Estudamos a natureza jurídica das
normas de Direito de Família.
Hoje vamos começar o instituto da
família propriamente dita. Notícia de ontem: duas lésbicas alemãs exigem pensão
alimentícia do sujeito que doou o esperma com ajuda do qual puderam conceber um
filho. As mulheres se comprometeram a não exigir compensações financeiras do
pai biológico para o futuro filho.
Depois, o pai começou a
frequentar a casa do filho e a visitá-lo regularmente. As mães reclamaram a
pensão. O aspecto ressaltado no texto é o acordo inicial de que não haveria a
exigência de compensação financeira.
Aqui há a contraposição do
direito à privacidade e o direito da pessoa a conhecer sua identidade. Isso tem
reflexos para a dignidade da criança (ou adulto!) e também para efeitos de
sucessão.
Em alguns países, há a cultura da
doação de sêmen. Existe até a comercialização mesmo, com anúncios em sites.
No caso acima, entendeu-se que,
no momento em que o pai começou a visitar, formou-se o vínculo afetivo. E esse
vínculo não pode ser de visitante, de amigo, mas sim de pai, afinal
comportava-se como tal e já era o pai biológico. Isso colocou em cheque o
acordo anterior. As regras do Direito de Família se sobrepõem ao contrato
bilateral, celebrado entre duas partes com capacidade para tal. Por
consequência, o pai poderia exigir a guarda da criança, se comprovasse haver,
no lar em que está presentemente, uma situação menos favorável a ela.
Outra ponderação é que a criança
criada numa família de lésbicas é que não existe a figura paterna. Isso também
pode ser uma variável de sopesamento.
Vamos começar.
Voltemos aos primórdios da
civilização, em que não havia uma ideia de família. o ser humano vivia em
bandos, sem regras e sem compromissos estabelecidos. A única coisa que os ligava
era a segurança e a busca de alimentos, e, portanto, começaram a se movimentar,
sem ter local fixo, em busca de comida. Agiam coletivamente. Fazendo isso,
viviam numa situação de promiscuidade. No momento em que o bando começou a permanecer
num só lugar, com o abrigo de uma caverna ou com o descobrimento da
agricultura, as relações começaram a aumentar de intensidade dentro do grupo.
Essas relações, gradativamente mais intensas, foram, aos poucos, demonstrando
que determinadas pessoas estavam sempre juntas, e, a partir daí, começamos a
ter regras de convivência entre os pequenos grupos de pessoas. Duas mulheres e
cinco homens, por exemplo. Dentro desse contexto, é óbvio que esse é o norte do
ordenamento jurídico, deve-se trazer paz e segurança para os indivíduos. Foi o
que gradativamente começou a se buscar. Um princípio de Direito se formava ali.
O que é importante é que devemos
ver a família em seus vários segmentos, em suas várias concepções quanto à
própria palavra família. A família tem, para nós, um sentido jurídico, além de
seu sentido na generalidade. Há o sentido jurídico geral e o sentido jurídico
de normatização. É a busca de regras para a convivência social.
Essa é a ideia. Mas a família não
precisa ser tomada apenas nesse sentido que estamos acostumados. Até a própria
máfia é uma família, pois o chefe busca proteção ao seu grupo, especialmente
pelo caráter criminoso de suas ações. Na Igreja, o Sacerdote chama os fiéis de
irmãos. E, assim, temos também a concepção religiosa do que é a família.
Mas nós, aqui, como operadores do
Direito, temos que ver esse objetivo mais geral e o mais social, que nos dá a
possibilidade de conviver com relativa segurança, dentro dos limites
estabelecidos em nosso Direito.
Quando tratamos de família, nós
começamos a aula apresentando as origens da própria humanidade. Regras
delinearam o modo de viver dos indivíduos. E, nisso, surgiram modelos de
família, aquele grupo de pessoas que estarão sempre juntas. Estarão ligadas por
laços biológicos ou por afeição. De repente, dentro da caverna, a mulher, ao
ter um filho, sabe quem é o pai dele e começam a manter a constância do relacionamento
sexual. O que sabemos é que, na longa evolução desse comportamento de homens,
mulheres, filhos e agregados, essa evolução se cristalizou em alguns modelos de
relacionamento familiar. Esses modelos são vários.
O núcleo da família é a relação
entre homem e mulher. Aqui temos a possibilidade de haver a poligamia,
poliandria e a monogamia. A primeira é o conceito de que um homem pode ter
várias mulheres. Isso acontece ainda hoje, especialmente no mundo islâmico.
Poliandria é possibilidade de a mulher ter vários homens. Existem países em que
isso é possível, na África, por exemplo. O professor mesmo, quando era
jornalista, viajava muito e foi à África várias vezes. Conheceu regiões em que
a poliandria era permitida. Conta ele que algo que chamou a atenção foi o amor
dispensado pelos maridos à mulher; um deles, em entrevista ao professor, quando
a esposa comentou sobre a existência de outro marido residente em outra cidade,
aquele ficou sério e choroso, dizendo, desesperadamente: “você disse que era só
eu!”
E a monogamia, que é uma criação,
um resultado da nossa civilização ocidental cristã. Na Grécia antiga já
tínhamos monogamia como o sistema predominante. A monogamia traz consequências
muito fortes, como o conceito de adultério, inclusive crime capital nalguns
países. Existe a obrigação de ter relações com aquela mulher ou aquele homem,
sem poder se relacionar com terceiros. Surge o dever de fidelidade; os cônjuges
devem ser fiéis um ao outro, e o adultério é a quebra do dever de fidelidade. Era
mais tolerado quando se tratava do adultério masculino. O homem até podia ter
suas amantes, sem que isso interferisse na família. Na Grécia, as cortesãs
participavam da vida dos homens, não apenas prestando satisfação sexual, mas
opinando sobre suas decisões. Nessa ideia, quando se punia alguém pode
adultério, normalmente o criminoso era uma mulher, não o homem.
A ideia de punir o adultério
surge principalmente com o Cristianismo. Transgredir o sacramento do matrimônio
é uma transgressão a Deus. Essa ideia também traz, como consequência, o
conceito de família legítima.
E o tratamento jurídico?
Começamos a vê-lo por Roma. Em Roma tínhamos a figura do pater familias. Centralizava tudo na família, composta dos filhos,
mulher, animais, criados, escravos, negócios, bens, interesses. Surge a família por cognição e a família por agnição. Esta última é
agregada ao longo do tempo, enquanto aquela é a formada pela consanguinidade. O
pater representava a família nas
assembleias, além de ser líder religioso dentro do lar. O pater também tinha poderes sobre os filhos, inclusive de vida e
morte. Poderia inclusive dar o filho em garantia ou como escravo.
Os filhos integravam as legiões
romanas, e recebiam seus soldos, deixando, posteriormente, de seguir ordens do
pai, passando a seguir seu comandante. Também participava da partilha dos
saques. Os recursos não eram repassados ao pai. Os filhos começavam a ter vida
independente, podendo constituir suas famílias autonomamente. Paralelamente, o manus era o poder que o pai tinha sobre
a mulher, a esposa, não as filhas. Não tinha poder de vida e morte, mas ela
tinha dever de submissão. Não podia fazer nenhuma atividade sem a permissão
aberta do marido.
O casamento se dava por meio da
combinação de dois pater, e a filha
de um iria viver sob a família do marido. Ela não era diretamente subordinada
ao sogro, mas sim ao marido, que por sua vez era subordinada ao pai. O
casamento poderia ser cum manus e sine manus.
Casamento cum manus é a subordinação
direta ao marido, mas, no momento em que partia com sua legião para terras
distantes, esse marido passava dez, vinte anos fora de casa. Ela ficava solta,
subordinada a ninguém. Daí se celebrava um casamento sine manus, voltando à
casa paterna, numa situação especial: apesar de filha, devia submissão a uma
terceira pessoa. É o princípio da independência das pessoas, inclusive da
mulher. Começaram a surgir famílias sem o pater.
E mais, com os longos períodos passados pelo marido na guerra, começou a perda
do laço da submissão, e, no final do Império Romano, passaram a ter direito ao
divórcio, desde que terminada a affectio.
Foi bem quando surgiu o Cristianismo.
Com o monoteísmo, temos um Deus
inacessível, inatingível. Não se fala em termos de oração, mas também de
contato. Os deuses romanos e gregos conviviam em meio aos seres humanos,
acreditavam eles. Da relação entre um deus e uma humana poderia surgir um
herói.
Mudou o enfoque do casamento. Já
que decorre da palavra divina e ganha consistência com ele, a figura do pater
perde toda sua força em relação ao novo casal. E, como é necessário dizer o
“sim”, não se pergunta mais aos pais dos noivos, mas diretamente a eles. É o
primeiro momento da teoria contratual do
casamento.
Quando o Sacerdote pergunta se a
mulher quer se casar, ele está dando a ela grande importância, mas não
significa receber igualdade de tratamento no casamento, pois dentro do
matrimônio ela continuaria submissa.