Licitação dispensada, que vimos
ontem, são todas aquelas
hipóteses em que a própria lei possibilita a dispensa da licitação, e
não
ocorre licitação por força de determinação legal. O professor repete:
dispensa-se a realização do procedimento licitatório, mas não a
inobservância
de toda a série de exigências que a lei estabelece desde a formação do
processo
administrativo, que é necessário, a motivação do ato, fundamento de
fato e de
direito, como no caso dos imóveis, que requerem avaliação e
demonstração de
interesse público; autorização legislativa em determinadas
circunstâncias,
entre outros requisitos. São condições que estão por trás da licitação
dispensada. Tudo tem que ser justificado dentro do processo que irá
permitir a
não realização do certame licitatório.
Todas as situações envolvem a
necessidade de serem
apreciadas pela autoridade competente, publicadas na imprensa oficial
no prazo
de cinco dias para que possam produzir efeitos jurídicos, ou serão
casos de
nulidade administrativa. Dispensar a licitação não significa prescindir
todo o
aparato de disposições legais.
No caso de licitação dispensável
há a discricionariedade administrativa, que não pode ser confundida com
o
achismo, envolvendo o aspecto subjetivo. Mesmo porque cada dispositivo
tem que
ser visto com certo cuidado já que a própria legislação, em todas as
hipóteses,
estabelece condições. Não estamos relacionando todas as hipóteses aqui,
mas
apenas as que mais se destacam para efeito de visibilidade, e as que
têm
apresentado maiores problemas na prática cotidiana. Não enveredem pelo
subjetivismo. As hipóteses são legalmente condicionadas. Não há ampla
discricionariedade, portanto os fatos têm que corresponder
necessariamente às
hipóteses legais descritas.
O esquema acima consta no livro da
professora Maria Sylvia
Di Pietro, que colocou essas quatro hipóteses que podem ensejar a
dispensa da
licitação por discricionariedade administrativa do gestor. São
hipóteses
elencadas em quatro grandes grupos:
Neste caso, temos
situações que em regra envolvem órgãos
e entidades da Administração Pública, instituições voltadas para a
pesquisa e
desenvolvimento científico e tecnológico, e ainda instituições ligadas
especificamente
à área social, na maior parte dos casos.
São os casos que o professor entende
gerar mais problemas ou
dúvidas. São, na verdade, 31 hipóteses de licitação dispensada. Mas
acalmem-se!
Começa o legislador no art. 24,
incisos I e II, combinados
com o parágrafo único, no final do artigo, em razão do valor. No inciso
I o legislador
estabelece que, para obras e serviços de engenharia, a licitação é
dispensável
até o valor correspondente a...
Art. 24. É dispensável a licitação: I – [...] 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; Art.
23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a
III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes
limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: I - para obras e serviços de engenharia: a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais); [...] II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; [...] |
Ainda não estamos nas modalidades de
licitação, que são concorrência,
tomada de preços, leilão, convite, concurso, pregão e consulta; sete no
total.
As de menor valor são as realizadas sob a modalidade de convite. O
valor
estabelecido no art. 23, inciso I alínea “a” é de até R$ 150 mil. 10%
disso
corresponde a R$ 15 mil. Para outros serviços que não sejam de
engenharia e
compras, o limite é de até R$ 8 mil.
O professor se lembra que uma vez um
aluno perguntou se a
exploração de jazidas e ouro são sujeitas às regras de licitação. Não,
pois a
Lei 8666/93 trata de obras e serviços técnicos especializados, locação
e alienação
de bens. A Lei 8666 não trata da matéria de exploração. Isso está no
art. 176
da Constituição, que pode ser feito por autorização ou concessão é
objeto do
Código de Minas. Esses assuntos, que estão em outras legislações, não
estão
cobertas pela Lei de Licitações e Contratos.
A lei prevê também a hipótese de
licitação para serviços de
publicidade, mas este é objeto de outra lei que o professor falará na
próxima
aula. Estamos dentro da Lei 8666 somente.
Para outros serviços e compras de
bens, o valor de convite é
até R$ 80 mil, então o limite para a licitação ser dispensável é até R$
8 mil,
que corresponde a 10% disso. Para outros serviços e compras há as
hipóteses em que
o legislador estabeleceu que a licitação será dispensável. No parágrafo
único,
no fim do artigo, em se tratando de consórcios públicos, de empresas
estatais,
autarquias e fundações qualificadas como agências administrativas, os
limites
dobram para 20%.
Parágrafo único. Os percentuais referidos nos incisos I e II do caput deste artigo serão 20% (vinte por cento) para compras, obras e serviços contratados por consórcios públicos, sociedade de economia mista, empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas, na forma da lei, como Agências Executivas. |
R$ 30 mil e 16 mil, respectivamente.
Mas a questão não é apenas o valor; o
legislador coloca outra
restrição: “desde que”. Essa expressão “desde que” diz respeito a uma
prática
que já foi muito frequente desde a década de 80 que é o fracionamento
do valor
da obra ou serviço para escapar da licitação. Quando se fizer a
licitação,
tendo a disponibilidade de recursos, os valores não poderão ser
fracionados,
que é uma prática que objetiva fugir da licitação, justificando sua
dispensa.
Ainda ocorre de vez em quando, mas o
legislador procurou
coibir:
I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; |
O objetivo é evitar o fracionamento.
II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; |
Até para a alienação de bens móveis
que são inservíveis para
a Administração, em vez de alienar tudo, costumava-se vender aos poucos
para
não realizar a licitação. Deve-se programar de acordo com os recursos
previstos
na lei de orçamento e fazer de uma vez só. Até para evitar o
procedimento
desnecessário de fazer múltiplas vendas.
Esses são os dois casos. Escapa-se da
licitação, mas não se
escapa de todos os outros procedimentos do certame. Deverá abrir o
processo
administrativo, justificar, apontar os pressupostos de fato e de
direito que
justificam a licitação ser dispensada, e outras formalidades que a
licitação estabelece.
O que o legislador faz é dispensar ou possibilitar que seja dispensada
a
licitação, mas não eliminar todas as demais exigências legais que sejam
necessárias à formação do respectivo procedimento licitatório.
A segunda hipótese são as situações excepcionais. Envolve uma série
de situações que também se
devem observar condições. Em caso de guerra, por exemplo, o Presidente
da
República deve ouvir o Congresso Nacional antes de declarar a guerra. É
um ato
político que requer manifestação dos dois poderes.
Grave perturbação da ordem já teve
vários nomes. Um deles
foi “comoção intestina”. Depois se chamou de “subversão interna” no
tempo do
regime militar, e hoje se usa “comoção interna”. Em Direito Financeiro
existem
situações em que há necessidade de medida provisória para abrir o
crédito
extraordinário para atender às situações de guerra, calamidade pública
e comoção
interna. É a mistura das duas antigas denominações. No Direito
Administrativo
usa-se “grave perturbação da ordem”. Decretação de estado de sítio, por
exemplo, ou estado de defesa nacional, são casos em que o Presidente da
República deverá escutar os órgãos de consulta; no caso específico, o
Conselho
de Defesa Nacional existe para fazer essa deliberação. Anteriormente é
preciso
haver a declaração desse tipo de situação que torne possível a dispensa
da
licitação.
Casos de calamidade pública devem ser
objeto de decreto. É
curioso observar que a mídia fala em estado de atenção, de alerta, de
emergência, “decretados pelo governador”. Estado de calamidade pública
tem
legislação específica. Quando acontece deve haver decreto do governador
ou
prefeito ou Presidente da República reconhecendo aquela situação. É até
na
hipótese em que a Constituição confere ao Presidente da República para
realizar
despesas urgentes, em princípio, para casos de comoção interna e
calamidade pública.
Mas para abrir o crédito extraordinário deve haver um decreto
determinando a
situação de calamidade pública. Só depois disso que se tem, por medida
provisória, a abertura de uma autorização para realizar despesas, e,
consequentemente, o processo licitatório
tem que ser antecedido desses atos normativos que possibilitem a
licitação ser
dispensável.
A legislação brasileira fala não só
em estado de calamidade
pública, mas também de emergência, que também é objeto de decreto. Não
são os
mesmos casos relacionados à abertura por decreto do Poder Executivo,
como é o
caso da calamidade pública. Vejam a expressão “quando caracterizada
urgência ...”
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos; |
Essa situação de emergência é que às
vezes os órgãos
públicos alegam para a contratação em “caráter emergencial”. Houve a
extinção
de determinado contrato, um problema aconteceu com um procedimento
licitatório,
e deseja-se atender à situação em caráter emergencial. Não é bem assim,
pois o
caráter emergencial tem que ser bem explicado. O caso do ENEM foi um
exemplo. Quando
houve aquela fraude, o MEC fez uma contratação, porque se queria fazer
o
certame através de outro consórcio. A fundamentação usada para
dispensar a
licitação foi a do inciso XIII:
XIII - na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos; |
Para a realização daquele novo exame
do ENEM na ocorrência
da fraude, o MEC quis enquadrar a dispensa de licitação em “caso de
ensino e
pesquisa.” O Tribunal de Contas da União entendeu que não era o caso,
mas sim
situação emergencial que poderia implicar prejuízo das pessoas.
Se a chuva de granizo quebrar os
equipamentos do órgão
público, deve haver a contratação emergencial. Deve haver a combinação
com as
hipóteses. Essa situação do temporal que entra num Ministério e destrói
equipamentos de informática é importantes hoje em dia.
São duas, na realidade, as hipóteses:
casos de emergência,
que não precisam de decreto, e casos de calamidade pública exigem a
expedição
de decreto. É importante que, nas situações emergenciais, os fatos têm
que ser
expostos e enquadrados nessas duas circunstâncias.
Licitação
deserta:
o que é isso? São duas expressões usadas no Direito Administrativo:
licitação
deserta e licitação fracassada. Licitação deserta ocorre quando não há
interessados no procedimento licitatório. É a hipótese do inciso V do
art. 24:
V - quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas; |
Veja que aqui também
há uma condição! Está na palavra “justificadamente”.
Ou seja se a contratação for feita de
forma direta para não
causar prejuízo à Administração, essa contratação deve ser feita nas
mesmas
condições que foram estabelecidas pelo ato convocatório ou
carta-convite.
Posteriormente, durante o
procedimento licitatório, pode
haver a desclassificação de todos os interessados. Esse é o caso de licitação fracassada. Faltaram
requisitos, seja de natureza técnica, fiscal, de capital mínimo, o que
for. Nenhum
atingiu os requisitos.
A Administração deverá determinar se
deve ou não aguardar para
realizar outro procedimento sem causar prejuízo para ela própria. Tudo
tem que
ser justificado. De qualquer maneira, mesmo nessa hipótese, ela terá
que
observar a condição estabelecida anteriormente no ato convocatório.
Outra situação que colocamos é a
hipótese da intervenção da
União no domínio econômico, seja para regularizar o abastecimento de
bens, que
possam estar em falta no mercado, ou para regular preços. Num regime de
compatibilidade, somente em casos excepcionais tem havido a ingerência
do
governo federal nos preços. Somente quando há indícios de cartelização,
mas não
há nenhum procedimento de licitação em jogo. Para trabalhar contra a
falta de
produtos e bens no mercado, no passado existia um órgão chamado SUNAB:
Superintendência Nacional de Abastecimento.
Comprometimento da segurança
nacional: tem que haver decreto
do Presidente da República estabelecendo essas hipóteses. É a hipótese
do
inciso IX. É dispensável a licitação...
IX - quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional; |
Licitação
dispensável
em razão do objeto
Diz respeito exatamente àquilo que o
governo quer comprar,
ou ao serviço que ele quer que seja prestado, obra realizada, e assim
sucessivamente. Colocamos também algumas situações sobre isso. A
primeira delas
é a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento de finalidades
precípuas da Administração, desde que haja a indicação referente à
escolha em
função do local das instalações que sejam adequadas, e também
relativamente à escolha
em função do preço praticado no mercado. Todas essas hipóteses têm,
quase
sempre, um condicionante. Inciso X:
X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia; |
Deve-se saber se aquele local é o
mais adequado para o
funcionamento do órgão da Administração Pública. Note a expressão
“desde que o
preço seja compatível...”
É forma de aquisição de propriedade
ou de locação de imóvel.
Isso tudo está relacionado ao atendimento da finalidade do órgão. O
INSS, por
exemplo, adota esse procedimento. Nas agências do INSS espalhadas aqui
no
Distrito Federal podemos ver editais para escolha do imóvel onde se
instalar.
Segunda situação que colocamos aqui é
a aquisição de
produtos. Produtos hortifrutigranjeiros, pães e outros gêneros
perecíveis, que
se estragam no curto prazo. A dispensa da licitação ocorre
relativamente à
durabilidade e não perecibilidade desses bens. Note que o legislador
colocou em
destaque o pão, não sabemos por quê.
Em todos os casos, volta o professor
a insistir, haverá
condições.
Mais uma situação: aquisição ou
restauração de obras de arte
desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.
Não é
qualquer órgão que tem a finalidade de comprar obras de arte. É
característico
de museus, mas não das agências dos correios. Escolas de belas artes
também, e
fundações culturais e artísticas.
Aquisição de peças e componentes com
garantia, salvo os automóveis,
que tem prazo de garantia e a troca de peças tem que ser por outras
indicadas
pelo fabricante, sob pena de se perder a garantia, embora, na prática,
às
vezes, a reposição se faça por peças de outras marcas.
XVII - para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia; |
Para não perder a garantia do bem, é
necessário que se faça
de acordo com a norma do inciso XVII, ou seja, não abrir licitação,
pois o
vencedor pode ser outro que não o fabricante, e a peça substituída pode
fazer
com que se perca a garantia.
Materiais para uso das Forças
Armadas: uniformes para as
Forças também é caso de licitação dispensável pois há necessidade de se
manter
o apoio logístico e a padronização:
XIX - para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto; |
Olhem a expressão condicionante:
“...com exceção de
materiais de uso pessoal e administrativo...”. ¹
Há ainda o caso dos bens destinados à
pesquisa científica e
tecnológica, que o legislador também coloca.
XXI - para a aquisição de bens e insumos destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pela Capes, pela Finep, pelo CNPq ou por outras instituições de fomento a pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico; |
Licitação
dispensável
em razão da pessoa
Vamos trazer somente alguns exemplos.
Aquisição de bens por pessoas
jurídicas de direito público é
uma primeira hipótese; aquisição de bens por instituição brasileira
dedicada a
ensino e pesquisa ou então à recuperação social de presos, desde que
não tenha finalidade
lucrativa.
Outra situação interessante se refere
às entidades
prestadoras de serviços de informática à Administração Pública. É o
caso do
SERPRO e da Dataprev. Isso é alvo de muita reclamação de empresas
particulares
que prestam esse serviço. Há o órgão próprio da Administração, como o
PRODASEN
do Senado. O SERPRO foi criado para atender à Secretaria da Receita
Federal. Quando
se desvia de atividades inerentes ao Ministério da Fazenda, instaura-se
o
processo de competição.
Organizações sem fins lucrativos,
como associações de
portadores de deficiência física.
Outro caso de dispensa de licitação é
nos casos de
permissionárias de energia elétrica e fornecimento de gás.
Logo depois o professor
mencionou
o Decreto s/n de 2/4/1996.