Platão era um filósofo espiritualista. Seu pensamento tem
raízes também no Egito, que o levou a conceber a ideia do espírito. As
Filosofias do oriente chegaram aos ouvidos de Platão, com as ideias de Karma e
Dharma. É uma ascensão, que se chega somente pelo processo evolutivo do ser. As
divindades orientais convergem muito nesse sentido. O Budismo, por exemplo, é
uma doutrina oriental que contém essa ideia. Essas ideias são importadas para a
Filosofia de Platão que termina por conceber a ideia e um ser supremo.
Platão leva esse conhecimento esotérico para sua Filosofia,
que termina concebendo o mundo com um espírito suscetível de emoção. Por isso a
ideia platônica do mito do Eterno Retorno. É a realização de uma inflexão total
do espírito do mundo, de um marco zero, o ponto de mutação, até retornar a ele
próprio. É uma ocasião de crescimento. O eterno retorno pressupõe uma evolução
do espírito do homem, uma reencarnação do mundo em nível superior, uma
luminosidade maior, crescente e sucessiva para cada vez que essa trajetória
circular é percorrida. Cada volta aproxima o mundo em si mesmo da Grande Luz.
Essa mística platônica levará também à necessidade de que
esta aproximação da luz seja um desafio de cada homem. O Mito da Caverna não é
outra coisa senão uma leitura da condição humana, que sugere que a comunidade
que está vivendo um mundo obscuro chega à evidência de que aquilo que ela
percebe no plano sensorial é toda a realidade possível. Essa percepção passada
de pessoa para pessoa é o que leva à certeza dessa condição do mundo. Até que
um sujeito teria se libertado da caverna e ido ao encontro da luminosidade, da
variedade da experiência de um mundo multiforme, que desafia, a cada dia, em
sua mutação, não apenas os sentidos mas também a consciência. Isto é o que irá,
primeiro, cegar o olhar. Ao se ambientar com a luz, irá descobrir os detalhes,
as circunstâncias novas até então estranhas. Daí o personagem tem a tentação de
voltar à Caverna com a missão de levar a boa nova, que é quando ele é tachado
de louco. É o obstáculo residente em cada um de nós. Os presos em rochedos da
caverna resistem à boa nova. A conclusão é que o homem prefere a certeza na
escravidão à liberdade na aventura. É uma mostra de que o inconsciente coletivo
da humanidade é profundamente conservador. E a tentadora busca de novos valores
na liberdade é preterida em favor da permanência em um ambiente de conforto e
segurança.
Platão convida, então, a que cada um de nós saia da Caverna,
e então possamos trilhar de maneira criativa, ainda que esse trilhar signifique
perambular na aventura e na incerteza. Isso também é uma evolução, pois somente
transitar do escuro para a luz de fora é uma grande mudança. O real não está
nesta ou naquela margem do rio, dizia Guimaraes Rosa, mas sim na travessia. Foi
um prólogo da Filosofia existencialista.
Platão manda-nos buscar sempre a evolução interna,
primeiramente do indivíduo, para que então se construa a sociedade ideal. Por
isso ele considera de grande importância a figura do Estado, equiparado a um
ser grande, a um pastor. Este homem grande tem em Platão o tratamento
metafórico que o leva à aproximação do Estado à ideia de pai, guia e pastor. Estado
é pai, sociedade é filho; Estado é pastor, sociedade é rebanho; Estado é guia,
sociedade é guiada. Existe uma estatolatria em Platão, o que faz com que ele
concentre vontade, autoridade e hierarquia em torno desse ente que, para ele, se
personifica no homem grande. Esse homem grande, pai, guia e pastor, passa a ser
o objeto de constante preocupação no argumento platônico. Essa preocupação irá
levar ao estabelecimento da ideia de sociedade perfeita, sociedade ideal, em
que nela se encontra um papel centralista do Estado.
Como ele confere dinamismo a essa ideia? Começa de sua
perspectiva aristocrática da vida.
Portanto, três castas se fundem em seus interesses para
formar uma unidade. A unificação do mundo é sugerida pela articulação sintética
dessas três castas no que se chamou comunismo aristocrático. Essa aristocracia
não é aquela de consanguinidade, mas a meritória, com qualificações inatas.
Platão então organiza a sociedade com três castas: a dos
produtores, a dos guerreiros e a do rei filósofo com seu circulo intelectual e
dirigente. A primeira é a necessária a toda e qualquer sociedade, independente
de ser uma sociedade pré-estatal, primitiva, ou altamente complexa; todas irão
precisar de um sistema de produção.
Platão pensa no sistema material, também no sistema
institucional, que leva à necessidade corporativa de, para fora, defender a
sociedade das ameaças que podem advir do mundo, mas Platão também é temeroso no
que tange ao papel dos guerreiros, a segunda casta: “eles defenderão a cidade
dos inimigos externos. Mas quem defenderá a cidade dos guerreiros?” Foi assim
em todas as sociedades, até mesmo nos países democráticos.
Por fim, a casta do rei filósofo com seu circulo intelectual
e dirigente. Terá o papel de natureza espiritual; o rei é filósofo, e conhece
os caminhos do mundo das ideias e poderá, com mais legitimidade, conduzir a
sociedade, com uma proximidade maior, à grande luz. O rei é filósofo e está
legitimado porque assim poderá conduzir a sociedade por esse crescimento
espiritual, levando a sociedade ao encontro da grande luz.
O rei também é o comandante de uma casta que dirige, que
administra a sociedade. Por isso esse círculo espiritual e diretivo completa a
sociedade enquanto sistema. É um sistema material, institucional e espiritual.
Esses três sistemas se conjugam para formar a grande ordem. Platão é o apostolo
da ordem e da regularidade. Assim, ele confere esse atributo ao Estado, que não
apenas deve estabelecer a ordem em material, institucional e espiritual. O Estado
é o responsável pela garantia da regularidade. Esse é um objetivo dos maiores
de Platão: ordem e regularidade. É um Estado absorvente e concentracionário.
Concentracionário de vontade, hierarquia e autoridade. Absorvente porque não
quer dividir essas competências com a sociedade. Platão surge renúncia da
sociedade civil e dos cidadãos que a integram à liberdade, à autonomia e à
vontade. Isso para que se afirme a autoridade do Estado. Entre a sociedade e o
Estado Platão já fez sua escolha: o Estado. Vontade do Estado, hierarquia do
Estado, autoridade do Estado.
Platão sugerirá intervenção na família, com a ideia do
comunismo das mulheres: elas são de todos os homens aristocratas. Não havia
família nuclear. E é aqui que mora a questão: a família nuclear é aquela
composta por um homem, uma mulher e os filhos desse casal. Essa família nuclear
desaparece em Platão.
Platão antecipa Aristóteles, pois reconhece a família como o
mais privado dos antes. É uma desagregadora intervenção na família. Todos
seriam criados pelo Estado, que seria o repositório dessa procriação humana,
com creches estatais para a as crianças. Imaginava que a mulher, não sabendo
qual era o seu filho, iria amar todos os filhos do Estado. Na lógica formal, é
uma boa solução! Já na vida nem tanto.
Também sugere intervenção na educação, mesmo sendo Platão
reitor de um centro de educação privado. Enquanto isso pensava num modelo em
que todas as escolas fossem públicas. Objetivo era criar as crianças até o
nível mais elevado de conhecimento. Lapidá-las para que as habilidades se
revelem, que as vocações se evidenciem. Dali o jovem formado emergiria para
alguma das castas. Dos guerreiros, dos produtores ou do rei filósofo. Claro, só
para os filhos da aristocracia. É um comunismo para aristocratas apenas. O
resto do mundo não interessa para Platão.
Daqui retiramos a ideia de que Platão pretende estabelecer
essa grande ordem com interferência na família e na educação.
E do advogado, o que Platão espera? Diferente do juiz, que é
um agente do estado, o advogado é um ator da sociedade e do mercado. Como
estadista, Platão não convive bem com a ideia de sociedade civil e mercado, nem
de reinvindicação de justiça. O advogado é exatamente um personagem dessa
agenda. Platão acusa o advogado de desservir a ordem pública na medida em que
tem técnicas segundo as quais as demandas podem se prolongar indefinidamente.
Essa chicana resulta na distorção de um procedimento estabelecido pelo Estado.
Platão defende o Estado absoluto, sem espaços para a não
intervenção na vida individual, ou seja, sem direitos fundamentais. Alguns até
apontam Platão como inspirador dos totalitarismos, especialmente os modernos, a
exemplo do comunista, fascista e nazista.
Nem tudo é cinzento em Platão. Ele abre o espaço social para
a mulher, que poderia ser tudo. Defende que as mulheres têm todo o direito e
competência para inclusive ser parte da casta dos guerreiros. Quando, pela
primeira vez, se realizou o chamamento de mulheres para as Forças Armadas de
Israel, alegou-se tê-lo feito segundo a inspiração de Platão.
Esse é o Estado platônico, absorvente, absolutista,
totalitário, sem reconhecimento de nenhum espaço próprio do indivíduo, do
cidadão, da sociedade civil para o exercício de sua liberdade e autonomia.
O poder em Platão é vinculado organicamente ao Estado, e é
absoluto, pois o Estado é totalitário. O exercício do poder está ancorado em
Platão quando afirma que o Estado é pai, guia e pastor. É um condutor que deve
necessariamente ser seguido sem relutância, especialmente porque o filósofo é o
sabedor que conduzirá a sociedade à luz maior.
E o Direito em Platão? Tão simples quanto o direito em
Kelsen: todo direito é do Estado, não há direitos humanos, não há Direito
Natural, nem Direito das Gentes e nada de Direitos Especiais. Só há o Direito
estatal, e só é Direito o que o Estado declara que o é. É uma concepção monista
do Direito.
E a justiça? Como é defendida por Platão? Platão diz que
justo, razoável, ponderado, adequado e conveniente é que cada um cumpra o seu
papel na vida social. O que ele quer dizer com isso é que mudanças e
contestações são absolutamente impróprias. A busca do melhor cumprimento de seu
papel é exatamente a conservação da realidade social. Essa conservação em si
mesma é a justiça.
Por fim, a paz para Platão: com todas as contingências de
uma paz precária resultante de um modelo de sociedade marcada pela exclusão
social, a paz surgirá da capacidade de
disciplina da sociedade por meio do cumprimento da regra geral, que é cada um
fazer seu papel. Assim ter-se-á paz. Sem observância disso, Platão autoriza o
Estado a lançar mão de mecanismos corretivos, tais como a pena de morte. Ele é
organicista, com a multiplicidade de órgãos que formam um grande organismo.
Defende a pena de morte em nome da preservação da ordem maior, daí extirpar o
órgão indesejado para evitar o “câncer”.