Direito Civil

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Casamento inexistente, nulidades e anulabilidades do casamento

Nas aulas passadas vimos a regra de que o casamento só pode ser celebrado na presença do juiz de paz com competência ratione materiae. Outra, que existem exceções em que a presença do juiz de paz é dispensável. O professor quer lembrar, entretanto, que as exceções estão previstas em lei, e não podem ser criadas pelas partes.

No Código Civil de 2002, estabeleceu-se uma regra para termos noção de como é importante o instituto do casamento. O Código Civil também admite que se realize casamento em pequenas comunidades isoladas, à beira do Rio Amazonas, por exemplo, onde moram cerca de 50 famílias e não há autoridade nenhuma; não há delegado, prefeito nem juiz; o padre passa lá de vez em quando; então há um distanciamento grande da sociedade.

Nestes casos, o Código admite o seguinte: a pessoa que tenha mais influência na comunidade, pode ser alguém que entenda de farmácia, o sujeito mais velho, o dono de galinhas e porcos, o homem de mais recursos, ou quem quer que tenha posição de autoridade naquela comunicação poderá presidir cerimônia de casamento. O que ele faz: faz a cerimônia, pede os documentos dos noivos, casa-os e depois, na primeira oportunidade, o celebrante vai à cidade mais próxima e procura o cartório para registrar o casamento, fazendo o relato, apresentando os documentos, e sai de lá com a certidão. Veja o art. 1554:

Art. 1554. Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil.

Tudo isso no sentido de facilitar a instituição do casamento.

Isso acontece, claro, em circunstâncias excepcionais.

Com isso terminamos a fase da cerimônia do casamento, em suas diversas faces.

 

Nulidades e anulabilidades

Depois, falamos sobre casamento nulo e anulável. Esse tema já foi tocado na medida em que já abordamos os impedimentos matrimoniais. São os casamentos que se realizaram com aqueles vícios, que deveriam ser opostos antes da realização da cerimônia. São aquelas situações que podem afetar a regularidade do casamento. Nisso, temos três situações para o casamento:

  1. Falta um elemento essencial e indispensável à sua formação;
  2. Os elementos essenciais estão presentes, mas o casamento se realiza com afronta à lei;
  3. Elementos essenciais estão presentes, o casamento se realiza de acordo com a lei, mas há ofensa à vontade.

Dentro desse quadro, já podemos tirar algumas conclusões. Nós temos sempre que o casamento será anulável se houver vício de vontade. Falamos da coação, que vicia o ato do casamento. Também o erro quanto à pessoa, que vicia a vontade do noivo. Isto é, o noivo diz “sim” mas, na realidade, aquele “sim” não é livre e espontâneo; algo o está pressionando. Aqui o casamento é anulável. Os elementos essenciais estão presentes, mas há ofensa à vontade. Aqui, o casamento realizado nessas circunstâncias é anulável.

E quais são os elementos essenciais? Fácil:

  1. Diversidade de sexo;
  2. Celebração por autoridade competente ratione materiae;
  3. Não haver impedimentos entre os noivos;
  4. Realizar-se de acordo com a forma estabelecida.

O Sacerdote, pela lei, pode celebrar casamento. É autoridade competente ratione materiae. Ele pergunta se alguém conhece razões para que o casamento não se realize, e ninguém se manifesta. Então, eles poderão se casar, observados aqueles requisitos: portas abertas, resposta objetiva, livre e espontânea, o que é outro elemento essencial.

Quando tudo isso acontece, estamos diante de um casamento que está com todos os elementos essenciais presentes e que se realiza de acordo com a lei. O que pode acontecer aqui é o vício de vontade, de ofensa à vontade, erro quanto à pessoa. O noivo pensa que está se casando com uma mulher de quem tem determinado imaginário, mas ela se revela, já na vida a dois, uma mulher completamente diferente.

E quando há ofensa à norma e o casamento se realiza, ele será nulo. Nós temos outra vez a cerimônia de casamento, em que os elementos essenciais estão presentes. A autoridade celebrante é competente ratione materiae. A forma da cerimônia foi observada, e os pressupostos legais estão aparentemente cumpridos. Agora, a lei, no art. 1521 estabelece as hipóteses de nulidade: “não podem se casar.” Irmãos, por exemplo, não podem. Aquele homem e aquela mulher que estão se casando são, na realidade, irmãos, então o casamento se realiza com ofensa à lei. Neste caso estaremos diante de um casamento nulo.

Caio Mário da Silva Pereira gerou uma corrente em que temos que uma cerimônia que se realiza ou sem os elementos essenciais ou quando falta algum deles, não se pode falar em existência do casamento. E, quando falta um elemento essencial, temos tudo, menos um casamento. Podemos ter festa, reunião, bolo, música, mas falta o elemento essencial para o aperfeiçoamento do casamento. Na verdade, todo ato jurídico tem elementos essenciais. Requer o que mesmo? Agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. São os atos jurídicos em geral. Os elementos essenciais do casamento são os que colocamos acima: sexos opostos, celebração por autoridade competente em razão da matéria, ausência de impedimentos entre os noivos e realizar-se de acordo com a forma estabelecida.

Caio Mário ainda diz: e se faltam elementos essenciais? Não teremos o casamento. Então, faltando o elemento essencial, estaríamos diante de um casamento inexistente. Essa é a posição do doutrinador. Essa colocação de Caio Mário mereceu muitas críticas, especialmente porque não se pode afirmar a existência do inexistente. Essa é a doutrina que surge como antítese da de Caio. Não se pode dizer que um casamento é inexistente, defende esta corrente. Caio Mário insistiu em sua tese. Tem algumas circunstâncias que mostram que ele de fato pode aproveitá-la. Veja isto: um juiz cível que está analisando um contrato, e nele, uma das partes, credora ou devedora, consta no texto como “João, casado com Manoel...”. O juiz logo nota que falta algo essencial. Não é possível se afirmar um casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Então, neste caso, diz Caio Mário: o juiz do cível está diante de um ato inexistente. Joãozinho não pode se apresentar como marido de Manoel. A característica do casamento inexistente é que ele não precisa de um processo para declarar sua inexistência. O juiz simplesmente diz que aquele casamento não existe. Diferentemente do casamento nulo, continua Caio, em que há processo judicial no qual se vai decretar a nulidade, mesmo que os efeitos da nulidade sejam ex-tunc; a provocação do Judiciário e a decretação são indispensáveis para a produção dos efeitos retroativos. No o casamento inexistente não. O juiz simplesmente diz, vendo o processo. Então João, com o intuito de “acertar as coisas”, vai à delegacia de polícia e, diante do delegado, casa-se com sua mulher Maria. Faltou um elemento essencial de novo, desta vez a autoridade celebrante. O juiz, de ofício, declara a inexistência daquele casamento, e manda que as partes corrijam sua declaração/qualificação porque aquele casamento não existe.

Essa é a posição de Caio Mário. Ele vê o casamento inexistente em três circunstâncias:

  1. Quando há identidade de sexos;
  2. Falta de celebração;
  3. Ausência de consentimento.

Diz que o casamento só existe se celebrado entre um homem e uma mulher. Se não é entre homem e mulher pode ser várias coisas, menos casamento. Pode ser união de fato, união homoafetiva, união estável, etc. O juiz então defronta-se com a situação de duas pessoas do mesmo sexo, que se dizem marido e mulher, e simplesmente ignorará aquela situação por ser inexistente o casamento.

Segundo item é a falta de celebração: o Civilista Mineiro está falando sobre a autoridade celebrante e a cerimônia em si, a forma com que o casamento há de ser celebrado. No caso da forma, há a fórmula vinculatória, a resposta dos dois, a cerimônia propriamente dita, a figura da autoridade celebrante; todos esses elementos fazem parte da celebração. Sem um deles, sem celebração. Tudo isso tem que estar contido na cerimônia do casamento.

Em relação ao terceiro item, que é a ausência da vontade, Caio Mário diz que não podem ser confundidos a ausência de consentimento com o consentimento viciado. Isto é, aquele consentimento em que o noivo ou a noiva afirma “sim” condições, ou não responde clara e objetivamente, fica em silencio... Isso é consentimento viciado. Ausência de consentimento é a negativa de consentimento; o noivo deve negar o seu consentimento. É a hipótese em que o juiz de paz, diante da noiva e do noivo, pergunta se querem se casar de livre e espontânea vontade. O noivo diz sim; a noiva responde não. O juiz de paz ainda assim continua: “...então, em nome da lei, declaro-os casados”. Isso não é casamento, porque houve ausência de consentimento, negativa de consentimento. Ausência de consentimento aqui é a manifestação voluntária e expressa da negativa. E, mesmo assim, se a cerimônia continuar, estaremos diante de uma hipótese de casamento inexistente.

De qualquer maneira, a defesa da corrente pela existência do casamento inexistente continua até hoje. A doutrina, modernamente, está com uma tendência de se conciliarem as duas posições. A melhor, na opinião do professor, é a de que a lei dispõe que é inexistente. A segunda corrente diz que não se pode declarar a inexistência do existente. São duas correntes doutrinárias que se chocam modernamente. A síntese das duas, tendo em vista a importância de Caio Mário no quadro jurídico brasileiro, é uma uma terceira corrente que tenta conciliar as duas posições, que está se consolidando neste momento. Diz ela: só existem os casamentos nulos e anuláveis. Mas, no casamento nulo, vamos encontrar nulidades explícitas e nulidades implícitas.

As nulidades explícitas, como o próprio nome informa, são as explicitadas, as que estão expressas, as que estão fixadas pela norma jurídica. Então, seriam nulidades explícitas aquelas que a lei expressamente estabelece. Art. 1521, por exemplo. “Não podem casar”. É uma nulidade explícita. Não pode haver casamento e, se houver, teremos ofensa à lei e, por isso, o casamento será nulo.

As nulidades implícitas seriam aquelas que não estão afirmadas na lei, mas que há um sentimento social de repúdio ao casamento naquela circunstância. Seja social, cultural, religioso. Não está dito em nenhum lugar, por exemplo, que é proibido um casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não existe no ordenamento nenhuma regra que proíba ou permita o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O que temos é a Constituição e a norma infraconstitucional, dizendo que o casamento deve ser feito entre homem e mulher. A norma, entretanto, não é excludente em relação às pessoas do mesmo sexo. E, aqui, há um grupo que diz: se a lei não proíbe expressamente, ela permite tacitamente.

Essa nulidade implícita é exatamente a resposta a esse posicionamento. Temos circunstâncias em que há o repúdio da sociedade a determinadas situações em que não precisamos expressá-las, exprimi-las, dizer com todas as letras. A sociedade estabelece. Não há dúvida de que temos no Brasil hoje uma maioria significativa de pessoas contrárias ao casamento homossexual. Temos grupos agindo e pressionando pelo casamento homossexual, movimentos de relativa importância. Na Avenida Paulista, ou nas praias do Rio de Janeiro, sempre haverá um grupo de pessoas lutando pelo casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas, se formos ao resto do Brasil, como em Minas Gerais, veremos que o mineiro tem uma cultura de não aceitar essa ideia. Tivemos há alguns dias grande manifestação de homofobia na torcida do Cruzeiro contra um dos jogadores do time adversário que se declarou gay. E, claro, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), muito em evidência na mídia hoje por seu posicionamento convicto contra o movimento homossexual.

É dentro desse contexto que encontraremos as nulidades implícitas. Dentro dessas nulidades implícitas, conciliaram-se essas duas correntes.

Muito bem. Quanto ao casamento nulo, já vimos cada uma das hipóteses. Já estudamos o art. 1521 do Código Civil, quando tratamos das pessoas que não podem se casar, que têm impedimento para o casamento. Seja um impedimento em razão de parentesco, em função de vínculo, ou de crimes de homicídio doloso.

Depois falamos do casamento anulável, em que há violação da vontade. Art. 1550:

Art. 1550. É anulável o casamento:

I - de quem não completou a idade mínima para casar;

II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

VI - por incompetência da autoridade celebrante.
Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.

Quando tratamos da anulabilidade jogamos com a vontade e sua livre manifestação. Três situações. Primeira: coação e rapto; segunda: a realidade está fazendo com que a vontade seja deturpada, por exemplo, erro quanto à pessoa. A terceira situação seria quanto ao discernimento propriamente dito, isto é, o noivo ou a noiva não têm ainda a capacidade plena para o casamento. Capacidade plena é em razão da idade e do discernimento. Quem não atingiu a idade mínima para se casar não pode afirmar com toda a segurança que quer o casamento. A manifestação da vontade, vista nos aspectos do discernimento ou da perturbação direta da vontade pela via da coação ou rapto, e também a situação em que os elementos mascaram aquela afirmação. Perturbam, distraem, e a vontade não está líquida na mente do nubente. A moça pensa que está se casando com um bom rapaz quando, na realidade, está casando-se com um criminoso.

Engraçado e interessante é a questão do erro quanto à pessoa. Quem estudar pelo Washington de Barros Monteiro verá que o autor paulista fez uma pesquisa na jurisprudência em São Paulo das causas alegadas para anular o casamento por erro quanto à pessoa. Descobriu Washington: não constitui erro a recusa à coabitação. São eles obrigados a viver sob o mesmo teto? O próprio Supremo Tribunal Federal já estabeleceu na súmula 382 que não é indispensável ao casamento a coabitação. As pessoas podem estar casadas sem morar sob o mesmo teto. Difícil acontecer, mas pode. ¹

Também não constitui erro, continua Washington de Barros, descobrir que o cônjuge havia participado antes de organizações totalitárias. O sujeito se casa e a mulher, depois do casamento, remexe as coisas do marido e descobre a triste foto em que ele está vestido com roupas da juventude hitlerista. Isso seria incompatível com os ideais dela. Também a mulher religiosa que descobriu que o marido pertencia a um partido comunista não conseguiu anular seu casamento.

Outra negativa curiosa encontrada pelo doutrinador foi que não constitui erro descobrir que o marido é muçulmano. Ele ia à Missa com a esposa, mas, dali a pouco, ela descobre que ele é muçulmano, e que tinha ideias completamente diferentes quanto à liberdade do casamento, ao papel da mulher, à forma de devoção, etc. o TJSP negou essa alegação, pois o sujeito não estava cometendo nenhum crime e não estava atentando contra a paz doméstica. A mulher poderia até pedir divórcio, mas não a anulação do casamento.

E o marido que tinha amante enquanto noivo? Também era uma questão pretérita! Não foi aceita como causa de anulação do casamento.

Mais: um homem descobriu que sua mulher era perversa. Gostava de drenar sangue de cãezinhos de estimação. Também não foi acolhida essa alegação, infelizmente.

Ter tido filhos em outro casamento também não foi suficiente.

Essas são causas que (não) podem levar à anulação do casamento. Nos arts. 1550 e seguintes do Código temos essas hipóteses.

Falamos também dos prazos prescricionais para o pedido de anulação do casamento. O que o professor gostaria de fazer agora é um quadro comparativo entre o casamento nulo e o anulável:

5 – Por último, a anulabilidade produz efeitos ex-nunc, enquanto a nulidade produz efeitos ex-tunc.

Observação: nem juízes, nem legislador nem doutrina aceitam que descendentes sejam chamados para integrar a lide.

  1. A Súmula 382 diz que “a vida em comum sob o mesmo teto, "more uxorio", não é indispensável à caracterização do concubinato.”