Frase de José Alencar (17/10/1931 – 29/03/2011): “o
homem que perde a
honra perde a vida. O homem que não perde a honra vive para sempre.”
Foi com
essa frase que o professor foi dormir ontem à noite e com ela acordou
pela
manhã de hoje.
As manchetes nos jornais de hoje não poderiam
tratar de outro
assunto, inclusive no jornalismo radiodifundido. Os comentaristas se
apressaram
em enaltecer detalhes da carreira empresarial e política do ex-Vice
Presidente,
e, como estamos na era da interatividade, os ouvintes também foram
instados a
se manifestar. Um deles, para surpresa geral, disse: “nós, brasileiros,
temos a
mania de dignificar políticos mortos, independentemente de quem tenham
sido, de
qual partido ou orientação política tenham seguido, e de que crimes
cometeram.
É o que fez, por exemplo, o sujeito que se lembrou da frase acima, dita
pelo
Vice-Presidente. Mas, se olharmos detalhes da sua vida pessoal, veremos
que ele
podia ter e ser tudo, menos honrado.”
O jornalista, então, perguntou ao ouvinte do que
ele estava falando.
Disse que se tratou da ocasião em que José Alencar se recusara a
realizar um
exame de DNA que comprovaria a paternidade de sua filha Rosemary de
Morais.
“Quem se recusa a assumir a paternidade, ou mesmo a fazer o teste, não
pode ser
chamado de honrado” – completou o ouvinte.
E como fica a questão do teste de DNA? É uma
indagação que apimenta a
discussão do Direito de Família. Sabemos que o Direito de Família não é
simplesmente regrado pela legislação positivada, mas por valores morais
carregados por nossa sociedade.
Paternidade é o tema da aula de hoje. Mais
especificamente a
paternidade socioafetiva.
Impedimentos de
afinidades
Começamos falando sobre os impedimentos na aula
passada, e vimos que
não podem casar o cônjuge com os parentes consanguíneos em primeiro
grau em
linha reta do ex-cônjuge. É o inciso II do art. 1521 do Código Civil.
CAPÍTULO III
Dos Impedimentos
Art. 1521. Não podem casar:
[...]
II - os afins em linha reta; [...]
O sujeito se separa, e tem vontade de casar com a
sogra ou enteada.
Não poderá nunca mais. Nem mesmo se o casamento for anulado ou tiver
nulidade
absoluta declarada. São parentes por afinidade em primeiro grau em
linha reta.
Mesmo que ele se divorcie ou a mulher venha a falecer, esse impedimento
continuará. Casamento entre cunhados é possível, pois são colaterais.
Aqui, a pergunta que se faz sobre o parentesco
consanguíneo por
afinidade é: há impedimento que proíba o casamento entre um rapaz com
uma
mulher que é amante de seu pai? Não, eles podem sim se casar, pois não
há
nenhum vínculo de parentesco entre os dois. O que há é uma situação de
fato,
não de parentesco. O concubinato não entra nem no conceito amplo de
família. A questão
é colocar as coisas no ponto de vista moral, da paz doméstica e
familiar. Esse
casamento irá afetar as relações familiares. As normas de Direito de
Família
têm forte componente de ordem moral. O que se adotará é um
posicionamento
quanto à regra do Direito molhado de ética e moral. Neste caso então,
não
poderia haver o casamento. Orlando Gomes defende essa posição, além de
Pontes
de Miranda. A maioria dos autores, entretanto, defende que eles podem
se casar.
Impedimento por adoção
Tomemos uma criança com sua família biológica. Essa
família entrega a
criança para adoção. Surge outra família e a adota, criando com ela um
parentesco civil. O menino que foi adotado se posiciona exatamente como
os
outros filhos dentro da família adotante. Não há discriminação nenhuma
entre
filhos adotados e filhos biológicos, que compartilhem o sangue dos
pais. O
efeito legal dado por nosso ordenamento é que desaparecem todos os
vínculos da
criança recém-adotada com sua família biológica. Muda-se a partir da
certidão
de nascimento. Para fins sucessórios, por exemplo, isso será relevante.
Não
pode a criança buscar entrar na herança dos pais biológicos. Os pais
adotantes
têm a responsabilidade alimentícia, e a criança também terá, quando
crescer,
para com a família que a adotou.
Só não desaparece porque subsiste um impedimento: o
casamento com a
mãe ou irmã biológica.
Observação: a regra da proibição da prática de atos
jurídicos eivados
de condição, termo e encargo é absoluta. Antes de a família biológica
entregar
sua criança para adoção, ela ainda não praticou nenhum ato importante
ao
Direito de Família, muito menos fez nascer vínculos entre a criança que
ela
cogita entregar à adoção e a eventual família adotante. Por isso
poderíamos
imaginar que, nesse momento ainda, ela pudesse estabelecer um encargo.
Por
exemplo: “não entreguei a vocês meu filho ainda, e só o farei se vocês
se
comprometerem a matriculá-lo na Escola ABC das Crianças”. Essa é uma
visão
negocial, contratual do ato de entregar a criança à adoção. Seria
temporalmente
diferente de entregá-la, acompanhar de perto o crescimento da criança,
notar
que ela não está tendo boa educação e, nesse momento, tentar a mãe
biológica
intervir, interpelando a família adotante. É exatamente isso o que não
pode,
haja vista a quebra da relação com a família biológica, e consequente
perda do
poder familiar. Mas nem o estabelecimento prévio do encargo é permitido
pois
ele repercutiria na família adotante, gerando-lhe obrigações, portanto
é um ato
afeto ao Direito de Família.
Vamos além: há situações em que o juiz proibiu a
mãe biológica de
chegar perto da família adotante. De repente a mãe biológica pode ter
uma crise
de consciência e saudade. Ela começou a ter vontade de falar com o
filho. Aí
perguntamos: “é maldade! Como impedir que a mãe biológica tenha contato
com seu
próprio filho?” O desaparecimento é do ponto de vista jurídico apenas.
Há o
sangue, ainda. Mas, neste caso, o que se procura preservar mais uma vez
é a paz
doméstica. Temos uma criança que é inserida num contexto novo e, o que
mais se
precisa é incentivar essa integração, fazer com que realmente dê certo.
E
dificilmente dará certo se houver a mãe biológica presente.
O professor tem um conhecido com quatro filhos
biológicos e uma adotada.
É filha de uma passadeira que não tinha condições de sobrevivência e
que,
quando a menina era pequena, sua mãe ofereceu-a à família do sujeito.
Aceitaram,
mas desde logo disseram que seria uma adoção plena.
A menina foi crescendo, com apoio afetivo dos irmãos, até
que um dia, aproximadamente aos 12 anos, recebeu a notícia de que não
era filha
biológica. Foi um pequeno choque, mas a menina compreendeu. Só que,
quando a
primeira discordância ocorreu entre a mãe adotiva e a menina, em que
aquela deu
ordens a esta, não cumpridas, a menina jogou na cara que a mulher com
quem
discutia não era sua mãe e exigia voltar à casa de sua mãe biológica. A
mãe
adotiva concordou prontamente, e arrumou sua mala. A menina pediu para
voltar
dentro de uma semana.
Ontem o professor recebeu a parcela final de um
processo de 2006. Naquele
ano aparecera no escritório dele uma mulher, com seus filhos e primos.
Ela era
faxineira, tinha um quiosque de balas, faturava pouco, era separada
depois
divorciada, vivendo sozinha com os filhos; de vez em quando arrumava um
namorado, que na maioria das vezes bebia. O tempo passou e, em 2001,
ela, que
jogava um único joguinho na Mega Sena, ganhou 15 milhões de reais
sozinha. Coincidentemente
nessa hora o namorado apareceu. Ajuizou ação de reconhecimento de união
estável, dissolução e partilha dos bens.
Esses são os impedimentos por adoção.
Impedimentos por
vínculo
Nosso Código Civil, no art. 1521, arrola as pessoas
já casadas como
impedidas de casar.
Art. 1521. Não podem casar:
[...]
VI - as pessoas casadas;
Se o sujeito se casar uma vez no civil e dez vezes
no religioso, não
haverá problema para o Direito. O que não pode ocorrer é a recíproca.
Há alguns anos havia a questão do impedimento por
vínculo, que
decorre do caráter monogâmico de nosso casamento. Desde as
antiguidades, o
mundo ocidental cristão optou pela monogamia no casamento. Os gregos e
romanos
eram monogâmicos. O Cristianismo que se instalou em Roma também. Um só
homem,
uma só mulher. Relações sexuais permitidas somente dentro do casamento
que, de
acordo com o conceito de Clóvis Beviláqua, legitima das relações
sexuais. O
impedimento por vínculo, então, simboliza a quebra do princípio da
monogamia.
Isso no tempo passado, porque a quebra era
considerada por duas
maneiras: ou pelo surgimento de um amante, ou pelo novo casamento com
uma
pessoa já casada. Aos poucos o adultério foi perdendo esse conceito de
quebra
da monogamia e deixando de ser crime, até que foi descriminalizado.
Passou a
ser considerado um problema na cabeça de cada um, de foro íntimo.
Pessoas casadas casarem é crime de bigamia. Já
tocamos neste tema
anteriormente em duas ocasiões. Primeiramente, quando tratamos da
ausência,
instituto que existe para fins patrimoniais. Depois falamos da
justificação
judicial na declaração da morte presumida, com suas consequências. Mas
a
bigamia ocorre, e isso significa que não pode existir um segundo
casamento de
pessoa ainda casada. O crime de bigamia é apenado com reclusão de 2 a 6
anos.
Bigamia
Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Depois temos, no art. 1521, inciso VII, que não
podem se casar...
...o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Primeira coisa a se chamar atenção aqui é o crime
de homicídio, e não
de outra natureza. E basta a tentativa. E mais, deve haver condenação.
Esse
impedimento posto pelo legislador teve aqui mais uma vez a ideia de
preservar a
paz doméstica. Na realidade não existe nenhum impedimento ou ético que
impeça a
viúva de casar com o sujeito que tentou matar seu marido. Mas imagine a
criança
ter que conviver com o homem que matou seu pai.
Observação: não se fala em homicídio culposo aqui.
Nisso, o impedimento permanecerá mesmo que o
sujeito tenha cumprido a
pena. Não existe a ideia de que, pagando pelo crime, ele não pode mais
ser “apenado
em sentido amplo”, para com a sociedade. O impedimento continuará. E
continuará
mesmo que o criminoso seja perdoado.
Situações ocorrem, entretanto. Por exemplo, há um
sujeito que mata
por crime doloso o marido de uma mulher de quem gosta, é preso, passa
dois
anos, e a viúva aprende o que é perdão. Resolve visitá-lo na prisão,
trocam
cartas, criam laços e ela resolve esperar ansiosa pelo dia em que o
assassino é
posto em liberdade. Mas não poderá haver nem união estável, muito menos
casamento
entre eles. Se houver, será nulo.
Notem o art. 1522:
Art. 1522. Os impedimentos podem ser opostos, até o momento da celebração do casamento, por qualquer pessoa capaz.
Parágrafo
único. Se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento da
existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo.
Ministério Público inclusive. Basta levantar a mão.
Se o impedimento
não for oposto até o momento da celebração do casamento, ele continuará
existindo. Poderá ser suscitado depois, em qualquer tempo, mas deixará
de ser
impedimento, se tornando hipótese de nulidade absoluta do casamento.
Depois temos os impedimentos dirimentes privados,
que levam ao
casamento anulável.
Art. 1550. É anulável o casamento:
I - de quem não completou a idade mínima para casar;
II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal;
III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558;
IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento;
V
- realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse
da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges;
VI - por incompetência da autoridade celebrante.
Parágrafo único. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada.
Aqui falamos em casamento celebrado com vício na
vontade dos noivos.
Inciso II: sem autorização, o juiz pode supri-la.
Inciso III: o vício de vontade propriamente dito.
Art.
1556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por
parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa
do outro.
Art. 1557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
I
- o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse
erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em
comum ao cônjuge enganado;
II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;
III
- a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável,
ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz
de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;
IV
- a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por
sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.
Art.
1558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o
consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado
mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a
saúde e a honra, sua ou de seus familiares.
Erro essencial sobre a pessoa do cônjuge. Conta a
partir do momento
em que o(a) noivo(a) sabe da existência daquela situação. Se sabia
antes
casamento e mesmo assim se casou, então não há vício e o casamento se
realiza.
Se, no entanto, o noivo tomou conhecimento do vício depois de realizar
o
casamento, ou ele se silencia e se adapta e o casamento se convalesce,
prescrevendo o direito de arguir aquele vício, ou o conhecimento do
vício torna
a vida insuportável, o que pode ser causa de anulação.
Se a mulher souber que seu noivo está com HIV, ela
poderá se adaptar,
caso queira, redobrando os cuidados, ou, caso não se sinta bem, poderá
pedir a
anulação. Prescreve o direito de arguir, lembrem-se. Prazos
prescricionais
veremos depois.
Honra: atingimento da pessoa individualmente
considerada. Boa fama: a
situação em que, dentro do núcleo social em que vivem, a fama do marido
já
extravasou os limites das quatro paredes do casal, então é uma situação
social
que não pode ser ignorada.
Temos uma moça que se casou com um bom rapaz, e
descobre depois que o
marido é rei do tráfico. Se ela conhecesse essa situação, ela poderia
não se
casar. Se se casou e descobriu depois, ela poderá pedir a anulação do
casamento, se ela, realmente, achar que não deve continuar casada. Mas
poderá
se confortar em relação à situação, especialmente por conta dos bônus
da
atividade do marido. Pode ser que, ao mesmo tempo, o marido,
traficante,
descubra que a mulher é a rainha do prostibulo. Também poderá pedir
anulação a
partir do momento em que tomar conhecimento, sem nenhum problema.
Isso tudo para efeito de anulação
do casamento. O divórcio pode ser pedido a qualquer momento.
Inciso II: qualquer crime que tornar insuportável a
vida a dois. A
moça sabe que, depois do casamento, o marido praticou pedofilia, o que
é, na
verdade, o crime de estupro de vulnerável. Ela não pode conviver com um
pedófilo. Mas há crimes e crimes e ela pode, por exemplo, descobrir que
o
marido está sendo processado por sonegação fiscal. Lamentavelmente está
na
cultura brasileira o esporte da sonegação, e diferentemente veremos
alguém
pedir anulação do casamento por causa de sonegação praticada pelo
cônjuge.
Concluindo temos ignorância de defeito físico
anterior ao casamento. É
o caso da AIDS, por exemplo.
Hoje, com os avanços da medicina, é difícil ter um
defeito físico
irremediável.