Nas
aulas passadas vimos a regra de
que o casamento só pode ser celebrado na presença do juiz de paz com
competência ratione materiae.
Outra, que
existem exceções em que a presença do juiz de paz é dispensável. O
professor
quer lembrar, entretanto, que as exceções estão previstas em lei, e não
podem
ser criadas pelas partes.
No
Código Civil de 2002,
estabeleceu-se uma regra para termos noção de como é importante o
instituto do
casamento. O Código Civil também admite que se realize casamento em
pequenas
comunidades isoladas, à beira do Rio Amazonas, por exemplo, onde moram
cerca de
50 famílias e não há autoridade nenhuma; não há delegado, prefeito nem
juiz; o padre
passa lá de vez em quando; então há um distanciamento grande da
sociedade.
Nestes
casos, o Código admite o
seguinte: a pessoa que tenha mais influência na comunidade, pode ser
alguém que
entenda de farmácia, o sujeito mais velho, o dono de galinhas e porcos,
o homem
de mais recursos, ou quem quer que tenha posição de autoridade naquela
comunicação poderá presidir cerimônia de casamento. O que ele faz: faz
a
cerimônia, pede os documentos dos noivos, casa-os e depois, na primeira
oportunidade, o celebrante vai à cidade mais próxima e procura o
cartório para registrar
o casamento, fazendo o relato, apresentando os documentos, e sai de lá
com a
certidão. Veja o art. 1554:
Art. 1554. Subsiste o casamento celebrado por aquele que, sem possuir a competência exigida na lei, exercer publicamente as funções de juiz de casamentos e, nessa qualidade, tiver registrado o ato no Registro Civil. |
Tudo
isso no sentido de facilitar
a instituição do casamento.
Isso
acontece, claro, em
circunstâncias excepcionais.
Com
isso terminamos a fase da
cerimônia do casamento, em suas diversas faces.
Nulidades e anulabilidades
Depois,
falamos sobre casamento
nulo e anulável. Esse tema já foi tocado na medida em que já abordamos
os
impedimentos matrimoniais. São os casamentos que se realizaram com
aqueles
vícios, que deveriam ser opostos antes da realização da cerimônia. São
aquelas
situações que podem afetar a regularidade do casamento. Nisso, temos
três
situações para o casamento:
Dentro
desse quadro, já podemos
tirar algumas conclusões. Nós temos sempre que o casamento será
anulável se
houver vício de vontade. Falamos da coação, que vicia o ato do
casamento.
Também o erro quanto à pessoa, que vicia a vontade do noivo. Isto é, o
noivo
diz “sim” mas, na realidade, aquele “sim” não é livre e espontâneo;
algo o está
pressionando. Aqui o casamento é anulável. Os elementos essenciais
estão
presentes, mas há ofensa à vontade. Aqui, o casamento realizado nessas
circunstâncias é anulável.
E
quais são os elementos
essenciais? Fácil:
O
Sacerdote, pela lei, pode
celebrar casamento. É autoridade competente ratione
materiae. Ele pergunta se alguém conhece razões para que o
casamento não se
realize, e ninguém se manifesta. Então, eles poderão se casar,
observados
aqueles requisitos: portas abertas, resposta objetiva, livre e
espontânea, o
que é outro elemento essencial.
Quando
tudo isso acontece,
estamos diante de um casamento que está com todos os elementos
essenciais
presentes e que se realiza de acordo com a lei. O que pode acontecer
aqui é o
vício de vontade, de ofensa à vontade, erro quanto à pessoa. O noivo
pensa que
está se casando com uma mulher de quem tem determinado imaginário, mas
ela se
revela, já na vida a dois, uma mulher completamente diferente.
E
quando há ofensa à norma e o
casamento se realiza, ele será nulo. Nós temos outra vez a cerimônia de
casamento, em que os elementos essenciais estão presentes. A autoridade
celebrante é competente ratione materiae.
A forma da cerimônia foi observada, e os pressupostos legais estão
aparentemente cumpridos. Agora, a lei, no art. 1521 estabelece as
hipóteses de
nulidade: “não podem se casar.” Irmãos, por exemplo, não podem. Aquele
homem e
aquela mulher que estão se casando são, na realidade, irmãos, então o
casamento
se realiza com ofensa à lei. Neste caso estaremos diante de um
casamento nulo.
Caio
Mário da Silva Pereira gerou
uma corrente em que temos que uma cerimônia que se realiza ou sem os
elementos
essenciais ou quando falta algum deles, não se pode falar em existência
do
casamento. E, quando falta um elemento essencial, temos tudo, menos um
casamento. Podemos ter festa, reunião, bolo, música, mas falta o
elemento
essencial para o aperfeiçoamento do casamento. Na verdade, todo ato
jurídico
tem elementos essenciais. Requer o que mesmo? Agente capaz, objeto
lícito,
possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa
em lei. São
os atos jurídicos em geral. Os elementos essenciais do casamento são os
que
colocamos acima: sexos opostos, celebração por autoridade competente em
razão
da matéria, ausência de impedimentos entre os noivos e realizar-se de
acordo
com a forma estabelecida.
Caio
Mário ainda diz: e se faltam
elementos essenciais? Não teremos o casamento. Então, faltando o
elemento
essencial, estaríamos diante de um casamento inexistente. Essa é a
posição do
doutrinador. Essa colocação de Caio Mário mereceu muitas críticas,
especialmente porque não se pode afirmar a existência do inexistente.
Essa é a
doutrina que surge como antítese da de Caio. Não se pode dizer que um
casamento
é inexistente, defende esta corrente. Caio Mário insistiu em sua tese.
Tem
algumas circunstâncias que mostram que ele de fato pode aproveitá-la.
Veja
isto: um juiz cível que está analisando um contrato, e nele, uma das
partes,
credora ou devedora, consta no texto como “João, casado com Manoel...”.
O juiz
logo nota que falta algo essencial. Não é possível se afirmar um
casamento
entre duas pessoas do mesmo sexo. Então, neste caso, diz Caio Mário: o
juiz do
cível está diante de um ato inexistente. Joãozinho não pode se
apresentar como
marido de Manoel. A característica do casamento inexistente é que ele não precisa de um processo para declarar sua
inexistência. O juiz simplesmente diz que aquele casamento
não existe.
Diferentemente do casamento nulo, continua Caio, em que há processo
judicial no
qual se vai decretar a nulidade, mesmo que os efeitos da nulidade sejam
ex-tunc; a provocação do Judiciário
e a
decretação são indispensáveis para a produção dos efeitos retroativos.
No o casamento
inexistente não. O juiz simplesmente diz, vendo o processo. Então João,
com o
intuito de “acertar as coisas”, vai à delegacia de polícia e, diante do
delegado, casa-se com sua mulher Maria. Faltou um elemento essencial de
novo, desta
vez a autoridade celebrante. O juiz, de ofício, declara a inexistência
daquele
casamento, e manda que as partes corrijam sua declaração/qualificação
porque
aquele casamento não existe.
Essa
é a posição de Caio Mário.
Ele vê o casamento inexistente em três circunstâncias:
Diz
que o casamento só existe se
celebrado entre um homem e uma mulher. Se não é entre homem e mulher
pode ser várias
coisas, menos casamento. Pode ser união de fato, união homoafetiva,
união
estável, etc. O juiz então defronta-se com a situação de duas pessoas
do mesmo
sexo, que se dizem marido e mulher, e simplesmente ignorará aquela
situação por
ser inexistente o casamento.
Segundo
item é a falta de
celebração: o Civilista Mineiro está falando sobre a autoridade
celebrante e a
cerimônia em si, a forma com que o casamento há de ser celebrado. No
caso da
forma, há a fórmula vinculatória, a resposta dos dois, a cerimônia
propriamente
dita, a figura da autoridade celebrante; todos esses elementos fazem
parte da
celebração. Sem um deles, sem celebração. Tudo isso tem que estar
contido na
cerimônia do casamento.
Em
relação ao terceiro item, que
é a ausência da vontade, Caio Mário diz que não podem ser confundidos a
ausência
de consentimento com o consentimento viciado. Isto é, aquele
consentimento em
que o noivo ou a noiva afirma “sim” condições, ou não responde clara e
objetivamente, fica em silencio... Isso é consentimento viciado.
Ausência de
consentimento é a negativa de
consentimento; o noivo deve negar o seu consentimento. É a
hipótese em que
o juiz de paz, diante da noiva e do noivo, pergunta se querem se casar
de livre
e espontânea vontade. O noivo diz sim; a noiva responde não.
O juiz de paz ainda assim continua: “...então, em nome da lei,
declaro-os casados”. Isso não é casamento, porque houve ausência de
consentimento,
negativa de consentimento. Ausência de consentimento aqui é a
manifestação
voluntária e expressa da negativa. E, mesmo assim, se a cerimônia
continuar,
estaremos diante de uma hipótese de casamento inexistente.
De
qualquer maneira, a defesa da
corrente pela existência do casamento inexistente continua até hoje. A
doutrina, modernamente, está com uma tendência de se conciliarem as
duas
posições. A melhor, na opinião do professor, é a de que a lei dispõe
que é
inexistente. A segunda corrente diz que não se pode declarar a
inexistência do
existente. São duas correntes doutrinárias que se chocam modernamente.
A
síntese das duas, tendo em vista a importância de Caio Mário no quadro
jurídico
brasileiro, é uma uma terceira corrente que tenta conciliar as duas
posições,
que está se consolidando neste momento. Diz ela: só existem os
casamentos nulos
e anuláveis. Mas, no casamento nulo, vamos encontrar nulidades
explícitas e
nulidades implícitas.
As
nulidades explícitas, como o
próprio nome informa, são as explicitadas, as que estão expressas, as
que estão
fixadas pela norma jurídica. Então, seriam nulidades explícitas aquelas
que a
lei expressamente estabelece. Art. 1521, por exemplo. “Não podem
casar”. É uma
nulidade explícita. Não pode haver casamento e, se houver, teremos
ofensa à lei
e, por isso, o casamento será nulo.
As
nulidades implícitas seriam
aquelas que não estão afirmadas na lei, mas que há um sentimento social
de
repúdio ao casamento naquela circunstância. Seja social, cultural,
religioso.
Não está dito em nenhum lugar, por exemplo, que é proibido um casamento
entre
pessoas do mesmo sexo. Não existe no ordenamento nenhuma regra que
proíba ou
permita o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O que temos é a
Constituição e
a norma infraconstitucional, dizendo que o casamento deve
ser feito entre homem e mulher. A norma, entretanto, não é
excludente em relação às pessoas do mesmo sexo. E, aqui, há um grupo
que diz:
se a lei não proíbe expressamente, ela permite tacitamente.
Essa
nulidade implícita é
exatamente a resposta a esse posicionamento. Temos circunstâncias em
que há o
repúdio da sociedade a determinadas situações em que não precisamos
expressá-las, exprimi-las, dizer com todas as letras. A sociedade
estabelece.
Não há dúvida de que temos no Brasil hoje uma maioria significativa de
pessoas
contrárias ao casamento homossexual. Temos grupos agindo e pressionando
pelo
casamento homossexual, movimentos de relativa importância. Na Avenida
Paulista,
ou nas praias do Rio de Janeiro, sempre haverá um grupo de pessoas
lutando pelo
casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas, se formos ao resto do
Brasil, como
em Minas Gerais, veremos que o mineiro tem uma cultura de não aceitar
essa
ideia. Tivemos há alguns dias grande manifestação de homofobia na
torcida do
Cruzeiro contra um dos jogadores do time adversário que se declarou
gay. E,
claro, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), muito em evidência na mídia
hoje por
seu posicionamento convicto contra o movimento homossexual.
É
dentro desse contexto que
encontraremos as nulidades implícitas. Dentro dessas nulidades
implícitas,
conciliaram-se essas duas correntes.
Muito
bem. Quanto ao casamento
nulo, já vimos cada uma das hipóteses. Já estudamos o art. 1521 do
Código Civil,
quando tratamos das pessoas que não podem se casar, que têm impedimento
para o
casamento. Seja um impedimento em razão de parentesco, em função de
vínculo, ou
de crimes de homicídio doloso.
Depois
falamos do casamento
anulável, em que há violação da vontade. Art. 1550:
Art. 1550. É anulável o casamento: I - de quem não completou a idade mínima para casar; II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; VI - por incompetência da autoridade celebrante. Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada. |
Quando
tratamos da anulabilidade
jogamos com a vontade e sua livre manifestação. Três situações.
Primeira:
coação e rapto; segunda: a realidade está fazendo com que a vontade
seja
deturpada, por exemplo, erro quanto à pessoa. A terceira situação seria
quanto
ao discernimento propriamente dito, isto é, o noivo ou a noiva não têm
ainda a
capacidade plena para o casamento. Capacidade plena é em razão da idade
e do discernimento.
Quem não atingiu a idade mínima para se casar não pode afirmar com toda
a
segurança que quer o casamento. A manifestação da vontade, vista nos
aspectos
do discernimento ou da perturbação direta da vontade pela via da coação
ou
rapto, e também a situação em que os elementos mascaram aquela
afirmação.
Perturbam, distraem, e a vontade não está líquida na mente do nubente.
A moça
pensa que está se casando com um bom rapaz quando, na realidade, está
casando-se com um criminoso.
Engraçado
e interessante é a
questão do erro quanto à pessoa. Quem estudar pelo Washington de Barros
Monteiro verá que o autor paulista fez uma pesquisa na jurisprudência
em São
Paulo das causas alegadas para anular o casamento por erro quanto à
pessoa.
Descobriu Washington: não constitui erro a recusa à coabitação. São
eles
obrigados a viver sob o mesmo teto? O próprio Supremo Tribunal Federal
já
estabeleceu na súmula 382 que não é indispensável ao casamento a
coabitação. As
pessoas podem estar casadas sem morar sob o mesmo teto. Difícil
acontecer, mas
pode. ¹
Também
não constitui erro,
continua Washington de Barros, descobrir que o cônjuge havia
participado antes
de organizações totalitárias. O sujeito se casa e a mulher, depois do
casamento, remexe as coisas do marido e descobre a triste foto em que
ele está
vestido com roupas da juventude hitlerista. Isso seria incompatível com
os
ideais dela. Também a mulher religiosa que descobriu que o marido
pertencia a
um partido comunista não conseguiu anular seu casamento.
Outra
negativa curiosa encontrada
pelo doutrinador foi que não constitui erro descobrir que o marido é
muçulmano.
Ele ia à Missa com a esposa, mas, dali a pouco, ela descobre que ele é
muçulmano, e que tinha ideias completamente diferentes quanto à
liberdade do
casamento, ao papel da mulher, à forma de devoção, etc. o TJSP negou
essa
alegação, pois o sujeito não estava cometendo nenhum crime e não estava
atentando contra a paz doméstica. A mulher poderia até pedir divórcio,
mas não a
anulação do casamento.
E
o marido que tinha amante
enquanto noivo? Também era uma questão pretérita! Não foi aceita como
causa de
anulação do casamento.
Mais:
um homem descobriu que sua
mulher era perversa. Gostava de drenar sangue de cãezinhos de
estimação. Também
não foi acolhida essa alegação, infelizmente.
Ter
tido filhos em outro
casamento também não foi suficiente.
Essas
são causas que (não) podem
levar à anulação do casamento. Nos arts. 1550 e seguintes do Código
temos essas
hipóteses.
Falamos
também dos prazos
prescricionais para o pedido de anulação do casamento. O que o
professor
gostaria de fazer agora é um quadro comparativo entre o casamento nulo
e o
anulável:
5
– Por último, a anulabilidade
produz efeitos ex-nunc, enquanto a
nulidade
produz efeitos ex-tunc.
Observação:
nem juízes, nem legislador nem doutrina aceitam que descendentes sejam
chamados
para integrar a lide.