Vamos começar, nesta belíssima manhã
de sexta-feira, uma
conversa sobre São Tomás de Aquino. Precisamos começar por um ponto
relevante,
que é a origem social de Tomás (1225 – 1274), reiterando uma prática de
que o
lugar social determina o conteúdo das obras e do pensamento de um homem.
É preciso dizer que São Tomás de
Aquino era italiano, do sul,
da região da Sicília, mais precisamente de Nápoles. Era vinculado às
nobrezas
italiana e alemã. Era simultaneamente sobrinho Conde D’Aquino, que
reinava no
Sul da Itália, e de Frederico Barbarroxa, imperador da Alemanha. Tomás
depois
se revelou importante para a nobreza ítalo-germânica.
Ali os gregos criaram colônias; a
região era a chamada Magna
Grécia. A própria cidade de Nápoles era consequente de uma colônia
grega, perto
de Pompeia, cidade destruída por uma erupção do Etna. Nápoles significa
“a nova
cidade”. Era uma cidade portuária e próspera.
Naquela região, Tomás de Aquino, que
depois viria a ser
canonizado, viveu e produziu sua obra. A época era por volta do ano
1200.
Produziu uma grande obra intelectual, religiosa e política. A família
de Tomás
vivia numa ambiguidade política muito grande, entre a Igreja e o
Império, com
reis tentando laicizar todos os poderes, a exemplo de Frederico
Barbarroxa, buscando
voltar aos poderes civis e temporais, ao passo que o papado significa a
retenção, pela Igreja, de todos os poderes: temporais, civis e
espirituais. O
Papa representa a tentativa de consumação daquele projeto agostiniano,
de
unificação de todos os poderes para que fiquem sob a regência
espiritual, já
que o papa representava o vínculo de Deus com a Terra. De 800 a 1300 a
Igreja
buscará consolidar esse projeto e, em nome dele, realizará doze
Cruzadas,
investidas de guerra e conquista econômica e política sobre territórios
do
Oriente para tentar universalizar os seus poderes e estancar uma fonte
de poder
de império, nascida no início do século VII, chamada Islamismo, criada
por um
homem chamado Maomé, uma religião também universal, acrescida ao
Judaísmo e ao
Cristianismo, que reconhece Cristo não como filho de Deus, mas profeta,
e
pregando que Maomé é o último profeta, o último enviado do Senhor. A
regra
central do Islamismo é que só Deus é Deus, e Maomé é seu profeta.
Tira-se a
divindade de Cristo, e prega Maomé como detentor da verdadeira mensagem
de
Deus.
O islamismo nasceu em expansão, tal
como está até hoje.
Expandiu-se da Ásia para a África, e da África para a Europa. Os
árabes,
posteriormente, desembarcariam na Península Ibérica, onde passarão sete
séculos. No Ocidente, portanto, se formou uma região religiosamente
tríplice,
portanto muito conflituosa. É nesse contexto que Tomás de Aquino viveu
e nele
que sua família tentou levar adiante seu projeto de poder familiar.
Os Aquino tinham poder econômico na
Itália e na Alemanha,
com poder político mais real na Alemanha do que na Itália, onde também
tinham
poderes, religiosos e políticos; prova disso é que Conde D’Aquino terá
um
reinado. Era um poder instável, pois dependia da chancela do papado. Na
Itália o
poder da família São Tomás de Aquino tinha vínculo profundo com a
Igreja,
enquanto na Alemanha tinha vínculos estreitos com os poderes laicos e
civis. E,
às vezes, quando o império preponderava, a família desaquecia sua
relação com a
Igreja; quando o Papa preponderava, eles desaqueciam sua relação com o
império.
Viviam na penduralidade, ora com a Igreja, ora com o império.
Essa é a circunstância política das
famílias italiana e
alemã que, conjugando interesses, resolveram que a melhor estratégia
possível
era a unificação em torno de um projeto comum. Queriam um papa da
família. Buscaram
que Tomás fosse. Ele foi educado para ser papa.
Como Tomás reagiu a esse projeto? Foi
desde o início dos anos
educado por um tio bispo, que tinha poder econômico e político em
Nápoles,
porque detinha uma das mais rentáveis prelazias; era reitor e bispo de
Nápoles,
detinha também privilégios na terra, acumulando grandes rendas em razão
das
terras da Igreja. Este tio foi o responsável pela educação de Tomás de
Aquino.
Conferiu-lhe a melhor educação possível naquele tempo e naquela região
do
mundo. Com essa educação principesca que alimentava esse projeto de
poder de
papa, ele viveu seus tempos e a mudança de circunstâncias de sua vida,
na
adolescência, se deu numa manhã de sol (como a desta aula!) que cedo
acabou
suas lições no Seminário de Nápoles, e o tio lhe ordenou que retornasse
ao
Castelo de Rocaseca, na cidade, que era o principal castelo da família
de Aquino
em Nápoles.
Mas Tomás de Aquino, que era do tipo
grandalhão e
corpulento, com a cabeça na lua, em vez de seguir o conselho do tio,
estimulado
por essa manhã napolitana de sol, resolveu passear pela cidade e
encontrou um
burburinho de gente muito grande em certa praça, perto do porto. Foi
verificar
o que estava acontecendo ali. Quando se cerca dessa gente, descobre
vários
jovens realizando uma fulgurante pregação religiosa, que depois foram
identificados como membros da Ordem dos Pregadores, nômades religiosos
despreocupados com o dia de amanhã. Viviam atrás da pregação da fé do
Deus
vivo.
Era a tradição do monarquismo, a fé
dos desertos, que
resolveu que a fé era mística e contemplativa, de que se deveria viver
nos
desertos, aguçando o contato do homem com Deus.
Essa fé deserta tem em Santo Antão
(Antão do Deserto, 251 –
356 d.C) seu símbolo maior. Criou um mosteiro no deserto. Reclusão para
a fé,
para que seja ela presente na vida. Os pregadores diziam que a Igreja
não
precisa ser do mundo, mas estar no mundo, que é enfrentar todos os
percalços da
vida. É uma visão solidária, envolvente da fé; esse grupo quer praticar
a fé
com um nível de compromisso social maior. Tomás de Aquino ouve esses
frades e
se deixa envolver por essa ideia de que deve abandonar seu projeto
familiar e
que deve abraçar a causa desses andarilhos de Deus. E volta para casa,
para o
Castelo de Rocaseca, e avisa à família que, a partir de então, esse é
seu
projeto. Todos pensaram que fosse brincadeira daquele que se tornaria
grande
pensador. Não era. Tomás acompanhou os frades pregadores.
Sua mãe, desesperada, foi atrás e
contatou todos para que ajudassem
a resgatar aquele que serviria para que a família alcançasse o poder
religioso
institucional. Um dia Tomás foi preso por um nobre, que avisou a
família, e ele
foi trazido de volta. Ficou um ano de castigo dentro do Castelo para
que fosse
mentalmente higienizado. Quando aparentou haver desaquecido dessa ideia
“maluca” a que tinha aderido, sua família o soltou e o enviou a Roma,
onde
prosseguiu o processo de aprendizado, até que, de lá, foi transferido
para o
Seminário Dominicano em Paris. Os dominicanos nasceram como uma ordem
militar
da Igreja Católica, e essa ordem militar significa literalmente cani-domini, cão ou matilha + senhor,
ordem da matilha de Deus, o braço armado da Igreja nascido para
reprimir as
ordens heréticas que não se rendiam ao magistério central do papa.
Fundada por
um bispo espanhol, chamado São Domingos de Gusmão (1170 – 1221), essa
ordem
cumpriu o papel defensor da Igreja e deu banho de sangue em várias
ordens
religiosas consideradas heréticas, que estavam ligadas ao código
primitivo do
Cristianismo, defendendo a posse comum das coisas, no suposto de que o
Cristianismo Primitivo tinha um fundo de comunismo agrário, uma
dimensão
comunitarista e solidarista do Cristianismo. Essa interpretação levou à
fundação de ordens religiosas que pervagavam o parcelamento da terra e
da posse
comum das coisas, para que tudo fosse de todos. Estes eram considerados
hereges
porque a Igreja de Roma, quando fizera a aliança com o Estado, fizera
uma
daqueles renúncias: abriria mão da ideia de posse comum das coisas,
enquanto o
Império Romano abriria mão da diferenciação entre seres humanos e
adotaria um
Direito Universal. Portanto ficou adotada, pela Igreja de Roma, a
legitimação
da propriedade privada. Foram obras consideradas subversivas, heréticas
para Igreja
institucional. Entre essas ordens encontram-se os chamados carpocratas, que cresceram de maneira
desmensurada. Constituíram nova
Igreja fundada nos princípios do Cristianismo Primitivo.
Cumprida essa ordem, os dominicanos
resolveram que não poderiam
ficar na história como sanguinários. Transformaram-se de ordem militar
em ordem
educacional. Assim, educaram, a partir de então, os maiores
intelectuais da
Igreja. Vários deles surgiram daqui, a partir dessa transição de ordem
militar
para ordem intelectual.
Fundaram o Seminário, fundaram
Universidades, que nasceriam
sob a tutela da Igreja, como as de Pádua, Bolonha, Nápoles, Paris,
Oxford,
Salamanca, todas criadas pela Igreja. Aqui elas terão o papel crucial
dos
interesses da Igreja do ponto de vista institucional.
Foi, portanto, Tomás de Aquino para o
Seminário Dominicano
de Paris, e lá ele viveria um momento decisivo de sua vida. Foi onde
encontrou
Alberto Magno, que era reitor do Seminário e catedrático da
Universidade de
Paris. Era professor de Lógica, Filosofia, Teologia, grande intelectual
e
mestre, considerado então, o maior intelectual de todos os tempos. Por
isso o
nome Alberto, o maior. Era o acréscimo que a Universidade de Paris lhe
conferia.
Os estudantes estavam, sobretudo, nas cidades universitárias, onde
houvesse
maior “auê”, um atrativo maior, uma razão maior para cultivar uma vida
líbero-boêmia. Alberto foi um sucesso absoluto. Chegou até a criar um
problema
para a Universidade de Paris, pois não havia espaço. Suas lições
tiveram que
ser ministradas em praça pública.
Esse grande mestre, reitor do
seminário, logo percebeu o talento
de Tomás de Aquino, escondido atrás daquele silêncio, das provocações
que
recebia, já que o Filósofo que se tornaria Santo era objeto de todo
tipo de bullying; era empurrado,
provocado,
espancado, apelidado, posto na roda para ser objeto de todo tipo de
chacota,
como se fosse um autista fechado em seu mundo. Um dia Alberto Magno
presenciou
o assédio e censurou os agressores, gritando do alto do mosteiro. Este
era o
mestre de Aquino, que depois o levou à Universidade para estudar
Teologia. Ali,
como estudante de Teologia, Tomás de Aquino, sobre a tutela de Alberto
Magno, se
notabilizou e chegou à posição de Doutor em Cânones, doutorado na
Universidade
de Paris. Isso tudo depois de brigar com estudantes, porque havia
torneios
intelectuais, realizados de mês a mês em cada uma das Universidades; os
representantes
delas competiam entre si, as torcidas se organizavam, havia corpo de
jurados, e
a torcida aplaudia e vaiava as questões propostas. Os estudantes tinham
que
desenvolver, de improviso, teses para essas perguntas propostas. Essas
teses
eram proferidas em alto e bom som para que pudessem ser objeto de
concordância
e discordância das torcidas e então ser objeto do julgamento final pelo
corpo
de jurados. Havia um processo de exclusão, até que restassem somente
dois
contendores, até que um se sagrasse campeão, nesse Big Brother muito
melhor do
que o de hoje.
Isso notabilizava o estudante que
participava e ganhava esses
torneios. Alberto Magno levou Tomás para participar desse campeonato,
já que já
o envolveu em projetos. Doutor em Cânones, Alberto depois levou Tomás a
Colônia, na Alemanha, de onde sua família era proveniente, e completou
ali seus
estudos. O objetivo então seria traduzir e comentar Aristóteles. Fazer
de
Aristóteles parte necessária do Cânon doutrinário do Cristianismo
Católico.
Completou a obra de Alberto Magno nesse sentido.
Este século XIII, em que viveu breves
49 anos, São Tomás de
Aquino foi uma cerimônia de profunda mudança na vida medieval. Há uma
revolução
tecnológica no mundo feudal, que permitiu que se estendesse a
exploração da
terra. É uma revolução industrial no mundo medieval. Levou a que a
produção de
alimentos crescesse profundamente, por força da mudança científica e
tecnológica que permitiu maior rentabilidade na exploração da terra.
1200 também é uma época de
redescoberta do mar. O
Mediterrâneo perdeu os gravames de que estava cercado, os conflitos
religiosos,
militares e políticos fizeram que o mar fosse de piratas. O comércio
renasceu. Do
ponto de vista material, a Igreja vivia da renda da Terra. A Igreja se
transformou na maior latifundiária do mundo medieval, já que havia, no
Direito Consuetudinário Germânico, uma regra que
autorizava a conquista militar da terra. O barão da terra conquistava a
terra
lavando-a com sangue. A regra do Direito Consuetudinário Germânico era
“não há
terra em senhor.” Esse barão da terra, cristianizado, tinha consigo uma
culpa
por ter conquistado a terra com sangue. A tarefa, então, seria de lavar
sua
alma. Ao término da vida, o grande rentista teria uma total fragilidade
íntima
e psicológica no tocante à remota possibilidade que ele tinha de salvar
sua
alma. Cristianizado, ele passava a buscar ajuda para a Redenção. A
Igreja
fornecia o perdão plenipotenciário, a indulgência total. Essa
indulgência é
objeto de desejo dos que lavaram a terra com sangue. Por isso fazem
doação de
terras para a Igreja, que se tornou latifundiária e rentista no mundo
medieval.
Do ponto de vista material, a Igreja Tomista, do tempo de Tomás de
Aquino, era
uma Igreja que tem uma presença preponderante no mundo. Do ponto de
vista
institucional, a Igreja estava confortavelmente instalada. O Direito
vigente era
o Canônico-Germânico. Quando se voltou ao grande comércio, surgiu a
necessidade
de se resgatar o Direito Romano, que já era superdesenvolvido, e seria
ideal para
a resolução dos problemas que surgiriam a partir dali. O Direito
Germânico não
tinha a solução porque era um Direito territorial, ao mesmo tempo em
que o
Direito Canônico também não tinha essa solução porque era um Direito
institucional. Precisava-se de um Direito de tradição de resolução das
questões
contratuais e obrigacionais. Portanto voltou-se ao Direito Romano e o
Direito
Medieval passa a ser Canônico-Romano-Germânico. De qualquer forma, do
ponto de
vista jurídico, havia uma presença substantiva e então hegemônica da
Igreja no
mundo.
Do ponto de vista do poder, o papado
preponderava sobre o
império; havia uma aliança de papa + rei que dominavam o barão da
terra. O papa
se contrapunha ao barão da terra. O papa preponderava sobre o rei
porque o
reino era cristão, e num reino cristão reinava o rei, mas reinava em
nome do
papa. Era o papa quem consagrava o rei, e esse ato papal estava
simbolizado
porque ele entronizava o rei, coroando-o. Ninguém era detentor do poder
de
origem divina mais do que o papa, que é o representante vivo de Deus na
Terra.
No ponto de vista espiritual, a
Igreja também estava
confortável, pois as concorrências, mesmo que agressivas, ainda eram
fracas:
Islamismo e Judaísmo. Do ponto de vista geopolítico a Igreja Católica
preponderava sobre as duas outras religiões. Essa é a Igreja do tempo
de Tomás
de Aquino. Assim Tomás frustrou o projeto familiar de colocar um papa
no poder,
renunciando, de si para si, ao destino político da Igreja e se
credenciou para
o papel intelectual da instituição. Ele se formou intelectual orgânico
da
Igreja, mais do que um político no sentido burocrático do termo. Nada
obstante,
foi assessor de papas, e teve prestígio político extraordinário no
centro de
poder, resolvendo, inclusive, questões do interesse político e
econômico da
família fazendo com que ela tivesse o maior proveito de seu prestígio
no
papado.
Completando seu ciclo de formação,
São Tomás de Aquino foi
professor da Universidade de Paris, com ajuda de Alberto Magno, que lhe
abriu
as portas do ambiente acadêmico. Foi professor também na Universidade
de
Nápoles, vivendo em alternância entre as três cidades: Paris, Nápoles e
Roma.
De tal sorte que esse percurso existencial e funcional de Tomás de
Aquino, que
iria, do ponto de vista intelectual, se vincular a uma dupla tarefa:
primeira, completar
a tarefa de Alberto Magno, que era tradutor e comentarista de
Aristóteles.
Aristóteles foi abrigado na Universidade. O Ocidente desconhecia
Aristóteles.
As obras foram defenestradas pelos romanos durante a antiguidade. Os
árabes as
recuperaram. Até esse momento, os árabes tinham o saber mais avançado
do mundo.
É do árabe que se traduzirá Aristóteles para o latim e depois para o
próprio
grego. É desse projeto que Tomás de Aquino se ocuparia em grande parte:
traduzir e comentar Aristóteles, difundindo o saber aristotélico,
cristianizar
Aristóteles, usar a Filosofia Aristotélica como argumento complementar
dos argumentos
teológicos. Por fim, integrar à Filosofia antiga, fazendo de
Aristóteles um
pensador cristão.
A segunda tarefa era resultante da
vinculação aristotélica
de Tomás de Aquino. Tanto Aristóteles quanto São Tomás de Aquino são
racionalistas. À luz da razão, no primado da razão, que anteciparia um
traço da
modernidade, São Tomás provou racionalmente a existência de Deus, ainda
que de
maneira equivocada. Equivocada porque Deus prescinde de prova racional.
Ele não
se esgota nos critérios da razão; Ele transcende nos critérios dela. A
fé tem
critérios próprios, e não se submete a critérios racionais que são
típicos da
ciência. A fé não se vincula à sabedoria.
Chama-se cientismo ou cientificismo a
pretensão equivocada da
ciência de estabelecer seus critérios como os únicos válidos para a
aferição da
realidade. Eis que Tomás de Aquino, teólogo, estava, naquele momento,
discorrendo para transportar a razão para dentro da Teologia, e se
envolveu com
essa questão equivocada da necessidade de provas racionais da
existência de
Deus.
Por isso Fernando Pessoa, poeta
português, escreveu esse verso
revelador da complexidade dessa questão. “Já viram Deus as minhas
sensações.”
Chegou à via sensorial do poeta! Não precisa de prova racional.
Tomás de Aquino construiu uma obra
numerosa, surpreendente e
magnífica para sua breve vida. Morto aos 49 anos, devemos deles
descontar três
em que Tomás viveu em total estado de demência. Era um “ensimesmamento”
patológico que fez com que a única frase que passou
a ouvir nesses três últimos anos foi “Frei Tomás, volte a si, porque a
causa de
Deus precisa que o senhor complete a sua obra.” No que respondeu: “não
há o que
completar. Tudo que escrevi não passa de feno, de palha, e deve ser
queimado.”
E voltou ao seu estado de desrazão até que a morte o alcançou. Nos
últimos dias,
transitou entre um mosteiro e outro, numa madrugada de tempestade, até
que
chegou ao seu destino ensopado, e já com sinais de sua doença pulmonar.
Suspeita-se
que morreu de pneumonia.
A obra
Tomás de Aquino passou cerca de 20
anos de sua vida compondo
uma obra substancial, cujo centro é a Summa
Theológica. Agora mesmo há uma edição da Editora Loyola, em
dez volumes,
feita a partir de uma tradução de Alexandre Correa, professor de
Direito Romano
na Universidade de São Paulo. Outra edição, de doze volumes em formato
tabloide,
contém onze de texto, e um décimo segundo com um guia, que ensina a
consultar a
Suma, pois nela há 3000 perguntas, e 1000 artigos para respondê-las. É
um
labirinto.
Nessa Suma Teológica, título
traduzido, há dois tratados
jurídicos: o Tratado da Lei e o Tratado da Justiça. Esses tratados são
encontrados nessas duas edições. Há também uma edição absolutamente
universitária, considerada a melhor do mundo, recomendada pelo
professor, que é
a edição da BAC, de Barcelona: Biblioteca de Autores Cristãos. Seis
volumes em
papel bíblico. É explicativa do pensamento de Tomás de Aquino, e
considerada a
melhor edição até pelo Vaticano.
Quem quiser pode ir atrás do Tratado
da Lei e do Tratado da
Justiça editados separadamente por uma editora portuguesa: Rés
Jurídica. ¹ Os
dois tratados foram publicados autonomamente.
Outra obra tomista relevante para o
Direito é a Carta ao Rei de Chipre,
também chamada
de “Carta do Reino.” O rei de Chipre manda uma carta para Frei Tomás de
Aquino,
lhe perguntando como o príncipe deve ser e agir para se conduzir como
um
político verdadeiramente cristão. A resposta de Tomás de Aquino é uma
obra
prima do pensamento filosófico e jurídico. Foi certamente o espelho em
que
Maquiavel se inspirou para escrever Dei Principatti (O Príncipe)
São Tomás de Aquino completou a obra
Agostiniana como
filósofo já da Escolástica, e não da Patrística, contribuindo
doutrinariamente
para o desenvolvimento do argumento cristão-católico. É o comportamento
intelectual orgânico da Igreja.
Tomás de Aquino
é escolástico,
que significa: Filosofia na Escola. A Igreja criara escolas anexas às
catedrais, e essas escolas se pluralizaram no tempo medieval.