Essa apresentação dos documentos não
precisa ser feito
pessoalmente; os documentos podem ser apresentados por alguém da
família ou
outra pessoa. Depois fazem-se os proclamas. Segue toda a tramitação que
ocorreria
num casamento normal. Ouvem-se testemunhas se for o caso; o juiz
sentencia, e,
na sentença, determina que o cartório expeça a certidão de casamento
assinada
pelo juiz de paz. A partir daí, o efeito deste casamento é ex-tunc, retroagindo à data da
celebração.
Esse é o procedimento no casamento
nuncupativo.
Vimos, ontem, as hipóteses de o noivo
falecer ou não depois
do estado risco de vida. Não importa se ele falece ou se recupera. Ele
não
precisa ratificar o casamento; só
irá
ao cartório se quiser retificar,
modificar, desistir do casamento.
Pode haver ação de nulidade post mortem? É possível sim. Os efeitos
virão até a data da
celebração do casamento. Se dois irmãos se casam e um vem a falecer
depois, em
seguida vem a público a informação de que eles eram irmãos, a hipótese
é de que
o casamento pode ter sua nulidade decretada em qualquer momento
posterior à
ciência do parentesco entre os dois, retroagindo o efeito à data da
celebração
e reestabelece-se o status quo ante.
Casamento
por
procuração
O Código, no art. 1535, diz:
Art. 1535. Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, o presidente do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: "De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados." |
Esse é o artigo que contém a fórmula
vinculatória do juiz de
paz. Mas o que interessa a nós agora é a expressão “em pessoa ou por
procurador
especial”: significa que nosso sistema admite o casamento por
procuração. Hoje
já se admite que ambos os noivos estejam representados por
procuradores. É
estranho, mas pode. A procuração, também, deve ser feita por
instrumento
público. Nela, o mandante instrui o mandatário que deverá se casar, com
a
descrição plena do noivo(a), com total identificação para que não haja
margem
de dúvidas sobre com quem se está casando.
Os autores recomendam, inclusive, que
essa procuração por
instrumento público contenha o regime de bens a ser adotado no
casamento. Claro
que, se tiver havido pacto antenupcial, que se faça menção a ele no
texto do
mandato.
O casamento por procuração é anulável
se houver a revogação
da procuração e essa revogação não houver chegado a tempo ao
conhecimento do
celebrante. Causa de anulação, no inciso V do art. 1550:
Art. 1550. É anulável o casamento: [...] V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; [...] |
A revogação pode não chegar a tempo.
O exemplo que o
professor sempre dá é aquele em que um sujeito, morador do Amazonas,
tem uma
noiva no interior do Rio Grande do Sul. Sabia que não poderia chegar a
tempo ao
Sul para se casar na data que pretendia, então lavrou um instrumento de
procuração para um amigo seu na região representá-lo. Poucos dias antes
de
feito o “casamento remoto”, entretanto, o noivo conheceu uma bela
índia, se
apaixonou por ela, e, também por instrumento público, revogou a
procuração
anteriormente dada. Mandou por Sedex 9, mas houve problema nos
Correios, e a carta
ficou atrasada no centro de distribuição de correspondências, por conta
de uma
greve. A revogação chegou somente dois dias depois, e o casamento já
havia se realizado.
Esse casamento será anulável. Mas,
enquanto não anulado, é
válido e está produzindo efeitos.
Sem dar mais satisfações à ex-noiva,
(ex em sua cabeça, pois
ele está casado e não sabe), o aventureiro, permanecendo no interior do
Amazonas, casa-se com a índia. Não anulou o casamento que contraiu no
Rio
Grande do Sul e casou-se no Amazonas. Ele é bígamo, e está em
impedimento
absoluto.
Certo. O jovem indeciso mantém a
situação de bigamia por
dois anos, e só então viaja ao Rio Grande do Sul e eventualmente e toma
conhecimento de que seu casamento não fora anulado. E agora? Art. 1560,
§ 2º, que contém menção ao art. 1550, inciso V:
§ 2º Na hipótese do inciso V do art. 1550, o
prazo para anulação do casamento é de cento e oitenta dias, a partir da
data em que o mandante tiver conhecimento da celebração. Art. 1550. É anulável o casamento: [...] V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; |
Ele então é bígamo, e entra com ação
de anulação do
casamento. O efeito da nulidade é ex-nunc,
retroagindo só à data da sentença.
Essa
sentença automaticamente irá convalidar o casamento do Norte? Ou ele
continua
bígamo? Continua, porque houve um período de bigamia que não foi
coberto pela
sentença.
Essa é uma grande interrogação que
temos em nosso Direito.
Automaticamente convalida o segundo casamento? “Automaticamente” é a
chave da
questão. O casamento pode ser convalidado, mas não automaticamente.
Neste caso,
o juiz irá decidir de acordo com o melhor interesse da família. Então,
dentro
desse contexto, se houver algum questionamento, o juiz decidirá em
favor da
família, e, neste caso, o casamento já estaria consolidado a partir da
anulação
do primeiro.
Conclusão: é possível a convalidação.
Pois bem.
O recém-casado volta ao campo do Rio
Grande do Sul,
encontrou sua ex, quando reacendeu um sentimento de atração física nos
dois;
passaram quatro maravilhosos dias juntos. Viajou de volta ao Norte,
voltou para
Manaus e pediu a anulação de seu casamento com a índia.
Coabitação, nos termos do inciso V do
art. 1550, significa o
quê? De novo o art. 1550, inciso V:
Art. 1550. É anulável o casamento: [...] V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; |
Qualquer pessoa pode pedir a nulidade
do segundo casamento e
alegar a bigamia. Neste caso, a própria gauchinha pode fazer isso, além
de
qualquer pessoa, inclusive o Ministério Público.
O prazo para intentar a ação de
anulação é de 180 dias a
partir do momento em que o cônjuge toma conhecimento que o casamento
foi
realizado apesar da revogação do mandato.
Essas são situações especiais do
casamento. Temos o casamento
nuncupativo, e o feito por procuração. Temos mais um tipo de casamento.
Casamento
perante
autoridade diplomática ou consular
O casamento perante autoridade
diplomática ou consular é um
tipo em que se substitui a figura da autoridade celebrante por uma
autoridade
diplomática ou consular. Serve para regular casamento entre
estrangeiros em
determinado país. A ideia é a seguinte: por acordos internacionais, os
países têm
dois tipos de representação exterior: uma embaixada e um consulado. A
embaixada
brasileira situada em cada Estado estrangeiro é a representação do
Estado
brasileiro neles. O embaixador é o representante do Presidente da
República. A
embaixada, que representa o Estado brasileiro, que é um só, existe em
número de
um em cada país estrangeiro. Somente uma nos Estados Unidos, uma no
Japão, uma em
Buenos Aires, em Trípoli, em Oslo... A embaixada cuida dos interesses
do
Estado, como a negociação de um acordo de pesca, ou de passaportes,
vistos, e
qualquer outro assunto de relevância nacional. Acorda sobre comércio,
sobre
assuntos bélicos, compra de aviões para a força aérea.
Já o consulado brasileiro representa
os interesses do
cidadão brasileiro no exterior. Quando o brasileiro vai para o exterior
e
acontece algo do ponto de vista pessoal dele, quem o ajudará será o
consulado.
O consulado trata de temas dos nacionais.
Como temos um país grande como o
Brasil ou os Estados
Unidos, temos, lá, mais de um milhão de brasileiros. Da mesma maneira
há muitos
americanos aqui, como turistas ou residentes. Há também os brasileiros
no
Japão.
Nesse contexto, de acordo com as
regras internacionais,
podemos ter vários consulados em cada Estado estrangeiro. Uma embaixada
somente, porque só há um Estado. Mas podemos ter vários consulados em
cada
Estado. No Paraguai, por exemplo, há cerca de 400 mil brasileiros
vivendo. Esse
paraíso que é Cidade Del Este, onde se compram Whiskies Escoceses
fabricados em
destilarias locais, eletrônicos de nome parecido com os de alto renome,
como
SQMY, HiPhone, entre outras criações originalíssimas.
Por mais ilegal que seja a situação
de um brasileiro no
Paraguai, ele não deixa de ser brasileiro, mesmo que venha a ser preso.
É o
consulado que ajuda o brasileiro no exterior. Atua somente no sentido
de assegurar
que o brasileiro foi para uma cela decente, tenha sido assistido por um
advogado, e que suas garantias foram observadas. Não pode tirar o
sujeito de
dentro da prisão, mas pode fazer serem observadas as regras locais.
Se perde passaporte, o brasileiro no
exterior deve correr
para o consulado e comunicar a perda.
Duas são as situações: A do
estrangeiro no Brasil e a do
brasileiro no exterior. Veja que estamos tratando de pessoas, e não de
Estados.
O estrangeiro de passagem pelo Brasil vem como turista para passear, ou
vem estudar.
Digamos que ele seja um italiano que veio fazer um curso. Chegou ao
Brasil e
começou a namorar uma mulher. Logo querem se casar. Há três tipos de
mulheres
com as quais ele pode vir a namorar: uma brasileira, colega de
faculdade; uma
italiana, ou outra de qualquer nacionalidade, nem brasileira nem
italiana, que
esteja no Brasil. Como ele irá se casar?
Já que ele está no Brasil, em
qualquer situação ele poderá
se casar de acordo com a lei brasileira, sem nenhum problema. Mas a
família
dele, que é italiana, pode exigir que ele se case de acordo com as leis
italianas. Se for fazê-lo, ele poderá se casar apenas com uma mulher
que tenha
a mesma nacionalidade dele.
E se ele for iraniano? Pelas leis
islâmicas, ele poderá ter mais
de uma mulher. Pela lei brasileira, ele poderá ter somente uma. E
agora? O
iraniano não poderá se casar com uma brasileira no consulado do Irã.
Esse
casamento, de acordo com as leis do país, é feito no consulado, pelo
cônsul do
país desse estrangeiro. O cônsul iraniano só poderá casá-lo com pessoas
da
mesma nacionalidade dele, de acordo com as leis de seu país. Se quiser
se casar
com uma brasileira ou com uma de outra nacionalidade, deverá,
necessariamente,
se casar de acordo com a lei brasileira.
Resumindo: o estrangeiro no Brasil
poderá se casar, em
qualquer situação, de acordo com a lei brasileira. Se quiser casar com
as leis
de seu país, ele só poderá casar com alguém de sua nacionalidade e
dentro do
consulado de seu Estado de origem.
E o brasileiro no exterior? Imagine
uma brasileira que
resolveu ampliar seus dotes culturais e foi para... Disney. Lá conhece
o Pato
Donald, tira fotografias com ele, manda para a revista Caras, e, no dia
seguinte, continua andando e conhece o Mickey. Esse encontro foi
realmente “o
top”. Noutro dia ela conheceu o Pateta. Apaixona-se pelos três. Tio
Patinhas,
que tem um pouquinho de dinheiro, descobre e tenta cortejá-la. Patinhas
fixou
moradia na Arábia Saudita, e possuía muito petróleo. Pateta era
americano, e
Mickey era um brasileiro bem legal. Pato Donald deixou de falar com
ela. Ela
quer casar, não sabe com quem, mas quer.
Ela poderá casar-se com qualquer um
dos três, de acordo com
a lei americana. Mas, se quiser casar-se de acordo com a lei
brasileira, ela
deve procurar o consulado do Brasil e casar-se lá, e depois trazer os
papéis
para registrar no Brasil.
Reparem que nosso Código diz
“autoridade diplomática ou
consular”. Não se fala em consulado somente!
Há países, entretanto, para os quais
não vão muitos
brasileiros. O embaixador do Brasil acumulativo o exercício da função
diplomática naquele e em outro país. Ele faz trabalho de cônsul também.
Esse é
o casamento perante autoridade diplomática ou consular.
Chamemos atenção para o fato de que,
antes, tínhamos os
comandantes de avião e navios promovendo casamentos, que o faziam a
bordo de
seus veículos, deixando para registrar depois o ato. Até hoje pode
haver
casamento celebrado por comandantes, mas, ao chegar num porto
brasileiro, o casal
deverá descer para registrá-lo. Não há a presença do juiz de paz, e a
autoridade é excepcional.
No casamento religioso, os nubentes
levam certidão de habilitação
para a Igreja, casam, e depois da celebração abrir-se-á para eles prazo
de 90
dias para registrar. Levam a certidão de casamento religioso para o
cartório,
registram, e juntam a certidão ao processo de habilitação aberto
anteriormente.
Depois, o documento é encaminhado ao juiz de paz, que assina. O efeito
é ex-tunc.
Esse é o casamento religioso com
efeitos civis.
Há dois tipos de casamento religioso
com efeitos civis, entretanto:
os com habilitação prévia e o com habilitação a posteriori. Os nubentes
vão à
Igreja e fazem a habilitação religiosa, e casam. Depois abre-se prazo
de 90
dias para irem ao cartório fazerem a habilitação civil. Fazem-se os
proclamas e
registram o ato. Na habilitação a posteriori, não há certidão levada à
Igreja,
mas o oficial do cartório já emite a certidão para o juiz de paz, que
depois
expede a certidão de casamento civil. Também retroage à data do
casamento na
Igreja, ou seja, tem efeitos ex-tunc.
As Igrejas normalmente não aceitam o
segundo tipo. Isso
porque, se houver algum problema no cartório, o casamento religioso não
valerá
nada para efeitos civis. As Igrejas preferem a primeira modalidade,
portanto,
pois lhes dá maior segurança.
Os noivos fazem a preparação. Com
ela, obtém a certidão de
habilitação. Aí vão à Igreja, e obtêm a habilitação religiosa.
Casam-se. Abre o
prazo de 90 dias para o registro em cartório. Nesse prazo de 90 dias, o
noivo
falece. E agora? Temos uma viúva a mais? Ou uma solteira que acabou de
perder a
chance de se casar? Mais uma vez temos grandes discussões na doutrina.
Reparem
que este exemplo é parecido com aquele da cerimônia do casamento em que
ao o juiz
de paz proferir a fórmula vinculatória, o noivo falece. Neste momento,
portanto, ele já ouviu o “sim”. Seu amor terá se tornado uma viúva
precoce ou
continuado solteira? Viúva ou solteira? Viúva! O procedimento no
cartório é
mero ato administrativo, pois já temos a habilitação, a fórmula
vinculatória, e
o consentimento! Falta somente o registro. Ela é viúva antes de receber
sua
certidão de casamento.
Ela pode se arrepender? Em princípio,
não pode. O momento do
arrependimento já passou.