Vamos
começar a falar sobre o
casamento.
Como
vimos nas aulas passadas,
aquela relação entre pessoas, dentro das cavernas, aos poucos começou a
se
tornar cada vez mais próxima da monogamia. Houve progressiva
identificação
entre pares. Quando o homem começou a regulamentar suas relações, o
casamento
foi uma das primeiras coisas que a história mostra como parâmetro para
identificarmos os institutos que simbolizam união entre homens e
mulheres.
Paralelamente,
o professor gosta
de colocar a religião no meio: os temores do homem sempre se baseiam
naquilo que
é desconhecido. Ao fechar uma criança num quarto escuro, a tendência
natural é
que ela sinta medo. Imaginem, agora, o que era desconhecido naquela
etapa da
história da humanidade. Um trovão era desconhecido, e atribuído
frequentemente
a diferentes divindades. Sempre houve a ideia de que havia algo acima
do homem,
algo que deveria ser temido.
A
partir desse temor o homem vai
ao passo seguinte, que é adorar essa entidade. Promete fidelidade e
pede, em
troca, proteção e que não tenha seu ambiente devastado. Disso vêm as
religiões.
Cada
uma delas marca três
momentos na vida do ser humano: nascimento, casamento e morte.
Nascimento é a
forma pela qual se recebe nova vida. A morte é o destino pós-vida. O
casamento
é a consolidação daquele grupo dentro daquela religião.
Todas
as formas de culto ao
desconhecido foram marcadas por solenidades. Solenidades diferentes, a
depender
da cultura. Cultos, orações, rezas. Tudo faz parte do culto ao
desconhecido. As
solenidades sempre marcaram os três momentos que as religiões têm por
principais: nascimento, casamento e morte. O certo é que o desconhecido
será
sempre desconhecido. Assim, o temor será uma constante.
O
que importa aqui agora é o
casamento, que continua sendo o eixo. Mais uma vez vamos a Roma, que é
o modelo
de nosso sistema jurídico. Lá havia três formas de casamento:
Além
do
Este
último colocamos num grupo separado
pois se tratava do acasalamento de escravos promovido pelos seus
senhores.
A
confarreatio era a celebração entre
classes mais favorecidas e das
pessoas ditas importantes. Coemptio
era uma celebração mais simples, para a classe média, e o usus era o casamento daqueles que hoje em
dia chamamos de “povão”.
O
que nos chama atenção é a confarreatio.
Vimos que os pater familias
promoviam
o casamento entre um filho seu e uma filha de outro pater.
A filha passaria a integrar a família do marido. Nisso ela
prestava uma vassalagem religiosa. A confarreatio
era exatamente isso: a transposição familiar. Mas como acontecia em
termos de
casamento? A descrição do casamento na confarreatio
vem de um livro chamado A Cidade Antiga, de Foustel de Coulanges, do
qual já
ouvimos falar em Introdução ao Estudo do Direito. No casamento na confarreatio tínhamos, de acordo com o
autor, que a menina, nos seus 14 anos, passava por um último ritual de
orações
de adeus à sua família paterna. Oferece seus brincos, o que simboliza a
passagem da infância para a vida adulta. Tudo era feito num tempo. O
Sacerdote
não celebrava o casamento, mas fazia apenas o vaticínio do futuro
daquele
casal. Sacrificava um animal de pequeno porte e, das vísceras dele,
faziam a
leitura dos auspícios da família vindoura. Acreditavam que seria a
mensagem dos
deuses sobre como seria a vivência futura. Da mesma forma que foi feito
na
Guerra de Troia, em que os gregos não partiram enquanto não tiveram um
vaticínio favorável.
De
qualquer modo, eram os pais
que promoviam o casamento, enquanto o Sacerdote apenas fazia os votos.
O
vaticínio era a presença religiosa.
Interessante
isso porque pela
primeira vez temos a participação do Estado, já que, dentro da
solenidade,
estavam presentes os representantes das doze tribos de Roma. Sem a
sociedade
civil presente, não havia casamento. Foi a primeira vez em que vimos a
soma da
religião com a sociedade civil na celebração do casamento.
Confarreatio era o nome que se dava a um
enorme bolo de trigo, que,
após a solenidade, era dividido entre os presentes. Daí surgiu o
tradicional bolo
de noiva.
Terminado
o casamento, o casal ia
para a residência do pai da moça, havia uma grande festa, saindo depois
em
procissão algazarrenta para a nova casa do casal. Nisso, Coulanges
descreve
que, ao chegar em casa, o noivo tomava a noiva em seus braços, e entrava em
casa
com ela no colo. A primeira coisa que ela fazia era ir ao altar fazer
as
primeiras orações, começando com o adeus à família paterna, ao deus lar
paterno.
A
segunda modalidade era a coemptio,
casamento parecido com a confarreatio,
exceto que era menos
solene, dispensava a presença das autoridades e os ritos eram mais
reduzidos.
Era o utilizado por classes mais baixas que a elite.
O usus, como diz o nome, era o “uso” da
mulher por dois anos. Modalidade
de casamento usada entre as classes mais baixas. Se quisessem se casar,
os
noivos se uniam por dois anos na casa do noivo. Se a noiva conseguisse
morar lá
sem deixar a casa do homem por três dias seguidos, ela poderia se casar. Se falhasse, teria que voltar à
casa paterna.
O casamento cristão
O
passo seguinte foi o casamento
religioso, o casamento cristão. Era promovido em nome de Deus, entidade
una
superior. Diferente de antes, em que havia diferentes deuses lares. Por
meio do
Sacerdote, Deus unia o homem e a mulher. Não há a transposição
religiosa; o
Deus é o mesmo para ambos. Aqui sim o casamento passa a ser uma decisão
pessoal. É um passo que damos na história de nosso casamento.
Nesse
contexto, o Sacerdote
pergunta se o homem quer se casar com a mulher, e vice-versa. Quando
manifestam
o consentimento, o celebrante declara-os casados, fazendo surgir entre
eles um
vínculo matrimonial que não pode ser desfeito. Importante aqui são as
testemunhas, que não são civis ou religiosas, mas parentes e amigos dos
noivos.
É a primeira manifestação que vemos de uma futura teoria
contratualista do casamento. No momento em que esse homem e
essa mulher dizem sim ao casamento, eles formam um contrato entre eles,
um
contrato que se firma perante Deus. O contrato não pode ser desfeito a
não ser
pela vontade de Deus, ou seja, a morte.
É
uma mudança fundamental do
ponto de vista do consentimento, da presença do Sacerdote e seu papel,
e da
unidade de Deus. Além, é claro, do contrato.
Também
surge aqui outra
solenidade, o beijo nupcial entre noivos. “E, agora, o noivo pode
beijar a
noiva.” É o beijo que sela a relação entre os dois. É o “beijo
oficial”, o
símbolo do comprometimento. Surge a nova família.
Note
que nunca se admitiu
casamento entre pessoas do mesmo sexo, mesmo antes do Cristianismo. Por
uma
razão muito simples: é da própria essência do casamento a maternidade,
o
nascimento dos filhos. Não é o único elemento, mas faz parte da
Filosofia do
casamento cristão o nascimento de filhos, que também tem uma inspiração
divina;
surgiram algumas ideias populares, algumas crenças como aquela que diz:
“terei
filhos quando Deus quiser.” Uma segunda posição é o posicionamento
contrário da
Igreja Católica, até hoje, ao planejamento familiar forçado pelo
Estado. A
Igreja não admite a intervenção do Estado na escolha da família quanto
ao
número de filhos. O planejamento familiar forçado tira de Deus a
possibilidade
de dar ao casal mais ou menos filhos.
Modelo moderno
No
século XVIII, os franceses,
também cristãos, copiaram o modelo cristão de casamento, só que, ao
invés do
Sacerdote, incluíram a figura do juiz de paz, e, em vez de Deus, a lei.
“Em nome
da Lei, declaro-os marido e mulher”. A vantagem foi manter o sistema
ocidental
cristão ao mesmo tempo em que se passa da religião para a sociedade a
celebração do casamento, que passará a ser quem diz se o vínculo é ou
não
solúvel.
Essa
instituição é vista de
várias maneiras. Há filósofos que ainda aproximam o casamento de Deus,
e outras
que aproximam das instituições civis; há correntes que amam o
casamento, e
outras que detestam. Quatro filósofos são: Laurent, Lessinc, Schoppenhauer e Lockeridge.
Deixando
de lado as posições
filosóficas, vamos ao conceito jurídico, dado por Clóvis Beviláqua: “contrato bilateral solene no qual um homem e
uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando, por ele, as suas
relações
sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses.”
O
grande civilista brasileiro vai além: acha que deve surgir, entre
marido e
mulher, o que nós chamamos hoje de cumplicidade. O marido deve ser
cúmplice da
esposa e vice-versa. Não no sentido criminal do termo, claro.
Cumplicidade na
vida em comum. Conceder mesmo! E continua: “...e
educar a prole que deles nascer.”
Clóvis
adota uma posição
contratualista do casamento, um contrato bilateral solene,
posicionamento que
temos até hoje. A grande maioria de nossos teóricos adota essa posição,
acrescentando que é um contrato especial exatamente porque trata da
constituição de uma família. Um contrato bilateral solene podemos ter
até para a
celebração de um tratado internacional, mas esse tratado não
constituirá
família! Apontam também algumas...
Finalidades do casamento
...que
surgem a partir mesmo da
definição de Clóvis:
Esses
são os fins do casamento.
Leia o conceito de Clovis novamente e nele você verá os fins!
Natureza jurídica do casamento
Há
duas correntes doutrinárias que pretendem explicar a
natureza jurídica do casamento. Uma institucionalista e uma
contratualista.
A
corrente institucionalista é a
que defende uma maior presença do Estado na vida do casal. É a defesa
do
casamento como uma instituição social que não só permite, como também
exige uma
presença mais ativa do Estado com o fim de defender a própria
sociedade.
Temos
essa presença em alguns
países. De uma maneira indireta, há os países que incentivam o
casamento e a
criação de filhos. França, por exemplo, que oferece incentivos fiscais
ao casal
que gerar o terceiro filho. Há algumas décadas o casal se orgulhava de
ter oito
filhos. A média duas gerações antes da nossa era de quatro. Na anterior
à
nossa, dois. Hoje, condiciona-se ter filhos à situação econômica do
casal.
É
uma corrente que diz que “vontade
das partes só em dois momentos: no consentimento e no divórcio.” De
resto, tudo
é regulamentado.
A
outra corrente, a
contratualista, diz que não é bem assim; para esta, os cônjuges têm uma
enorme
gama de decisão, que deve ser preservada, de como querem seu casamento,
independentemente
da vontade do Estado. Decidem como planejar a vida, quantos filhos
terão, como
se tratarão entre quatro paredes, como será a educação da criança, qual
será a
escola dela, etc. Isso porque toda a vida já é regulamentada, e o
casamento faz
parte disso.
Características do casamento
É
um instituto de ordem pública.
Toda legislação sobre o casamento é de ordem pública. Suas normas são
cogentes,
obrigam a todos indistintamente. O casamento se realiza através de um
ato
solene. Essa solenidade garante a livre manifestação da vontade, a
publicidade,
por ser ato público, que é essencial para a própria validade do
casamento. Sem
tudo isso, um casamento poderia se formar entre quatro paredes, com o
pai
forçando o filho a casar com qualquer pessoa. Quanto maior o número de
pessoas,
mais autêntico fica. Casamento feito a portas fechadas é anulável.
Diversidade
de sexos: desde as
mais remotas origens de nossa civilização ocidental está a diversidade
de sexos
como elemento essencial, pressuposto fático para o casamento. Hoje
temos alguns
direitos respeitados para casais do mesmo sexo.
Finalmente,
a característica da
dissolubilidade. O casamento pode ser dissolvido. Isso passou a ser
possível
desde o momento em que se substituiu Deus pela lei. O casamento deixa
de ser um
sacramento para ser um comprometimento. Hoje temos apenas dois países
que não
permitem o divórcio.