Direito Civil

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Questões relacionadas à dissolução da sociedade conjugal e introdução à união estável

Dentro do esquema que apresentamos antes, tínhamos a guarda e responsabilidade, visitas, alimentos e patrimônio como questões a serem resolvidas quando da dissolução da sociedade conjugal. Quando se pede divórcio, entramos no preâmbulo do instrumento do acordo: “os cônjuges são casados desde tal dada sob o regime tal”. Nisso, temos o pacto antenupcial. Nesse momento, o juiz já tem a informação sobre como será a partilha dos bens. Se o regime é da comunhão universal, ele sabe que todos os bens se comunicam: presentes, passados, adquiridos de qualquer forma, a qualquer título, e os cônjuges são considerados meeiros, isto é, a partilha será meio a meio. Mas chame-se atenção para o detalhe de que os cônjuges são maiores e podem tranquilamente fazer ou aceitar uma divisão que não seja meio a meio. Poderão aceitar a proporção de 60%–40%, por exemplo. O fato de ser meeiro é um indicativo, mas eles podem transacionar. Podem fazer acertos entre eles. “Você fica com aquele faqueiro”, ou “você fica com as fazendas que seu pai deixou”, e assim a partilha se faz.

Não pensem que é fácil. O emocional das pessoas, até mesmo na separação consensual, está muito forte, muito presente. Mesmo com a separação consensual e o casal aparentemente numa boa, sem problemas visíveis, eles estão numa pilha de nervos. Só para termos uma ideia, o professor se lembra como se fosse hoje a condução de uma separação consensual, com tudo certo, filhos com guarda e responsabilidade definida, bens partilhados, e finalmente telefona a cliente dizendo: “doutor, não há mais separação consensual.” O trabalho de dois meses estava indo para o ralo. O que aconteceu? Quando o professor foi verificar, para seu espanto descobriu que eles resolveram, já que estavam partilhando tudo, partilhar também um faqueiro, Colher por colher, faca por faca! E sobrou uma colher! Era impar o número de peças, infelizmente para o professor. Um caso realmente curioso. “Dá a colher para mim” – disse o professor. A mulher riu, mas estava falando sério.

Se o regime é da comunhão parcial, o juiz também já sabe que caminho tomar. Os bens particulares, adquiridos anteriormente ao casamento ficam com os respectivos cônjuges, os percebidos por doação ou herança também, os sub-rogados também, e os bens adquiridos onerosamente, salvo as exceções, serão partilhados meio a meio. Neste caso, a matéria de prova é muito importante porque irá delimitar o que é da propriedade particular e o que é do patrimônio comum. Então, normalmente, colocamos numa petição de partilha os bens que o cônjuge não partilhava. E também o rol de bens partilháveis, e assim se concentra a partilha nesses bens. Nesta porção do patrimônio a divisão é feita meio a meio, as partes podem transigir, porque são maiores, e os acertos são feitos.

No regime da separação de bens, também tiram-se os bens do patrimônio de cada um e, quanto aos outros, deve-se olhar como os bens foram adquiridos. Pode ser que tenham estabelecido que, na aquisição de um terreno, 63% ficasse para um e 37% para outro. E ficam sócios.

Quando tratamos de regimes de bens, o que o professor fala com tanta tranquilidade é que se trata de um momento de muita tensão no casamento. As pessoas estão nervosas; qualquer coisa pode acabar com o acordo ali. Ou mesmo durante o casamento, ou antes dele, em que a discordância sobre o regime de bens pode causar uma eterna briga. “Em matéria de bolso o homem perde a compostura” – Ministro Celso de Mello. É difícil demais lidar com partilha de bens.

E, às vezes, há coisas cuja partilha é extremamente difícil de ser feita. O juiz pode fazer a partilha no próprio processo. Pode transformar o processo de divórcio, declará-lo e deixar a partilha para um segundo momento, em que os cônjuges apresentarão propostas separadamente. Ou, então, o que tem acontecido com frequência, e o professor se posiciona contra, é o juiz partilhar declarando que ficarão com 50%–50% e os ex-cônjuges passam à categoria de condôminos. Contra legem, porque a lei diz que são meeiros, não condôminos. Isso exigirá um novo processo, e normalmente está havendo litígio, que será prolongado por mais dez anos. Vai da Vara de Família para a Vara Cível para litigar outra vez até que se termine o condomínio. Ou então com a divisão, feita numa ação de divisão de bens. O que poderia ter sido feito com um pouco mais de esforço do juiz, ele joga para frente. Causa muito desgaste.

Num primeiro instante, a separação dá fim ao regime de bens. Isso significa que deve haver a partilha. O Código diz também, no capítulo da separação consensual, que os cônjuges podem decidir partilhar os bens depois. Esta solução era usada somente no divórcio consensual; mas, de repente, está sendo também aplicada no divórcio litigioso. Ninguém está preocupado com o drama que está acontecendo. E às vezes são situações que absolutamente exigem a atenção do julgador. Reparem uma situação concreta: uma mulher tinha uma fazenda que recebeu por doação, antes de casar-se. Conheceu um moço e com ele casou-se no regime da comunhão parcial. Casados, resolveram comprar uma fazenda ao lado da propriedade rural que a mulher já possuía. Esta última fazenda adjacente, portanto, integrou o patrimônio comum dos cônjuges, enquanto a primeira, naturalmente, ficou reservada ao patrimônio particular da mulher. Ainda casados, compraram outra fazenda, mas distante das duas, sem fronteiras. Até aqui não há problema nenhum. Só que, no decorrer da vida, eles construíram dois empreendimentos rurais: um de suínos, que ocupou a última fazenda, e um de aves, que, numa decisão iluminada do casal, ocupou as duas primeiras fazendas, ficando metade do prédio rural na área de cada propriedade.

Imaginem o problema! O casamento acabou, e começou o rolo. A proposta foi que o marido ficasse com a última fazenda, de suínos, mas ele não aceitou partilhar o empreendimento de aves. Não haveria o que fazer, pois o empreendimento acabaria!

Não se conseguiu. O juiz determinou que eles ficariam como condôminos daquela instalação. Significa que, da sentença que decreta a partilha dos bens não litigiosos, vai demorar mais alguns anos até que se resolva a questão da copropriedade. Não é briguinha, e houve até tentativa de homicídio do marido contra a mulher. É difícil porque o sistema permite tantas opções e o juiz terá qualquer uma delas, todas dentro da lei. As regras estão lá. Mas trazer para a realidade é muito difícil. São muitas as variantes que conduzem a essa partilha. É um dos momentos de maior dificuldade do processo.

Não é fácil mesmo. E, dentro desse contexto, temos que, numa separação litigiosa, o juiz deve ter muito, muito cuidado porque, na realidade, tal construção era uma benfeitoria. O conceito de Clóvis Beviláqua inclui na meação as benfeitorias, ainda que construída no patrimônio particular do ex-cônjuge. A parte com benfeitoria seria dos dois. Então o marido teria direito à parte da benfeitoria sobre o terreno exclusivo da mulher.

A partilha tem regras claras, mas as situações fáticas que se apresentam, e as emoções que emergem daí tornam difícil esse processo.

O que dá conflito é o casamento e o processo de divórcio. Nesse momento os cônjuges estão nervosos, e, ao divorciar, eles só terão a partilha para tratar.
 

Nome

A lei estabelece o direito do cônjuge de escolher o nome que quererá usar após do divórcio. Isso é um pouco relativo, porque o homem não pode escolher qualquer nome que queira. É possível, no casamento, acrescentar ao seu nome o sobrenome da esposa e vice-versa. No final do casamento, pode-se voltar ao nome de solteiro ou continuar o nome que adotou. A opção é de quem fez a alteração. Muitas vezes, hoje em dia, e cada vez mais, as pessoas continuam com seus próprios nomes. Há pessoas casadas que não adotam nenhum nome. Uma das alegações é que dá muito trabalho mudar de nome após o divórcio, e até pode haver problemas.

Outros não; eles alteram, e, ao final do casamento, mantêm o nome de casados, advindo do marido ou da mulher.

No sistema anterior, existiam algumas situações em que era obrigatório o retorno ao nome de solteiro. No divórcio litigioso ou consensual a mulher poderia escolher manter o nome. Mas o marido que apontava culpa da mulher pelo fim do casamento poderia fazer com que a mulher não mantivesse o nome de casada. Se havia realmente a declaração de culpa, ela seria obrigada a mudar de nome, desde que o marido pedisse expressamente. Mas a lei estabelecia algumas situações excepcionais.

Em 2002, começamos com a adoção pelo homem do nome da esposa. Ainda é pequeno o número de homens que fazem isso. É uma questão cultural. Mas pode! Depois, há o divórcio. O divórcio elimina o conceito de culpa. Passou a ser o direito da pessoa pelo simples fato da insuportabilidade da vida em comum. Pode-se mostrar a causa, mas a pessoa não será condenada por isso. O divórcio será concedido como um direito, e não como uma consequência. Há o direito de pedir o divórcio justamente porque o casamento não mais está bom. Assim, desaparece a culpa.

E agora, como fica a questão do nome? Fica assim: a lei estabelece o direito da esposa à escolha do nome, com ou sem culpa. Desaparecendo o conceito de culpa, continua com o direito de escolher o nome, e agora não existe mais a possibilidade de tirar o nome a pedido do marido.

Recentemente vimos decisões em que, num divórcio litigioso, a mulher foi acusada de infidelidade, de quebra do dever do matrimônio, e o marido pediu que ela não mais usasse o nome. O juiz disse não. Acabou o conceito de culpa no divórcio. E não porque alguém fez isso ou aquilo. Assim, ela pode continuar usando o nome. O conceito agora é outro. E chamamos atenção desse “outro conceito” porque o divórcio passou a ser interpretado como um direito da pessoa, de terminar o casamento no momento em que não mais o queira. E há juízes que não querem nem mais saber por quê. Basta a incompatibilidade de gênios.

Esse é nosso sistema em relação ao divórcio. ¹
 

União estável

A partir deste momento vamos falar sobre união estável. É um tema em nosso dia-a-dia, e haverá um momento em vamos falar sobre a união homoafetiva.

No início, a ideia de união estável foi instituída pela Constituição de 1988, então vamos falar sobre o período anterior a ela. Vamos nos reportar ao que tínhamos antes: casamento, com família legítima. Fora do casamento, tínhamos família ilegítima ou concubinato. Quando nós, em determinado momento, abordamos o tema do concubinato, apresentamos uma definição de Ruggiero, que dizia o seguinte: concubinato era um conceito muito simples e muito atual: união de duas pessoas sem casamento. Era uma união de duas pessoas que formavam uma família ilegítima, que se prolongava no tempo, muitas vezes com filho, muitas vezes vivendo sob o mesmo teto, mas as pessoas não eram casadas.

Com a Constituição de 88, passamos a ter no art. 226 a ordem para a proteção da família. A família se constitui: pelo casamento, pela entidade familiar denominada união estável entre homem e mulher. A lei estabelece que se deve facilitar a transformação da entidade familiar em casamento. Também comunidade monoparental formada entre ascendente e descendente.

Vejam, portanto, que o conceito de família, que era antes limitado ao casamento, de repente de estendeu: há agora dois tipos de família sem casamento: pai e filho convivendo, e outra, chamada união estável entre homem e mulher, que também é família.  

Dentro desse contexto temos algumas consequências que o tempo coloca. O vetor que passou a ser a razão da família foi a afetividade, e não o vínculo matrimonial, que, de acordo com a diretriz da Igreja Católica, era indissolúvel. Agora é a afeição. Essas pessoas passaram a conviver em união estável. Voltamos ao conceito de Ruggiero, que ampliamos: ele dizia que considerava-se família a união entre duas pessoas sem casamento. Daqui passamos a enxergar dois modelos de família em concubinato: união entre duas pessoas sem casamento, que não se casam, ou porque não querem, ou porque não podem. Reparem que a Constituição de 1988 fez com que esse conceito se ampliasse. Porque não querem formar a família por casamento, e por isso surge o concubinato; concubinato em sentido estrito. Nesse concubinato em sentido estrito, as pessoas não podem se casar porque já são casadas, o que é o concubinato adulterino, ou porque a lei proíbe, que é o concubinato incestuoso.

Vamos lá: o professor Flávio, divorciado, ainda na faixa dos 40 anos (faz de conta), começa a namorar uma menina de 35 e resolveram relacionar-se: foram a festas juntos, viajaram, conheceram famílias um do outro... depois resolveram ter um apartamento, e até cogitaram ter uma criança. Isso é a união estável. Aí ele, Flávio, ainda casado, muito esperto, resolve arrumar uma amante. Estão juntos quando podem, nesses últimos anos, viajam juntos, diz à mulher que vai trabalhar, chega tarde... como ele é casado, este é um concubinato adulterino.

Ou ela também é casada, e eles têm essa relação há vários anos, então é um concubinato adulterino bilateral.

E o jovem que começa a conviver com a própria irmã? A lei proíbe o casamento, porque seria um concubinato incestuoso. Ou mesmo se o professor resolver namorar sua sogra, e se torna amante dela. É outro concubinato incestuoso, já que a lei proíbe casamento entre genro e sogra. Reparem, portanto, que o simples conceito de Ruggiero, atualizado, nos dá um quadro de tudo que acontece hoje, em matéria de casamento. Agora, o que o professor quer ressaltar também é que a Constituição da República, ao estabelecer a igualdade entre filhos, expressamente permitiu o reconhecimento de filhos incestuosos, como se dissesse, mantendo a filosofia da Constituição: filho não tem nada com a situação dos pais. Se são ex-genros com sogras, não há porque não ser reconhecido. Se o filho é filho de um irmão com uma irmã, não há porque não ser reconhecido. Temos, portanto, essa separação de filiação e mantemos o conceito de concubinato na relação entre o homem e a mulher.

Dentro desse contexto, num primeiro momento, ao criar a união estável, houve realmente uma grande reação, especialmente nos meios religiosos, porque seria o fim da família. Não aconteceu, mas falou-se muito disso. Uma das alegações daqueles que faziam as críticas era que, ao estabelecer, na Constituição, que “a lei facilitará a transformação da união estável em casamento”, o legislador constituinte estava ampliando uma família de segunda categoria. A primeira seria a do casamento, e a segunda seria dos “amantes”. Esse foi o primeiro embate que tivemos. O tempo fez com que desaparecesse essa qualificação pejorativa. As uniões estáveis se multiplicaram, e constituíram família como qualquer outra família.

No início, a união estável estava limitada da seguinte maneira: não casavam porque não queriam. Quem não casa porque não quer? O solteiro, óbvio. Ou o viúvo, ou o divorciado, ou os que tiveram o casamento anulado. Sem falar muito em casamento, somente viviam em união estável as pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas. Isso porque, se fossem somente separadas, a separação não permitia um novo casamento, pois o vínculo matrimonial ainda estava vivo. Somente a sociedade conjugal terminava, mas não o vínculo. Isso significava a proibição de casar-se novamente. Os separados, portanto, não poderiam ter união estável. Os casados, claro, também não poderiam e não podem viver em união estável com outra pessoa.

Também estabeleceu-se, e isso é um consenso, que não seria um instituto normatizado. Como o princípio da união estável é a afeição, não temos que regulamentá-la. Ela existe ou não. Não é como o casamento, em que se formaliza a realização. Há uma cerimônia em que se estabelece o vínculo matrimonial. A união estável não tem nada disso; é puro sentimento. As pessoas começam a se relacionar e essa relação se transforma em união estável. Não há como normatizar isso. Num primeiro momento, em 1986, nosso sistema sentiu a necessidade de, pelo menos, estabelecer alguns parâmetros dizendo: a união estável se constituía após cinco anos, ou num período menor se houvesse filhos. Essa ideia está na cabeça das pessoas até hoje, mas isso acabou desde 1996 com a Lei 9278, que vamos ver na aula que vem. Segundo, estabeleceu-se também o direito da companheira ou do companheiro de receber alimentos, pois era uma discussão muito forte que havia antes: se, na união estável, era possível prestar alimentos, se era dever. Estabeleceu-se que sim, que dever-se-ia prestar alimentos. E também a questão sucessória. Então, basicamente, temos apenas uma lei estabelecendo o direito a alimentos e o direito à sucessão, o direito real de habitação para a companheira ou companheiro. E mais nada.

Todas as demais situações passaram, e isso prevalece até hoje, e as que persistem são resolvidas fazendo-se a adaptação do casamento para a união estável. Se temos um problema de partilha de bens, e aplica-se à união estável as regras do casamento, com adaptações.

A Lei de Alimentos traz uma inovação: diz que os separados também podem viver em união estável. E o Código Civil de 2002 ampliou isso, trazendo que os casados, mas separados de fato há mais de dois anos podem ter união estável. Reparem, portanto, que hoje, em todas as situações, podemos ter união estável. É a universalização do instituto que hoje já não encontra barreiras para sua constituição.


  1. A partir desse momento até o início do assunto da união estável, o professor falou sobre os alimentos gravídicos, que desloquei para a aula de ontem, em que estudamos os alimentos.