Direito Civil

quarta-feira, 2 de março de 2011

Evolução histórica da família

Estudamos a natureza jurídica das normas de Direito de Família.

Hoje vamos começar o instituto da família propriamente dita. Notícia de ontem: duas lésbicas alemãs exigem pensão alimentícia do sujeito que doou o esperma com ajuda do qual puderam conceber um filho. As mulheres se comprometeram a não exigir compensações financeiras do pai biológico para o futuro filho.

Depois, o pai começou a frequentar a casa do filho e a visitá-lo regularmente. As mães reclamaram a pensão. O aspecto ressaltado no texto é o acordo inicial de que não haveria a exigência de compensação financeira.

Aqui há a contraposição do direito à privacidade e o direito da pessoa a conhecer sua identidade. Isso tem reflexos para a dignidade da criança (ou adulto!) e também para efeitos de sucessão.

Em alguns países, há a cultura da doação de sêmen. Existe até a comercialização mesmo, com anúncios em sites.

No caso acima, entendeu-se que, no momento em que o pai começou a visitar, formou-se o vínculo afetivo. E esse vínculo não pode ser de visitante, de amigo, mas sim de pai, afinal comportava-se como tal e já era o pai biológico. Isso colocou em cheque o acordo anterior. As regras do Direito de Família se sobrepõem ao contrato bilateral, celebrado entre duas partes com capacidade para tal. Por consequência, o pai poderia exigir a guarda da criança, se comprovasse haver, no lar em que está presentemente, uma situação menos favorável a ela.

Outra ponderação é que a criança criada numa família de lésbicas é que não existe a figura paterna. Isso também pode ser uma variável de sopesamento.

 

Vamos começar.

Voltemos aos primórdios da civilização, em que não havia uma ideia de família. o ser humano vivia em bandos, sem regras e sem compromissos estabelecidos. A única coisa que os ligava era a segurança e a busca de alimentos, e, portanto, começaram a se movimentar, sem ter local fixo, em busca de comida. Agiam coletivamente. Fazendo isso, viviam numa situação de promiscuidade. No momento em que o bando começou a permanecer num só lugar, com o abrigo de uma caverna ou com o descobrimento da agricultura, as relações começaram a aumentar de intensidade dentro do grupo. Essas relações, gradativamente mais intensas, foram, aos poucos, demonstrando que determinadas pessoas estavam sempre juntas, e, a partir daí, começamos a ter regras de convivência entre os pequenos grupos de pessoas. Duas mulheres e cinco homens, por exemplo. Dentro desse contexto, é óbvio que esse é o norte do ordenamento jurídico, deve-se trazer paz e segurança para os indivíduos. Foi o que gradativamente começou a se buscar. Um princípio de Direito se formava ali.

O que é importante é que devemos ver a família em seus vários segmentos, em suas várias concepções quanto à própria palavra família. A família tem, para nós, um sentido jurídico, além de seu sentido na generalidade. Há o sentido jurídico geral e o sentido jurídico de normatização. É a busca de regras para a convivência social.

Essa é a ideia. Mas a família não precisa ser tomada apenas nesse sentido que estamos acostumados. Até a própria máfia é uma família, pois o chefe busca proteção ao seu grupo, especialmente pelo caráter criminoso de suas ações. Na Igreja, o Sacerdote chama os fiéis de irmãos. E, assim, temos também a concepção religiosa do que é a família.

Mas nós, aqui, como operadores do Direito, temos que ver esse objetivo mais geral e o mais social, que nos dá a possibilidade de conviver com relativa segurança, dentro dos limites estabelecidos em nosso Direito.

Quando tratamos de família, nós começamos a aula apresentando as origens da própria humanidade. Regras delinearam o modo de viver dos indivíduos. E, nisso, surgiram modelos de família, aquele grupo de pessoas que estarão sempre juntas. Estarão ligadas por laços biológicos ou por afeição. De repente, dentro da caverna, a mulher, ao ter um filho, sabe quem é o pai dele e começam a manter a constância do relacionamento sexual. O que sabemos é que, na longa evolução desse comportamento de homens, mulheres, filhos e agregados, essa evolução se cristalizou em alguns modelos de relacionamento familiar. Esses modelos são vários.

O núcleo da família é a relação entre homem e mulher. Aqui temos a possibilidade de haver a poligamia, poliandria e a monogamia. A primeira é o conceito de que um homem pode ter várias mulheres. Isso acontece ainda hoje, especialmente no mundo islâmico. Poliandria é possibilidade de a mulher ter vários homens. Existem países em que isso é possível, na África, por exemplo. O professor mesmo, quando era jornalista, viajava muito e foi à África várias vezes. Conheceu regiões em que a poliandria era permitida. Conta ele que algo que chamou a atenção foi o amor dispensado pelos maridos à mulher; um deles, em entrevista ao professor, quando a esposa comentou sobre a existência de outro marido residente em outra cidade, aquele ficou sério e choroso, dizendo, desesperadamente: “você disse que era só eu!”

E a monogamia, que é uma criação, um resultado da nossa civilização ocidental cristã. Na Grécia antiga já tínhamos monogamia como o sistema predominante. A monogamia traz consequências muito fortes, como o conceito de adultério, inclusive crime capital nalguns países. Existe a obrigação de ter relações com aquela mulher ou aquele homem, sem poder se relacionar com terceiros. Surge o dever de fidelidade; os cônjuges devem ser fiéis um ao outro, e o adultério é a quebra do dever de fidelidade. Era mais tolerado quando se tratava do adultério masculino. O homem até podia ter suas amantes, sem que isso interferisse na família. Na Grécia, as cortesãs participavam da vida dos homens, não apenas prestando satisfação sexual, mas opinando sobre suas decisões. Nessa ideia, quando se punia alguém pode adultério, normalmente o criminoso era uma mulher, não o homem.

A ideia de punir o adultério surge principalmente com o Cristianismo. Transgredir o sacramento do matrimônio é uma transgressão a Deus. Essa ideia também traz, como consequência, o conceito de família legítima.

E o tratamento jurídico? Começamos a vê-lo por Roma. Em Roma tínhamos a figura do pater familias. Centralizava tudo na família, composta dos filhos, mulher, animais, criados, escravos, negócios, bens, interesses. Surge a família por cognição e a família por agnição. Esta última é agregada ao longo do tempo, enquanto aquela é a formada pela consanguinidade. O pater representava a família nas assembleias, além de ser líder religioso dentro do lar. O pater também tinha poderes sobre os filhos, inclusive de vida e morte. Poderia inclusive dar o filho em garantia ou como escravo.

Os filhos integravam as legiões romanas, e recebiam seus soldos, deixando, posteriormente, de seguir ordens do pai, passando a seguir seu comandante. Também participava da partilha dos saques. Os recursos não eram repassados ao pai. Os filhos começavam a ter vida independente, podendo constituir suas famílias autonomamente. Paralelamente, o manus era o poder que o pai tinha sobre a mulher, a esposa, não as filhas. Não tinha poder de vida e morte, mas ela tinha dever de submissão. Não podia fazer nenhuma atividade sem a permissão aberta do marido.

O casamento se dava por meio da combinação de dois pater, e a filha de um iria viver sob a família do marido. Ela não era diretamente subordinada ao sogro, mas sim ao marido, que por sua vez era subordinada ao pai. O casamento poderia ser cum manus e sine manus. Casamento cum manus é a subordinação direta ao marido, mas, no momento em que partia com sua legião para terras distantes, esse marido passava dez, vinte anos fora de casa. Ela ficava solta, subordinada a ninguém. Daí se celebrava um casamento sine manus, voltando à casa paterna, numa situação especial: apesar de filha, devia submissão a uma terceira pessoa. É o princípio da independência das pessoas, inclusive da mulher. Começaram a surgir famílias sem o pater. E mais, com os longos períodos passados pelo marido na guerra, começou a perda do laço da submissão, e, no final do Império Romano, passaram a ter direito ao divórcio, desde que terminada a affectio. Foi bem quando surgiu o Cristianismo.

Com o monoteísmo, temos um Deus inacessível, inatingível. Não se fala em termos de oração, mas também de contato. Os deuses romanos e gregos conviviam em meio aos seres humanos, acreditavam eles. Da relação entre um deus e uma humana poderia surgir um herói.

Mudou o enfoque do casamento. Já que decorre da palavra divina e ganha consistência com ele, a figura do pater perde toda sua força em relação ao novo casal. E, como é necessário dizer o “sim”, não se pergunta mais aos pais dos noivos, mas diretamente a eles. É o primeiro momento da teoria contratual do casamento. 

Quando o Sacerdote pergunta se a mulher quer se casar, ele está dando a ela grande importância, mas não significa receber igualdade de tratamento no casamento, pois dentro do matrimônio ela continuaria submissa.