Quando
nós temos um casamento
válido, surge, em sua decorrência, os chamados direitos
e deveres dos cônjuges. Dentro da família, nós veremos que
esses direitos e deveres aparecem tanto na relação homem-mulher, quanto
na
relação vertical, na relação entre pais e filhos. De tal maneira que a
unidade familiar,
a tranquilidade familiar, e a manutenção dessa família passam
necessariamente
pelo equilíbrio que deve existir entre as relações entre marido e
mulher, pais
e filhos.
Quando
pensamos na evolução da
nossa família, vemos que ao longo dos anos a mulher foi ascendendo
dentro da
estrutura familiar de tal modo que, de uma posição subalterna, passou à
condição
de companheira para, depois da Constituição de 1988, chegar a uma
posição de
igualdade absoluta dentro da estrutura familiar. Nessa circunstância, o
homem
foi colocado dentro dos parâmetros que deveria estar realmente, que é
da
igualdade, que se reflete nas pequenas coisas. Por exemplo: antes, só a
mulher
podia adotar o nome do marido, primeiramente em caráter obrigatório,
depois somente
se quisesse. Hoje, se quiser, o marido pode também adotar o nome da
mulher.
Antes, inclusive, a mulher necessariamente recebia alimentos após a
separação. Posteriormente,
ela passou a receber os alimentos apenas eventualmente; hoje, o homem
passou a
ter direito a receber alimentos. É uma situação muito interessante: o
professor
acompanhou uma mulher cujo ex-marido pedia alimentos no valor de 20%
dos seus
rendimentos, sob a alegação de que ele deixou de trabalhar para cuidar
da casa
a partir do casamento. Alegou que cozinhava, que administrava as
coisas, e, aí,
a cliente urrava: “ele é um vagabundo! Nunca quis trabalhar!” A juíza
entendeu
de outra forma e disse: “a senhora permitiu que essa situação se
formasse.”
E,
aí, vejam só o que é inovar: o
ex-esposo pediu 20% das rendas da mulher, a juíza concedeu 10%. Hoje
existe o
instituto dos alimentos a serem dados durante determinado período para
permitir
a reinserção da pessoa do mercado de trabalho. A mulher que se casou
aos 20
anos de idade, já era formada, ficou em casa a partir de então e nada
fez;
separou-se com 30 anos, e, fatalmente, ficou desatualizada em seu
ofício ante
às necessidades do mercado de trabalho. O marido paga alimentos para
que ela
possa sobreviver até ter chance de, se atualizando, se reinserir no
mercado.
A
cliente do professor
rapidamente pensou numa maneira de parar de pagar o que a juíza lhe
havia
ordenado. “Ele era malandro, afinal.” – dizia a divorciada. “Vamos
conversar” –
disse o professor. Em seguida buscou uma solução, primeiramente
recomendando o
pagamento da primeira prestação, para então ter tempo de desenvolver
nova tese
para levar a juízo. “Vamos preparar o terreno”.
Esse
é o critério da igualdade.
Esse critério tem também uma vertente que vem desde o início dos
tempos, que é
a da fidelidade conjugal. Isso
sempre foi um dos temas de maior importância nas relações conjugais. A
partir
do momento em que o Cristianismo impôs o monoganismo, com o casamento
gerando
família monogâmica, a questão da fidelidade e infidelidade passou a ter
uma
importância nas relações entre homem em mulher. Esse é um dos direitos
e
deveres mais importantes que encontramos na relação matrimonial. Outra
posição,
relativamente machista, é de que o homem podia tudo, e a mulher nada.
Quando as
mulheres passaram a reivindicar mais direitos, uma das indagações
levantadas
foi a seguinte: “qual é pior: a infidelidade do homem ou da mulher?” A
afirmativa era de que a infidelidade feminina era pior porque, com a
ela,
poderia haver consequências como o nascimento de uma criança fora da
família. Quanto
ao homem, por outro lado, entendia-se que bastava ele tomar banho e
estaria
“inteiro”. A mulher não poderia trazer o filho do vizinho para casa ou
deixar em
outro lugar. Foi o início do tempo do preservativo, das pílulas e
outros
métodos anticoncepcionais. Esse argumento passou a não prevalecer mais.
A pílula
anticoncepcional foi o símbolo da decisão de quando ter filhos. Assim,
o
caminho para a igualdade estava aberto.
Dentro
da questão da fidelidade,
superada a questão do filho gerado pelo amante, o problema voltou a ser
de
comportamento de cada um, um problema subjetivo, de cada um assumir
determinada
postura. A fama de garanhão do homem vem com o tempo. As estatísticas,
entretanto, mostram que a mulher tem traído mais do que o homem. As
relações
sexuais foram banalizadas. Às vezes no primeiro encontro, tanto para o
homem
quanto para a mulher. Segundo, além de banalizar, passou a ser uma
coisa
natural. Não há nenhum obstáculo a sair de um relacionamento hoje e,
amanhã, ter
sexo com outra pessoa. Isso falando somente do ponto de vista das
relações
sexuais, e porque a coisa está banalizada. Isso significa que esse
conceito de “galinhagem”
está valendo para todos, dentro desse contexto. Nessa realidade, hoje o
conceito de fidelidade ainda existe no casamento, que ainda é
monogâmico. Essa
proliferação de relações sexuais teoricamente deve existir até o
casamento. A fidelidade
recíproca está contida na ideia do casamento monogâmico. Tanto o homem
quanto a
mulher devem se convencer de que, a partir do casamento, haverá em suas
vidas um
só homem, uma só mulher. Mas, mesmo assim, em função da “evolução”, nós
juristas acabamos adotando o tema da fidelidade recíproca dentro do
casamento
como sendo um tema subjetivo. Não é mais uma questão social e objetiva.
Antigamente
a mulher era apontada como adúltera, se fosse flagrada ou se se
tornasse tema
central das fofocas. Mas, hoje, o passo seguinte foi colocar o dever de
fidelidade dentro do critério da subjetividade, e isso está na cabeça
de cada
um, na conduta de cada um, como ela se sente, mantendo ou não o
princípio da
fidelidade em si.
Nas
relações matrimoniais, dentro
dessa visão, esse princípio da quebra do dever de fidelidade poderá ou
não
justificar um pedido de separação ou divórcio. Depende da pessoa. Se o
outro
cônjuge, supostamente enganado, não tiver nenhum problema, o casamento
continua
tranquilamente. Se houver problema, o cônjuge traído poderá pedir o
divórcio.
Observação:
pensão alimentícia,
hoje, corre em paralelo em relação a essa questão. Não se pede mais por
infidelidade, mas pela necessidade de subsistência.
Vejam,
então, como o conceito de
fidelidade recíproca vai sendo colocado em parâmetros de modernidade.
Código:
CAPÍTULO IX Da Eficácia do Casamento Art. 1565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. § 1º Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. § 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. |
Note
a palavra “querendo”. No
§ 2º, temos o planejamento familiar que se
reduz, fundamentalmente, ao direito de ter filhos quantos bastarem.
Ninguém
poderá interferir na decisão de quantos filhos o casal deseja ter.
Dentro
desse contexto temos o
planejamento familiar evidente de que as correntes da sociedade lutam
pelo
direito de ter o número de filhos que querem. A Igreja é contra a ideia
de “planejamento
familiar imposto por
outrem” na medida em
que ela coloca o surgimento de filhos como o momento de aproximação com
a
divindade. 1
Art. 1566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos. |
Inciso
I: é o que acabamos de
falar. Um só homem, uma só mulher, uma só relação sexual.
Inciso
II: este inciso foi
relativizado recentemente. Nossos tribunais entenderam, especialmente o
Supremo
Tribunal Federal, que viver sob o mesmo teto não caracteriza o
casamento; não é
obrigatório dentro do casamento. Dentro dessa ideia temos que colocar a
vida em
comum no domicílio conjugal. Sem a vivência na mesma casa, onde estaria
o “choque”?
A lei exige que ambos os cônjuges vivam no domicílio conjugal.
Se
o marido vai trabalhar em
outra cidade, a mulher deve obrigatoriamente acompanhá-lo? Antigamente
sim,
quando havia dependência da mulher em relação ao marido. Gerentes de
banco e
militares eram os mais comuns de serem transferidos. A mulher foi
crescendo na
relação, e começou a participar efetivamente da vida da família. Esse
“efetivamente”
é, inclusive, em termos financeiros. A mulher conseguiu e trouxe
estabilidade
financeira para dentro do lar, e possibilitou a aquisição de bens com o
dinheiro que ela recebe para a família. Passou a ter uma posição
efetiva dentro
do núcleo familiar.
Se
forçarmos essa mulher e esse
homem a viver sob o mesmo teto, essa ajuda pode ficar comprometida. Por
isso
não se pode forçar, e cada casal é um caso.
Também
deve-se contrapor o
princípio da coabitação ao abandono de
lar. Significa sair voluntariamente do lar conjugal e a ele
não quer
voltar. A coabitação é o princípio. Temos a quebra desse princípio
quando não
mais se quer morar junto. Parte-se para o abandono, que é deixar o lar
conjugal
voluntariamente e a ele não pretender voltar. Sem o animus
de abandonar, não há a quebra da coabitação.
Inciso
III: mútua assistência.
Tem um caráter muito profundo. É mais do que somente uma assistência.
Assistência é como a que se dá no jogo de futebol? A Igreja sintetizou
essa
ideia de assistência na expressão: “eu (nome do noivo), recebo-te por
minha
esposa a ti (nome da noiva), e prometo ser-te fiel, amar-te e
respeitar-te, na
alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias na nossa
vida.” Ela
faz parte de um relacionamento de intimidade, companheirismo,
cumplicidade que
deve existir entre homem e mulher. Essa mútua assistência se traduz na
presença
do marido e da esposa juntos nos melhores e nos piores momentos. Saber
aguentar
juntos os maiores tsunamis da vida.
Essa
é a assistência.
Inciso
V: respeito e consideração
mútuos. O que é isso? é a maneira pela qual cada um se trata. Cada um
deve
tratar o outro de forma respeitosa. Não significa que deva ser de uma
forma
reverencial. É interessante pensar sobre como é o tratamento entre
marido e
mulher dentro do casamento. O que passa no lar conjugal, do leito
conjugal? O
que acontece nas relações sexuais? Pode ser considerado falta de
respeito? O
que se passa dentro da sala ou de outro cômodo pode ser falta de
respeito? É um
tratamento de intimidade, e, neste caso, cada ato deve ser feito com
carinho,
respeito, em que ambos devem saber exatamente o que estão fazendo para
agradar
e serem agradados na relação. Isso não desmerece as relações.
Incrível
é que, quando pensamos
isso, a relação a dois passa a ter outra dimensão. Óbvio que, ao se
dizer “na
alegria e na tristeza, na saúde e na doença”, a Igreja não pensava nos
termos
que falamos há no parágrafo anterior. Esses termos só são possíveis com
esses
momentos da vida a dois. Faz parte da banalização da relação sexual, e
também da
igualdade entre homem e mulher. É muito sério o tipo de vida que
devemos ter
dentro do casamento. Realmente o que se condenava nas outras mulheres e
que não
queríamos para nossas irmãs, normalmente é o que se faz com a própria
esposa.
Isto é casamento! Daí tiramos que o casamento é uma coisa especial, um
direito
especial, porque são esses os valores, os parâmetros. Não vemos, e
quando
acontece o próprio juiz não permite, na pior discussão do divórcio
litigioso, a
discussão chegar à cama na relação dos dois. Pode-se até falar em
puladas de
cerca, mas não nos pormenores do ato sexual.
É
interessante o respeito e
consideração mútuos na medida em que na união estável não existe o
conceito de
monogamia como tem o casamento. Na união estável não existe o
entendimento de
que “o que Deus une o homem não separa”, existe o imaginário de que é o
homem
que a cria, depende exclusivamente da vontade das partes, não há
intervenção do
Estado, do juiz de paz, de ninguém. Eles decidem pela continuidade. E o
dever
de fidelidade? Desaparece? Não há dever de fidelidade em si entre companheiros. O respeito e a
consideração passam necessariamente pela fidelidade. O homem não estará
respeitando sua companheira se começar ou continuar com seus affairs. Não haverá respeito se a
companheira na união estável tiver relações com outro homem.
Vejam,
portanto, que da
fidelidade recíproca, que sai do conceito de casamento monogâmico,
tiramos que
a união estável também é monogâmica! A monogamia da união estável surge
em
decorrência de nossa vontade, não em decorrência da lei ou de nenhuma
intervenção, mesmo divina. O conceito de monogamia na união estável
surge
porque respeitamos nossas companheiras. No momento em que não há mais
fidelidade, pela nossa vontade a união pode acabar.
Esses
são os deveres de ambos os
cônjuges.
Há
também o inciso IV, que
pulamos: “sustento, guarda e educação dos filhos”. São aqueles deveres
verticais na relação entre pais e
filhos. Modernamente,
quando tratamos de socioafetividade, estaremos sempre dizendo que “pai
é quem
cria, e não quem gera”. Gerar é coisa de um segundo, enquanto criar é
coisa de
uma vida. Gerar o filho é momento de alegria, cria-lo é buscar a
felicidade a
todos os momentos. O dever que temos em relação aos filhos é muito
maior pelo
momento de prazer que se tem na noite de amor, com o sexo. Esse dever
se
estende por toda a vida em nossos filhos. E não apenas dentro do
casamento.
Dentro dele, ambos, pai e mãe têm a obrigação de dar assistência,
guarda e
educação dos filhos. Entendendo que sustento, guarda e educação devem
ser
vistos da maneira mais ampla. Educação não é apenas a alfabetização e
educação
primária, enquanto sustento não é apenas suporte material.
De
qualquer maneira, essa
sustentação dos filhos significa que o termo da guarda tem um aspecto
muito
interessante que, no primeiro momento, é a ideia de ter alguém de seu
lado.
Essa interpretação aparece quando surgem os menores sob sua guarda.
Depois,
significa que temos que lidar e zelar. Em seguida temos a guarda no
sentido da
assunção da responsabilidade. Mais ainda, a guarda existe no sentido de
companheirismo, mais tarde na vida: os filhos não devem abandonar os
pais. A
guarda em cada momento tem um significado. Vamos voltar a esse tema
quando
falarmos mais da guarda familiar. O sustento é dar efetivamente os
instrumentos
físicos e psicológicos para que possam sobreviver. E a educação, do
ponto de
vista mais amplo possível.
Dentro
desse contexto, falamos
dos deveres dos pais. E os direitos dos pais? Resumem-se em uma só
palavra: obediência. O filho deve
respeitar o
pai, seja com dois, quatro, 20, ou 30 anos de idade. Como funciona essa
obediência e respeito? Aqui, temos a complicação, e ultimamente impera
o tipo
de comportamento que prega que o pai não pode bater no filho. Há vários
grupos
políticos e ideológicos batendo em cima dessa questão. Bater pode? Até
que
ponto? Deve haver o equilíbrio. A dificuldade é fazer afirmar os
direitos
enquanto pai em relação aos filhos. O pai tem mais idade, vivência,
consciência, portanto deve saber dosar. O filho deve respeitar o
comportamento
que o pai precisa ter.
Semana
que vem temos aula na
quarta e não na quinta.
Matéria
vai até hoje. Começa desde o primeiro bom dia que o professor nos deu.
Pode
usar Código.
1 –
Incluí a parte em marrom por causa do que o professor disse outro dia,
que foi
que a Igreja, na verdade, é contra a interferência de terceiros na
livre
decisão do casal em relação ao número de filhos, e, no conceito de
“outrem”
inclui-se o Estado. Mas hoje a frase do professor foi aquela, sem a
parte
marrom e, portanto, sem necessidade das aspas.