Falamos
sobre a apresentação dos
documentos para o casamento, a habilitação. Também discutimos a
autoridade
celebrante. Faltou falarmos sobre a cerimonia do casamento.
Na
cerimônia, a autoridade
celebrante assina a certidão de casamento. É o documento comprobatório
de que
aquele casamento existe.
Antes
de chegarmos ao casamento
propriamente dito, devemos passar pelos impedimentos matrimoniais. São
situações previstas na lei que impedem o casamento. E, se o casamento
se
realiza na eivado de um impedimento, isso levará à anulação ou nulidade
do
casamento. Casamento entre irmãos, por exemplo.
Serem
os nubentes irmãos: por
lei, irmãos não podem se casar. Estão impedidos. Se a autoridade
celebrante
perguntar e alguém levantar do dedo apontando o motivo, essa será uma
situação
que impedirá o casamento. Se
ninguém nada
disser, mas anos depois alguém apontar o fato de serem irmãos, naquele
momento
poderá ser arguida a nulidade do
casamento. Importa o momento em que a situação é apresentada para
entendermos a
situação aplicável, se é de impedimento ou nulidade, ou ainda de
anulabilidade.
Se antes, a situação é de impedimento matrimonial; se depois, é causa
de
nulidade ou anulação.
Essas
situações são estabelecidas
na lei para evitar uniões que possam afetar a prole, a ordem social, a
ordem
jurídica e até mesmo interesses de terceiros. O casamento entre irmãos
é um
casamento incestuoso que a sociedade brasileira repudia. Se há o
casamento
entre irmãos, ele estará afetando essa ordem social, a própria lei da
sociedade. Da melhor maneira, um casamento entre irmãos possibilitará
com
certeza o nascimento de filhos que tenham problemas congênitos,
biológicos,
resultantes do cruzamento do sangue de irmãos.
São
situações então que o
legislador estabeleceu para proteger a sociedade, a prole, a família,
os
interesses de terceiros, enfim, situações que devem ser evitadas.
Essas
situações podem ser
qualificadas em três categorias:
São
situações que afetam o
matrimônio. Os impedimentos dirimentes públicos ou absolutos levam ao
casamento
nulo. Os dirimentes privados ou
relativos levam ao casamento anulável.
Os impedientes levam a um casamento válido, mas com restrições
patrimoniais.
Os
primeiros estão no art. 1521
do Código Civil:
CAPÍTULO III Dos Impedimentos Art. 1521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes,seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. |
Não
é interpretação, é um comando
do nosso Código. “Não podem casar é impedimento absoluto.” Não há
jeitinho
aqui.
No
art. 1550, caput, temos o casamento
anulável:
Art. 1550. É anulável o casamento: I - de quem não completou a idade mínima para casar; II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; VI - por incompetência da autoridade celebrante. Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada. |
CAPÍTULO IV Das causas suspensivas Art. 1523. Não devem casar: I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. |
Vejam
então: “não devem casar”.
Esta expressão é uma recomendação apenas. Se houver o casamento, ele
será
válido, mas exige como consequência o regime de separação de bens.
Consequências dos impedimentos dirimentes públicos
Os
impedimentos dirimentes
públicos são os que legislador deu ênfase especial. São situações que
realmente
impedem o casamento, e ele será considerado nulo se realizado. Essas situações são
as que
resultam de incesto, bigamia ou homicídio. Se dividem em três grupos:
Vamos
aos impedimentos
resultantes de parentesco. O que é parentesco? Como colocamos o
parentesco no
Direito de Família? São as relações que ligam pessoas através da
consanguinidade, da afinidade e do vínculo civil.
Os
consanguíneos foram relações
de parentesco através de vínculos a partir de um mesmo
tronco ancestral comum, quer seja em linha reta, quer seja em
linha colateral. Exemplo: o bisavô é o ancestral comum ao sujeito
referencial e seu tio-avô. Vínculos de afinidade são relações que ligam
um
cônjuge aos parentes consanguíneos de outro. Vínculo por adoção é
auto-explicativo.
Os
impedimentos por consanguinidade
são fundados em razões morais e em razões biológicas ou eugênicas. “Em
razões
morais”: repudia a moral social, isto é, a moral de nossa sociedade,
como os
casamentos entre parentes. Casamento entre pai e filha, por exemplo, é
inaceitável. Entre irmãos a sociedade também não aceita por razão de
ordem
moral. Até mesmo entre primos. Quantas vezes já vimos a avó falar:
“você vai
casar com ela? Ela é sua prima!”. Não é impedimento legal, mas há a
moral
social em relação a isso.
As
razões biológicas são as que
podem gerar malversações somáticas, além de dano psíquico. Por isso que
adotamos, pela tradição cristã, o casamento somente entre famílias
diferentes,
até determinado nível. É o princípio da exogamia.
É um princípio válido no mundo ocidental. Existe na França, Alemanha,
Estados
Unidos, Chile, Argentina... Mas, em outras culturas, esse casamento
poderá ser
permitido. Determinados países africanos permitem o casamento entre
irmãos,
enquanto determinados países árabes permitem casamento entre primos “de
primeiro grau” (quarto, na verdade). A exogamia também significa um
repúdio ao
incesto. Vem desde os gregos, com a tragédia de Sófocles. Em sua obra,
há um pai
que é morto pelo filho Édipo para que este case com a mãe. Isso já era
repudiado naquela ocasião. Foi de onde surgiu o termo “complexo de
Édipo”,
usado muito na psicologia. Na história, a família foi amaldiçoada por
sete
gerações. Isso mostra a condenação por incesto desde antes mesmo da Era
Cristã.
Contudo, naquela mesma época víamos que nossa linda Cleópatra, para governar o Egito, enfrentou uma linhagem de faraós completamente masculina. Queria governar, então, além de seduzir e se relacionar com os lideres romanos de seu tempo, Júlio César e depois Marco Antônio, casou-se depois com o irmão de 9 anos de idade, Ptolomeu, descendente legítimo do faraó. Assim pôde governar.
Graus de parentesco
No
parentesco, temos o parente consanguíneo,
em linha reta ou colateral. É dividido através de graus,
que é a distância que
medeia duas gerações. Então, entre você e seu pai há um grau.
Entre você e
seu avô há dois graus. Entre você e seu neto há dois graus
descendentes. Para
determinar o grau de parentesco em relação a alguém, deve-se subir até
o
ancestral comum e descer pela linha colateral. Exemplo: para mostrar
que seu
primo popularmente chamado de “primo de primeiro grau” é, na verdade,
de quarto
grau, basta, imaginando uma árvore genealógica, subir até o ancestral
comum e
descer até o destino. Para isso, tomando você como referencial, subimos
um grau
até seu pai, depois mais um até seu avô, que é o ancestral comum,
descemos até
o filho dele, que é seu tio, e, por fim, descemos até o filho deste,
que é o
seu primo. Quatro passagens, portanto. Parentesco em quarto grau.
Classificações dos irmãos
Dentro
do parentesco
consanguíneo, chama a atenção o parentesco entre irmãos. Podemos
classificar os
irmãos, gerando diferentes consequências jurídicas. Os irmãos podem ser
de três
tipos:
Os
irmãos bilaterais são aqueles
filhos do mesmo pai e da mesma mãe. Os unilaterais são irmãos filhos
somente do
mesmo pai ou da mesma mãe. Estes podem ser consanguíneos ou uterinos.
Os irmãos
unilaterais uterinos são filhos da mesma mãe e pais diferentes. Os
irmãos
unilaterais consanguíneos são filhos do mesmo pai, mas de mães
diferentes. Os
bilaterais também são chamados germanos.
Com
o falecimento, nas sucessões
alguns são chamados e outros não. Veremos no futuro a questão
sucessória.
Quando
tratamos de impedimentos
entre os parentes consanguíneos, temos, no art. 1521, que não podem
casar os
descendentes com os ascendentes. Em nenhuma circunstância. Reparem que
não
podem casar pai com filha, avô com neta, bisneta com bisavô, e assim
por
diante. Ascendentes e descendentes só aparecem na linha reta. Na
colateral não
falamos em ascendência e descendência. A proibição se dá em qualquer
grau.
Art. 1521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; |
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; |
É
causa de nulidade absoluta.
No
mesmo inciso temos “até
terceiro grau”. E aqui surge a pergunta: a interpretação correta é “a
partir do
terceiro grau pode” ou “até o terceiro grau não pode”? Há o Decreto nº
3200 de 19
de abril de 1941, bem antigo e ainda válido, que permite o casamento
entre
parentes colaterais em terceiro grau desde que tenham laudo médico.
Para o tio
se casar com a sobrinha ele necessariamente precisará do laudo
atestando que os
eventuais filhos estarão congenitamente seguros. Os sangues deverão ser
compatíveis.
Art. 2º Os colaterais do terceiro grau, que pretendam casar-se, ou seus representantes legais, se forem menores, requererão ao juiz competente para a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade, isentos de suspensão, para examiná-los e atestar-lhes a sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole, na realização do matrimônio. |
E,
a partir do quarto grau, é
possível o casamento sem restrições. Primos, por exemplo. Não há
impedimentos,
mas temos limitações morais. Isso é Direito de Família! Temos que
respeitar,
ainda que a lei permita. Em determinado momento dizemos que sempre
ouvimos
alguém da família reclamar da pretensão de se casar com parentes.
Continuemos
com o art. 1521. Não
podem se casar...
III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; |
São
esses os impedimentos
dirimentes absolutos por consanguinidade.
Sabemos
também que o parentesco
pode ser por afinidade. É a relação que se tem com os parentes do
cônjuge. Isso
para fins de casamento. Diferente é para efeitos de administração, para
o
Direito Administrativo, como o nepotismo. Os parentes em linha reta do
cônjuge
estão absolutamente impedidos, para o resto da vida, para o casamento.
Ainda
que o casamento se desfaça, nunca mais se poderá casar com a sogra ou
com a
enteada.
Era
uma vez um jornalista, casado
com uma moça cujo pai morava numa fazenda no interior de Minas Gerais.
O casal
foi, um dia, passar férias na fazenda do sogro. Quando estavam
voltando, dias
antes de regressarem, o sogro e a sogra tiveram uma conversa com o
rapaz
pedindo que eles recebecessem a irmã de sua esposa, que estava
completando 18
anos, terminava o segundo grau, e na região não tinha nenhuma
faculdade. Ela
viria para Brasília, fazer cursinho, e então entrar numa faculdade. A
moça
veio, e deram a ela um quarto. Só que a vida, no dia-a-dia, se
desdobrou da seguinte
forma: a esposa, funcionária, levantava cedo. O marido, jornalista,
muitas
vezes ficava na redação até mais tarde. Chegava em casa, e a esposa já
estava
dormindo. Encontrava a cunhada na cozinha acordada, estudando.
Acontecia várias
vezes por semana. Resultado: manifestações de presteza com o sujeito
que
acabava de chegar em casa cansado. Até que, certo dia, não deu outra;
os dois
se entrelaçaram sexualmente. Um negócio completamente rejeitado pela
nossa
moral.
O
jornalista procura o professor
em seu escritório profissional, que conheceu o casal. Queriam se
separar, e
pediram que o professor fosse advogado deles.
Note o destaque para a expressão “deles”, ou seja, tratava-se
de um
procedimento de jurisdição voluntária, sem litígio. Queriam também
fazer tudo discretamente.
Separaram-se.
Imaginem,
agora, o que aconteceu
na família deles. Os pais, irmãos, parentes dessa jovem despejaram ódio
sobre a
irmã. De repente, passaram-se os anos, e veio o divórcio (naquela época
ainda
era necessária a separação judicial), e os cunhados se casaram! Vieram
filhos.
As coisas foram se acertando. As irmãs voltaram a se amar, e o clima de
convivência começou a se restabelecer com o nascimento dos netos do
fazendeiro.
Esses chamavam a antiga esposa do pai de tia. É família! Afinal, cada
um seguiu
sua vida. O professor, no final das contas, encontrou o casal num
supermercado,
e, para sua felicidade, estava tudo certo.
A
lei permite? Sim. Mas a
rejeição de ordem moral também existe. De qualquer modo temos sempre,
em nossas
normas de Direito de Família, o conteúdo moral e religioso.