concurso público ou licitação não disciplina apenas a organização e funcionamento dos órgãos que integram aquela instituição. Consequentemente, são atos de efeitos externos. É outra classificação que se pode usar. Mas, a rigor, pela doutrina as instruções são apenas para disciplinar, na forma da lei e dos decretos, quando se criam certos órgãos. Temos a discriminação dos órgãos e o Poder Executivo, por decreto, disciplina a estrutura básica dos órgãos. Secretaria de controle interno, por exemplo. Quais os órgãos? É decreto do Presidente da República que regula. Mas não basta isso: é necessário que os ministros de Estado disciplinem a organização dessa secretaria, as atribuições dos órgãos que integram essa estrutura básica.

Importante observar que a Constituição só fala em instruções para Ministros, porque, pela autonomia administrativa dos demais entes, a edição de normas compete aos demais poderes. Não estão arroladas outras hipóteses de portaria no texto constitucional. Por isso que não há uniformidade de tratamento entre órgãos dos três poderes e o Ministério Público. Essa observação é importante porque os demais poderes terão que disciplinar os tipos de atos administrativos através de atos internos.

É bom notar também que começaram a aparecer as chamadas instruções normativas. A instrução por si mesma já é normativa! Mas essas instruções normativas são de órgãos não superiores da Administração Pública. Lembrem-se das classificações dos órgãos. Independentes, autônomos, superiores e subordinados. Os Ministérios são órgãos autônomos, e abaixo deles temos os superiores, e abaixo desses os subordinados. As instruções normativas não são, na prática, as baixadas pelos Ministros, por órgãos autônomos, mas por órgãos superiores, como a Secretaria da Receita Federal, em matéria de tributação, no caso. Todo ano é editada uma nova instrução normativa do Secretário da Receita disciplinando como deve ser a declaração do IRPF. Essa disciplina não é editada na forma de portaria dos Ministro. Existem instruções hoje em dia nos vários Ministérios que são instruções normativas, mas que são atribuições dos órgãos chamados superiores.

 

Regimentos, deliberações e resoluções

Regimentos são atos normativos que disciplinam a atuação de diferentes órgãos e seus agentes, como as suas competências. A competência é um dos requisitos da prática do ato administrativo. Há decisões de órgãos unitários e colegiados. No caso dos colegiados, que decidem por maioria, é importantíssima a definição do regimento não somente pela atribuição de competência, mas também para dirimir que tipo de maioria, se simples, de absoluta, como desempatar; além da importância do regimento para a tomada de decisões, em que deve-se ter a decisão do órgão não apenas por uma pessoa, pelo dirigente máximo, mas por um grupo que integra o colegiado. Daí a necessidade de um regimento para saber como será a tomada da decisão. Há as decisões monocráticas no Poder Judiciário. O Poder Legislativo atua por decisão colegiada, pelo Plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. Os regimentos internos decorrem da própria Constituição. Por isso têm grande grau de normatividade e podem ser objeto de exame constitucional pelo Supremo.

As resoluções e deliberações são expressões às vezes tratadas como sinônimos. Depende de cada organização. Em geral a resolução se refere a ato administrativo de órgão colegiado. Por via de regra são os órgãos colegiados que têm resoluções. As deliberações se referem ao conteúdo das resoluções, em geral. Delibera por maioria de membros. Mas é curioso observar que temos o Tribunal de Contas da União, em seu regimento interno, prevendo que as deliberações do Plenário poderão assumir a forma de resolução, de instrução normativa, de decisão normativa, de acórdão e de parecer. O gênero é a deliberação, as espécies são as resoluções, os atos normativos, e os outros tipos de atos administrativos. Por isso que não há, a rigor, dentro do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas da União uma uniformidade de terminologia, especificamente neste caso de deliberações e resoluções. Podem ser atos separados ou um conter o outro. Uma grande complicação.

Mas na doutrina vemos, em geral, essa diferença entre resolução e deliberação. Em função daquilo que se delibera temos o termo deliberação, para a tomada de decisão, quanto ao conteúdo e não à forma do ato administrativo. Se o ato administrativo contém decisão, estamos falando em relação ao conteúdo e não quanto à forma pela qual aquele ato foi exteriorizado. Isso se integra ao conceito de resolução.

Vamos adiante.

 

Atos ordinatórios

Essa palavra vem do campo processual. São atos que se referem aos atos processuais e atos do juiz e das partes. Significa, na realidade, os atos disciplinadores daquele processo. Isso em direito processual. Hely Lopes de Meirelles tomou essa mesma denominação de atos ordinatórios, que aparece no direito processual, para o disciplinamento da atuação dos órgãos que integram a Administração Pública, começando com as portarias dos Ministros. Elas, que a rigor, são tratadas por alguns autores como instruções, quando tratam, na verdade, de atos gerais e abstratos. Colocam não como atos normativos, mas como ordinatórios, porque produzem efeitos imediatos. Os atos normativos não teriam essa característica de produzir efeitos imediatos. A portaria, para alguns autores, se houver a produção de atos e efeitos concretos e específicos, será tratada como ato ordinatório. Se não produzir efeitos imediatos e for dotada de abstração, será instrução normativa.

Seguem aqui uma série de atos administrativos como meios de comunicações entre órgãos e administrados. Mas aqui estamos tratando do ordenamento, do funcionamento da Administração Pública. São atos administrativos como forma de correspondência entre ministérios. Quando o Presidente da República quer se falar com o Congresso Nacional, ele manda uma Mensagem. Quando o Ministro apresenta proposição ao Presidente da República, apresenta sob a forma de Exposição de Motivos. Entre si, os ministros enviam Avisos Ministeriais. Aviso seria, em princípio, um ato interno dentro de cada Ministério. É o ministro comunicando, com efeitos externos, determinados atos de atuação relativos ao seu Ministério. O aviso ministerial mudou de rumo, e passou agora a ser um ato da Administração Pública pelo qual os ministros de Estado se comunicam.

Circulares: atos ordinatórios que disciplinam de maneira uniforme a prática de certos serviços internamente dentro de cada organização. Quando se quer expedir um ato administrativo que tenha essa denominação de circular, significa que é uma ordem e determinação de se cumpri-la de determinado jeito. Às vezes usa-se memorando circular. Mandam-se para todos os órgãos internos da Administração Pública.

Ordens de serviço: são, em regra, utilizados hoje em dia em procedimento de licitação. Determina a prestação de determinado serviço, seja em função de um procedimento licitatório ou não. Na Lei 8666/93, a norma geral de licitações e contratos, temos que os contratos são obrigatórios em duas modalidades: concorrência e tomada de preços. Não havendo, pode-se substituir o contrato por outros instrumentos hábeis, como a nota de empenho, ato para o Estado assumir compromissos de natureza orçamentária. Se não for possível a nota de empenho, temos também a ordem de serviço, e a autorização de compra, para fornecimento de material. Ordem de serviço é autorização para que se preste determinado serviço que não foi objeto de concorrência ou tomada de preço.

Ofícios: geralmente são o instrumento de comunicação oficial. Alguns o colocam como ato administrativo porque é ato da Administração Pública, mas é forma de comunicação entre órgãos não independentes, mas autônomos ou subordinados. Não são atos que produzem efeitos só dentro da própria organização, mas também efeitos externos. O ofício pode ser individual, para determinados órgãos ou administrados, ou também pode assumir a forma de ofício circular se abranger diferentes órgãos da Administração Pública.

Também em processo judicial existem atos administrativos praticados pelo juiz, como ofício solicitando informação sobre um determinado saldo bancário. Em geral são atos administrativos praticados mais para efeitos externos, com outros órgãos ou instituições. Por equiparação, enquanto os avisos ministeriais são formas de comunicação entre Ministros, os ofícios são comunicação entre órgãos superiores. Órgãos subordinados não têm poder decisório então não praticam atos administrativos. Serviço de protocolo, atendimento ao público, guarita, etc.

Despachos: ocorrem em processos administrativos e refletem um ato ordinatório, que pode ou não ser acatado. Diz respeito ao andamento processual como uma decisão interlocutória num processo judicial. Não decide o mérito. Em Administração Pública, chama-se somente despacho.

Provimentos: por último temos os provimentos. São comuns dentro do Poder Judiciário, dos tribunais e corregedorias, que determinam uniformização de certos procedimentos, inclusive os adotados pelos cartórios judiciais.

Esses são os principais tipos de atos ordinatórios: visam disciplinar a atuação interna dos órgãos, mas podem produzir efeitos externos.

 

Atos negociais

Outra expressão utilizada por Hely Lopes de Meirelles, que é meio estranha dentro da seara administrativa são os atos negociais. Negocial vem de... negócio. A Administração Pública, em certas circunstâncias, como atividade econômica, pode praticar atos negociais. São assuntos ligados aos particulares que, em função da necessidade de haver algum tipo de procedimento pelo poder público, se submetem à sua apreciação para que o particular possa praticar essa atividade. Algumas envolvem direitos, outras envolvem interesses.

O primeiro tipo de ato negocial é a licença. Licença é um ato administrativo do poder público, unilateral, vinculado, porque envolve direitos, que se desrespeitados o particular poderá pleitear judicialmente sua satisfação, e não têm num aspecto contratual, de exigência de licitação. Na Constituição não aparece a palavra licença em lugar nenhum. A expressão que encontramos é poder de polícia administrativo, ligado à área de segurança pública. A licença, então, é uma decorrência de um tipo de atividade do Estado que é o exercício regular do poder de polícia, uma decorrência dele, cujo propósito é limitar a conduta das pessoas em relação à liberdade e à propriedade em proveito do interesse coletivo. Nem tudo que o particular deseja fazer em função da liberdade do uso de sua propriedade pode ser feito livremente, porque há a predominância do interesse coletivo sobre o direito individual. Por isso que, pelo fato de as pessoas terem aquele direito assegurado por lei, a licença será sempre um ato vinculado. Atenção para a Lei Orgânica do Distrito Federal. Pouco se fala das leis estaduais e das leis orgânicas na doutrina administrativista. Nós, que moramos em Brasília, temos que ter sempre em conta a Lei Orgânica do Distrito Federal. Se formos ler a LO, entraremos a palavra licença! Exatamente como é admitida na doutrina. Não falam em licença em relação à Constituição porque não aparecem na Constituição Federal, mas sim nas Constituições Estaduais.

Art. 15, inciso XV da LODF:

Art. 15. Compete privativamente ao Distrito Federal: [...]

XV – licenciar estabelecimento industrial, comercial, prestador de serviços e similar ou cassar o alvará de licença dos que se tornarem danosos ao meio ambiente, à saúde, ao bem-estar da população ou que infringirem dispositivos legais;

Licenciar! Daí porque a expressão ato negocial, porque envolve negócios no sentido particular. Quando ouvimos falar a cassação da licença, mesmo que seja um direito adquirido para a prática de um ato comercial, lembramo-nos dos alvarás de funcionamento. Temos também alvarás para a retirada de dinheiro no processo de inventário, quando o sujeito precisa para quitar suas obrigações tributárias, assim como o alvará de soltura, no Processo Penal.

Ainda no art. 15 da LODF:

Art. 15. Compete privativamente ao Distrito Federal: [...]

XXV – licenciar a construção de qualquer obra;

Aqui estão envolvidas obras públicas realizadas pelo poder público e também obras de particulares. Ninguém se exime de pagar taxas. Algumas pessoas podem ter isenção, mas não imunidade.

Observação: a Lei Orgânica do Distrito Federal confunde desconcentração com descentralização. Art. 10:

Art. 10. O Distrito Federal organiza-se em Regiões Administrativas, com vistas à descentralização administrativa, à utilização racional de recursos para o desenvolvimento socioeconômico e à melhoria da qualidade de vida. [...]

Divide-se em Regiões Administrativas com vistas à desconcentração, e não com vistas à descentralização, pois a esta precisa de pessoas jurídicas. Administrações regionais não são pessoas jurídicas. O que queremos dizer é que qualquer obra requer alvará de construção. Os Ministérios e o Palácio da Alvorada não têm! Isso porque não se pensou nessa norma quando da época da construção de Brasília, anterior à edição da Lei Orgânica do Distrito Federal. Cuidado, entretanto, para não pensar que isto se trata de aplicação da teoria do fato consumado, o que é muito perigoso para a legalidade.

O uso da propriedade e a liberdade não são direitos absolutos. Por isso pode o poder público, através do poder de polícia, usar do patrimônio do particular em prol do interesse público.

Leia a LODF como exercício de cidadania. É comum, por exemplo, hoje em dia, se ter a prática de certos estabelecimentos de produzirem efeitos sonoros além daquilo que é tolerável. A Lei Orgânica conterá as normas gerais que permitem a edição de normas de inferior hierarquia que disciplinam as emissões de ruído.

Por fim, na licença temos a OAB e a Carteira Nacional de Habilitação. Significa que existem licenças para atividades profissionais e para atividades individuais. O exercício profissional também não é livre. A emissão da Carteira da Ordem, entretanto, não é um ato de conveniência do administrador; basta que os requisitos sejam satisfeitos, no caso, a aprovação no Exame.

 

Autorização e permissão

Autorização e permissão são atos administrativos bastante parecidos. Nossa Constituição, em certos trechos, fala em autorização, permissão ou concessão. Vamos tirar a concessão daqui porque ela é um contrato, na verdade. Relativamente à permissão, para ser prestação de serviços públicos por delegação, temos que a permissão precisa de licitação e contrato. Ela deixa de ter, neste caso, o caráter de unilateralidade, que é elemento integrante do conceito de ato administrativo, pois é manifestação unilateral de vontade, ou não temos um ato administrativo. Para que se assine o contrato deve haver licitação. Na autorização não temos contrato nem licitação. Com ela, atende-se a interesse do particular para a prática de certos serviços, em que há o interesse individual, mas também com a presença do coletivo, que tem que ser preservado. Além disso, a autorização tem caráter geralmente temporário. Existe, por exemplo, para o uso de bens públicos.

Na autorização, há certa semelhança com a licença, mas aqui predomina não um direito. A licença só requer o preenchimento dos requisitos para o nascimento do direito. Na autorização deve haver a discricionariedade do administrador. Porte de arma, por exemplo. Aqui há discricionariedade da Administração Pública. Pode haver circunstâncias de conveniência ou oportunidade para que não se dê a autorização para portar armas. O mesmo para competições no Eixão ou em outra via pública, uso de biblioteca pública para o lançamento de um livro... tudo isso é autorizado do poder público, que se faz, às vezes, por iniciativa do próprio órgão.

Relativamente aos serviços de telecomunicações, fala-se na Constituição em autorização, permissão e concessão. Mas a lei que regulamentou a Constituição não fala em autorização para a prestação de serviços de telecomunicações. No caso, o serviço de educação, que é delegado à iniciativa particular, as instituições de ensino superior precisam de autorização para funcionar. É ato de autorização. E, depois, têm seus institutos reconhecidos. Não é permissão nem concessão, mas autorização. Atividades relacionadas à área de saúde, como em hospitais, também precisam de autorização.

A permissão tem, hoje em dia, outra conotação. Ela passou a ser um ato unilateral discricionário do poder público, mas ligado à realização de uma licitação ou de um contrato, embora ainda possa existir a possibilidade do uso da permissão para a utilização de bens públicos. Alguns autores acham que não, dizendo estes que a utilização de bens públicos só poderá ser objeto de autorização. O professor discorda porque há até “contratos de concessão administrativa”, por meio dos quais é possível a utilização de bens públicos. Não só por autorização ou permissão.

Art. 21 da Constituição: Competências da União.

Art. 21. Compete à União: [...]

VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico; [...]

“Autorizar e fiscalizar...” Aqui está claro que há autorização, e não permissão. Mas, quando chegamos ao inciso XI, temos a exploração direta ou mediante autorização:

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

Na prática, não existe mais autorização, e sim delegação do poder público para a concessão ou permissão. No caso, a diferença entre concessão e permissão está em o delegatário é pessoa jurídica ou física. A concessão é para consórcios ou pessoas jurídicas. A permissão pode beneficiar pessoas físicas ou jurídicas. O contrato de permissão é um contrato de adesão, o poder público elabora o contrato e o particular tem que assinar. O contrato de concessão não; as partes podem convencionar o que é de interesse recíproco. Essas são as diferenças básicas.

A Lei 8987/95 não determina a figura da autorização, mas sim permissão e concessão.

Art. 2º Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

[...]

IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.

Liberdade para instituições privadas de ensino, observada...

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

...a autorização pelo poder público.

Existem dois significados para a autorização: o significado que a Constituição estabelece para a prestação de serviços públicos, ou para outras atividades realizadas pelo particular de prestação de serviços, ou então de uso de bens públicos. Nestes casos em que se exige apenas a autorização, ela não será objeto de permissão ou concessão. No caso de serviços telecomunicações ou radiodifusão, na prática não há mais autorização, mas sim concessão ou permissão.

Vamos fazer mais uma confusão: serviço de taxi. No Distrito Federal são atos de permissão, envolvendo licitação e contratos. Mas, na doutrina, o serviço de taxi é colocado como objeto de autorização. Devemos ir ao dispositivo legal pertinente para saber quando se trata de autorização ou permissão. Há uma semelhança entre os dois.

Na concessão ou permissão, a titularidade é do poder público, mas a execução é transferida ao particular. Telecomunicações e serviço de radiodifusão são exemplos.

 

Atos enunciativos

O que significa ato enunciativo? É um ato de declaração, de manifestação da Administração Pública sobre determinados assuntos. Algumas vezes eles decorrem de registros que existem nos órgãos públicos a respeito de situações do servidor público, de caráter individual. As certidões são o tipo de documento que mais se colocam um atributo dos atos administrativos, que é a presunção de veracidade e legitimidade. Certidões têm fé pública. A própria lei confere veracidade a elas. Em matéria tributária, o próprio Código Tributário Nacional prevê que as certidões negativas são atos vinculatórios, que impedem o pagamento quando o cidadão requerer. É garantia fundamental dada pelo CTN e pela Constituição. O sujeito não pode ser prejudicado com a proibição de participar de uma licitação sob o argumento de estar em débito se houver recorrido à justiça com pedido de liminar. Pode haver certidões positivas com efeitos negativos, como as que tiram da situação de prejuízo o cidadão.

Diferentemente da certidão, há também o atestado, e aqui se incluem os atestados médicos, que em princípio gozam de presunção de veracidade. Não abonam faltas, mas operam a compensação pela ausência às aulas ou dias de trabalho.

Pareceres: são atos enunciativos que poderão ser ou não acolhidos pela administração. Servem de base para a tomada de decisões. Alguns órgãos têm a função eminentemente consultiva. Advocacia-Geral da União, por exemplo, é um órgão de consulta e assessoramento do Poder Executivo. Seus pareceres podem ser instrumentos para tomada de decisões. O parecer em si não produz efeitos jurídicos. Alguns órgãos passaram a adotar o parecer normativo, como os da Procuradoria da Fazenda. Só valem internamente para a organização, e não para o particular. Têm o condão de passar, de maneira uniforme, regras de condutas para certos órgãos. Não valem para o administrado.

 

Atos punitivos

Impõem sanções. Podem ser divididos em internos, quando decorrem do poder disciplinar ou da hierarquia, de chefias para seus subordinados, ou externos, quando decorrentes do poder de polícia do Estado, como pela imposição de uma multa, apreensão de determinadas mercadorias, interdição de estabelecimentos. É o poder punitivo e externo que atinge os administrados.

Por fim há os atos administrativos punitivos decorrentes de contratos. A Lei 8666/93 estabelece consequências jurídicas do descumprimento de contratos e também na participação de matérias de licitação, estabelecendo, inclusive, o Direito Administrativo Penal, com imposição de pena em sentido estrito. Existe a responsabilização de natureza administrativa e a responsabilização de natureza penal.

 

Outras classificações

Dessas espécies podemos tirar várias outras classificações.

Atos gerais e abstratos são espécies estabelecidas pelo legislador. Já os decretos que estabelecem a regulamentação do imposto sobre a renda e os de desapropriação de um bem particular são concretos. Os atos administrativos podem ser abstratos ou individualizados.

Um decreto de nomeação de um ministro do supremo é um decreto de efeitos concretos.

A importância disso é a possibilidade de recurso ao Poder Judiciário. Em processo, os atos abstratos não dão a possibilidade de recurso ao Judiciário, em função da presunção de veracidade dos atos. Mas há possibilidade de os órgãos atacarem aquele ato normativo por ação direta de inconstitucionalidade, ou por sustação pelo Poder Legislativo de ato do Executivo. Adotam a correspondente ação individual, dependendo do ato. Pode ser por conta da moralidade administrativa, patrimônio público, dependerá do objeto. Não há possibilidade de ingresso em juízo contra atos abstratos salvo por meio do controle de constitucionalidade, com ação de iniciativa dos legitimados do art. 103 da Constituição.

 

Atos vinculados ou discricionários

Vinculados são os atos adstritos à lei. Subjacente está o princípio da legalidade. Se o alvará preencheu aqueles requisitos, o funcionamento do estabelecimento é um direito assegurado do comerciante. Preenchidos os requisitos, o ato tem que ser praticado, sem juízo de valor sobre conveniência ou oportunidade. Diferente do ato discricionário, em que o administrador pode deixar de praticar o ato que beneficiaria o particular. A Administração pode ou não conceder determinada licença em função do interesse público. Não cabe, por outro lado, à Administração a análise da conveniência para concessão da licença maternidade, que é também assegurada em lei e na própria Constituição. Os atos que estamos falando aqui são os que versam sobre assuntos em que há prevalência do interesse público sobre o particular.

Via de regra, como o ato discricionário é um espaço que a lei reserva para a Administração atuar, o texto legal, geralmente, vem na forma “poderá a Administração Pública fazer isso”. Estabelece a possibilidade da adoção de um procedimento, e não usa a expressão “deverá”. Há também a atuação discricionária para conceitos vagos e imprecisos. “A critério da Administração” é outra expressão que denota a discricionariedade. Não é a arbitrariedade. Muitas vezes se fala que o Poder Judiciário não pode entrar na análise da conveniência e oportunidade, o que não é sua atribuição. A arbitrariedade conduz a esse tipo de situação: invadir. Atos arbitrários não são possíveis no Estado Democrático de Direito.

 

Atos simples, complexos e compostos

Certos atos derivam da manifestação de somente um órgão ou o titular dele. Esses são os atos simples. Em certas circunstâncias, entretanto, certos atos são baixados por dois órgãos, ou na mesma janela de tempo, ou com defasagem. A prática do ato não se dá na mesma unidade de tempo. Isso acontece quando os atos necessitam do subsidio de outros atos. Mas, se temos uma portaria de diferentes ministros de Estado, teremos, neste caso, um ato complexo, que resulta de uma única manifestação de vontade, mas por mais de um órgão ao mesmo tempo. Se por um só órgão, é simples o ato.

O ato é composto quando existe também a manifestação de vontade de pelo menos dois órgãos, mas quando um deles é subsidiário para a tomada de decisão, para se confirmar o ato principal. Um é o ato principal e outro é o ato acessório. A nomeação de um Ministro para o STJ ou STF requer a indicação e a nomeação por decreto. É um ato composto.

Existem alguns autores na doutrina que usam essas expressões como sinônimas, mas não é o que a maior parte deles faz. O ato simples pode ser de uma autoridade só, mas também de colegiados. O conceito de ato simples que demos no parágrafo anterior é “manifestação de somente um órgão ou seu titular”, e isso inclui os colegiado. Atos simples podem ser de órgãos colegiados ou unitários. Em matéria de licitação, o procedimento é um conjunto de atos. Não são atos complexos, porque se processam dentro do mesmo órgão. Ou dentro de cada órgão, mas cujo ato final é a homologação do procedimento. O que se objetiva com a licitação é dar ao particular a possibilidade de fornecer bens e serviços à Administração Pública. Somente depois de concluídos todos os atos do procedimento licitatório que se procede à homologação. A licitação é um ato composto, não complexo. O procedimento é o mesmo, um conjunto de atos. 

Continuamos amanhã.