Direito Civil

quinta-feira, 24 de março de 2011

Impedimentos matrimoniais

  

Falamos sobre a apresentação dos documentos para o casamento, a habilitação. Também discutimos a autoridade celebrante. Faltou falarmos sobre a cerimonia do casamento.

Na cerimônia, a autoridade celebrante assina a certidão de casamento. É o documento comprobatório de que aquele casamento existe.

Antes de chegarmos ao casamento propriamente dito, devemos passar pelos impedimentos matrimoniais. São situações previstas na lei que impedem o casamento. E, se o casamento se realiza na eivado de um impedimento, isso levará à anulação ou nulidade do casamento. Casamento entre irmãos, por exemplo.

Serem os nubentes irmãos: por lei, irmãos não podem se casar. Estão impedidos. Se a autoridade celebrante perguntar e alguém levantar do dedo apontando o motivo, essa será uma situação que impedirá o casamento. Se ninguém nada disser, mas anos depois alguém apontar o fato de serem irmãos, naquele momento poderá ser arguida a nulidade do casamento. Importa o momento em que a situação é apresentada para entendermos a situação aplicável, se é de impedimento ou nulidade, ou ainda de anulabilidade. Se antes, a situação é de impedimento matrimonial; se depois, é causa de nulidade ou anulação.

Essas situações são estabelecidas na lei para evitar uniões que possam afetar a prole, a ordem social, a ordem jurídica e até mesmo interesses de terceiros. O casamento entre irmãos é um casamento incestuoso que a sociedade brasileira repudia. Se há o casamento entre irmãos, ele estará afetando essa ordem social, a própria lei da sociedade. Da melhor maneira, um casamento entre irmãos possibilitará com certeza o nascimento de filhos que tenham problemas congênitos, biológicos, resultantes do cruzamento do sangue de irmãos.

São situações então que o legislador estabeleceu para proteger a sociedade, a prole, a família, os interesses de terceiros, enfim, situações que devem ser evitadas.

Essas situações podem ser qualificadas em três categorias:

  1. Impedimentos dirimentes públicos ou absolutos;
  2. Impedimentos dirimentes privados ou relativos;
  3. Impedimentos impedientes.

São situações que afetam o matrimônio. Os impedimentos dirimentes públicos ou absolutos levam ao casamento nulo. Os dirimentes privados ou relativos levam ao casamento anulável. Os impedientes levam a um casamento válido, mas com restrições patrimoniais.

Os primeiros estão no art. 1521 do Código Civil:

CAPÍTULO III

Dos Impedimentos

Art. 1521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes,seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Não é interpretação, é um comando do nosso Código. “Não podem casar é impedimento absoluto.” Não há jeitinho aqui.

No art. 1550, caput, temos o casamento anulável:

Art. 1550. É anulável o casamento:

I - de quem não completou a idade mínima para casar;

II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;

III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;

IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;

V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;

VI - por incompetência da autoridade celebrante.

Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.

Por fim, o casamento válido com restrições patrimoniais encontra-se no art. 1523:
CAPÍTULO IV

Das causas suspensivas

Art. 1523. Não devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.

Vejam então: “não devem casar”. Esta expressão é uma recomendação apenas. Se houver o casamento, ele será válido, mas exige como consequência o regime de separação de bens.
 

Consequências dos impedimentos dirimentes públicos

Os impedimentos dirimentes públicos são os que legislador deu ênfase especial. São situações que realmente impedem o casamento, e ele será considerado nulo se realizado. Essas situações são as que resultam de incesto, bigamia ou homicídio. Se dividem em três grupos:

Vamos aos impedimentos resultantes de parentesco. O que é parentesco? Como colocamos o parentesco no Direito de Família? São as relações que ligam pessoas através da consanguinidade, da afinidade e do vínculo civil.

Os consanguíneos foram relações de parentesco através de vínculos a partir de um mesmo tronco ancestral comum, quer seja em linha reta, quer seja em linha colateral. Exemplo: o bisavô é o ancestral comum ao sujeito referencial e seu tio-avô. Vínculos de afinidade são relações que ligam um cônjuge aos parentes consanguíneos de outro. Vínculo por adoção é auto-explicativo.

Os impedimentos por consanguinidade são fundados em razões morais e em razões biológicas ou eugênicas. “Em razões morais”: repudia a moral social, isto é, a moral de nossa sociedade, como os casamentos entre parentes. Casamento entre pai e filha, por exemplo, é inaceitável. Entre irmãos a sociedade também não aceita por razão de ordem moral. Até mesmo entre primos. Quantas vezes já vimos a avó falar: “você vai casar com ela? Ela é sua prima!”. Não é impedimento legal, mas há a moral social em relação a isso.

As razões biológicas são as que podem gerar malversações somáticas, além de dano psíquico. Por isso que adotamos, pela tradição cristã, o casamento somente entre famílias diferentes, até determinado nível. É o princípio da exogamia. É um princípio válido no mundo ocidental. Existe na França, Alemanha, Estados Unidos, Chile, Argentina... Mas, em outras culturas, esse casamento poderá ser permitido. Determinados países africanos permitem o casamento entre irmãos, enquanto determinados países árabes permitem casamento entre primos “de primeiro grau” (quarto, na verdade). A exogamia também significa um repúdio ao incesto. Vem desde os gregos, com a tragédia de Sófocles. Em sua obra, há um pai que é morto pelo filho Édipo para que este case com a mãe. Isso já era repudiado naquela ocasião. Foi de onde surgiu o termo “complexo de Édipo”, usado muito na psicologia. Na história, a família foi amaldiçoada por sete gerações. Isso mostra a condenação por incesto desde antes mesmo da Era Cristã.

Contudo, naquela mesma época víamos que nossa linda Cleópatra, para governar o Egito, enfrentou uma linhagem de faraós completamente masculina. Queria governar, então, além de seduzir e se relacionar com os lideres romanos de seu tempo, Júlio César e depois Marco Antônio, casou-se depois com o irmão de 9 anos de idade, Ptolomeu, descendente legítimo do faraó. Assim pôde governar.

 

Graus de parentesco

No parentesco, temos o parente consanguíneo, em linha reta ou colateral. É dividido através de graus, que é a distância que medeia duas gerações. Então, entre você e seu pai há um grau. Entre você e seu avô há dois graus. Entre você e seu neto há dois graus descendentes. Para determinar o grau de parentesco em relação a alguém, deve-se subir até o ancestral comum e descer pela linha colateral. Exemplo: para mostrar que seu primo popularmente chamado de “primo de primeiro grau” é, na verdade, de quarto grau, basta, imaginando uma árvore genealógica, subir até o ancestral comum e descer até o destino. Para isso, tomando você como referencial, subimos um grau até seu pai, depois mais um até seu avô, que é o ancestral comum, descemos até o filho dele, que é seu tio, e, por fim, descemos até o filho deste, que é o seu primo. Quatro passagens, portanto. Parentesco em quarto grau.

 

Classificações dos irmãos

Dentro do parentesco consanguíneo, chama a atenção o parentesco entre irmãos. Podemos classificar os irmãos, gerando diferentes consequências jurídicas. Os irmãos podem ser de três tipos:

  1. Irmãos germanos ou bilaterais;
  2. Irmãos unilaterais consanguíneos;
  3. Irmãos uterinos.

Os irmãos bilaterais são aqueles filhos do mesmo pai e da mesma mãe. Os unilaterais são irmãos filhos somente do mesmo pai ou da mesma mãe. Estes podem ser consanguíneos ou uterinos. Os irmãos unilaterais uterinos são filhos da mesma mãe e pais diferentes. Os irmãos unilaterais consanguíneos são filhos do mesmo pai, mas de mães diferentes. Os bilaterais também são chamados germanos.

Com o falecimento, nas sucessões alguns são chamados e outros não. Veremos no futuro a questão sucessória.

Quando tratamos de impedimentos entre os parentes consanguíneos, temos, no art. 1521, que não podem casar os descendentes com os ascendentes. Em nenhuma circunstância. Reparem que não podem casar pai com filha, avô com neta, bisneta com bisavô, e assim por diante. Ascendentes e descendentes só aparecem na linha reta. Na colateral não falamos em ascendência e descendência. A proibição se dá em qualquer grau.

Art. 1521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

Depois temos a linha colateral, em que temos os irmãos, que não podem se casar. Inciso IV do art. 1521.

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

É causa de nulidade absoluta.

No mesmo inciso temos “até terceiro grau”. E aqui surge a pergunta: a interpretação correta é “a partir do terceiro grau pode” ou “até o terceiro grau não pode”? Há o Decreto nº 3200 de 19 de abril de 1941, bem antigo e ainda válido, que permite o casamento entre parentes colaterais em terceiro grau desde que tenham laudo médico. Para o tio se casar com a sobrinha ele necessariamente precisará do laudo atestando que os eventuais filhos estarão congenitamente seguros. Os sangues deverão ser compatíveis.

Art. 2º Os colaterais do terceiro grau, que pretendam casar-se, ou seus representantes legais, se forem menores, requererão ao juiz competente para a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade, isentos de suspensão, para examiná-los e atestar-lhes a sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole, na realização do matrimônio.

E, a partir do quarto grau, é possível o casamento sem restrições. Primos, por exemplo. Não há impedimentos, mas temos limitações morais. Isso é Direito de Família! Temos que respeitar, ainda que a lei permita. Em determinado momento dizemos que sempre ouvimos alguém da família reclamar da pretensão de se casar com parentes.

Continuemos com o art. 1521. Não podem se casar...

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

São esses os impedimentos dirimentes absolutos por consanguinidade.

Sabemos também que o parentesco pode ser por afinidade. É a relação que se tem com os parentes do cônjuge. Isso para fins de casamento. Diferente é para efeitos de administração, para o Direito Administrativo, como o nepotismo. Os parentes em linha reta do cônjuge estão absolutamente impedidos, para o resto da vida, para o casamento. Ainda que o casamento se desfaça, nunca mais se poderá casar com a sogra ou com a enteada.

Era uma vez um jornalista, casado com uma moça cujo pai morava numa fazenda no interior de Minas Gerais. O casal foi, um dia, passar férias na fazenda do sogro. Quando estavam voltando, dias antes de regressarem, o sogro e a sogra tiveram uma conversa com o rapaz pedindo que eles recebecessem a irmã de sua esposa, que estava completando 18 anos, terminava o segundo grau, e na região não tinha nenhuma faculdade. Ela viria para Brasília, fazer cursinho, e então entrar numa faculdade. A moça veio, e deram a ela um quarto. Só que a vida, no dia-a-dia, se desdobrou da seguinte forma: a esposa, funcionária, levantava cedo. O marido, jornalista, muitas vezes ficava na redação até mais tarde. Chegava em casa, e a esposa já estava dormindo. Encontrava a cunhada na cozinha acordada, estudando. Acontecia várias vezes por semana. Resultado: manifestações de presteza com o sujeito que acabava de chegar em casa cansado. Até que, certo dia, não deu outra; os dois se entrelaçaram sexualmente. Um negócio completamente rejeitado pela nossa moral.

O jornalista procura o professor em seu escritório profissional, que conheceu o casal. Queriam se separar, e pediram que o professor fosse advogado deles. Note o destaque para a expressão “deles”, ou seja, tratava-se de um procedimento de jurisdição voluntária, sem litígio. Queriam também fazer tudo discretamente. Separaram-se.

Imaginem, agora, o que aconteceu na família deles. Os pais, irmãos, parentes dessa jovem despejaram ódio sobre a irmã. De repente, passaram-se os anos, e veio o divórcio (naquela época ainda era necessária a separação judicial), e os cunhados se casaram! Vieram filhos. As coisas foram se acertando. As irmãs voltaram a se amar, e o clima de convivência começou a se restabelecer com o nascimento dos netos do fazendeiro. Esses chamavam a antiga esposa do pai de tia. É família! Afinal, cada um seguiu sua vida. O professor, no final das contas, encontrou o casal num supermercado, e, para sua felicidade, estava tudo certo.

A lei permite? Sim. Mas a rejeição de ordem moral também existe. De qualquer modo temos sempre, em nossas normas de Direito de Família, o conteúdo moral e religioso.