Entramos
na reta final dos
impedimentos.
Algumas causas de anulação do casamento
Art. 1558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares. |
Temos
essa situação quando alguém
está sendo pressionado a praticar determinado ato. A vontade de
praticar é
muito mais do coator do que a do coagido. Quem é forçado a praticar
determinado
ato satisfaz mais a vontade do coator do que a própria.
Acontece
quando alguém está sendo
impelido, forçado a responder “sim” no momento do casamento. Ocorre
quando o
juiz de paz, a autoridade celebrante, pergunta se a pessoa quer se
casar, e se
aquela manifestação é livre e espontânea, e a pessoa diz sim, mas há
uma pressão
em torno de sua própria vida ou de seus familiares, à saúde ou honra
sua ou de
seus familiares.
Essa
violência, essa coação tem
que ser presente, atual, isto é, não pode ser uma ameaça de algo que
irá
acontecer no futuro. O sujeito está aparentemente tranquilo, sem
nenhuma
restrição, mas em outro local alguém querido está ameaçado de morte. É
uma
forma que se pode levar à anulação do casamento. Há uma verdadeira
intimidação.
Autores
chamam atenção que essa
ameaça física não pode ser confundida com o chamado temor
reverencial. Este é aquele “medo” que algumas pessoas têm de
seus pais. É como se fosse a colocação do castigo por não ter cumprido
uma
orientação paterna. Muitas vezes o filho chega a apanhar. Isso cria, na
criança, um temor reverencial, que é o temor de receber sanções
disciplinares
por descumprir ordens dos pais. Temor reverencial aqui pode ser em
relação a
casar-se com alguém que o pai ou a mãe não quer.
Um
rapto vem junto com a coação,
é um aspecto dela. A pessoa cativa, enquanto em poder do captor, está
sendo
coagida. “Rapto” significa que ela foi retirada de sua casa ou do local
em que
trabalha e foi escondida em local escolhido pelo captor. Mesmo caso do
sequestro. Se houver algum casamento durante esse período, em que a
pessoa está
submetida à vontade de outra, o casamento também será anulável.
Na
década de 1970, foi sequestrada,
nos Estados Unidos, na Califórnia, uma jovem bonita. Todos os jornais
na costa
oeste noticiaram. Nenhuma das policias conseguiu localizar a moça. Nem
mesmo
com promessa de recompensa.
Dois
anos depois, uma câmera de
segurança de um banco flagrou Patricia Hearst entre os assaltantes.
Tinham
ideais revolucionários, com a ideia de assumir o poder através da
violência.
Depois, verificou-se que ela foi acometida da chamada síndrome de
Estocolmo.
Tanto que Patricia se casou com o líder do grupo.
Isso
foi para dizer que o
casamento dela é anulável.
Outra
Patrícia (Abravanel), esta
filha de Silvio Santos, foi sequestrada, e fez, depois, declarações
carinhosas
em relação ao seu sequestrador.
Não
podemos, entretanto, confundir
esse rapto com o rapto consentido,
que é uma aventura compartilhada. As pessoas fingem a situação de rapto
quando
o raptado está tranquilamente concordando com aquela situação. Isso não
é
rapto, então não é coação, e não é causa de anulabilidade do casamento.
Legitimados para opor o impedimento
Quem
pode opor o impedimento? Nos
impedimentos dirimentes públicos, há uma infração da norma, e qualquer
pessoa
pode pedir a nulidade. Seja interessada ou não, pessoa jurídica ou não,
Ministério Público ou espectador. O vício é imprescritível, o casamento
não
pode ser ratificado. Não convalesce com a prática de nenhum ato ou o
decurso de
qualquer período de tempo.
Nos
impedimentos dirimentes
privados, que levam ao casamento anulável, vemos que o que é violado é
a
vontade da pessoa, mas não da norma legal. A vontade é viciada. Então o
número
de pessoas que podem pedir a anulação do casamento é muito menor.
Temos, aqui,
que podem pedir a anulação os genitores,
os irmãos e o próprio
cônjuge. Ministério Público não pode, nem terceiros
interessados, nem descendentes. É uma questão delicada no Direito de
Família. Vejam
o Código:
Art. 1552. A anulação do casamento dos menores de
dezesseis anos será requerida: I - pelo próprio cônjuge menor; II - por seus representantes legais; III - por seus ascendentes. |
Prazo para a anulação
Questão
colocada ontem. O
casamento nulo pode ter sua nulidade decretada a qualquer tempo. O
casamento
nulo será sempre nulo, e não há prescrição. Quando há um casamento nulo
ou
anulável, deve-se voltar ao status quo
ante. O nulo, quando tem sua nulidade decretada, gera efeitos
ex-tunc. A situação do momento do
casamento deve ser reestabelecida.
No
casamento anulável, os efeitos
produzidos são ex-nunc. Temos o
casamento, a sentença de anulação, e a anulação retroage somente à data
da
sentença. Significa que se convalida tudo o que ocorreu até o momento
da
prolação da sentença.
Eis
os prazos:
Art. 1560. O prazo para ser intentada a ação de
anulação do casamento, a contar da data da celebração, é de: I - cento e oitenta dias, no caso do inciso IV do art. 1550; II - dois anos, se incompetente a autoridade celebrante; III - três anos, nos casos dos incisos I a IV do art. 1557; IV - quatro anos, se houver coação. § 1º Extingue-se, em cento e oitenta dias, o direito de anular o casamento dos menores de dezesseis anos, contado o prazo para o menor do dia em que perfez essa idade; e da data do casamento, para seus representantes legais ou ascendentes. § 2º Na hipótese do inciso V do art. 1550, o prazo para anulação do casamento é de cento e oitenta dias, a partir da data em que o mandante tiver conhecimento da celebração. |
Inciso
I: inciso IV do art. 1550.
Art. 1550. É anulável o casamento: [...] IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; |
Inciso
II: já falamos que a
incompetência da autoridade celebrante é causa de anulabilidade.
Inciso
III nos remete ao art.
1557:
Art. 1557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa
do outro cônjuge: I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado; II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal; III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. |
Falamos,
portanto, de erro sobre
a pessoa do cônjuge, desconhecimento de fato possivelmente atentatório
da boa
fama, honra, identidade, ignorância de crime praticado pelo cônjuge,
desde que
inviabilize a vida a dois, desconhecimento de doença.
Inciso
IV: vemos que é bastante
tempo para anular em caso de coação, como os raptos acima narrados.
§
1º: Um menino tem 16 anos. Casou-se.
com Relação aos pais, estes têm prazo de 180 dias para pedir a anulação
do
casamento do menor. Contam-se desde o dia em que fez aniversário.
Impedimentos impedientes ou suspensivos
São
os casamentos válidos, mas
que o Código impõe restrições à realização. Uma delas é que o regime
escolhido
deverá ser o de separação obrigatória de bens. A partir dos 70 anos de
idade, o
casamento deverá ser realizado obrigatoriamente sob esse regime.
Art. 1523. Não devem casar: I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. |
Os
impedimentos impedientes têm
dois objetivos básicos. Evitar a confusão de patrimônio e a confusão de
sangue.
A
viúva ou viúvo não deve casar
enquanto o inventário não tiver sido feito. Imagine que Israelton e
Isralda são
casados. Israelton morre, passa um tempo, Isralda não está mais de
luto, e se
casa com o vizinho, Isimário. Mas Isralda tem filhos do primeiro
casamento, que
foi realizado na comunhão universal de bens. Todos os bens, passados,
presentes
e futuros se reúnem em um só patrimônio. Os cônjuges, neste regime, são
chamados de meeiros. Não importa
como
o bem chegou ao patrimônio. Metade dos bens é do marido, metade é da
esposa. O
vizinhão, portanto, pegaria parte dos bens que está sendo discutida no
inventário do casamento anterior, e entraria em concorrência com os
filhos do
casal. Isso é colocar um estranho com poderes de meeiro sobre bens que
ainda
não foram definidos. Recomenda-se, portanto, que antes do inventário, o
regime
deve ser o da separação total de bens. Assim evita-se o ingresso do
estranho no
patrimônio sucessório ou hereditário. Isso é um exemplo de confusão de
patrimônio.
O
inventário pode demorar 20
anos, entretanto. Depende da situação. Se há briga, podemos pensar em
anos,
pois cada ato do inventário é questionado.
Nesse
contexto, o viúvo ou viúva
que tiver filhos terá que casar-se no regime da separação de bens.
Temos,
depois, a confusão de sangue. Nela,
veremos que
somente a viúva é alcançada.
Inciso
II do art. 1523: por que
10 meses? Na realidade, é por causa da Natureza. Com 10 meses, temos
mais do
que o prazo máximo para uma criança nascer.
No
dia 30/3 Isaldina brigou com seu
marido Isandro, e fizeram depois reconciliação maravilhosa. No dia 31/3
ele
manda presentes e tudo. A noite foi inesquecível. No dia primeiro, o
dia
seguinte, Isandro levantou bem cedinho, e foi comprar um belo café da
manhã
para servir sua mulher na cama mesmo. Mas, ao atravessar a rua, um
ônibus vem e
o atropela. Mas não mata! Ele foi levado, em estado grave, para o
hospital, e
ficou em coma. Quem ajudou Isaldina, em visível luto, foi seu vizinho,
Isoney,
oferecendo seu ombro amigo. Entretanto, Isoney tem um poder persuasivo
tão
grande que 15 dias depois eles se casam. No dia 15 de abril Isaldina
está
novamente de bodas. Quando chega ao dia 30 do mesmo mês, ela nota que
está
grávida; fica muito feliz por algumas horas, até que Dr. Isvanovick, do
hospital onde Isandro fora internado, dá-lhe a má notícia de que seu
marido
faleceu. Essa criança pode nascer com seis meses, nove meses, ou quase
dez. Mas
de quem é o filho?
Se
for de Isandro, seu primeiro
marido, o filho nascerá alguns dias antes. Se depois, é sinal de que
ele é
filho de Isoney. Isso é chamado confusão de sangue.
Nesse
momento, para que se evite
qualquer questionamento, deve-se casar com a separação absoluta de
bens. Isso
porque a criança, se do pai que faleceu dias depois no hospital, poderá
se
habilitar como herdeira, e isso interferirá no novo casamento.
O
Código de 2002 estabeleceu um
critério que acaba com a possibilidade de questionamento sobre o pai do
filho. Esse
impedimento da confusão de sangue serve para evitar qualquer dúvida
sobre quem
é o pai da criança.
Inciso
IV do art. 1523: confusão
de patrimônio. Não devem casar...
IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. |
Não
podem casar o tutor e
curador, além dessa enorme lista de parentes. O tutor é aquele que
assume a
administração dos bens de uma pessoa incapaz. E o incapaz o é em razão
da idade
ou de sua saúde mental. O tutor, então, gerencia todo o patrimônio do
tutelado.
Em
Brasília, ocorreu um caso há 3
ou 4 anos atrás de um casal proprietário de empresas de ônibus e de
viagens,
com patrimônio de cerca de 30 milhões. Faleceram num desastre de
automóvel,
deixando um filho de 2 anos de idade, e foi nomeado um tutor. Ao
completar 18
anos, a dívida era de cerca de 4 milhões.
Imagine
agora que o tutor fosse
uma mulher. Para fins matrimoniais, se o rapaz quisesse se casar com
sua tutora,
eles teriam que se casar em separação total de bens enquanto não
prestadas as
contas definitivas. O interessante aqui é a lista das pessoas que
também estão
impedidas. Não é somente o tutor, seus ascendentes e descendentes. Tio,
irmão,
sobrinho, qualquer pessoa que possa ter uma relação.
Esses
são os impedimentos que nós
temos em nosso sistema normativo.
Os
impedimentos podem ser opostos
a partir dos proclamas, até o momento do casamento, da cerimônia. Nela,
ainda
temos possibilidade de opor o impedimento. Depois disso não falaremos
mais em
impedimento, mas em nulidade ou anulabilidade.
A
Igreja Católica se viu muitas
vezes numa situação incômoda. O que fazer com o fiel divorciado?
Impõem-se
restrições a ele na liturgia da Igreja. Mas permitiu, sempre, a
anulação do
casamento. A origem é o casamento cristão, no Código Canônico. A Igreja
também
tem seu próprio sistema de impedimentos. Mas, tradicionalmente, só o
Papa
poderia anular o casamento, como representante de Deus na Terra. Se
Deus que
une, somente o representante poderia autorizar a anulação dessa união.
Isso foi
um problema muito grande pois o Papa não faria outra coisa a não ser
assinar separações.
Foi ele quem anulou casamento da Princesa de Mônaco. Mas, tendo em
vista a
proliferação dos divórcios, a Igreja Católica permitiu, para que não se
acabasse com o vínculo, facilitou o processo de anulação de casamento.
Não
precisava mais ir ao Papa, pois este delegou poderes ao Arcebispo da
região. Assim,
facilitou-se também a reinserção de fiéis divorciados nas liturgias.
Houve
um caso de um médico
militar, casado no religioso com uma mulher, com efeitos civis. Ficaram
muitos
anos juntos, mas eventualmente se divorciaram no civil. O casamento
perante
Deus, entretanto, subsistiu pois o vínculo permanece. Ela queria se
casar
novamente no religioso, mas precisava desfazer o vínculo matrimonial.
Foi a um
Tribunal Eclesiástico e precisou de um motivo para justificar a
dissolução do
vínculo. Foi incrível o que ela alegou: insinuou que o marido, que
passava
alguns dias fora, em missões acompanhado de outros homens, era
homossexual. Disse
que o marido tinha “amizades estranhas”. Isso ocorreu depois de 16 anos
da
celebração do casamento, e alguns do divórcio.
Certo.
E o casamento religioso
com efeitos civis anulado depois de 16 anos? Podem-se anular também os
efeitos
civis? Teoricamente, se o casamento foi religioso e teve efeitos civis,
a
anulação do casamento religioso também deveria anular os efeitos civis.
¹
Com
isso,
encerramos os impedimentos. Na próxima aula vamos falar da celebração
propriamente dita, como havíamos prometido na aula do dia 17.