Filosofia do Direito

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Renascimento: economia


Vamos então concluir o renascimento. Vamos ver o terceiro componente que é a economia do renascimento.

Tem-se uma tradicionalíssima imagem falsa do mundo feudal. É o resultado de um trabalho dos iluministas que fizeram uma clivagem que dividiria a “idade das trevas” da “idade das luzes”. Essa construção que reservou ao mundo medieval a condição de idade das trevas tem seu quê de infundada, e falsa. O mundo feudal foi sim um momento de superdesenvolvimento da tecnologia. Não podemos esquecer que no medievo de 800, os árabes desembarcaram na península ibérica, que eram os detentores da ciência e tecnologia mais avançada do mundo. Trouxeram coisas que fizeram a diferença. Pólvora, esfiha, charuto, culinária... passaram apenas 700 anos lá.

Ali se institucionaliza a preocupação maior com o saber, com a criação da Universidade pela Igreja, em Salamanca, Coimbra, Oxford, Paris... a própria academia de Platão e o Liceu de Aristóteles eram Universidades. Havia uma até no Afeganistão. Era o centro de alta sabedoria e de rotas comerciais. No mundo ocidental, entretanto, funda-se a Universidade no mundo medieval.

Outra frente de inovação foi pela via do mar e do comércio. Por volta dos séculos X, XI e XII se desenvolveu a arte náutica. Muito ajudada pelos insights advindos do mundo árabe, que, não se pode negar, civilizaram a Europa. Investiram contra as discriminações interreligiosas; nas cidades espanholas, onde os árabes plantaram raízes frequentemente tinham-se Igrejas, Mesquitas e Sinagogas, num clima de liberdade religiosa de alta civilidade.

Os árabes, quando desembarcaram na Europa, dormiam havia mais de 2000 anos em tapetes confortáveis. Um desses árabes que veio à Europa foi Aladino, sobrinho de Saladino (1138 – 1193), que resistiu aos cruzados, por si só um iluminista do mundo da baixa idade média oriental. Saladino também era Patrono de pesquisas científicas, tecnológicas, das armas, das letras, dos espetáculos. Tudo isso trazido para o Ocidente por Aladino.

Hoje o islamismo está bem diferente. Corrompido nalguns países. Mas foi algo fantástico.

Os árabes promoveram a expansão da área agricultável na Europa, multiplicaram a população medieval, revolucionaram a dieta, e motivaram o que se chamou de revolução industrial medieval.

O comércio que se estabelece entre o Ocidente e o Oriente irá libertar a terra, e estabelecerá um novo tipo de trabalhador, o mercador. Isso causou uma revolução jurídica, e nasceu a autonomia do sujeito. Nasce com os mercadores.

Nas cidades portuárias, fez-se um esforço para que lá não incidisse a autoridade do Papa, nem reinasse o Rei, nem mandasse o Barão da Terra. Assim conseguiram estabelecer diretrizes normativas para a vida, e os mercadores conseguiram institucionalizar a vida das cidades mercantis para que houvesse regras que se conduzissem ao funcionamento das instituições, que devem estabelecer as Posturas Municipais. Surgiram os Concelhos Municipais, que foram outra revolução. Nas cidades mercantis, passou-se a votar para saber quem seria conselheiro. Começa aqui a representação, um sistema eletivo e representativo que irá marcar a modernidade. Manifestação autônoma da vontade por meio do voto.

Dessas posturas mercantis começou a nascer o Direito moderno, legislado, legitimado pela sociedade civil, chamada a instituir as demais instituições. Foi o que Hegel disse: a sociedade civil gerará a sociedade política, que é consequência da vontade instituidora da sociedade civil. Isso é definitivo para o estabelecimento do quadro institucional do Direito moderno. Ideia de Estado que não se autolegitima. Trilhou-se um caminho pós-absolutista. Foi uma minoria organizada que fez história. As maiorias inorgânicas sofrem a história. Os mercadores são as minorias abraâmicas desse mundo.

A afirmação do indivíduo na história reclama autonomia, vontade e liberdade. É esse o caminho traçado pelos mercadores. Pelo mar, há a fronteira da liberdade. Papa, barão e rei não têm influência aqui. Assim foi possível d1 gerar d2, que gerou d3, em que “d” é dinheiro. Capital é um dinheiro grávido, dinheiro fêmeo, que se replica, gerando outros dinheiros. É trabalho humano cristalizado, congerminado. O capitalista já acumulou capital. O capital é cientificamente definido como a acumulação do produto do trabalho humano. Isso levará à riqueza e ao lucro puro, que é o lucro desonerado do pagamento de fatores produtivos, e da necessidade de se fazer qualquer reversão. É o lucro que pode ser aproveitado para a perdularice.

Só para dar uma ideia básica, uma das ideias do capitalismo é a circulação do capital. Isso foi escrito por Karl Marx em seu livro O Capital. Atribui-se a Marx várias coisas, inclusive a condição de cientista. Ele faz um julgamento negativo do lucro.

Marx diz que o capital resultaria disso: imagine uma fabrica de aviões, que tem um custo global de funcionamento de 1000 unidades monetárias/dia. Na primeira jornada de trabalho, de 4 horas, se fabrica um avião. Esse avião custa, no mercado, 1000 unidades monetárias. Significa que a venda desse avião pagou por duas jornadas de trabalho. Pronto, está criada a chave da riqueza! Como se ninguém houvesse descoberto isso! Essa é a “mais valia”: criação de mais valor do que fora gasto, em força de trabalho, para produzir a riqueza. Daí vem a obra O Capital, que desencadeou o surgimento da figura de Marx político e Marx “profeta”. Ele se divorciou no Judaísmo, mas o Judaísmo nunca se divorciou dele.

O que o renascimento resolveu fazer foi investir na celeridade da produção. Os mercadores do renascimento foram os primeiros acumuladores de capital, e descobriram uma forma de realizar a multiplicação da riqueza em velocidade maior do que as formas de realizar riqueza existentes no mundo de até então. Houve, portanto, uma transfiguração material da história. Entre eles estarão fortemente os judeus, supostamente perseguidos, mas que se tornaram, desde já, os banqueiros do mundo medieval. Serão financistas dos mercadores, e lucrarão com a expansão do comércio. 5042 essa gente investirá em ciência e na navegação de longa distância. A ordem era adicionarem-se terras novas à concepção de espaço. Há de se acelerar o tempo. Um exemplo de investimento nesse sentido foi a Escola de Sagres, obra de judeus que financiaram a arte náutica nas cidades costeiras de Portugal. O objetivo era descobrir terras novas, o mundo novo. Só que, quando seus serviços a Portugal, o judeu italiano Cristóvão Colombo foi rejeitado, muito embora o ministro da fazenda português, outro judeu, Isaac ben Judah Abrabanel (1437 – 1508), tenha exposto todas as vantagens em se celebrar um contrato de expedição com o navegador. Ben Abravanel (outra pronúncia do nome) era ascendente direto de Silvio Santos.

O mundo das grandes navegações, o mundo das grandes descobertas é o mundo que, ao mesmo tempo, é unitário e dual, que nascerá daí. Há uma projeção oceânica da Europa, criando o pacto Colonial: nações de um lado, colônias no além-mar. Isso foi tão decisivo para o futuro da humanidade que daí resultaram os blocos globalizantes, e pode-se dizer que esta é a origem da divisão internacional do trabalho, com o embrião do que se tornaram, nos séculos XIX em diante, os países subdesenvolvidos e desenvolvidos. Exceções: Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. Isso porque esses países foram criados como colônias de povoamento.

Do Pacto Colonial, chega-se ao mercantilismo, começando em Portugal e Espanha, indo depois para Inglaterra e Holanda. Nascem três fenômenos: capitalismo comercial, que gera o industrial, que gera o financeiro. As formas de capitalismo que nasciam iam dominando as anteriores; o capitalismo industrial dominou o comercial, ao passo que o financeiro dominou o industrial, quando se instaurou. Foram banqueiros sobretudo judeus que estiveram, no início, à frente do capitalismo financeiro. Tudo isso possibilitado pelo espírito do renascimento, supervaloração científica, supernavegação, grandes descobertas, estabelecimento do pacto colonial, e da afirmação do mercantilismo, de onde nascerá a experiência do capitalismo comercial, que depois evoluiu para a forma industrial e, por último, financeiro.

Por isso podemos dizer que foi uma época de grande mutação material, com a expansão das fronteiras e colônias; jurídico-política, com a afirmação do Estado Absoluto; mutação ideológica, com retorno do paganismo.

Intérpretes do capitalismo: Joseph Schumpeter (1883 – 1950), Max Weber (1864 – 1920), Karl Marx (1818 – 1883), David Ricardo (1772 – 1823) e Adam Smith (1723 – 1790).