Direito Civil

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Eficácia do casamento e fidelidade conjugal


Quando nós temos um casamento válido, surge, em sua decorrência, os chamados direitos e deveres dos cônjuges. Dentro da família, nós veremos que esses direitos e deveres aparecem tanto na relação homem-mulher, quanto na relação vertical, na relação entre pais e filhos. De tal maneira que a unidade familiar, a tranquilidade familiar, e a manutenção dessa família passam necessariamente pelo equilíbrio que deve existir entre as relações entre marido e mulher, pais e filhos.

Quando pensamos na evolução da nossa família, vemos que ao longo dos anos a mulher foi ascendendo dentro da estrutura familiar de tal modo que, de uma posição subalterna, passou à condição de companheira para, depois da Constituição de 1988, chegar a uma posição de igualdade absoluta dentro da estrutura familiar. Nessa circunstância, o homem foi colocado dentro dos parâmetros que deveria estar realmente, que é da igualdade, que se reflete nas pequenas coisas. Por exemplo: antes, só a mulher podia adotar o nome do marido, primeiramente em caráter obrigatório, depois somente se quisesse. Hoje, se quiser, o marido pode também adotar o nome da mulher. Antes, inclusive, a mulher necessariamente recebia alimentos após a separação. Posteriormente, ela passou a receber os alimentos apenas eventualmente; hoje, o homem passou a ter direito a receber alimentos. É uma situação muito interessante: o professor acompanhou uma mulher cujo ex-marido pedia alimentos no valor de 20% dos seus rendimentos, sob a alegação de que ele deixou de trabalhar para cuidar da casa a partir do casamento. Alegou que cozinhava, que administrava as coisas, e, aí, a cliente urrava: “ele é um vagabundo! Nunca quis trabalhar!” A juíza entendeu de outra forma e disse: “a senhora permitiu que essa situação se formasse.”

E, aí, vejam só o que é inovar: o ex-esposo pediu 20% das rendas da mulher, a juíza concedeu 10%. Hoje existe o instituto dos alimentos a serem dados durante determinado período para permitir a reinserção da pessoa do mercado de trabalho. A mulher que se casou aos 20 anos de idade, já era formada, ficou em casa a partir de então e nada fez; separou-se com 30 anos, e, fatalmente, ficou desatualizada em seu ofício ante às necessidades do mercado de trabalho. O marido paga alimentos para que ela possa sobreviver até ter chance de, se atualizando, se reinserir no mercado.

A cliente do professor rapidamente pensou numa maneira de parar de pagar o que a juíza lhe havia ordenado. “Ele era malandro, afinal.” – dizia a divorciada. “Vamos conversar” – disse o professor. Em seguida buscou uma solução, primeiramente recomendando o pagamento da primeira prestação, para então ter tempo de desenvolver nova tese para levar a juízo. “Vamos preparar o terreno”.

Esse é o critério da igualdade. Esse critério tem também uma vertente que vem desde o início dos tempos, que é a da fidelidade conjugal. Isso sempre foi um dos temas de maior importância nas relações conjugais. A partir do momento em que o Cristianismo impôs o monoganismo, com o casamento gerando família monogâmica, a questão da fidelidade e infidelidade passou a ter uma importância nas relações entre homem em mulher. Esse é um dos direitos e deveres mais importantes que encontramos na relação matrimonial. Outra posição, relativamente machista, é de que o homem podia tudo, e a mulher nada. Quando as mulheres passaram a reivindicar mais direitos, uma das indagações levantadas foi a seguinte: “qual é pior: a infidelidade do homem ou da mulher?” A afirmativa era de que a infidelidade feminina era pior porque, com a ela, poderia haver consequências como o nascimento de uma criança fora da família. Quanto ao homem, por outro lado, entendia-se que bastava ele tomar banho e estaria “inteiro”. A mulher não poderia trazer o filho do vizinho para casa ou deixar em outro lugar. Foi o início do tempo do preservativo, das pílulas e outros métodos anticoncepcionais. Esse argumento passou a não prevalecer mais. A pílula anticoncepcional foi o símbolo da decisão de quando ter filhos. Assim, o caminho para a igualdade estava aberto.

Dentro da questão da fidelidade, superada a questão do filho gerado pelo amante, o problema voltou a ser de comportamento de cada um, um problema subjetivo, de cada um assumir determinada postura. A fama de garanhão do homem vem com o tempo. As estatísticas, entretanto, mostram que a mulher tem traído mais do que o homem. As relações sexuais foram banalizadas. Às vezes no primeiro encontro, tanto para o homem quanto para a mulher. Segundo, além de banalizar, passou a ser uma coisa natural. Não há nenhum obstáculo a sair de um relacionamento hoje e, amanhã, ter sexo com outra pessoa. Isso falando somente do ponto de vista das relações sexuais, e porque a coisa está banalizada. Isso significa que esse conceito de “galinhagem” está valendo para todos, dentro desse contexto. Nessa realidade, hoje o conceito de fidelidade ainda existe no casamento, que ainda é monogâmico. Essa proliferação de relações sexuais teoricamente deve existir até o casamento. A fidelidade recíproca está contida na ideia do casamento monogâmico. Tanto o homem quanto a mulher devem se convencer de que, a partir do casamento, haverá em suas vidas um só homem, uma só mulher. Mas, mesmo assim, em função da “evolução”, nós juristas acabamos adotando o tema da fidelidade recíproca dentro do casamento como sendo um tema subjetivo. Não é mais uma questão social e objetiva. Antigamente a mulher era apontada como adúltera, se fosse flagrada ou se se tornasse tema central das fofocas. Mas, hoje, o passo seguinte foi colocar o dever de fidelidade dentro do critério da subjetividade, e isso está na cabeça de cada um, na conduta de cada um, como ela se sente, mantendo ou não o princípio da fidelidade em si.

Nas relações matrimoniais, dentro dessa visão, esse princípio da quebra do dever de fidelidade poderá ou não justificar um pedido de separação ou divórcio. Depende da pessoa. Se o outro cônjuge, supostamente enganado, não tiver nenhum problema, o casamento continua tranquilamente. Se houver problema, o cônjuge traído poderá pedir o divórcio.

Observação: pensão alimentícia, hoje, corre em paralelo em relação a essa questão. Não se pede mais por infidelidade, mas pela necessidade de subsistência.

Vejam, então, como o conceito de fidelidade recíproca vai sendo colocado em parâmetros de modernidade. Código:

CAPÍTULO IX

Da Eficácia do Casamento

Art. 1565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ 1º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.

§ 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.

Note a palavra “querendo”.  No § 2º, temos o planejamento familiar que se reduz, fundamentalmente, ao direito de ter filhos quantos bastarem. Ninguém poderá interferir na decisão de quantos filhos o casal deseja ter.

Dentro desse contexto temos o planejamento familiar evidente de que as correntes da sociedade lutam pelo direito de ter o número de filhos que querem. A Igreja é contra a ideia de “planejamento familiar imposto por outrem” na medida em que ela coloca o surgimento de filhos como o momento de aproximação com a divindade. 1

Art. 1566. São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III - mútua assistência;

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

V - respeito e consideração mútuos.

Inciso I: é o que acabamos de falar. Um só homem, uma só mulher, uma só relação sexual.

Inciso II: este inciso foi relativizado recentemente. Nossos tribunais entenderam, especialmente o Supremo Tribunal Federal, que viver sob o mesmo teto não caracteriza o casamento; não é obrigatório dentro do casamento. Dentro dessa ideia temos que colocar a vida em comum no domicílio conjugal. Sem a vivência na mesma casa, onde estaria o “choque”? A lei exige que ambos os cônjuges vivam no domicílio conjugal.

Se o marido vai trabalhar em outra cidade, a mulher deve obrigatoriamente acompanhá-lo? Antigamente sim, quando havia dependência da mulher em relação ao marido. Gerentes de banco e militares eram os mais comuns de serem transferidos. A mulher foi crescendo na relação, e começou a participar efetivamente da vida da família. Esse “efetivamente” é, inclusive, em termos financeiros. A mulher conseguiu e trouxe estabilidade financeira para dentro do lar, e possibilitou a aquisição de bens com o dinheiro que ela recebe para a família. Passou a ter uma posição efetiva dentro do núcleo familiar.

Se forçarmos essa mulher e esse homem a viver sob o mesmo teto, essa ajuda pode ficar comprometida. Por isso não se pode forçar, e cada casal é um caso.

Também deve-se contrapor o princípio da coabitação ao abandono de lar. Significa sair voluntariamente do lar conjugal e a ele não quer voltar. A coabitação é o princípio. Temos a quebra desse princípio quando não mais se quer morar junto. Parte-se para o abandono, que é deixar o lar conjugal voluntariamente e a ele não pretender voltar. Sem o animus de abandonar, não há a quebra da coabitação.

Inciso III: mútua assistência. Tem um caráter muito profundo. É mais do que somente uma assistência. Assistência é como a que se dá no jogo de futebol? A Igreja sintetizou essa ideia de assistência na expressão: “eu (nome do noivo), recebo-te por minha esposa a ti (nome da noiva), e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias na nossa vida.” Ela faz parte de um relacionamento de intimidade, companheirismo, cumplicidade que deve existir entre homem e mulher. Essa mútua assistência se traduz na presença do marido e da esposa juntos nos melhores e nos piores momentos. Saber aguentar juntos os maiores tsunamis da vida.

Essa é a assistência.

Inciso V: respeito e consideração mútuos. O que é isso? é a maneira pela qual cada um se trata. Cada um deve tratar o outro de forma respeitosa. Não significa que deva ser de uma forma reverencial. É interessante pensar sobre como é o tratamento entre marido e mulher dentro do casamento. O que passa no lar conjugal, do leito conjugal? O que acontece nas relações sexuais? Pode ser considerado falta de respeito? O que se passa dentro da sala ou de outro cômodo pode ser falta de respeito? É um tratamento de intimidade, e, neste caso, cada ato deve ser feito com carinho, respeito, em que ambos devem saber exatamente o que estão fazendo para agradar e serem agradados na relação. Isso não desmerece as relações.

Incrível é que, quando pensamos isso, a relação a dois passa a ter outra dimensão. Óbvio que, ao se dizer “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, a Igreja não pensava nos termos que falamos há no parágrafo anterior. Esses termos só são possíveis com esses momentos da vida a dois. Faz parte da banalização da relação sexual, e também da igualdade entre homem e mulher. É muito sério o tipo de vida que devemos ter dentro do casamento. Realmente o que se condenava nas outras mulheres e que não queríamos para nossas irmãs, normalmente é o que se faz com a própria esposa. Isto é casamento! Daí tiramos que o casamento é uma coisa especial, um direito especial, porque são esses os valores, os parâmetros. Não vemos, e quando acontece o próprio juiz não permite, na pior discussão do divórcio litigioso, a discussão chegar à cama na relação dos dois. Pode-se até falar em puladas de cerca, mas não nos pormenores do ato sexual.

É interessante o respeito e consideração mútuos na medida em que na união estável não existe o conceito de monogamia como tem o casamento. Na união estável não existe o entendimento de que “o que Deus une o homem não separa”, existe o imaginário de que é o homem que a cria, depende exclusivamente da vontade das partes, não há intervenção do Estado, do juiz de paz, de ninguém. Eles decidem pela continuidade. E o dever de fidelidade? Desaparece? Não há dever de fidelidade em si entre companheiros. O respeito e a consideração passam necessariamente pela fidelidade. O homem não estará respeitando sua companheira se começar ou continuar com seus affairs. Não haverá respeito se a companheira na união estável tiver relações com outro homem.

Vejam, portanto, que da fidelidade recíproca, que sai do conceito de casamento monogâmico, tiramos que a união estável também é monogâmica! A monogamia da união estável surge em decorrência de nossa vontade, não em decorrência da lei ou de nenhuma intervenção, mesmo divina. O conceito de monogamia na união estável surge porque respeitamos nossas companheiras. No momento em que não há mais fidelidade, pela nossa vontade a união pode acabar.

Esses são os deveres de ambos os cônjuges.

Há também o inciso IV, que pulamos: “sustento, guarda e educação dos filhos”. São aqueles deveres verticais na relação entre pais e filhos. Modernamente, quando tratamos de socioafetividade, estaremos sempre dizendo que “pai é quem cria, e não quem gera”. Gerar é coisa de um segundo, enquanto criar é coisa de uma vida. Gerar o filho é momento de alegria, cria-lo é buscar a felicidade a todos os momentos. O dever que temos em relação aos filhos é muito maior pelo momento de prazer que se tem na noite de amor, com o sexo. Esse dever se estende por toda a vida em nossos filhos. E não apenas dentro do casamento. Dentro dele, ambos, pai e mãe têm a obrigação de dar assistência, guarda e educação dos filhos. Entendendo que sustento, guarda e educação devem ser vistos da maneira mais ampla. Educação não é apenas a alfabetização e educação primária, enquanto sustento não é apenas suporte material.

De qualquer maneira, essa sustentação dos filhos significa que o termo da guarda tem um aspecto muito interessante que, no primeiro momento, é a ideia de ter alguém de seu lado. Essa interpretação aparece quando surgem os menores sob sua guarda. Depois, significa que temos que lidar e zelar. Em seguida temos a guarda no sentido da assunção da responsabilidade. Mais ainda, a guarda existe no sentido de companheirismo, mais tarde na vida: os filhos não devem abandonar os pais. A guarda em cada momento tem um significado. Vamos voltar a esse tema quando falarmos mais da guarda familiar. O sustento é dar efetivamente os instrumentos físicos e psicológicos para que possam sobreviver. E a educação, do ponto de vista mais amplo possível.

Dentro desse contexto, falamos dos deveres dos pais. E os direitos dos pais? Resumem-se em uma só palavra: obediência. O filho deve respeitar o pai, seja com dois, quatro, 20, ou 30 anos de idade. Como funciona essa obediência e respeito? Aqui, temos a complicação, e ultimamente impera o tipo de comportamento que prega que o pai não pode bater no filho. Há vários grupos políticos e ideológicos batendo em cima dessa questão. Bater pode? Até que ponto? Deve haver o equilíbrio. A dificuldade é fazer afirmar os direitos enquanto pai em relação aos filhos. O pai tem mais idade, vivência, consciência, portanto deve saber dosar. O filho deve respeitar o comportamento que o pai precisa ter.

Semana que vem temos aula na quarta e não na quinta.

Matéria vai até hoje. Começa desde o primeiro bom dia que o professor nos deu. Pode usar Código.

1 – Incluí a parte em marrom por causa do que o professor disse outro dia, que foi que a Igreja, na verdade, é contra a interferência de terceiros na livre decisão do casal em relação ao número de filhos, e, no conceito de “outrem” inclui-se o Estado. Mas hoje a frase do professor foi aquela, sem a parte marrom e, portanto, sem necessidade das aspas.