Direito Civil

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Casamento por procuração e casamento perante autoridade diplomática ou consular



Ontem falávamo sobre o casamento nuncupativo. Vimos a diferença entre moléstia grave e iminente risco de vida. E que, também, após as testemunhas ouvirem a confirmação de que os nubentes querem receber um ao outro como marido e mulher, estes vão ao cartório e fazem suas declarações. São tomadas por termo dentro do juízo. Esse processo seguirá comprovando ou buscando reconstituir o casamento nuncupativo. Depois, abre-se prazo para apresentação dos documentos.

Essa apresentação dos documentos não precisa ser feito pessoalmente; os documentos podem ser apresentados por alguém da família ou outra pessoa. Depois fazem-se os proclamas. Segue toda a tramitação que ocorreria num casamento normal. Ouvem-se testemunhas se for o caso; o juiz sentencia, e, na sentença, determina que o cartório expeça a certidão de casamento assinada pelo juiz de paz. A partir daí, o efeito deste casamento é ex-tunc, retroagindo à data da celebração.

Esse é o procedimento no casamento nuncupativo.

Vimos, ontem, as hipóteses de o noivo falecer ou não depois do estado risco de vida. Não importa se ele falece ou se recupera. Ele não precisa ratificar o casamento; só irá ao cartório se quiser retificar, modificar, desistir do casamento.

Pode haver ação de nulidade post mortem? É possível sim. Os efeitos virão até a data da celebração do casamento. Se dois irmãos se casam e um vem a falecer depois, em seguida vem a público a informação de que eles eram irmãos, a hipótese é de que o casamento pode ter sua nulidade decretada em qualquer momento posterior à ciência do parentesco entre os dois, retroagindo o efeito à data da celebração e reestabelece-se o status quo ante.

 

Casamento por procuração

O Código, no art. 1535, diz:

Art. 1535. Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: "De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados."

Esse é o artigo que contém a fórmula vinculatória do juiz de paz. Mas o que interessa a nós agora é a expressão “em pessoa ou por procurador especial”: significa que nosso sistema admite o casamento por procuração. Hoje já se admite que ambos os noivos estejam representados por procuradores. É estranho, mas pode. A procuração, também, deve ser feita por instrumento público. Nela, o mandante instrui o mandatário que deverá se casar, com a descrição plena do noivo(a), com total identificação para que não haja margem de dúvidas sobre com quem se está casando.

Os autores recomendam, inclusive, que essa procuração por instrumento público contenha o regime de bens a ser adotado no casamento. Claro que, se tiver havido pacto antenupcial, que se faça menção a ele no texto do mandato.

O casamento por procuração é anulável se houver a revogação da procuração e essa revogação não houver chegado a tempo ao conhecimento do celebrante. Causa de anulação, no inciso V do art. 1550:

Art. 1550. É anulável o casamento: [...]

V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; [...]

A revogação pode não chegar a tempo. O exemplo que o professor sempre dá é aquele em que um sujeito, morador do Amazonas, tem uma noiva no interior do Rio Grande do Sul. Sabia que não poderia chegar a tempo ao Sul para se casar na data que pretendia, então lavrou um instrumento de procuração para um amigo seu na região representá-lo. Poucos dias antes de feito o “casamento remoto”, entretanto, o noivo conheceu uma bela índia, se apaixonou por ela, e, também por instrumento público, revogou a procuração anteriormente dada. Mandou por Sedex 9, mas houve problema nos Correios, e a carta ficou atrasada no centro de distribuição de correspondências, por conta de uma greve. A revogação chegou somente dois dias depois, e o casamento já havia se realizado.

Esse casamento será anulável. Mas, enquanto não anulado, é válido e está produzindo efeitos.

Sem dar mais satisfações à ex-noiva, (ex em sua cabeça, pois ele está casado e não sabe), o aventureiro, permanecendo no interior do Amazonas, casa-se com a índia. Não anulou o casamento que contraiu no Rio Grande do Sul e casou-se no Amazonas. Ele é bígamo, e está em impedimento absoluto.

Certo. O jovem indeciso mantém a situação de bigamia por dois anos, e só então viaja ao Rio Grande do Sul e eventualmente e toma conhecimento de que seu casamento não fora anulado. E agora? Art. 1560, § 2º, que contém menção ao art. 1550, inciso V:

§ 2º Na hipótese do inciso V do art. 1550, o prazo para anulação do casamento é de cento e oitenta dias, a partir da data em que o mandante tiver conhecimento da celebração.

Art. 1550. É anulável o casamento: [...]

V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

Ele então é bígamo, e entra com ação de anulação do casamento. O efeito da nulidade é ex-nunc, retroagindo só à data da sentença. Essa sentença automaticamente irá convalidar o casamento do Norte? Ou ele continua bígamo? Continua, porque houve um período de bigamia que não foi coberto pela sentença.

Essa é uma grande interrogação que temos em nosso Direito. Automaticamente convalida o segundo casamento? “Automaticamente” é a chave da questão. O casamento pode ser convalidado, mas não automaticamente. Neste caso, o juiz irá decidir de acordo com o melhor interesse da família. Então, dentro desse contexto, se houver algum questionamento, o juiz decidirá em favor da família, e, neste caso, o casamento já estaria consolidado a partir da anulação do primeiro.

Conclusão: é possível a convalidação.

Pois bem.

O recém-casado volta ao campo do Rio Grande do Sul, encontrou sua ex, quando reacendeu um sentimento de atração física nos dois; passaram quatro maravilhosos dias juntos. Viajou de volta ao Norte, voltou para Manaus e pediu a anulação de seu casamento com a índia.

Coabitação, nos termos do inciso V do art. 1550, significa o quê? De novo o art. 1550, inciso V:

Art. 1550. É anulável o casamento: [...]

V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

Qualquer pessoa pode pedir a nulidade do segundo casamento e alegar a bigamia. Neste caso, a própria gauchinha pode fazer isso, além de qualquer pessoa, inclusive o Ministério Público.

O prazo para intentar a ação de anulação é de 180 dias a partir do momento em que o cônjuge toma conhecimento que o casamento foi realizado apesar da revogação do mandato.

Essas são situações especiais do casamento. Temos o casamento nuncupativo, e o feito por procuração. Temos mais um tipo de casamento.

 

Casamento perante autoridade diplomática ou consular

O casamento perante autoridade diplomática ou consular é um tipo em que se substitui a figura da autoridade celebrante por uma autoridade diplomática ou consular. Serve para regular casamento entre estrangeiros em determinado país. A ideia é a seguinte: por acordos internacionais, os países têm dois tipos de representação exterior: uma embaixada e um consulado. A embaixada brasileira situada em cada Estado estrangeiro é a representação do Estado brasileiro neles. O embaixador é o representante do Presidente da República. A embaixada, que representa o Estado brasileiro, que é um só, existe em número de um em cada país estrangeiro. Somente uma nos Estados Unidos, uma no Japão, uma em Buenos Aires, em Trípoli, em Oslo... A embaixada cuida dos interesses do Estado, como a negociação de um acordo de pesca, ou de passaportes, vistos, e qualquer outro assunto de relevância nacional. Acorda sobre comércio, sobre assuntos bélicos, compra de aviões para a força aérea.

Já o consulado brasileiro representa os interesses do cidadão brasileiro no exterior. Quando o brasileiro vai para o exterior e acontece algo do ponto de vista pessoal dele, quem o ajudará será o consulado. O consulado trata de temas dos nacionais.

Como temos um país grande como o Brasil ou os Estados Unidos, temos, lá, mais de um milhão de brasileiros. Da mesma maneira há muitos americanos aqui, como turistas ou residentes. Há também os brasileiros no Japão.

Nesse contexto, de acordo com as regras internacionais, podemos ter vários consulados em cada Estado estrangeiro. Uma embaixada somente, porque só há um Estado. Mas podemos ter vários consulados em cada Estado. No Paraguai, por exemplo, há cerca de 400 mil brasileiros vivendo. Esse paraíso que é Cidade Del Este, onde se compram Whiskies Escoceses fabricados em destilarias locais, eletrônicos de nome parecido com os de alto renome, como SQMY, HiPhone, entre outras criações originalíssimas.

Por mais ilegal que seja a situação de um brasileiro no Paraguai, ele não deixa de ser brasileiro, mesmo que venha a ser preso. É o consulado que ajuda o brasileiro no exterior. Atua somente no sentido de assegurar que o brasileiro foi para uma cela decente, tenha sido assistido por um advogado, e que suas garantias foram observadas. Não pode tirar o sujeito de dentro da prisão, mas pode fazer serem observadas as regras locais.

Se perde passaporte, o brasileiro no exterior deve correr para o consulado e comunicar a perda.

Duas são as situações: A do estrangeiro no Brasil e a do brasileiro no exterior. Veja que estamos tratando de pessoas, e não de Estados. O estrangeiro de passagem pelo Brasil vem como turista para passear, ou vem estudar. Digamos que ele seja um italiano que veio fazer um curso. Chegou ao Brasil e começou a namorar uma mulher. Logo querem se casar. Há três tipos de mulheres com as quais ele pode vir a namorar: uma brasileira, colega de faculdade; uma italiana, ou outra de qualquer nacionalidade, nem brasileira nem italiana, que esteja no Brasil. Como ele irá se casar?

Já que ele está no Brasil, em qualquer situação ele poderá se casar de acordo com a lei brasileira, sem nenhum problema. Mas a família dele, que é italiana, pode exigir que ele se case de acordo com as leis italianas. Se for fazê-lo, ele poderá se casar apenas com uma mulher que tenha a mesma nacionalidade dele.

E se ele for iraniano? Pelas leis islâmicas, ele poderá ter mais de uma mulher. Pela lei brasileira, ele poderá ter somente uma. E agora? O iraniano não poderá se casar com uma brasileira no consulado do Irã. Esse casamento, de acordo com as leis do país, é feito no consulado, pelo cônsul do país desse estrangeiro. O cônsul iraniano só poderá casá-lo com pessoas da mesma nacionalidade dele, de acordo com as leis de seu país. Se quiser se casar com uma brasileira ou com uma de outra nacionalidade, deverá, necessariamente, se casar de acordo com a lei brasileira.

Resumindo: o estrangeiro no Brasil poderá se casar, em qualquer situação, de acordo com a lei brasileira. Se quiser casar com as leis de seu país, ele só poderá casar com alguém de sua nacionalidade e dentro do consulado de seu Estado de origem.

E o brasileiro no exterior? Imagine uma brasileira que resolveu ampliar seus dotes culturais e foi para... Disney. Lá conhece o Pato Donald, tira fotografias com ele, manda para a revista Caras, e, no dia seguinte, continua andando e conhece o Mickey. Esse encontro foi realmente “o top”. Noutro dia ela conheceu o Pateta. Apaixona-se pelos três. Tio Patinhas, que tem um pouquinho de dinheiro, descobre e tenta cortejá-la. Patinhas fixou moradia na Arábia Saudita, e possuía muito petróleo. Pateta era americano, e Mickey era um brasileiro bem legal. Pato Donald deixou de falar com ela. Ela quer casar, não sabe com quem, mas quer.

Ela poderá casar-se com qualquer um dos três, de acordo com a lei americana. Mas, se quiser casar-se de acordo com a lei brasileira, ela deve procurar o consulado do Brasil e casar-se lá, e depois trazer os papéis para registrar no Brasil.

Reparem que nosso Código diz “autoridade diplomática ou consular”. Não se fala em consulado somente!

Há países, entretanto, para os quais não vão muitos brasileiros. O embaixador do Brasil acumulativo o exercício da função diplomática naquele e em outro país. Ele faz trabalho de cônsul também. Esse é o casamento perante autoridade diplomática ou consular.

Chamemos atenção para o fato de que, antes, tínhamos os comandantes de avião e navios promovendo casamentos, que o faziam a bordo de seus veículos, deixando para registrar depois o ato. Até hoje pode haver casamento celebrado por comandantes, mas, ao chegar num porto brasileiro, o casal deverá descer para registrá-lo. Não há a presença do juiz de paz, e a autoridade é excepcional.

No casamento religioso, os nubentes levam certidão de habilitação para a Igreja, casam, e depois da celebração abrir-se-á para eles prazo de 90 dias para registrar. Levam a certidão de casamento religioso para o cartório, registram, e juntam a certidão ao processo de habilitação aberto anteriormente. Depois, o documento é encaminhado ao juiz de paz, que assina. O efeito é ex-tunc.

Esse é o casamento religioso com efeitos civis.

Há dois tipos de casamento religioso com efeitos civis, entretanto: os com habilitação prévia e o com habilitação a posteriori. Os nubentes vão à Igreja e fazem a habilitação religiosa, e casam. Depois abre-se prazo de 90 dias para irem ao cartório fazerem a habilitação civil. Fazem-se os proclamas e registram o ato. Na habilitação a posteriori, não há certidão levada à Igreja, mas o oficial do cartório já emite a certidão para o juiz de paz, que depois expede a certidão de casamento civil. Também retroage à data do casamento na Igreja, ou seja, tem efeitos ex-tunc.

As Igrejas normalmente não aceitam o segundo tipo. Isso porque, se houver algum problema no cartório, o casamento religioso não valerá nada para efeitos civis. As Igrejas preferem a primeira modalidade, portanto, pois lhes dá maior segurança.

Os noivos fazem a preparação. Com ela, obtém a certidão de habilitação. Aí vão à Igreja, e obtêm a habilitação religiosa. Casam-se. Abre o prazo de 90 dias para o registro em cartório. Nesse prazo de 90 dias, o noivo falece. E agora? Temos uma viúva a mais? Ou uma solteira que acabou de perder a chance de se casar? Mais uma vez temos grandes discussões na doutrina. Reparem que este exemplo é parecido com aquele da cerimônia do casamento em que ao o juiz de paz proferir a fórmula vinculatória, o noivo falece. Neste momento, portanto, ele já ouviu o “sim”. Seu amor terá se tornado uma viúva precoce ou continuado solteira? Viúva ou solteira? Viúva! O procedimento no cartório é mero ato administrativo, pois já temos a habilitação, a fórmula vinculatória, e o consentimento! Falta somente o registro. Ela é viúva antes de receber sua certidão de casamento.

Ela pode se arrepender? Em princípio, não pode. O momento do arrependimento já passou.