Direito Civil

quarta-feira, 08 de junho de 2011

Conclusão da filiação e noções de tutela e curatela

Vamos retomar o tema da filiação, ressaltando que a ação de reconhecimento de paternidade é proposta pelo pai para reconhecer o filho e, dentro daquele contexto do art. 1614, a filiação e o reconhecimento exigem o consentimento do filho, se maior, ou, se menor, terá 4 anos após atingir a maioridade ou a emancipação para impugnar o reconhecimento.

Sabemos também que a ação à disposição do marido para impugnar a filiação de criança havida de sua esposa é a ação negatória de paternidade. Se a mulher não é sua esposa, a ação cabível é de impugnação de paternidade. Por fim, a ação do filho para declarar um indivíduo seu pai é a ação de investigação de paternidade, cabível contra o suposto pai ou seus herdeiros.
 

Provas na investigação de paternidade

No processo e na prática, o mais importante é comprovar, demonstrar a filiação. Às vezes temos algumas maneiras, formas de comprovar que determinado sujeito não é o pai de uma criança. Como já dito, há a ação de impugnação ou a negatória para provar que alguém não é o pai da criança.

Algumas provas dizem respeito ao comportamento dos cônjuges. Exemplo: a pessoa a que está sendo imputada a condição de pai demonstra que, na época da concepção, estava viajando, e, por isso, não teve possibilidade de contato físico com a mulher que o aponta. Não. É uma prova importante. Ou, então, pode também demonstrar de forma clinica que, à época em que a mulher estava no período fértil o homem estava com impotência generandi, incapaz de gerar prole, e não poderia ter aquela criança.

Temos, também, a demonstração de que a mulher, na época em que teve a concepção, era uma pessoa de relacionamentos múltiplos, e que, portanto, ela tinha a possibilidade de vários possíveis pais para aquela criança.

Ou ainda a existência de algum escrito, documento, que também é importante. Tudo pode entrar para o convencimento do juiz.

Em relação à questão das relações múltiplas ficou famoso em Brasília, há muitos anos, um caso em que o sujeito foi a “certo bar ali na 9”, no tempo em que era frequentado só por héteros. O cidadão tinha a mania de levar, no bolso, uma fotografia de uma mulher atraente em poses sensuais de biquíni, e ele sentava nas mesas com as pessoas e tirava a foto do bolso para exibi-la e esnobar, dizendo “olhem a mulher que eu estou pegando!” Isso chamou atenção das pessoas em volta, que reconheceram a mulher. Outro lhe disse: “eu também já saí com essa mulher...” e mais outros, provavelmente até um garçom. De cada homem que dizia “eu também”, o esperto anotava no verso da fotografia os nomes, telefones e endereços das pessoas. Claro que ele usou como testemunhas para comprovar que a mulher era de múltiplos relacionamentos.

São provas que podem ocorrer! Mas há outros tipos de provas que são levados mais em consideração pelo nosso ordenamento jurídico.

Começa, claro, com a prova testemunhal. Ainda que tenha valor, os juízes fazem ressalvas com relação à prova testemunhal na medida em que a matéria de reconhecimento ou investigação de paternidade leva muita polêmica e emoção. Também pela qualidade das pessoas que geralmente são invocadas a testemunhar, que podem ter proximidade com uma das partes. ¹

Há também o exame prosopográfico. Prosopografia é “descrição das feições do rosto”. Sabemos que a célula humana tem 46 cromossomos, sendo 23 da mãe e 23 do pai. Isso significa que os filhos sempre têm alguma característica de seus pais. Qualquer feição facial, branco dos olhos, testa, curvatura do rosto, ângulo da ponta do nariz, saliência do queixo, e muitos outros fatores anatômicos. Faz-se a análise visual de um conjunto de semelhanças e aí temos o exame prosopográfico, que determina se alguém tem ou não características de um suposto genitor. Quantas vezes não ouvimos a expressão “é a cara do pai!” Sempre aparece alguma coisa. Isso é o exame prosopográfico. ²

Há também o exame de sangue, que tem valor para afastar a filiação. Determina os tipos sanguíneos A, B, O, AB, positivos ou negativos.

Depois temos o exame da arcada dentária, que é muito utilizado pela polícia científica que, em casos de desastres e incêndios, lançam mão dele para estabelecer vínculos de parentesco. Indica um parentesco, mas não necessariamente a filiação.

E, depois, a rainha das provas, o DNA. O DNA é a análise das células das pessoas, do pretenso pai e do filho. O pai tem 46 cromossomos, 23 encontrados no filho, que, detectados, fica demonstrada positivamente a filiação. São cromossomos encontrados na célula do pai, e outros encontrados na célula da mãe.

O teste de DNA pode ser feito não apenas a partir do sangue, mas de qualquer célula que tenhamos em nosso corpo humano. Saliva, líquido seminal, cabelo, o que for. Tem chance de acerto superior a 99%. De acordo com Maria Helena Diniz, só se repete um teste de DNA a cada trinta bilhões de testes. Não há, portanto, chance de se elidir o teste de DNA. Ele realmente dá uma segurança muito grande quanto à determinação da filiação.

Na evolução do teste de DNA tivemos uma trajetória muito interessante. Quando surgiu o teste, imediatamente foi uma descoberta que todos queriam experimentar. Quem tinha dinheiro fazia, e o juiz aceitava o resultado rapidamente. O juiz acabou ficando sem nenhum poder decisório; o teste de DNA era certeiro. Começou-se a notar que o juiz começava a perder o poder de decidir, que transferia para um laboratorista, que realmente passava a ser o senhor da verdade. Era o laudo que esse técnico que determinava a existência ou não da paternidade. Começaram a surgir denúncias sobre negócios em torno de testes de DNA. Era e é fácil oferecer R$ 3 milhões para que alguém redija um documento dizendo “positivo”. Daí os juízes começaram a ter certas restrições. Tanto que, na esteira desses embates, o STJ fixou uma posição assim: se houver algum problema ou questionamento, os juízes não deverão aceitar de plano o resultado do teste de DNA. Devem, primeiro, observar o conjunto probatório. É tudo isso: a semelhança, comportamento da pessoa dentro da sociedade, amizades que tem, tipo de vida que leva, e tudo deve ser valorado. Se a dúvida persistir, aí sim faça o segundo teste em outro laboratório, e só então o juiz decide. O intuito é fugir dessa facilidade que se tinha quanto ao resultado do teste de DNA.

Ficou famosa a decisão em relação à família de Ayrton Senna quando, numa cidadezinha em que ele tinha fazenda no interior de São Paulo, chamada Parquinho, com pistas de Kart e tudo, quando faleceu, ele era solteiro e não tinha filhos. Os irmãos dividiram entre si a fortuna.

Lembrem-se, agora que qualquer ação investigatória é imprescritível, pode ser feita a qualquer tempo; se a pessoa já faleceu pode-se fazer através dos filhos. O DNA permite a investigação desde que haja uma fonte de comparação. E, dentro desse contexto, apareceu uma filha de uma cabeleireira em que as pessoas diziam: é a cara do Senna! Aconselhada por alguém, mesmo sem nunca ter tido relações com Ayrton, e notando as semelhanças, a menina resolveu propor uma ação de investigação de paternidade, dando como pai Ayrton Senna. Nesse processo, que ficou famoso, uma das exigências foi que fossem feitos três exames de DNA, um deles no exterior, exatamente para estabelecer o teste sem manipulação. Todos deram negativo.

Essa é a dificuldade do DNA. Além dessa recomendação de não se aceitar de pronto, temos também, na evolução da prática, alguns ataques aos testes de DNA. Por exemplo: a paternidade socioafetiva. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem decidido que, mesmo comprovada a paternidade biológica, se se fizer o cotejo entre paternidade biológica e paternidade socioafetiva, esta última deve prevalecer. É um conceito que já ouvimos e já dissemos: “pai é quem cria”, e não quem fornece o material genético.

E outra brecha no DNA surgiu também no art. 1614. Mesmo com o teste de DNA, aquele que foi reconhecido pode impugnar o reconhecimento, desde que maior, ou, se menor, nos quatro anos seguintes ao atingimento da maioridade ou da emancipação. É uma forma que temos na vontade: ela deve prevalecer sobre o teste de DNA.

Art. 1614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

Aproxima-se muito da paternidade socioafetiva. Normalmente, o exemplo dado em sala de aula, a mulher que estava sendo reconhecida apontou os pais generais. Estão mais ou menos na mesma ideia.

A posse de estado de filho também não leva à prevalência do teste de DNA. O que posse do estado de filho? A ideia de “filho de criação”. A criança leva nomen, tratactus e fama de filha de uma pessoa. Em outras palavras, a criança tem nome da família, é tratada como pessoa da família, e o mundo reconhece aquela criança como membro da família.

Portanto o teste de DNA, apesar de ser a rainha das provas, tem essas restrições quanto à sua prevalência.

Do outro lado, temos a presunção de paternidade. Aquele que é apontado como pai tem o direito de se recusar, mas essa recusa leva à presunção de que ele é pai. Os juízes decidem sobre isso. No caso que colocamos antes, o juiz de Brasília decidiu que a mulher era filha do autor da ação de reconhecimento de paternidade, simplesmente porque ela havia se recusado a fazer o teste de DNA.

De qualquer forma, o Judiciário não tem o poder de forçar a pessoa a fazer o teste. Houve uma decisão histórica também no Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que uma juíza do Rio Grande do Sul forçara um senhor a se submeter a um teste. Ele ajuizou habeas corpus, e o Supremo decidiu, por unanimidade, da inviolabilidade da estrutura e informações genéticas da pessoa. O indivíduo não pode ser forçado a fornecer dados de sua intimidade genética.

Mas aqui temos, por outro lado, a presunção. Não pode ser levado sob vara, mas a negativa gera a presunção de que é pai.

Nesse contexto é que colocamos a matéria relativa à comprovação da filiação. Essas provas são utilizadas em todos os tipos de ação que tratam da declaração do vínculo de parentesco entre uma pessoa e aqueles que o geraram.

Aqui, o momento em que se estabelece essa relação de paternidade é o momento da concepção. São os direitos do nascituro assegurados desde o momento da concepção.

Com isso terminamos a matéria para a prova!

Aqui deixamos de ver adoção. O tema da adoção fugiu do nosso Direito de Família e ganhou um corpo próprio a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente. O que temos no Código Civil diz respeito à adoção de maiores. Adoção de menores na infância e juventude fica no ECA. Quanto à adoção de maiores, posso perfeitamente adotar uma menina de 40 anos!
 

Noções de tutela e curatela

Ficaram também de fora a assistência, tutela e curatela.

A curatela existe quando alguém assume toda a responsabilidade por outra pessoa que é incapaz. O instituto tem uma relação direta com a incapacidade da pessoa, incapacidade para atos da vida civil. Exemplo é a pessoa que passou a ter mal de Alzheimer, e não mais reconhece seu ambiente, seus familiares, foi declarado incapaz, e o juiz nomeia um curador. Tem todos os poderes quanto aos atos dessa pessoa, e quanto ao patrimônio dessa pessoa.

A tutela é temporária. Surge normalmente em razão da idade. Quando a pessoa que ainda é relativamente incapaz, naquele período de incapacidade ela terá um tutor. De qualquer maneira, tutores e curadores são obrigados a prestar contas da tutela e da curatela ao Poder Judiciário. Lamentavelmente o Poder Judiciário não acompanha com a devida atenção as contas dos tutores e dos curadores. Há alguns anos, houve um menino que herdou o patrimônio de mais de 30 milhões de reais dos pais que faleceram num acidente de carro, o juízo nomeou tutor, vê nove anos depois, o menino, que então contava com 18 anos, devia cerca de R$ 3 milhões. Má administração do tutor(a). Em tese, o Estado poderia  arcar com a irresponsabilidade pela culpa in vigilando e in eligendo. Mas quem iria se responsabilizar? Daqui começamos a entender o porquê de não ser possível fiscalizar.

Entra-se com a guarda a partir da responsabilidade parental, que pode ser o avô, ou quem for. Na guarda, quando dada para estranhos, conferem-se responsabilidades como se fosse o pai ou a mãe. A tutela confere somente poderes de administração do patrimônio do menor que perdeu os pais. A curatela é para pessoa que, embora maiores, perderam a capacidade de agir plenamente por conta própria. Não há perda de vínculo com os pais na tutela e curatela. Os avós, no caso do órfão acima, estavam vivos quando morreram os pais, mas foi dada a guarda para um tutor.

Matéria: o professor entende o futuro advogado deve saber manejar o idioma. Principalmente quando deve defender seu cliente. A prova, portanto, é subjetiva. Conteúdo é a partir de regime de bens, inclusive. separação e divórcio, mais centrado em divórcio, união estável, guarda e responsabilidade, e filiação. Três temas que surgiram durante o curso: alimentos gravídicos, Emenda Constitucional nº 66 e união homoafetiva como entidade familiar. No caso da união homoafetiva como entidade familiar o professor gostaria de chamar atenção quanto à decisão do Supremo. Quais os direitos que assumem os companheiros pelo fato de terem sido declarados entidade familiar? É uma questão de se pensar, para reflexão. Na realidade, o ponto de partida é a Constituição. Temos, na Constituição, a família, que merece a proteção do Estado, que é constituída pelo casamento, pela entidade familiar da união estável entre homem e mulher, e pela união monoparental. Invadindo a seara do Legislativo, o Supremo criou mais um tipo de entidade familiar. Temos agora a entidade homoafetiva criada entre duas pessoas do mesmo sexo. E aqui temos que estabelecer que os direitos do homocompanheiro serão equiparados aos direitos do companheiro da união estável entre homem e mulher. O único tema que fica de fora é a adoção, que é mais complexo, e a sociedade brasileira ainda faz muitas restrições à adoção por casais homoafetivos.

Quais os direitos dos parceiros do mesmo sexo? São aqueles direitos que falamos ao longo do curso: direitos reconhecidos para os companheiros homoafetivos. Previdência, saúde, partilha de bens, entre outros.


  1. Adicionei essa última frase.
  2. É considerado um exame fraco, porque pessoas semelhantes podem não ter nenhum parentesco.