“A religião é o opio do povo.”
Disse essa frase Karl Marx certa feita, mas ele era portador
de uma religião judaica profunda. Demitiu-se do judaísmo, mas o judaísmo não se
demitiu dele.
Método: o que sobrou de Marx? Rigorosamente, sobrou o
método. E sobrou a interpretação do Marx economista da sociedade capitalista.
Interpretação sistêmica que está presente n’O Capital, reconhecido universalmente
como uma grande interpretação do capitalismo. Não é a única; existem pelo menos
duas alternativas: a de Max Weber, que escreveu Economia e Sociedade, a rigor, como alternativa interpretativa a O
Capital. O capitalismo em Marx resulta da aplicação de seu método: fenômeno
material transfigurador que estabelece novo meio de produção da história,
derrubando o meio de produção feudal, para que uma nova instituição social se
estabeleça, a burguesia. Fenômeno material decorrente da acumulação primitiva
de capital.
Enquanto em Marx esse fenômeno é a acumulação primitiva de
capital, em Weber é o resultado mais límpido e transparente da ética
calvinista. Weber traz uma explicação espiritual no livro A Ética Protestante e
o Espirito do Capitalismo. Libera o homem da culpa da riqueza, que a considera
benção, graça, favor de Deus, e o autoriza a acumulação de mais riqueza desde
que se contribua com a causa de Deus.
Essa é a ética do trabalho, da poupança, da reinvenção, da
compreensão de que não se é proprietário de nada, mas guardião, da graça da
riqueza. Diferente da explicação de Marx, segundo o qual o capitalismo vem de
uma classe nova de mercadores, que descobrirá a chave da nova riqueza do
capital, que investirá em ciência e tecnologia e criará as condições para a
criação de um sistema produtivo, numa capacidade maior de produzir riqueza, em
escala superior, e, se possível, universal. Sistema que fará a projeção
oceânica da Europa, dividindo o mundo em nações e colônias; que criará o
sistema mundial econômico em que há centro e periferia, fazendo com que se acumule
capital no comércio, que se acumule capital na indústria e que se acumule
capital nas finanças, criando, respectivamente, a burguesia comercial,
industrial e financeira, e buscando a globalização econômica.
São dois caminhos explicativos, portanto. A explicação de
Marx não é a única; a de Weber sobreviveu a Marx.
Há outros interpretes do capitalismo. Joseph Schumpeter (1883
– 1950), grande interprete do capitalismo na história.
Em Marx, em certo sentido resta o método. O método em Marx é
uma fusão dinâmica do materialismo de Feuerbach com a dialética de Hegel. Dois
filósofos que foram mestres de Marx. Ludwig Feuerbach (1804 – 1872) e Georg
Wilhelm Hegel (1770 – 1831) são aqueles de quem Marx se apropria para criar seu
método. Marx tem uma teoria da história, que será desenvolvida à luz de Feuerbach
e Hegel. É materialista porque explicará das relações sociais, dos fenômenos
sociais, do evolver da história e de aspectos materiais da vida. Um
materialismo fundado no argumento filosófico de Feuerbach, que diz que não foi
Deus quem criou o homem, mas o homem criou Deus. Marx é materialista à luz de
Feuerbach. Mas Marx é dialético, imaginando a dinâmica das coisas. Desde a
Grécia, com Heráclito, que se existe dialética como método de apreensão e
percepção do real. “Tudo flui!” nunca veremos duas vezes as águas do mesmo Rio.
São sempre águas, mas são sempre outras. É o princípio da dialética.
No mundo moderno, Hegel foi o grande responsável pelo
resgate da dialética. Criou uma superfilosofia fundada na dialética, nessa
dinâmica fluida e processual das coisas. A dialética de Hegel é uma dialética
ternaria, que dela Marx se apropriará: os fenômenos acontecem porque uma tese se afirma, se tensionam porque uma
antítese se estabelece, e se
transformam porque se chega à síntese,
que é a superação da tese e da antítese. Uma tese poderia ser uma manhã de sol,
sua antítese poderia ser uma tarde chuvosa, e a síntese das duas é uma noite
estrelada. Os fenômenos são todos diferentes entre si a manhã de sol foi negada
pela tarde de chuva, e a noite estrelada não aconteceria sem a superação de
ambas. Eis a síntese.
Quando se chega a uma síntese, o processo não acaba, pois a
síntese se desdobra em novas teses e novas antíteses, produzindo novas
sínteses.
Existe também a formulação da dialética pós Hegel e pôs Marx
que pressupõe o chamado quarto momento da negatividade. É uma síntese. A
dialética é isso: uma forma de percepção e apreensão do real. Nisso Marx se
apropria da dialética e do materialismo, funde os dois e cria a teoria volitiva
da história, a história da humanidade, que é esse evolver de modos de produção
e formações sociais. Sociedade primitiva è sociedade
escravista è
sociedade feudal è
sociedade do despotismo asiático è
sociedade capitalista è
sociedades socialistas è
sociedades comunistas, sendo que das duas últimas Marx se considera o profeta.
Marx pensou dialeticamente assim: feudalismo é tese,
capitalismo é antítese, e a síntese será seu socialismo. Vejam como Marx, com o
método, justificou a pretensão histórica. Mostrou uma teoria da história à luz
da dialética e do materialismo. Diz, primeiro, que a história é a única e a
verdadeira ciência. Segundo, diz também que a essência da história está no
conflito. E uma das formas mais agudas de conflito é a chamada luta de classes, que lutam pela
possessão do mundo. O que é o mundo? O mundo econômico, o mundo institucional, o
mundo do Estado, e também das ideias. Quer dizer que há o mundo material, o
institucional e o espiritual. Quem detém tudo isto é a classe dominante, e quem
não detém é a classe dominada. A história da humanidade, segundo ele, é a luta
de classes dominantes contra as dominadas. Aponta isso na história: patrícios
contra plebeus, senhores contra escravos, barões da terra contra servos,
burgueses contra proletários... qual o julgamento moral de Marx? Dizer que tudo
isso configurou a exploração do homem sobre o homem. Como se transfiguraria
tudo isso? Com a revolução somente. Com a luta de classes libertadora conduz-se
à revolução.
Para quê? Em última instância, para que “estas coisas” não
sejam “destes” contra “aqueles”, para que tudo isso possa ser de todos. Essa é
a justificativa de Marx. Não haveria mais antagonismo de classes.
Por isso que Marx irá buscar, materialista que é, nessa
esfera econômica, a chave da vida. Diz que os meios de produção são a chave da
história. No mundo moderno, os grandes meios de produção são capital, terra,
ciência, tecnologia e serviços, e que esses meios são propriedades da
burguesia. Do outro lado só há o trabalho, e que o proletário tem que vender
para sobreviver. Da junção disso tudo há o empreendimento capitalista.
Por que o trabalho é relevante? Porque Marx apropria-se da
teoria do valor-trabalho, da economia clássica. Marx bebeu nas fontes do
pensamento pretérito. Nenhuma dele própria. Sem a Economia Política clássica, a
Sociologia Política Francesa e a Teologia Alemã não existiria Marx. Ele fez uma
reengenharia em tudo isso. Vai para a teoria do valor-trabalho, explicando a
riqueza: entram as relações de produção, que criam a riqueza, mas a riqueza vem,
sobretudo, do trabalho. O segredo da história é a mais valia: a exploração da
classe trabalhadora pela burguesia. Fábrica de aviões! Como se explica esse
modelo de Marx? Vamos pensar na fábrica de aviões. Lá se trabalham quatro horas
pela manhã, e quatro pela tarde. O custo/dia de tudo que compõe essa fábrica de
aviões, com impostos, insumos, reinvestimento, inovação tecnológica, pesquisas,
salários, etc. somam 1000 unidades monetárias. Nas primeiras quatro horas de
trabalho, o proletariado fabrica uma aeronave que vai para o mercado ao preço
de 1000 unidades monetárias, revertendo à fábrica o custo de 1000 gastos com
todos aqueles passivos. Os trabalhadores vão ao almoço, tiram uma soneca, jogam
uma dama, voltam à labuta e fabricam outro avião, que irá ao mercado por outras
1000 unidades monetárias. Tudo no mesmo dia! Esses outros 1000 estão totalmente
desembaraçados de todos e quaisquer ônus. Aí está a mais valia! “O segredo da
história que só eu descobri!” A classe trabalhadora cria mais valor do que aquilo
que a classe empregadora paga-a.
Marx diz que o juízo moral é que o capitalismo é
intrinsecamente mal. Marx, assumindo a persona de profeta, afirma que deve-se,
portanto, libertar o homem de si mesmo. Como se fará isso? Ele encontrou um
herói libertador, um messias, judaicamente falando. Quem tem que libertar a
humanidade é o proletariado, pois, do ponto de vista filosófico, ninguém é
feliz pela metade. O proletário não é feliz porque está condenado às
contingências do mundo material e concreto. É uma besta de carga que tem que
trabalhar. Ninguém é verdadeiramente feliz porque, porque, por outro lado, usufruindo
de tempo livre, no ócio não criativo, nessa vida vazia, sem nenhuma relação com
tempo concreto, com o fazer, com o construir, com o escrever sua própria
história, não se é feliz também. Necessidade de um lado, alienação de outro.
Para que o homem seja íntegro e inteiro, Marx diz que esse agente libertador é que
irá parir o novo homem. Como esse agente libertador parirá o novo homem?
Primeiramente, esgotando-se a possibilidade histórica de sobrevivência em uma
sociedade em que, em face de mais lucro, tenha-se que ter menos salário, e
vice-versa, criando-se um antagonismo entre as classes. Segundo porque estes,
que estão no universo do trabalho, já aprenderam a fazer sua luta sindical, e
devem aprender a fazer a luta política. Na luta sindical se luta por salário; na
política luta-se por poder.
E como essa classe trabalhadora chega lá? Sem regramento
espiritual e consciência desenvolvida? Como irão libertar a humanidade? Há um
porém: essa classe trabalhadora, que tem uma consciência em si, e chega à luta sindical sozinha, irá chegar à luta política
porque vai uma consciência para si. Uma
consciência superdesenvolvida. Como será desenvolvida? Porque os intelectuais
da pequena burguesia vão trair sua classe e se associar ao proletariado.
Enfim, é o modelo de Marx. Os intelectuais irão levar a
consciência desenvolvida para o proletariado. Com a consciência desenvolvida,
vão preparar o proletariado para aguardar o momento de crise aguda do
capitalismo, com o momento de exacerbação da sua vontade política de mudança, e
com o momento em que essa classe operaria possa usar a violência para quebrar a
ordem estabelecida, pondo no lugar outra ordem. A chave de tudo em Marx, em
última instância, está na violência. Luta de classes para parir uma sociedade
nova, com recurso à violência.
É um filósofo da guerra e não da paz. Será da paz em suas
hipotéticas consequências. Mas do ponto de vista operacional ele quer
transfigurar o mundo pela violência, e não acredita em outro meio que não a
violência para se chegar lá. A fórmula é vontade política do proletariado +
crise do capitalismo + violência. Se se souber manejar a violação, vai-se
quebrar a ordem estabelecida, far-se-á a ruptura, e se estabelecerá a nova
ordem. Isto é a luta de classes em seu sentido mais radical: o momento da
ruptura. Isto é revolução: criar a ordem Z onde existia a ordem A, e promover
as transições da sociedade intrinsecamente maligna para sociedades mais justas.
Primeira transição de Marx: capitalismo para socialismo.
Aqui haveria luta de classes em níveis extremos. Isso porque o estabelecimento
do socialismo será contestado pelo capitalismo. A contrarrevolução irá querer solapar
a revolução e restabelecer o antigo regime. É um contexto tenso desse processo
que só sobreviverá se se universalizar. Toda e qualquer tentativa de
estabelecimento do socialismo fracassará a não ser que se universalize. O
socialismo é uma sociedade mais perfeita do que a imperfeita sociedade
capitalista, porque pluralizaria as formas de propriedade, criaria um sistema justicialista
de repartição da riqueza, e nele conviveriam a propriedade familiar, a
propriedade comunitária, a propriedade privada, a propriedade cooperativa, a
propriedade estatal; o socialismo firmará a ditadura do proletariado, porque o
que existia no passado era a ditadura da burguesia; essa ditadura do
proletariado seria dirigida pelo partido do proletariado, e conduzirá a
revolução à vitória sobre a reação. Assim permitirá o desenvolvimento material
da vida. Isto é, ter o que dividir. Uma capacidade maior de produzir riqueza do
que o capitalismo, assim ter-se-ia um desenvolvimento material da sociedade e o
Estado, na ditadura do proletariado, poderá realizar uma repartição
justicialista da riqueza. Não existirá mais burguesia para se apropriar de
tudo, e o Estado do proletariado realizará essa repartição da riqueza.
Por que o socialismo não é perfeito para Marx? Porque nele sobreviverão
injustiças. Para o socialismo, cada um contribuirá segundo suas capacidades, e
as capacidades humanas serão desiguais. Uns contribuirão mais, outros menos,
assim uns terão retribuição maior, outros menor. As habilidades são distintas e
as capacidades são diferentes, e as remunerações também o serão; dessa forma,
as desigualdades naturais determinam as desigualdades sociais. Haverá injustiça
de qualquer jeito. O que fazer para chegar à perfeição, então, é a segunda
transição.
Essa transição não é a do capitalismo para o socialismo, mas
deste para o comunismo. Esse tipo de sociedade comunista, hipotética, reclamada
por Marx jamais existiu. Nela, a reação burguesa e capitalista teria sido
universalmente vencida. O socialismo se tornou vitoriosamente um fato
universal. Esse superdesenvolvimento da produção socialista, por meio do
superdesenvolvimento da ciência e tecnologia conduzirá a um mundo de superprodução
jamais visto na história da humanidade. As Minas do Rei Salomão nada serão
diante desse mundo com rios de riqueza correndo pela vida. O socialismo será um
fato universal nesse momento.
O significado dessa segunda transição é a chegada do homem à
sociedade comunista que porá fim à pré-história da humanidade. Abrirá a porta
para a “verdadeira história” da humanidade. O que haverá nessa história da
humanidade em Marx é, primeiro, e vejam as chaves de Rousseau, que a
propriedade se transformará de privada em coletiva. Na sociedade comunista tudo
será de todos porque a propriedade é coletiva. O guardião dessa sociedade em
que a propriedade é coletiva é, num primeiro momento, o Estado. Desde Rousseau a
propriedade é fonte das desigualdades, quando contou a historinha em que um dos
andarilhos apontou para o trigal fértil e disse “isto é meu!”, cercando-o em
seguida, criando, daí, a desigualdade, pois o mundo passaria a ser de
proprietários e não proprietários. Marx diz que a propriedade se transformará
em propriedade coletiva. E em consequência, a sociedade será sem classes. Lógica
formal. A propriedade não desiguala mais porque tudo é de todos, e, se tudo é
de todos, a igualdade social se estabelece. A sociedade sem classes será a
sociedade comunista.
Nessa sociedade comunista, hipoteticamente de propriedade
coletiva e sem classes, o que acontecerá com o decorrer do tempo é o
desaparecimento do Estado. Será extinto na história da humanidade. Por quê? Porque
Marx diz: o Estado não é nada mais que o guardião dos privilégios de classe.
Ele legaliza a propriedade privada, a injustiça, a exploração. O Estado seria o
cão de guarda da burguesia. Não existindo mais burguesia, porque não existe
mais propriedade privada, logo não existirá mais Estado, que tenderá a
desaparecer.
E como se viverá sem Estado? A sociedade que aceitou essa
verticalização, conferindo ao Estado poderes para geri-la, recobrará o poder de
gerência, e, horizontalmente, a sociedade organizada através de conselhos gerirá
a vida. A experiência do exercício da autoridade será horizontalizada, e
voltará a ser social. Esses conselhos funcionariam para a gestão da vida porque,
até o dia do advento da sociedade comunista, que é puramente judaico (Marx está
falando de queda e reencontro do Paraíso; o que ele busca é reencontrar o
Paraíso depois das quedas históricas), isso, diz o professor, será possível
porque na sociedade comunista se colocará um ponto final na experiência histórica
da humanidade, em que os homens eram administrados pelas coisas. Na sociedade
comunista, as coisas seriam administradas pelos homens.
Avancemos em Marx.
Essa sociedade terá que forma de disciplina social? Qual o
lugar do Direito na sociedade de
Marx? Nenhum. O que acontece na sociedade comunista é a morte do Direito! Porque
Marx repugna o Direito Natural, desacredita no Direito Costumeiro e considera
uma falsificação ideológica os direitos humanos. Acredita só no Direito do
Estado, que é o que determina o que deve ser Direito. Desaparecendo o Estado, desaparece
o Direito. Morre o Direito. Morte do pai de Marx, que era advogado! É uma
leitura psicanalítica: Marx matando o pai.
E a justiça em
Marx? A justiça é a moral aplicada a todas as relações entre os homens. A morte
do Direito será o nascimento justicialista da moral. A moral será a própria
expressão viva da justiça.
E o que vai acontecer com a paz de Marx? Ele, que havia partido do máximo de conflito entre os homens,
da luta de classes, da violência como parteira da história, diz que a paz
perfeita se estabeleceria entre os homens porque, estancadas as fontes da
apropriação e da exploração, a harmonia universal será a regra da vida. Isso
seria o ponto final na pré-história da humanidade. Comunismo é o parto do homem
novo; o homem que superou essas “mesquinharias”: se dar bem, ser egoísta, tirar
vantagem, passar a perna, puxar o tapete. Um homem totalmente desalienado,
solidário, fraterno e disposto a usufruir de todas as oportunidades jamais
vistas antes dessa nova ordem com tudo que ela permite.
Como o homem novo irá viver? É um homem em busca de sua
verdadeira humanização. Entendamos: Marx fez a coisa mais temerária do mundo
que é descrever o que seria o cotidiano
do homem comunista. É a descrição do paraíso no Livro do Gênesis da Bíblia
Cristã, que vem da Torá Judaica. Marx reencontra a si mesmo nas fontes do
judaísmo. O homem comunista acordará 10 da manhã. Como não pode ter apenas uma
relação abstrata e teórica com o mundo, mesmo sem precisar, trabalhará das 10
às 12, pois o mundo é uma maquina de automação de fabricação incessante de
riquezas. Fará sesta do meio-dia às três da tarde, passeará de barco até as cinco
ou seis da tarde, lerá literatura grega até jovem, jantará regiamente porque
ninguém é de ferro, e depois vai para a noitada para relaxar. Essa é a ideia
contida na Ideologia Alemã!
Marx se articula com os filósofos que pregaram a harmonia
universal, depois de ter sido filósofo da luta, da violência, e da luta social
aberta. Mas se articula com os filósofos da harmonia universal por meio daquilo
que havia repugnado: a ideia de Paraíso, o Éden, o homem antes da queda do
paraíso. Inconscientemente trai a si mesmo. Mostra que é permanentemente
judaico. Sinaliza para esse mundo novo que traria consigo o mundo novo e
viveria essas circunstâncias paradisíacas.
Essa segunda transição, do socialismo para o comunismo, jamais
existiu. Tivemos transição do capitalismo para o socialismo, e o sistema
socialista que se conheceu entrou em colapso no final do século XX. Restou a Coreia
do norte, Vietnã do Norte, China despótica asiática e Cuba, que preserva apenas
a propriedade familiar. Além dos espasmos latino-americanos
idealizados no Foro de São Paulo.
O que há de jurídico
em Marx: desjuridicização de tudo. Morte do Estado, morte do Direito, confirmação
da conexão entre Estado e Direito como única verdade jurídica possível,
renovação do ato segundo o qual se repugna o Direito Natural, o Direito
Consuetudinário e os direitos humanos, e a ideia de que através da ditadura se
chegará à democracia, e através da violência se chegará à harmonia, e a ideia de
que, segundo esses procedimentos, se reencontrará o paraíso. Violência,
revolução e ditadura são os ingredientes que irão parir o mundo paradisíaco.
Sabemos nós que a emergência da violência na história se
torna absolutamente inadministrável e incontrolável; depois de lançado mão da
violência, ninguém administra a sua dinâmica e seus efeitos. Da aplicação da
violência na história não nasce nenhuma pacificação. E não existem precedentes
que autorizem essa ideia: do máximo de ditadura, chegar-se ao mundo da
democracia social. Isso porque o mundo de administração da sociedade pela
própria sociedade só pode se estabelecer segundo parâmetros de verdadeira
realização da democracia. Vai-se chegar a essa democracia por meio do máximo de
ditadura? O máximo de ditadura criará elites dirigentes, que reclamarão o poder
para sempre, como aconteceu no socialismo real.
Lenin disse: sociedade comunista será a sociedade burguesa sem burguesia! Vamos matar a burguesia no mercado, mas Lenin não imaginou que a burguesia renasceu do Estado. Foi o que aconteceu na União Soviética.