Dentro do esquema que apresentamos
antes, tínhamos a guarda e
responsabilidade, visitas, alimentos e patrimônio como questões a serem
resolvidas quando da dissolução da sociedade conjugal. Quando se pede
divórcio,
entramos no preâmbulo do instrumento do acordo: “os cônjuges são
casados desde
tal dada sob o regime tal”. Nisso, temos o pacto antenupcial. Nesse
momento, o
juiz já tem a informação sobre como será a partilha dos bens. Se o
regime é da
comunhão universal, ele sabe que todos os bens se comunicam: presentes,
passados, adquiridos de qualquer forma, a qualquer título, e os
cônjuges são
considerados meeiros, isto é, a partilha será meio a meio. Mas chame-se
atenção
para o detalhe de que os cônjuges são maiores e podem tranquilamente
fazer ou
aceitar uma divisão que não seja meio a meio. Poderão aceitar a
proporção de 60%–40%,
por exemplo. O fato de ser meeiro é um indicativo, mas eles podem
transacionar.
Podem fazer acertos entre eles. “Você fica com aquele faqueiro”, ou
“você fica
com as fazendas que seu pai deixou”, e assim a partilha se faz.
Não pensem que é fácil. O emocional
das pessoas, até mesmo
na separação consensual, está muito forte, muito presente. Mesmo com a
separação consensual e o casal aparentemente numa boa, sem problemas
visíveis, eles
estão numa pilha de nervos. Só para termos uma ideia, o professor se
lembra como
se fosse hoje a condução de uma separação consensual, com tudo certo,
filhos
com guarda e responsabilidade definida, bens partilhados, e finalmente
telefona
a cliente dizendo: “doutor, não há mais separação consensual.” O
trabalho de
dois meses estava indo para o ralo. O que aconteceu? Quando o professor
foi verificar,
para seu espanto descobriu que eles resolveram, já que estavam
partilhando
tudo, partilhar também um faqueiro, Colher por colher, faca por faca! E
sobrou
uma colher! Era impar o número de peças, infelizmente para o professor.
Um caso
realmente curioso. “Dá a colher para mim” – disse o professor. A mulher
riu,
mas estava falando sério.
Se o regime é da comunhão parcial, o
juiz também já sabe que
caminho tomar. Os bens particulares, adquiridos anteriormente ao
casamento ficam
com os respectivos cônjuges, os percebidos por doação ou herança
também, os
sub-rogados também, e os bens adquiridos onerosamente, salvo as
exceções, serão
partilhados meio a meio. Neste caso, a matéria de prova é muito
importante
porque irá delimitar o que é da propriedade particular e o que é do
patrimônio
comum. Então, normalmente, colocamos numa petição de partilha os bens
que o
cônjuge não partilhava. E também o rol de bens partilháveis, e assim se
concentra a partilha nesses bens. Nesta porção do patrimônio a divisão
é feita meio
a meio, as partes podem transigir, porque são maiores, e os acertos são
feitos.
No regime da separação de bens,
também tiram-se os bens do
patrimônio de cada um e, quanto aos outros, deve-se olhar como os bens
foram
adquiridos. Pode ser que tenham estabelecido que, na aquisição de um
terreno,
63% ficasse para um e 37% para outro. E ficam sócios.
Quando tratamos de regimes de bens, o
que o professor fala
com tanta tranquilidade é que se trata de um momento de muita tensão no
casamento. As pessoas estão nervosas; qualquer coisa pode acabar com o
acordo ali.
Ou mesmo durante o casamento, ou antes dele, em que a discordância
sobre o
regime de bens pode causar uma eterna briga. “Em matéria de bolso o
homem perde
a compostura” – Ministro Celso de Mello. É difícil demais lidar com
partilha de
bens.
E, às vezes, há coisas cuja partilha
é extremamente difícil
de ser feita. O juiz pode fazer a partilha no próprio processo. Pode
transformar o processo de divórcio, declará-lo e deixar a partilha para
um
segundo momento, em que os cônjuges apresentarão propostas
separadamente. Ou,
então, o que tem acontecido com frequência, e o professor se posiciona
contra,
é o juiz partilhar declarando que ficarão com 50%–50% e os ex-cônjuges
passam à
categoria de condôminos. Contra legem,
porque a lei diz que são meeiros, não condôminos. Isso exigirá um novo
processo, e normalmente está havendo litígio, que será prolongado por
mais dez
anos. Vai da Vara de Família para a Vara Cível para litigar outra vez
até que
se termine o condomínio. Ou então com a divisão, feita numa ação de
divisão de
bens. O que poderia ter sido feito com um pouco mais de esforço do
juiz, ele
joga para frente. Causa muito desgaste.
Num primeiro instante, a separação dá
fim ao regime de bens.
Isso significa que deve haver a partilha. O Código diz também, no
capítulo da
separação consensual, que os cônjuges podem decidir partilhar os bens
depois. Esta
solução era usada somente no divórcio consensual; mas, de repente, está
sendo
também aplicada no divórcio litigioso. Ninguém está preocupado com o
drama que
está acontecendo. E às vezes são situações que absolutamente exigem a
atenção
do julgador. Reparem uma situação concreta: uma mulher tinha uma
fazenda que
recebeu por doação, antes de casar-se. Conheceu um moço e com ele
casou-se no
regime da comunhão parcial. Casados, resolveram comprar uma fazenda ao
lado da
propriedade rural que a mulher já possuía. Esta última fazenda
adjacente,
portanto, integrou o patrimônio comum dos cônjuges, enquanto a
primeira,
naturalmente, ficou reservada ao patrimônio particular da mulher. Ainda
casados, compraram outra fazenda, mas distante das duas, sem
fronteiras. Até
aqui não há problema nenhum. Só que, no decorrer da vida, eles
construíram dois
empreendimentos rurais: um de suínos, que ocupou a última fazenda, e um
de
aves, que, numa decisão iluminada do casal, ocupou as duas primeiras
fazendas,
ficando metade do prédio rural na área de cada propriedade.
Imaginem o problema! O casamento
acabou, e começou o rolo. A
proposta foi que o marido ficasse
com a última fazenda, de suínos, mas ele não aceitou partilhar o
empreendimento
de aves. Não haveria o que fazer, pois o empreendimento acabaria!
Não se conseguiu. O juiz determinou
que eles ficariam como
condôminos daquela instalação. Significa que, da sentença que decreta a
partilha dos bens não litigiosos, vai demorar mais alguns anos até que
se
resolva a questão da copropriedade. Não é briguinha, e houve até
tentativa de
homicídio do marido contra a mulher. É difícil porque o sistema permite
tantas
opções e o juiz terá qualquer uma delas, todas dentro da lei. As regras
estão
lá. Mas trazer para a realidade é muito difícil. São muitas as
variantes que
conduzem a essa partilha. É um dos momentos de maior dificuldade do
processo.
Não é fácil mesmo. E, dentro desse
contexto, temos que, numa
separação litigiosa, o juiz deve ter muito, muito cuidado porque, na
realidade,
tal construção era uma benfeitoria.
O
conceito de Clóvis Beviláqua inclui na meação as benfeitorias, ainda
que
construída no patrimônio particular do ex-cônjuge. A parte com
benfeitoria
seria dos dois. Então o marido teria direito à parte da benfeitoria
sobre o
terreno exclusivo da mulher.
A partilha tem regras claras, mas as
situações fáticas que
se apresentam, e as emoções que emergem daí tornam difícil esse
processo.
O que dá conflito é o casamento e o
processo de divórcio.
Nesse momento os cônjuges estão nervosos, e, ao divorciar, eles só
terão a
partilha para tratar.
Nome
A lei estabelece o direito do cônjuge
de escolher o nome que
quererá usar após do divórcio. Isso é um pouco relativo, porque o homem
não
pode escolher qualquer nome que queira. É possível, no casamento,
acrescentar
ao seu nome o sobrenome da esposa e vice-versa. No final do casamento,
pode-se
voltar ao nome de solteiro ou continuar o nome que adotou. A opção é de
quem
fez a alteração. Muitas vezes, hoje em dia, e cada vez mais, as pessoas
continuam com seus próprios nomes. Há pessoas casadas que não adotam
nenhum
nome. Uma das alegações é que dá muito trabalho mudar de nome após o
divórcio,
e até pode haver problemas.
Outros não; eles alteram, e, ao final
do casamento, mantêm o
nome de casados, advindo do marido ou da mulher.
No sistema anterior, existiam algumas
situações em que era
obrigatório o retorno ao nome de solteiro. No divórcio litigioso ou
consensual
a mulher poderia escolher manter o nome. Mas o marido que apontava
culpa da
mulher pelo fim do casamento poderia fazer com que a mulher não
mantivesse o
nome de casada. Se havia realmente a declaração de culpa, ela seria
obrigada a
mudar de nome, desde que o marido pedisse expressamente. Mas a lei
estabelecia algumas
situações excepcionais.
Em 2002, começamos com a adoção pelo
homem do nome da
esposa. Ainda é pequeno o número de homens que fazem isso. É uma
questão
cultural. Mas pode! Depois, há o divórcio. O divórcio elimina o
conceito de
culpa. Passou a ser o direito da pessoa pelo simples fato da
insuportabilidade
da vida em comum. Pode-se mostrar a causa, mas a pessoa não será
condenada por
isso. O divórcio será concedido como um direito, e não como uma
consequência. Há
o direito de pedir o divórcio justamente porque o casamento não mais
está bom.
Assim, desaparece a culpa.
E agora, como fica a questão do nome?
Fica assim: a lei
estabelece o direito da esposa à escolha do nome, com ou sem culpa.
Desaparecendo
o conceito de culpa, continua com o direito de escolher o nome, e agora
não
existe mais a possibilidade de tirar o nome a pedido do marido.
Recentemente vimos decisões em que,
num divórcio litigioso, a
mulher foi acusada de infidelidade, de quebra do dever do matrimônio, e
o
marido pediu que ela não mais usasse o nome. O juiz disse não. Acabou o
conceito de culpa no divórcio. E não porque alguém fez isso ou aquilo.
Assim,
ela pode continuar usando o nome. O conceito agora é outro. E chamamos
atenção
desse “outro conceito” porque o divórcio passou a ser interpretado como
um
direito da pessoa, de terminar o casamento no momento em que não mais o
queira.
E há juízes que não querem nem mais saber por quê. Basta a
incompatibilidade de
gênios.
Esse é nosso sistema em relação ao
divórcio. ¹
União estável
A partir deste momento vamos falar
sobre união estável. É um tema em
nosso
dia-a-dia, e haverá um momento em vamos falar sobre a união
homoafetiva.
No início, a ideia de união estável
foi instituída pela
Constituição de 1988, então vamos falar sobre o período anterior a ela.
Vamos
nos reportar ao que tínhamos antes: casamento, com família legítima.
Fora do
casamento, tínhamos família ilegítima ou concubinato. Quando nós, em
determinado momento, abordamos o tema do concubinato, apresentamos uma
definição de Ruggiero, que dizia o seguinte: concubinato era um
conceito muito
simples e muito atual: união de duas pessoas sem casamento. Era uma
união de
duas pessoas que formavam uma família ilegítima, que se prolongava no
tempo,
muitas vezes com filho, muitas vezes vivendo sob o mesmo teto, mas as
pessoas
não eram casadas.
Com a Constituição de 88, passamos a
ter no art. 226 a ordem
para a proteção da família. A família se constitui: pelo casamento,
pela
entidade familiar denominada união estável entre homem e mulher. A lei
estabelece que se deve facilitar a transformação da entidade familiar
em
casamento. Também comunidade monoparental formada entre ascendente e
descendente.
Vejam, portanto, que o conceito de
família, que era antes
limitado ao casamento, de repente de estendeu: há agora dois tipos de
família
sem casamento: pai e filho convivendo, e outra, chamada união estável
entre
homem e mulher, que também é família.
Dentro desse contexto temos algumas
consequências que o
tempo coloca. O vetor que passou a ser a razão da família foi a
afetividade, e
não o vínculo matrimonial, que, de acordo com a diretriz da Igreja
Católica,
era indissolúvel. Agora é a afeição. Essas pessoas passaram a conviver
em união
estável. Voltamos ao conceito de Ruggiero, que ampliamos: ele dizia que
considerava-se
família a união entre duas pessoas sem casamento. Daqui passamos a
enxergar
dois modelos de família em concubinato: união entre duas pessoas sem
casamento,
que não se casam, ou porque não querem, ou porque não podem. Reparem
que a
Constituição de 1988 fez com que esse conceito se ampliasse. Porque não
querem
formar a família por casamento, e por isso surge o concubinato;
concubinato em
sentido estrito. Nesse concubinato em sentido estrito, as pessoas não
podem se
casar porque já são casadas, o que é o concubinato adulterino, ou
porque a lei
proíbe, que é o concubinato incestuoso.
Vamos lá: o professor Flávio,
divorciado, ainda na faixa dos
40 anos (faz de conta), começa a namorar uma menina de 35 e resolveram
relacionar-se: foram a festas juntos, viajaram, conheceram famílias um
do outro...
depois resolveram ter um apartamento, e até cogitaram ter uma criança.
Isso é a
união estável. Aí ele, Flávio, ainda casado, muito esperto, resolve
arrumar uma
amante. Estão juntos quando podem, nesses últimos anos, viajam juntos,
diz à
mulher que vai trabalhar, chega tarde... como ele é casado, este é um
concubinato adulterino.
Ou ela também é casada, e eles têm
essa relação há vários
anos, então é um concubinato adulterino bilateral.
E o jovem que começa a conviver com a
própria irmã? A lei
proíbe o casamento, porque seria um concubinato incestuoso. Ou mesmo se
o
professor resolver namorar sua sogra, e se torna amante dela. É outro
concubinato
incestuoso, já que a lei proíbe casamento entre genro e sogra. Reparem,
portanto, que o simples conceito de Ruggiero, atualizado, nos dá um
quadro de
tudo que acontece hoje, em matéria de casamento. Agora, o que o
professor quer
ressaltar também é que a Constituição da República, ao estabelecer a
igualdade
entre filhos, expressamente permitiu o reconhecimento de filhos
incestuosos,
como se dissesse, mantendo a filosofia da Constituição: filho não tem
nada com
a situação dos pais. Se são ex-genros com sogras, não há porque não ser
reconhecido. Se o filho é filho de um irmão com uma irmã, não há porque
não ser
reconhecido. Temos, portanto, essa separação de filiação e mantemos o
conceito
de concubinato na relação entre o homem e a mulher.
Dentro desse contexto, num primeiro
momento, ao criar a
união estável, houve realmente uma grande reação, especialmente nos
meios
religiosos, porque seria o fim da família. Não aconteceu, mas falou-se
muito
disso. Uma das alegações daqueles que faziam as críticas era que, ao
estabelecer, na Constituição, que “a lei facilitará a transformação da
união
estável em casamento”, o legislador constituinte estava ampliando uma
família
de segunda categoria. A primeira seria a do casamento, e a segunda
seria dos
“amantes”. Esse foi o primeiro embate que tivemos. O tempo fez com que
desaparecesse essa qualificação pejorativa. As uniões estáveis se
multiplicaram, e constituíram família como qualquer outra família.
No início, a união estável estava
limitada da seguinte maneira:
não casavam porque não queriam. Quem não casa porque não quer? O
solteiro,
óbvio. Ou o viúvo, ou o divorciado, ou os que tiveram o casamento
anulado. Sem
falar muito em casamento, somente viviam em união estável as pessoas
solteiras,
viúvas ou divorciadas. Isso porque, se fossem somente separadas, a
separação
não permitia um novo casamento, pois o vínculo matrimonial ainda estava
vivo.
Somente a sociedade conjugal terminava, mas não o vínculo. Isso
significava a proibição
de casar-se novamente. Os separados, portanto, não poderiam ter união
estável.
Os casados, claro, também não poderiam e não podem viver em união
estável com
outra pessoa.
Também estabeleceu-se, e isso é um
consenso, que não seria
um instituto normatizado. Como o princípio da união estável é a
afeição, não
temos que regulamentá-la. Ela existe ou não. Não é como o casamento, em
que se
formaliza a realização. Há uma cerimônia em que se estabelece o vínculo
matrimonial. A união estável não tem nada disso; é puro sentimento. As
pessoas
começam a se relacionar e essa relação se transforma em união estável.
Não há
como normatizar isso. Num primeiro momento, em 1986, nosso sistema
sentiu a
necessidade de, pelo menos, estabelecer alguns parâmetros dizendo: a
união
estável se constituía após cinco anos, ou num período menor se houvesse
filhos.
Essa ideia está na cabeça das pessoas até hoje, mas isso acabou desde
1996 com
a Lei 9278, que vamos ver na aula que vem. Segundo, estabeleceu-se
também o
direito da companheira ou do companheiro de receber alimentos, pois era
uma
discussão muito forte que havia antes: se, na união estável, era
possível
prestar alimentos, se era dever. Estabeleceu-se que sim, que
dever-se-ia prestar
alimentos. E também a questão sucessória. Então, basicamente, temos
apenas uma
lei estabelecendo o direito a alimentos e o direito à sucessão, o
direito real
de habitação para a companheira ou companheiro. E mais nada.
Todas as demais situações passaram, e
isso prevalece até
hoje, e as que persistem são resolvidas fazendo-se a adaptação do
casamento
para a união estável. Se temos um problema de partilha de bens, e
aplica-se à
união estável as regras do casamento, com adaptações.
A Lei de Alimentos traz uma inovação: diz que os separados também podem viver em união estável. E o Código Civil de 2002 ampliou isso, trazendo que os casados, mas separados de fato há mais de dois anos podem ter união estável. Reparem, portanto, que hoje, em todas as situações, podemos ter união estável. É a universalização do instituto que hoje já não encontra barreiras para sua constituição.