Direito Civil

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Dissolução do casamento e divórcio

Nós terminamos os regimes de bens do casamento. Começaremos, hoje, o tema do divórcio. Casamos, agora vamos descasar.

Em relação ao divórcio é a primeira vez que o professor dá aula sobre este tema depois de promulgada a Emenda Constitucional nº 66, que acabou com a separação judicial em nosso país. O professor, enquanto preparava esta aula, viu as dificuldades, os espaços vazios, os buracos negros que vamos ter nesses próximos meses e anos em que buscaremos a solução pela via doutrinária e pela via da jurisprudência. A Emenda 66 simplesmente passou a borracha no instituto da separação judicial, e sem mais. Os processos que começaram após a Emenda não têm problema; nos em andamento quando da promulgação o juiz manda fazer a conversão da separação em divórcio. Bastava ler “divórcio” onde se lia “separação”.

Ainda há divergências entre os juízes sobre aquela situação dos cidadãos que eram separados e não divorciados. Como fica essa transformação, que não pode ser automática? Não se trata simplesmente de acabar com a separação. Será que se deve ir ao cartório averbar a transformação da separação em divórcio? Não é simples assim, pois precisa de autorização judicial.

Ontem uma amiga do professor, colega de escritório, resolveu fazer um pedido de conversão de separação em divórcio. É uma ação nova? Não. Mas o juiz disse que é. Então há juízes que aceitam o simples peticionamento para a conversão da separação em divórcio, enquanto outros exigem ação nova.

Ainda estamos vendo coisas dessa natureza. Se o professor fosse ministrar-nos a parte de separação como antigamente, ele falaria da separação descaridosa, que era uma situação em que, durante o casamento, se o cônjuge fosse acometido de doença mental grave, o outro cônjuge poderia pedir a separação desde que essa doença fosse tratada durante dois anos e os médicos declarassem cura improvável. Então, a mulher está em casa, e o marido de repente fica louco. Ele inicia o tratamento que chega a dois anos. Continua sem consciência. A mulher então pede a separação para buscar uma nova vida. É uma separação descaridosa, que deixava sozinho o cônjuge acometido de doença mental grave.

Agora temos o divórcio que pode ser pedido a qualquer momento. Não tem lapso temporal. Como fica esse dispositivo? A Emenda Constitucional diz que não há prazo, então pode-se pedir a qualquer tempo. A Constituição deve prevalecer. Mas será que é isso que o legislador quis? Acabar com essas situações, como a separação descaridosa, em que se abandona o cônjuge acometido de doença mental grave durante o casamento?

São temas com que ainda não sabemos como lidar.

Na separação, havia a forma consensual e a litigiosa, em que se atribuía ao cônjuge a culpa pela quebra dos deveres do matrimônio, que tinha consequências jurídicas, inclusive os alimentos. A nova Emenda 66 faz desaparecer o conceito de culpa na dissolução do casamento. Vamos dissolver o casamento pela simples vontade de dissolvê-lo. Não é porque se atribui culpa ou não; acabou e ponto final. Acaba porque acaba a afeição.

O divórcio litigioso continua existindo, mas o litígio muda de enfoque: não trata mais de aferição da culpa, mas porque o outro cônjuge não quer o divórcio, simples assim. Não se pode entrar com pedido de divórcio sozinho, pois o outro não concorda com o divórcio. Por isso litigioso e não consensual. Mas o outro não alegará simplesmente “que não concorda”; não existe mais isso. Apenas modifica-se o tipo da ação, mas o direito da pessoa de pedir divórcio continua intacto.

Isso tudo posto, eis a dificuldade do professor de dar esta aula hoje. Estamos no meio de uma transposição, de uma passagem de um momento para outro, tudo por causa de uma mudança que se deu da noite para o dia.

O professor, portanto, apresentará o que o consenso indica que se deve apresentar. Significa que ele falará algumas coisas sobre a separação, algo sobre direitos e deveres do matrimônio, que não foi afetado pela Emenda Constitucional, e a insuportabilidade da vida em comum, que é a questão que importa hoje. Vamos dar ênfase a essa insuportabilidade. Não é a atribuição de culpa, de quem tenha tornado a vida insuportável, mas o reconhecimento de uma insuportabilidade, em que se chega a uma situação de insuportabilidade especialmente porque desaparece o afeto e as questões tornam-se mais sensíveis, e produzem o atrito e o conflito mais facilmente, tornando a vida em comum insuportável, levando ao divórcio.

O professor também colocará as questões que o Código apresenta, que são os deveres do matrimônio. Há deveres que teoricamente os cônjuges são obrigados a cumprir e, caso não o façam, o outro poderá pedir o divórcio.

Com a ausência do afeto, equipara-se o casamento à união estável: cada um vai para um canto, e não há porque continuar juntos. Se algo for discutido, serão alimentos, filhos, partilha de bens, nome, etc.; mas a relação acaba.

Mas o casamento, enquanto existe, implica no respeito ao dever de fidelidade. A quebra do dever pode tornar o casamento insuportável. E, a partir dessa insuportabilidade é que se permite o divórcio.

Vejam o que estamos construindo. Nessa construção, alguns pontos não se alteram, evidentemente. E começamos realmente por um processo de evolução do tema em nosso ordenamento jurídico. É melhor entender a profundidade da transformação.

Inúmeras vezes dissemos que nosso ordenamento incorporou o modelo cristão de casamento, em especial o casamento católico, que tem uma entidade superior, o sacerdote unindo duas pessoas e o vínculo indissolúvel. Nessa construção temos um vínculo matrimonial que é um laço invisível, que une as duas pessoas. Esse vínculo matrimonial no sistema cristão é assegurado por Deus, afirmado por Deus. Por isso o sacerdote diz: “em nome de Deus, declaro-os marido e mulher.” Por isso, para a Igreja Católica, esse vínculo tem caráter de sacramento.

O casamento civil é criado em função da lei, o vínculo é dado em função da lei. O juiz de paz declara os noivos casados em nome da lei.

Marido e mulher constituem uma sociedade conjugal. Ao fazê-lo, o ser humano age como ser humano, e é falível. Infalível é Deus e, ao menos em tese, a lei enquanto em vigor. Mas a construção da sociedade conjugal é obra do ser humano, por isso pode ser desfeita mesmo de acordo com o Código Canônico. Ele permite o término da sociedade conjugal, mas não o do vínculo matrimonial. Assim explicamos a separação: o término da sociedade conjugal é a separação. Separam-se fisicamente os cônjuges, mas eles continuam com o vínculo, não podem se casar novamente, tratam-se dos alimentos, determina-se que os filhos ficarão com um dos dois, e trata-se também do nome a ser usado após a separação.

Esses são os temas humanos em relação à separação.

Isso prevaleceu até 1977. Solucionava-se o problema separando-se o casal, dando a partilha dos bens, e resolvendo os aspectos humanos da sociedade. Naquele ano houve um movimento pela adoção do divórcio. Tínhamos o fim da sociedade conjugal mais o fim do vínculo matrimonial. E, aqui, chegamos ao divórcio. O divórcio nada mais é que o fim da sociedade conjugal e o fim do vínculo matrimonial. A partir daqui é permitido à pessoa um novo casamento. Quando havia somente separação, ela não poderia contrair novo casamento.

Esse é um processo de transformação. Partimos de um posicionamento da indissolubilidade, a não ser com a morte, daí presente o espírito cristão: só Deus casa e só Deus termina o casamento. Em 77 chegamos à possibilidade do divórcio. Obtinha-se o divórcio através de dois caminhos: pela conversão da separação em divórcio, ou através de um divórcio direto desde que houvesse uma separação de fato há pelo menos dois anos. Assim funcionava.

Para efetuar a conversão da separação em divórcio vínhamos com a separação primeiramente, cumpríamos com todos os itens, responsabilidade e guarda dos filhos, fixação de alimentos, visitas, partilha de acordo com o regime de bens, dava-se um lapso temporal e passava à conversão em divórcio. Era um processo de petição simples, demonstrando a satisfação dos requisitos. O requisito principal era o lapso temporal.

Ou, caso os cônjuges já estivessem separados de fato há mais de dois anos, eles podiam ajuizar o pedido de divórcio direto.

Chegava-se ao divórcio pela via da conversão e pela via do divórcio direto. Em qualquer circunstância seguiam-se dois modelos: ou se fazia a separação consensual ou a separação litigiosa. A conversão da separação em divórcio poderia ser consensual ou litigiosa. O divórcio direto poderia ser consensual ou litigioso. Em qualquer circunstância chegava-se ao resultado, quer fosse o resultado da separação, quer fosse resultado do divórcio, pela via consensual ou litigiosa.

A via consensual sempre foi a mais fácil, e precisava menos do Estado. Pela via consensual não se precisava informar ao juiz as razões da insuportabilidade da vida em comum. Bastava a afirmativa de ambos os cônjuges que não querem mais continuar no casamento. Era a incompatibilidade de gênios. A separação ou o divórcio se fazem hoje assim.

É interessante nesse contexto que nosso legislador criou uma figura atípica que é a função do advogado na separação ou no divórcio consensual. Apesar de ter procuração nos autos para movimentar o processo, o advogado é apenas assistente das partes, dos cônjuges, do marido e da mulher. Quando se faz à petição, fala-se: “fulano e fulana vêm, assistidos pelo advogado infra...” Os cônjuges assinam diretamente a petição de divórcio e a petição de separação, esta quando existia. O advogado atua somente como assistente. E mais: funcionava só como assistente, portanto poderia ser advogado de ambas as partes. Não havia conflito. Assistia as partes como se fosse um guia para as normas que regem a separação.

No processo de divórcio consensual, que é do que estamos falando neste momento, teremos apenas uma audiência, em que o juiz pede que os cônjuges ratifiquem aquela petição de divórcio. Nada mais. É uma audiência que pode durar dez minutos apenas. O juiz olha a petição, vê se tem erros, ambos afirmam o distrato, ambos assinam, o advogado também assina na condição de assistente, e está feito. Não há nenhum obstáculo à concessão do divórcio. E, aqui, surge um conceito de divórcio; nesse ato e nesse momento materializamos um conceito: “divórcio é a dissolução de um casamento. Através desse divórcio, os ex-cônjuges voltam a uma situação civil equiparada à condição de solteiros. Isto é, podem casar novamente.”

Atenção: o divórcio é uma faculdade, um direito personalíssimo, que o ordenamento coloca à disposição dos cônjuges para que eles, por decisão pessoal, possam terminar aquele matrimônio, e dissolver seu casamento.

Não será preciso apresentar, no divórcio consensual, as razões da insuportabilidade; basta comunicar à autoridade judicial sua decisão de terminar com o casamento. Ambos os cônjuges resolvem acabar com o casamento. Não precisam explicar, dizer por que, declinar motivos. É uma forma de materializar a teoria do casamento como um contrato. O contrato se desfaz pela vontade das partes. Basta a afirmação dos cônjuges.

Nessa audiência de conciliação o juiz ainda pergunta aos cônjuges se é exatamente aquilo que querem mesmo. Pergunta aos dois. Se sim, profere sentença. Mas, quando o juiz entende que há uma dúvida, em que um dos cônjuges ainda não está convencido, ele suspende a audiência e dá um prazo para que o sujeito reflita se quer ou não terminar seu casamento. Houve um caso em que o juiz perguntou para a mulher, e ela prontamente disse que sim; o marido, por sua vez, respondeu exatamente assim: “bom, sabe o que é? Ela quer, né... então vamos fazer como ela quer.” Feito isso, o juiz suspendeu a audiência e deu prazo para ele formar a convicção melhor. Só então seria perguntado ao sujeito se queria mesmo terminar; se não quisesse, o procedimento seria convertido em divórcio litigioso. O homem ameaçou discordar. A mulher, claro, deu um ataque. Na segunda audiência, o sujeito, cabisbaixo, concordou com o fim de seu casamento.

Outro caso era de um homem com seus 70 anos, querendo se divorciar de sua esposa, de 60; casados havia 40 anos, ele queria o divórcio porque havia se apaixonado por uma colega de trabalho, uma menina com seus 45. Para poder casar com ela, ele dizia que a mulher sabia disso. Foi quando o professor, que presenciou o encontro dos dois do lado de fora da sala após a audiência, notou a lição de civilidade dada pela mulher que acabava de ser preterida: “está satisfeito? (pausa) Que seja feliz.”

Reparem que estamos apresentando o divórcio, e, dentro desse contexto, o divórcio direto consensual é feito com muita tranquilidade. Quando pedimos o divórcio, se consensual, já apresentamos na petição esses quesitos: guarda e responsabilidade pelos filhos, visitas, partilha de bens, alimentos, nome e lapso temporal. Acompanham o pedido de divórcio, quer seja o divórcio consensual, quer seja o divórcio litigioso.

Separação física: normalmente, num divórcio consensual, os cônjuges ainda se dão bem. Ainda convivem. Ou então o marido saiu de casa numa boa, sem problemas. Então, a questão da separação física não tem tanta relevância, porque eles podem estar juntos morando na mesma casa, dormindo na mesma cama, e decidiram se separar. ¹

Depois vem a questão da guarda e responsabilidade pelos filhos. Na petição, coloca-se que o casal é casado desde tal data, e que esse casamento gerou dois filhos. Joãozinho, com 10 anos, e Mariazinha, com 5. Com isso já se informa ao juiz que serão tratados temas relacionados à guarda e alimentos.

A guarda há alguns anos era chamada de posse e guarda. Mas “posse” dá uma ideia de submissão de coisa à pessoa. E não é razoável que se estabeleça essa relação de poder em relação aos filhos. O legislador, então, resolveu, com esse enfoque, mudar a expressão “posse e guarda” para “guarda e responsabilidade”. A guarda significa ter o filho ao seu lado. E, nesse ‘estar junto’, o pai e/ou a mãe exercem o pátrio poder e zelam pelo filho, transmitem-lhe educação, conhecimento, segurança, saúde, atendem-no nas necessidades físicas, materiais, espirituais, isto a guarda faz com que o pai tenha essa criança ao seu lado para que o pai exerça seu pátrio poder, para que assegure à criança a consecução de todos os objetivos para levá-la ao desenvolvimento físico e espiritual.

Isso é a guarda. É sob esse enfoque que devemos vê-la.

E a responsabilidade? É a responsabilidade do pai de responder pelos atos praticados pelo filho menor. Se o filho, aos 14 anos, pegou escondido o carro e bateu em algo ou alguém, o pai deverá ser responsabilizado.

O Ministério Público é obrigado a opinar quando houver, em jogo, interesses de menor. O MP opina dando um parecer sobre a legalidade daquela separação e se as propostas formuladas pelos cônjuges atendem aos a esses interesses do menor.

A guarda pode ficar tanto com o pai quanto com a mãe. Algumas pequenas regras, entretanto: quanto menor a criança, maior a chance de ela ficar com a mãe. Isso se houver alguma divergência em relação à guarda, sendo que, nessa petição de separação consensual, deve-se também incluir essa questão. Os cônjuges já se entenderam em relação a esse ponto. Mas o que temos em termos de doutrina e jurisprudência é que quanto menor a criança, maior a chance de a guarda ser dada à mãe. É a importância da figura materna na formação dessa criança. Não apenas a figura materna, mas, também, um caso de crianças bem pequenas, é a mãe que irá amamentar. O pai sozinho, na maioria das vezes, não terá condições de lidar com essa etapa da vida.

Quando a criança tem por volta de seus 8 anos de idade, o juiz poderá decidir pela guarda do pai. O juiz pode, neste caso, entender que é melhor de outra forma, e decidir de forma diferente da pleiteada pelos cônjuges. Ele deverá observar o que é melhor para o interesse da criança. Pode até deixar com a avó. Nalgumas situações, até para instituição especializada em menores. E pode decidir, inclusive, ficar com um estranho!

Temos alguns tipos de guarda. São, basicamente, três os tipos de guarda mais utilizados pelo nosso ordenamento.

Ou temos:

A primeira, a guarda alternada, não é recomendada pelos psicólogos, por uma razão muito simples: o filho passa períodos com a mãe e períodos com o pai. Pode ser de alguns meses, ou até de anos. Essa é guarda alternada. No momento em que se tem a alternância, o genitor tem a guarda e tem também a responsabilidade. Não é recomendável porque, de acordo com os psicólogos, especialmente em crianças menores, as crianças acabam perdendo o seu norte, seu ponto de referência. Ela está mudando, e todo um processo de adaptação à nova fase tem que ser reiniciado. Ao se acostumar, ela acaba voltando à outra casa e, ao começar tudo de novo, pode ser que haja uma nova parceira ou parceiro na casa do genitor de quem a criança ficara afastada, o fará com que a criança também deva se adaptar a essa pessoa, que pode ser inconveniente. Ela também terá que voltar ao seu espaço, e refazer seus amigos. Isso é difícil. Muitas vezes a criança muda de escola, ou até de cidade! Enfim, esse vai-e-vem não é recomendado. Especialmente para crianças de pouca idade.

O professor, entretanto, conhece casais que adotaram essa modalidade de guarda e deu tudo certo. Não é regra que dará errado! Há riscos, mas não proibição social. Os riscos indicados pelos psicólogos não necessariamente significam aquela realidade da família.

A guarda única, por sua vez, é conferida a guarda e responsabilidade a um dos genitores, que assegura ao outro o direito de visita. Nisso, fixa-se a criança junto à mãe ou ao pai. Por isso deve-se fazer com que a criança esteja, a cada período, com sua mãe ou seu pai de quem está afastado. Até há alguns anos atrás, era impensável a guarda ser dada ao pai. Hoje é cada vez maior o número de pais que obtêm a guarda. São as transformações sociais, a luta da mulher pela ascensão na sociedade, mercado de trabalho, luta por sobrevivência, crescimento profissional, então ela deixa o ambiente doméstico e vai para o ambiente profissional, cuidar de sua vida. Não que ela tenha abandonado o filho, mas suas intenções estão diferenciadas. O homem pode, por outro lado, ter a guarda da criança. Quanto menor, maior a probabilidade de ficar com a mãe. À medida que cresce, pode ir ficando com o pai. Aos 8 anos, aproximadamente, o juiz poderá ouvir a criança, muito embora poucos o façam e também não seja recomendável, e usar seu depoimento para o convencimento. Nessa idade já há maiões chances de ela ficar com o pai. Com 16 a 17 anos, não haverá problema: o juiz ouve e fica clara a preferência.

Há outros fatores a serem contabilizados. Se a mãe é uma prostituta, o juiz preferirá dar a guarda ao pai. Se este é traficante, ele preferirá dar à mãe. O juiz deve observar as relações familiares e proteger a criança. Sempre há, na realidade, um ideal a ser buscado. Ocorre muitas vezes, entretanto, e poderemos vivenciar isso, de jovens de 18 anos ingressarem no curso de Direito, se formarem 22 e aos 25 já serem juízes de família. Como irão decidir uma questão de guarda sem se ter a experiência com filhos, e saber o que é ter filhos?

Observação: a condição financeira dos pais não é determinante, mas é computada.

Por último temos a guarda compartilhada, em que não temos a fixação de um genitor guardião. Ambos continuam guardiões daquela criança. A guarda e responsabilidade continuam com o pai e com a mãe. Não se atribui a um deles somente. Não há fixação de direito de visitas, porque se supõe que ambos estarão com a criança sempre, em todos os momentos. A definição de uma residência para o menor é apenas para facilitar a própria vida da criança. E, aí, normalmente ela ficará, se muito pequena, com mãe. E daí seguem as mesmas regras.

Em termos ideais, é a melhor guarda que existe. Tanto que é admitida apenas nos divórcios consensuais. Isso porque as dissoluções consensuais exigem um grau de entendimento muito grande entre ex-marido e ex-esposa. Ambos têm que se preocupar com o desenvolvimento em todas as frentes do filho. Como dizem os defensores dessa guarda compartilhada, é como se a família continuasse, só que, agora, sem casamento. É como se a família estivesse presente na vida da criança, porém sem casamento. Em termos ideais é isso que se busca. A responsabilidade é dos dois pais. Se a criança pegar o carro e batê-lo, os dois pais serão responsáveis.

Esse modelo da guarda compartilhada foi importado há uns quinze anos de países europeus, especialmente da Escandinávia. Tendo em vista que idealmente é o melhor regime que existe, e logo ganhou a aprovação de doutrinadores mais avançados e jovens, e, de repente, verificou-se que a aplicação desse regime aqui no Brasil não é a mesma que a aplicação desse regime na Suécia, por exemplo. Por uma simples constatação: aqui, somos brasileiros, latinos, subdesenvolvidos, machistas. Lá, eles são suecos, veem a relação entre homem e mulher de maneira diferente, há um sistema estatal que funciona com suporte à criança, em que ela tem os pais quase como assistentes. Os pais vêm buscar a criança ao final do dia, e a levam para o ambiente doméstico.

O que se verificou aqui é que o filho pode estar com o pai a qualquer momento, ou com mãe. Chatice ocorre quando o pai vai buscar o filho na casa da mãe e não vai com a cara do novo companheiro dela. E vice-versa! Imagine a mãe indo buscar a filha na casa do pai e encontra aquela loiraça turbinada, andando de shortinho. Pode haver ciúme natural.

Tanto que se formos fazer a análise dos textos que tratam dessa matéria, temos a guarda única, estabelecendo a responsabilidade do pai e as regras de visita. Veja se há aqui, por exemplo, efetividade numa norma ideal como: “o Estado oferecerá psicólogo à criança”. Evidente que não há isso no Brasil. Essa guarda compartilhada, que idealmente seria o melhor sistema, não está sendo nem mesmo recomendada pelos juízes. Por essas razões de ordem prática. Mais ainda: as despesas são compartilhadas entre pai e mãe. Compartilhar despesas é muito bonito... exceto na cobrança! O ex-maridão quererá saber como o dinheiro foi gasto, que dieta o filho está tendo, se tá ganhando presentes que gosta, etc. E aqui surgem brigas sobre valores dados pelo outro cônjuge, e cuidado para não deixar de pagar ou a prisão será decretada.

A guarda única voltou a ser a rainha das guardas. A ideia é que, se o ex-marido e ex-esposa se entendem, qualquer guarda é boa. Se o pai que não é guardião está presente, muitas vezes é melhor que a guarda compartilhada. Ele está presente e sentirá a vida do filho.

Dentro dessa questão, alguns temas são de importância: a mãe presidiária, por exemplo, deve ter direito à guarda do filho? Claro que não, em tese. “Em tese” porque o filho com alguns meses de idade ficará com a mãe, para a amamentação e primeiro contato. O pai presidiário tem direito a receber visita do filho? Sim. Em alguns lugares há salinhas adaptadas, com vários brinquedos, para receber a criança e uni-la a seu pai detento.

É um direito, e não um dever. Essa questão, se é direito ou se é dever, foi recebida algumas vezes pelo STJ. É um dever que o pai tem. ²

Alienação parental é uma questão contemporânea. Pode levar à SAP, novo termo, que significa síndrome da alienação parental. Ocorre alienação parental quando os genitores ainda estão em conflito, e o pai guardião tem a ideia de injetar conceitos falsos na cabeça da criança ou adolescente. Ou então se comportar de maneira melosa dizendo frases como: “vai hoje ver sua mãe? Logo hoje que eu tinha programado um cinemão para a gente??” Isso provoca um afastamento do filho ao pai não guardião. Também se dá por meio da implantação de falsas memórias: “você não se lembra que seu pai me batia naquele tempo em que estávamos casados, quando você era pequena?”

Outra forma é a mudança artificiosa de endereço pelo pai guardião, levando consigo o filho, com o fito de dificultar o contato com o pai afastado.

O conceito legal está agora disciplinado na novel Lei 12318/10:

Art. 2o  Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Numa segunda fase, o filho toma ódio em relação ao pai ou à mãe, influenciado pelo outro.

É de se tomar cuidado com alguns advogados que já procuram uma SAP quando surge uma simples dor de dente. Havia um caso em que a mãe proibia a criança de falar com o pai, inclusive por telefone. Nascerá o direito do pai de falar com o filho, agora assegurado pelo art. 6º da mesma lei:

Art. 6o  Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III - estipular multa ao alienador;

IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII - declarar a suspensão da autoridade parental.

Parágrafo único.  Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.

  1. No final do parágrafo o professor pronunciou o seguinte trecho: “dentro desse contexto, a separação de corpos ganha a dimensão litigiosa. Se o casal se separa fisicamente, não haverá consequência jurídica em relação a essa separação.” Perdi a parte logo anterior, então colocar este trecho no corpo do texto deixaria sem sentido.
  2. Neste parágrafo o professor nos deu mais detalhes sobre direitos e deveres do pai em relação à criança.