Direito Civil

quinta-feira, 26 de maio de 2011

União homoafetiva

Apenas um comentário sobre uma notícia publicada hoje nos jornais. Um desembargador do TJMG separou-se da mulher. No acordo de separação, estabeleceu que ele ficaria isento de pagar alimentos à ex-mulher e, em compensação, ele colocaria a mulher no gabinete dele como funcionária. O juiz sentenciou, homologou o acordo, e o Conselho Nacional de Justiça, que já editara uma resolução proibindo o nepotismo no Judiciário, pediu explicações ao desembargador, ao representante do Ministério Público, que aconselhou que o acordo fosse homologado, e ao próprio juiz. Realmente, pior para a mulher era a malandragem: se ela por acaso perdesse a função pública, ele continuaria isento de pagar a pensão. Ela foi nomeada e, agora, exonerada. O que o professor quer comentar é que realmente a imaginação criadora dos maus hábitos muitas vezes fala mais alto. Esse desembargador, a exemplo de muitos, não só dentro do Poder Judiciário, mas também no Legislativo e no Executivo, tem por hábito considerar o parente como aquele que sabe mais. Neste caso, o desembargador dizia que a ex-mulher era altamente qualificada, escrevia e falava em francês e inglês, portanto deveria ser nomeada.

Essa notícia chama a atenção hoje para vermos que, lamentavelmente, esse tipo de coisa acontece em todos os setores da Administração.

Hoje vamos falar sobre união estável homoafetiva. A união homoafetiva é resultado de um movimento de pressão muito bem orquestrado por setores da sociedade que representa esse tipo. Evitamos aqui a palavra “gênero”. A postura que assume determinadas pessoas que leva às situações de homoafetividade. São movimentos fortes, que ganharam força, mais uma vez a partir da Constituição de 1988, que elegeu a afeição como parâmetro a ser considerado nas relações familiares. Especialmente com a queda da preponderância do modelo cristão de família, que é o baseado no casamento de um homem e uma mulher. Não que o Cristianismo fosse frontalmente contra a homoafetividade, mas a Religião tem como pilar do casamento a filiação. O filho é fruto abençoado da relação entre homem e mulher.

No momento do advento do Cristianismo não havia crítica ao crescimento da homoafetividade no Ocidente antigo. Não havia o conceito outrora considerado pejorativo de “gay”. A homoatividade era uma demonstração de respeito na Grécia antiga; de respeito e admiração; os alunos de Sócrates e Aristóteles, dizem, tinham relacionamento homossexual com seus mestres. O que não se podia, e aqui começam a discriminar, em Roma, era o patrão ter relacionamento homoafetivo com seu servo. Isso era considerado um desvirtuamento da relação da pessoa que servia à casa.

Dentro desse contexto, o Cristianismo não veio para combater isso. Veio para acabar com o politeísmo. Nas relações, ao firmar essa doutrina, o Cristianismo estabelece como prioridade a criação de filhos. Para isso serve o casamento. Isso demonstra uma reação à permissividade das relações sociais que tínhamos naquela época. Os costumes mesmo estavam muito flexíveis e desregrados. Daí o Cristianismo vem como reação a isso, para dar uma reordenada no conceito de família. E consegue e mantém, estabelecendo um conceito clássico que se disseminou pelo mundo ocidental. Homem, mulher, filhos. Família em sentido estrito. Núcleo familiar que é a base da sociedade. Dentro desse reordenamento a família passou a ser a base da sociedade.

Ainda no sentido restrito, lembrem-se que falamos que a Constituição de 1988 também reconhece a família monoparental, a comunidade entre ascendente e descendente. Daqui temos um quadro dentro dessa evolução. Depois é que temos a família ampliada, família em sentido amplo, incluindo os demais parentes, inclusive os por afinidade e o parentesco civil.

A própria sociedade machista se encarregou de colocar homens que tivessem alguma manifestação homoafetiva em uma situação muitas vezes desfigurada, isto é, retratá-las de maneira caricata. Isolar, fazer confusão; eram pessoas que se projetavam de uma maneira escandalosa, restringiam-se a determinadas profissões, e depois se extravasavam no carnaval, nos blocos específicos de homossexuais, e, com tudo isso, dava-se a eles uma marginalidade dentro da sociedade.

Antes da Constituição, mais uma vez o movimento hippie dos Estados Unidos da década de 60 era um movimento que começou a inovar, e uma vez mais a afetividade presidia as relações entre os seres humanos. É típico dos hippies a expressão paz e amor. Essa história do "paz e amor" fez com que se flexibilizassem costumes já nos tempos modernos. Passou-se a aceitar o comportamento homossexual. Ao mesmo tempo, começaram as explicações sobre o homossexualismo. Há a explicação psiquiátrica, medicinal, psicológica, afirmação de que não é doença, e assim explicando o homossexual dentro da sociedade.

Nesse contexto temos, mais recentemente, as comunicações. Isso é a ideia de que a informação deve chegar imediatamente ao cidadão, e isso flexibiliza essa evolução no sentido de tornar as relações homoafetivas mais públicas.

Na juventude do professor, havia artistas de cinema que eram “os padrões”. Admirava-se o artista ou a artista. Havia os grandes galãs do cinema. Anos depois o professor, quando começou a aprofundar a leitura, chegou à conclusão que eles eram grandes homossexuais que atuavam dentro do cinema. Já existiam desde a década de 50. Novelas, artistas de televisão, tudo isso vai tornando corriqueira a homossexualidade.

Da mesma forma, a homossexualidade entre mulheres vai aos poucos ganhando espaços maiores dentro da sociedade. Estamos chegando a uma nova etapa. A próxima agora é a flexibilização dos costumes com relação às mulheres. Vão se popularizar.

Chegamos a 88, com nossa Constituição, e estava aberta a porta para a regulamentação da união homoafetiva. Também não se deu num primeiro momento; parece que muitas pessoas dentre os operadores do Direito só se deram conta do peso desse princípio com o passar do tempo. Não tínhamos ideia do que seria isso no futuro. De repente, o conceito de afetividade vai se impondo e transformando as relações, como a união estável. A união estável foi o que realmente estabeleceu as bases da afeição que deu certo. A sociedade não se desfez; ela resistiu. A família não se desfez. A partir daí, começamos a ter outro passo, que foi a paternidade socioafetiva. Hoje se fala em parentesco socioafetivo. Não havia como não chegar às relações homoafetivas.

O professor tem a impressão de que logo nas primeiras aulas ele disse uma frase: afeto não distingue sexo. Por que não se pode amar outra pessoa do mesmo sexo? Afeição não tem “cor”. Ela brota, e tem-se o impulso de gostar de alguém. Nossos conceitos, amarras culturais e dogmas religiosos fazem com que isso não aconteça com muita frequência. Mas, na verdade, temos isso no fundo, diz o professor: o afeto independe do sexo. Não existe afeto só por pessoas altas ou baixas, loiras ou morenas.

Dentro dessa linha o movimento pelos direitos dos homossexuais veio crescendo rapidamente. A tal ponto que, a partir de determinado momento, tivemos os tribunais enfrentando o tema de frente. Em nossa história recente, o TJRS foi pioneiro. Dentro do TJRS, Maria Berenice Dias era, ao tempo em que atuava como magistrada, uma vanguardista. Não queria saber dos conceitos clássicos e das posturas sociais. Com uma capacidade de convencimento muito grande, o tribunal passou a acompanha-la na maioria das vezes para que as andanças pela afeição prevalecessem.

A iniciativa foi de considerar que, nas relações de família, a paternidade socioafetiva deve prevalecer sobre as relações da paternidade biológica. É um conceito novo e interessante.

Os direitos iguais da concubina ou amante no Direito das Sucessões também foi uma reviravolta. O mesmo tem acontecido mais recentemente: na primeira instância, os juízes começaram a reconhecer a afetividade e concederam direitos aos casais homoafetivos.

No primeiro momento, tínhamos que os direitos da concubina eram buscados no sentido de se estender aos que conviviam. Aplicava-se o reconhecimento da sociedade de fato, e os direitos dados nas décadas de 60 e 70 à concubina foram hoje estendidos às relações homoafetivas.

E aqui temos vários direitos. Por exemplo: se foram estendidos direitos previdenciários à concubina, por que não estender à relação homoafetiva? Reconhecimento da sociedade de fato, dar a partilha de bens adquiridos pelo esforço comum, até discutir a questão do nome, a possibilidade de adoção... Opa! Aqui a coisa fica mais difícil, porque mexe com crianças, e os preconceitos voltam. Não se fala abertamente em adoção ainda. Vamos falar sobre adoção logo mais nesta aula.

Esse trabalho todo foi feito pelos juízes singulares. Aos poucos foram reconhecidos pelos tribunais de segunda instância e depois pelos tribunais superiores.

Sabíamos que haveria um momento em que haveria dois caminhos para confrontar: ou o caminho do Poder Legislativo, ou o do Judiciário, fazendo isso que o Supremo Tribunal Federal tinha feito no passado: reconhecer o concubinato como uma sociedade de fato, sem afetar a estrutura do Direito de Família. Em algum momento dissemos que a concubina não podia receber alimentos, que era um instituto típico do Direito de Família. E a concubina representava uma família ilegítima, então não poderia ter acesso aos direitos assegurados à família legítima. O Supremo, ao reconhecer a sociedade de fato, determinou que a concubina recebesse por serviços prestados.

E também, há menos tempo, tínhamos juízes concedendo alimentos aos parceiros homoafetivos, também com a máscara do instituto do pagamento por serviços prestados.

Era o quadro que tínhamos. Desde 88 se abriu a possibilidade, e 23 anos depois se apresentou em grande força.

Mas o povo brasileiro ainda reagia a essa possibilidade de se ter uma união homoafetiva. Basta ver que os grupos favoráveis às relações homoafetivas estavam querendo inserir um material, rapidamente alcunhado de kit gay pelo Deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), para que o MEC distribuísse nas escolas e com ele desmistificar a ideia da homossexualidade, o que foi visto como ensinar como ser homossexual. Para habituá-las, mas que visse como normalidade a presença do homossexual na sociedade. Então, dentro dessa linha, temos o avanço. A Bancada Católica e Evangélica conseguiu pressionar para suspender a distribuição.

Isso fez com que a opção não fosse o Legislativo, mas o Judiciário para pressionar pelo reconhecimento do direito. Essa opção vimos lá atrás no momento do divórcio. As forças divorcistas e antidivorcistas combateram dentro do Parlamento, dentro do Congresso Nacional. A cada eleição, tínhamos um avanço dos divorcistas. Quando foi aprovada a Emenda do Divórcio eles já eram maioria absoluta no Congresso. Não tinham, entretanto, os 2/3 que eram exigidos para alteração da Constituição. Desde a Constituição de 67/69, alterou-se o critério para emendá-la. As emendas constitucionais passaram a ser aprovadas por maioria absoluta, e derrubou-se a barreira dos 2/3. O divórcio foi todo ele construído dentro do Parlamento, que é o lugar onde devem ser construídas as grandes linhas da sociedade. Teoricamente, o sujeito que lá está nos representa. E defende o que a base dele lhe manda defender. Nessa linha, o Congresso Nacional é majoritariamente contra a união homoafetiva. Não há dúvidas quanto a isso. Dos 513, há somente um que ostensivamente diz que é homossexual. Jean Wyllys.

O caminho do Judiciário foi muito mais proveitoso, fértil e rápido.

Com isso veio uma discussão sobre o poder legislante do Judiciário. A doutrina de Montesquieu da divisão dos poderes foi rompida. Realmente os três poderes têm que ser independentes e harmônicos. Legislar é competência do Poder Legislativo, e ao Judiciário caberia interpretar a legislação e nada mais. Nessa linha, como se interpreta o fato de se ter uma relação homoafetiva como entidade familiar? Pode-se até aceitar que é uma entidade familiar. Mas como explicar esse fenômeno sabendo que a Constituição, em seu art. 226, traz somente as modalidades casamento, união estável entre homem e mulher e a família monoparental? Onde que o Supremo coloca a entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo? E aqui vai-se ao âmago, ao centro da questão. É o dispositivo constitucional.

A discussão é exatamente essa: o Supremo não entrou em detalhes e disse, apenas, que união homoafetiva é uma “entidade familiar”. Nada mais. No momento em que disse que é uma entidade familiar a Corte Suprema “destacou a folha”, e pode sair de lá o que se quiser. Deu a indicação da constitucionalidade da união homoafetiva. Esse é o cerne. Fizeram conscientemente, no sentido de que era a interpretação constitucional de que aquele núcleo de relação entre duas pessoas do mesmo sexo poderia ser considerado família. Na interpretação da família, temos: a família constituída pelo casamento, uma entidade familiar, até então homem e mulher, chamada união estável, e a família monoparental.

Aqui surge a discussão: e a adoção? Pode ser feita por um casal homossexual? Quanto a tudo que há na legislação infraconstitucional onde está escrito “homem e mulher” devemos desconsiderar? Nessa linha de raciocínio as interrogações são imensas. O Supremo não falou em casamento, mas sim em “entidade familiar”. Isso significa que o STF faz distinção entre casamento e união estável? Como saberemos? Significa que o casamento tem um patamar e a união estável tem outro? Há uma diferenciação entre um e outro? O Supremo nada disse sobre adoção. Remeteu a questão para o Legislativo.

Dentro disso, por que a adoção está sendo discutida? É possível um homossexual adotar uma criança? Sim, mas enquanto direito individual de opção sexual garantido pela Constituição e não pelo Direito de Família. O homossexual adota como cidadão, e depois continua sua união de fato. A criança é adotada por um deles. É possível, e a lei permite. É o jeitinho brasileiro. O legislador não fez menção a isso, mas o jeitinho brasileiro encontrou essa forma de adoção. A lei diz, entretanto, que a adoção deve ser feita por um homem e uma mulher. Aproveitando-se do gancho da decisão do Supremo, quer-se, agora, permitir a adoção por casais homossexuais. Haveria perda de referência. Já acontece de a criança ir para a escola, e, na reunião de pais e mestres, vê o “papai e a mamãe” das outras crianças, e lembra que, em casa, não há mamãe, mas dois homens dividindo o mesmo leito conjugal. Como fica? Algo está diferente. É por isso que pensaram num kit para conscientização da criança de que aquilo é normal. Não se economize: é lavagem cerebral.

A união homoafetiva foi considerada entidade familiar, e se colocou no patamar da união estável. Isso significa que pode gerar todas as consequências de quando tratamos da união estável: partilha, alimentos, guarda e responsabilidade, direito de visitas, uso do nome, tudo está dentro do contexto de família. Todas as relações de família se estendem à entidade familiar da união estável, portanto da união homoafetiva. Só falta, ainda, o casamento homossexual.

Há os exemplos internacionais aí. Primeira coisa é mostrar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não irá acabar com a família. Não acabou na Suécia, na Noruega, na África do Sul, em Portugal, na Espanha, no Canadá, na Argentina e no estado de Iowa nos Estados Unidos.

No processo de adoção, deve-se cumprir do chamado período de adaptação. É menor quando a criança é menor, e maior quando ela é maior. Há um acompanhamento psicológico das relações entre a família adotante e a criança adotada.

Nosso processo de adoção também faz a distinção: os menores e adolescentes são adotados de acordo com as regras estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas também pode-se adotar uma pessoa maior de idade. As regras são as do Código Civil. Raramente nos atentamos a essa distinção.

A ideia é que se leve a criança para uma nova família onde ela realmente tenha as garantias de que terá um desenvolvimento saudável e pleno de sua estrutura. Há um acompanhamento por parte das Varas da Infância e da Juventude. Esse acompanhamento é feito, no Brasil, em “estilo meia-boca”, a não ser que haja notícia de maus-tratos ou coisa parecida.

A criança pode ser adotada por brasileiros ou por casais estrangeiros. Neste último caso há uma dificuldade porque, depois que a criança sai do Brasil, perde-se o controle. Ela, muitas vezes, é levada para o exterior e pode começar a fazer trabalho escravo, entrar no comércio sexual, ou coisa pior. A adoção internacional se faz por meio de órgãos oficiais que conferem um atestado de que o casal que quer adotar a criança brasileira tem condições de adotar.

A adoção tem critérios, portanto. É um tema do dia-a-dia o processo de investigação de paternidade.