Direito Administrativo

terça-feira, 24 de maio de 2011

Licitação dispensável



Vamos encerrar esta parte de licitações. A licitação poderá não ocorrer os casos de licitação dispensável, nas hipóteses do art. 24 da Lei 8666/93. Não vamos saber tudo para a prova, e não se preocupem. Mas precisamos, ao menos, ter uma noção. Pelo menos precisamos ter uma ideia do que seja a licitação dispensável e algumas observações que devemos fazer.

Licitação dispensada, que vimos ontem, são todas aquelas hipóteses em que a própria lei possibilita a dispensa da licitação, e não ocorre licitação por força de determinação legal. O professor repete: dispensa-se a realização do procedimento licitatório, mas não a inobservância de toda a série de exigências que a lei estabelece desde a formação do processo administrativo, que é necessário, a motivação do ato, fundamento de fato e de direito, como no caso dos imóveis, que requerem avaliação e demonstração de interesse público; autorização legislativa em determinadas circunstâncias, entre outros requisitos. São condições que estão por trás da licitação dispensada. Tudo tem que ser justificado dentro do processo que irá permitir a não realização do certame licitatório.

Todas as situações envolvem a necessidade de serem apreciadas pela autoridade competente, publicadas na imprensa oficial no prazo de cinco dias para que possam produzir efeitos jurídicos, ou serão casos de nulidade administrativa. Dispensar a licitação não significa prescindir todo o aparato de disposições legais.

No caso de licitação dispensável há a discricionariedade administrativa, que não pode ser confundida com o achismo, envolvendo o aspecto subjetivo. Mesmo porque cada dispositivo tem que ser visto com certo cuidado já que a própria legislação, em todas as hipóteses, estabelece condições. Não estamos relacionando todas as hipóteses aqui, mas apenas as que mais se destacam para efeito de visibilidade, e as que têm apresentado maiores problemas na prática cotidiana. Não enveredem pelo subjetivismo. As hipóteses são legalmente condicionadas. Não há ampla discricionariedade, portanto os fatos têm que corresponder necessariamente às hipóteses legais descritas.

O esquema acima consta no livro da professora Maria Sylvia Di Pietro, que colocou essas quatro hipóteses que podem ensejar a dispensa da licitação por discricionariedade administrativa do gestor. São hipóteses elencadas em quatro grandes grupos:

  1. em razão do valor objeto da licitação;
  2. em razão de circunstâncias de caráter excepcional;
  3. em razão do objeto da licitação;
  4. em razão da pessoas.

Neste caso, temos situações que em regra envolvem órgãos e entidades da Administração Pública, instituições voltadas para a pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, e ainda instituições ligadas especificamente à área social, na maior parte dos casos.

São os casos que o professor entende gerar mais problemas ou dúvidas. São, na verdade, 31 hipóteses de licitação dispensada. Mas acalmem-se!

Começa o legislador no art. 24, incisos I e II, combinados com o parágrafo único, no final do artigo, em razão do valor. No inciso I o legislador estabelece que, para obras e serviços de engenharia, a licitação é dispensável até o valor correspondente a...

Art. 24.  É dispensável a licitação:

I – [...] 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;

Art. 23.  As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

I - para obras e serviços de engenharia:

a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais); [...]

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

[...]

Ainda não estamos nas modalidades de licitação, que são concorrência, tomada de preços, leilão, convite, concurso, pregão e consulta; sete no total. As de menor valor são as realizadas sob a modalidade de convite. O valor estabelecido no art. 23, inciso I alínea “a” é de até R$ 150 mil. 10% disso corresponde a R$ 15 mil. Para outros serviços que não sejam de engenharia e compras, o limite é de até R$ 8 mil.

O professor se lembra que uma vez um aluno perguntou se a exploração de jazidas e ouro são sujeitas às regras de licitação. Não, pois a Lei 8666/93 trata de obras e serviços técnicos especializados, locação e alienação de bens. A Lei 8666 não trata da matéria de exploração. Isso está no art. 176 da Constituição, que pode ser feito por autorização ou concessão é objeto do Código de Minas. Esses assuntos, que estão em outras legislações, não estão cobertas pela Lei de Licitações e Contratos.

A lei prevê também a hipótese de licitação para serviços de publicidade, mas este é objeto de outra lei que o professor falará na próxima aula. Estamos dentro da Lei 8666 somente.

Para outros serviços e compras de bens, o valor de convite é até R$ 80 mil, então o limite para a licitação ser dispensável é até R$ 8 mil, que corresponde a 10% disso. Para outros serviços e compras há as hipóteses em que o legislador estabeleceu que a licitação será dispensável. No parágrafo único, no fim do artigo, em se tratando de consórcios públicos, de empresas estatais, autarquias e fundações qualificadas como agências administrativas, os limites dobram para 20%.

Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II do caput deste artigo serão 20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas.

R$ 30 mil e 16 mil, respectivamente.

Mas a questão não é apenas o valor; o legislador coloca outra restrição: “desde que”. Essa expressão “desde que” diz respeito a uma prática que já foi muito frequente desde a década de 80 que é o fracionamento do valor da obra ou serviço para escapar da licitação. Quando se fizer a licitação, tendo a disponibilidade de recursos, os valores não poderão ser fracionados, que é uma prática que objetiva fugir da licitação, justificando sua dispensa.

Ainda ocorre de vez em quando, mas o legislador procurou coibir:

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;

O objetivo é evitar o fracionamento.

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

Até para a alienação de bens móveis que são inservíveis para a Administração, em vez de alienar tudo, costumava-se vender aos poucos para não realizar a licitação. Deve-se programar de acordo com os recursos previstos na lei de orçamento e fazer de uma vez só. Até para evitar o procedimento desnecessário de fazer múltiplas vendas.

Esses são os dois casos. Escapa-se da licitação, mas não se escapa de todos os outros procedimentos do certame. Deverá abrir o processo administrativo, justificar, apontar os pressupostos de fato e de direito que justificam a licitação ser dispensada, e outras formalidades que a licitação estabelece. O que o legislador faz é dispensar ou possibilitar que seja dispensada a licitação, mas não eliminar todas as demais exigências legais que sejam necessárias à formação do respectivo procedimento licitatório.

A segunda hipótese são as situações excepcionais. Envolve uma série de situações que também se devem observar condições. Em caso de guerra, por exemplo, o Presidente da República deve ouvir o Congresso Nacional antes de declarar a guerra. É um ato político que requer manifestação dos dois poderes.

Grave perturbação da ordem já teve vários nomes. Um deles foi “comoção intestina”. Depois se chamou de “subversão interna” no tempo do regime militar, e hoje se usa “comoção interna”. Em Direito Financeiro existem situações em que há necessidade de medida provisória para abrir o crédito extraordinário para atender às situações de guerra, calamidade pública e comoção interna. É a mistura das duas antigas denominações. No Direito Administrativo usa-se “grave perturbação da ordem”. Decretação de estado de sítio, por exemplo, ou estado de defesa nacional, são casos em que o Presidente da República deverá escutar os órgãos de consulta; no caso específico, o Conselho de Defesa Nacional existe para fazer essa deliberação. Anteriormente é preciso haver a declaração desse tipo de situação que torne possível a dispensa da licitação.

Casos de calamidade pública devem ser objeto de decreto. É curioso observar que a mídia fala em estado de atenção, de alerta, de emergência, “decretados pelo governador”. Estado de calamidade pública tem legislação específica. Quando acontece deve haver decreto do governador ou prefeito ou Presidente da República reconhecendo aquela situação. É até na hipótese em que a Constituição confere ao Presidente da República para realizar despesas urgentes, em princípio, para casos de comoção interna e calamidade pública. Mas para abrir o crédito extraordinário deve haver um decreto determinando a situação de calamidade pública. Só depois disso que se tem, por medida provisória, a abertura de uma autorização para realizar  despesas, e, consequentemente, o processo licitatório tem que ser antecedido desses atos normativos que possibilitem a licitação ser dispensável.

A legislação brasileira fala não só em estado de calamidade pública, mas também de emergência, que também é objeto de decreto. Não são os mesmos casos relacionados à abertura por decreto do Poder Executivo, como é o caso da calamidade pública. Vejam a expressão “quando caracterizada urgência ...”

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

Essa situação de emergência é que às vezes os órgãos públicos alegam para a contratação em “caráter emergencial”. Houve a extinção de determinado contrato, um problema aconteceu com um procedimento licitatório, e deseja-se atender à situação em caráter emergencial. Não é bem assim, pois o caráter emergencial tem que ser bem explicado. O caso do ENEM foi um exemplo. Quando houve aquela fraude, o MEC fez uma contratação, porque se queria fazer o certame através de outro consórcio. A fundamentação usada para dispensar a licitação foi a do inciso XIII:

XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;

Para a realização daquele novo exame do ENEM na ocorrência da fraude, o MEC quis enquadrar a dispensa de licitação em “caso de ensino e pesquisa.” O Tribunal de Contas da União entendeu que não era o caso, mas sim situação emergencial que poderia implicar prejuízo das pessoas.

Se a chuva de granizo quebrar os equipamentos do órgão público, deve haver a contratação emergencial. Deve haver a combinação com as hipóteses. Essa situação do temporal que entra num Ministério e destrói equipamentos de informática é importantes hoje em dia.

São duas, na realidade, as hipóteses: casos de emergência, que não precisam de decreto, e casos de calamidade pública exigem a expedição de decreto. É importante que, nas situações emergenciais, os fatos têm que ser expostos e enquadrados nessas duas circunstâncias.

Licitação deserta: o que é isso? São duas expressões usadas no Direito Administrativo: licitação deserta e licitação fracassada. Licitação deserta ocorre quando não há interessados no procedimento licitatório. É a hipótese do inciso V do art. 24:

V - quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas;

Veja que aqui também há uma condição! Está na palavra “justificadamente”.

Ou seja se a contratação for feita de forma direta para não causar prejuízo à Administração, essa contratação deve ser feita nas mesmas condições que foram estabelecidas pelo ato convocatório ou carta-convite.

Posteriormente, durante o procedimento licitatório, pode haver a desclassificação de todos os interessados. Esse é o caso de licitação fracassada. Faltaram requisitos, seja de natureza técnica, fiscal, de capital mínimo, o que for. Nenhum atingiu os requisitos.

A Administração deverá determinar se deve ou não aguardar para realizar outro procedimento sem causar prejuízo para ela própria. Tudo tem que ser justificado. De qualquer maneira, mesmo nessa hipótese, ela terá que observar a condição estabelecida anteriormente no ato convocatório.

Outra situação que colocamos é a hipótese da intervenção da União no domínio econômico, seja para regularizar o abastecimento de bens, que possam estar em falta no mercado, ou para regular preços. Num regime de compatibilidade, somente em casos excepcionais tem havido a ingerência do governo federal nos preços. Somente quando há indícios de cartelização, mas não há nenhum procedimento de licitação em jogo. Para trabalhar contra a falta de produtos e bens no mercado, no passado existia um órgão chamado SUNAB: Superintendência Nacional de Abastecimento.

Comprometimento da segurança nacional: tem que haver decreto do Presidente da República estabelecendo essas hipóteses. É a hipótese do inciso IX. É dispensável a licitação...

IX - quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional;

Licitação dispensável em razão do objeto

Diz respeito exatamente àquilo que o governo quer comprar, ou ao serviço que ele quer que seja prestado, obra realizada, e assim sucessivamente. Colocamos também algumas situações sobre isso. A primeira delas é a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento de finalidades precípuas da Administração, desde que haja a indicação referente à escolha em função do local das instalações que sejam adequadas, e também relativamente à escolha em função do preço praticado no mercado. Todas essas hipóteses têm, quase sempre, um condicionante. Inciso X:

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

Deve-se saber se aquele local é o mais adequado para o funcionamento do órgão da Administração Pública. Note a expressão “desde que o preço seja compatível...”

É forma de aquisição de propriedade ou de locação de imóvel. Isso tudo está relacionado ao atendimento da finalidade do órgão. O INSS, por exemplo, adota esse procedimento. Nas agências do INSS espalhadas aqui no Distrito Federal podemos ver editais para escolha do imóvel onde se instalar.

Segunda situação que colocamos aqui é a aquisição de produtos. Produtos hortifrutigranjeiros, pães e outros gêneros perecíveis, que se estragam no curto prazo. A dispensa da licitação ocorre relativamente à durabilidade e não perecibilidade desses bens. Note que o legislador colocou em destaque o pão, não sabemos por quê.

Em todos os casos, volta o professor a insistir, haverá condições.

Mais uma situação: aquisição ou restauração de obras de arte desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade. Não é qualquer órgão que tem a finalidade de comprar obras de arte. É característico de museus, mas não das agências dos correios. Escolas de belas artes também, e fundações culturais e artísticas.

Aquisição de peças e componentes com garantia, salvo os automóveis, que tem prazo de garantia e a troca de peças tem que ser por outras indicadas pelo fabricante, sob pena de se perder a garantia, embora, na prática, às vezes, a reposição se faça por peças de outras marcas.

XVII - para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;

Para não perder a garantia do bem, é necessário que se faça de acordo com a norma do inciso XVII, ou seja, não abrir licitação, pois o vencedor pode ser outro que não o fabricante, e a peça substituída pode fazer com que se perca a garantia.

Materiais para uso das Forças Armadas: uniformes para as Forças também é caso de licitação dispensável pois há necessidade de se manter o apoio logístico e a padronização:

XIX - para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto;

Olhem a expressão condicionante: “...com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo...”. ¹

Há ainda o caso dos bens destinados à pesquisa científica e tecnológica, que o legislador também coloca.

XXI - para a aquisição de bens e insumos destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pela Capes, pela Finep, pelo CNPq ou por outras instituições de fomento a pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico;
 

Licitação dispensável em razão da pessoa

Vamos trazer somente alguns exemplos.

Aquisição de bens por pessoas jurídicas de direito público é uma primeira hipótese; aquisição de bens por instituição brasileira dedicada a ensino e pesquisa ou então à recuperação social de presos, desde que não tenha finalidade lucrativa.

Outra situação interessante se refere às entidades prestadoras de serviços de informática à Administração Pública. É o caso do SERPRO e da Dataprev. Isso é alvo de muita reclamação de empresas particulares que prestam esse serviço. Há o órgão próprio da Administração, como o PRODASEN do Senado. O SERPRO foi criado para atender à Secretaria da Receita Federal. Quando se desvia de atividades inerentes ao Ministério da Fazenda, instaura-se o processo de competição.

Organizações sem fins lucrativos, como associações de portadores de deficiência física.

Outro caso de dispensa de licitação é nos casos de permissionárias de energia elétrica e fornecimento de gás.


Logo depois o professor mencionou o Decreto s/n de 2/4/1996.