Filosofia do Direito

sexta-feira, 11 de março de 2011

Aristóteles

 

Vamos falar de Aristóteles (384 – 322 a.C.) hoje. Se não pudermos levar adiante tudo que temos para falar sobre ele, vamos começar, ao menos, a discussão.

É o terceiro grande personagem da Filosofia ateniense. Viveu também na Macedônia, que havia sido província da Grécia, e em outros momentos teve uma autonomia difícil de preservar. Mais no futuro integrou a Iugoslávia.

A Macedônia nunca teve autonomia cultural. Filipe da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande, vinha tinha uma herança cultural grega. Inclusive instituiu a língua grega como língua oficial da Macedônia, acabando com a chance de formar uma língua própria e autônoma. O próprio Filipe, ao escolher um preceptor, escolheu um macedônico, mas também de alma grega.

Aristóteles formou Alexandre com essa alma grega, o que fez o conquistador espalhar a cultura grega pelo mundo.

Aristóteles era filho de um físico e médico mor, Nicômaco. Os ascendentes de Aristóteles estavam vinculados à ciência natural e, em especial, a médica. O próprio filósofo se tornou mais um médico e físico que, ao ser despertado, respondeu aos estímulos. Muito jovem já foi nomeado cientista natural, onde se ganhou notoriedade como fundador da Biologia. Aristóteles deixou uma numerosa obra de naturalística, que veio até nós por meio de fragmentos. Há mais de mil páginas, cobrindo espécies da flora e fauna, devidamente classificadas e com uma teoria sobre a origem da vida. Nisso ele já nadava de braçadas no mundo do saber. Continuou vinculado em toda sua existência ao saber. O Aristóteles sociólogo, politicólogo, eticólogo, filósofo, psicólogo nunca se desprendeu do naturalista.

Aonde Alexandre chegava, coletava espécimes e enviava a Aristóteles, para estudo.

Em certa campanha, Alexandre convidou Aristóteles para uma expedição, que sensatamente disse não. O Mestre, entretanto, cumprindo a regra intemporal do nepotismo, indicou, ao negar, seu sobrinho para acompanhar o conquistador e ser cronista, já que era historiador. Seria uma oportunidade de ouro. Ele prometeu ao tio que cumpriria a regra boa.

No meio do caminho, o sobrinho se tornou um problema, plantou intrigas, e Alexandre teve uma difícil decisão para tomar. Torturou o sujeito, que teve que acompanha-lo ferido, mas continuou viagem. Mais tarde, Alexandre teve que matá-lo. A notícia chegou a Aristóteles, que publicamente rompeu com Alexandre. O filósofo em seguida começou a temer por sua vida. E isso mesmo lhe custou preço alto ao final de sua vida. Esse Aristóteles, preparado para ser cientista natural, terá se acertado no saber politico ao encontrar Alexandre.

As obras jurídicas mais importantes de Aristóteles para nós são a Retórica, a Ética a Nicômaco, a Ética a Eudemo, a Política e a Constituição dos Atenienses.

Em Portugal, há cerca de dez a quinze anos, um filósofo do Direito chamado Paulo Pereira da Cunha recortou e colou os textos jurídicos de Aristóteles, e compôs uma coletânea chamada Aristóteles: Pensamento Jurídico. 1

Quem discute justiça atualmente, e o faz em profundidade, começa sempre com Aristóteles ou passa por ele. Dificilmente alguém não citará Aristóteles quando falar de justiça.

A obra que Aristóteles cria é extraordinariamente numerosa, que chegou de maneira fragmentada até nós, já que os romanos espezinharam a cultura grega, e grande parte do conhecimento foi salva pelos árabes. Tanto que foi necessário que se traduzisse Aristóteles de árabe para grego! Havia várias escolas no mundo árabe especialistas em Aristóteles, e buscavam a melhor forma de interpretar sua obra. Foram os chamados neo-aristotélicos. Tinham um domínio do conhecimento sem igual no Ocidente. Foi necessário, então, reintroduzir Aristóteles na vida do Ocidente traduzindo suas obras do árabe para as línguas ocidentais. Inclusive, cerca de quase mil anos depois, na Baixa Idade Média, com o nascimento das Universidades, um dos primeiros trabalhos de que as academias se preocuparam foi com o entendimento das obras do pensador.

O conhecimento aristotélico foi preservado até o século XI, quando foi absorvido por São Tomás de Aquino, quem criou a doutrina oficial da Igreja Católica.

Aristóteles criou obras esotéricas e exotéricas. Qual a diferença? Esotéricas eram obras produzidas ocasionalmente, resultantes de compilações de notas de seus alunos, reescritas depois pelo filósofo, que dava uma forma final. Não era permitido que se vazasse para o público externo. Quebrou-se o pacto e um desses livros vazados foi A Política.

As obras exotéricas eram obras criadas segundo um plano, um projeto, e não objetivavam um consumo em sala de aula, mas sim alimentar a complexa reflexão do espírito da humanidade.

Uma obra resultante foi uma análise comparada das constituições de várias cidades. Foi considerada o embrião do estudo do Direito Comparado.

E as obras físicas? Alexandre mandou uma carta ao mestre Aristóteles, que foi resgatada por Plutarco, o historiador das vidas paralelas, que está estampada na biografia de Alexandre. Julgava-se que Aristóteles não deveria ter publicado a Metafísica, que era um saber complexo e estratégico, mais do que especial, que não poderia ser do conhecimento do público, e que tinha que ficar restrita ao circulo dos eleitos.

Aristóteles ambicionava uma visão totalizante das coisas, mesmo que para elas tenha buscado uma construção unitária. Criou o que se chamou de escada ou escala da Natureza, quando busca o próprio, o essencial de cada coisa, e de onde fará derivar, de maneira ordenada à sua Filosofia: pedra, planta, bicho, homem, Deus. Perguntou-se a natureza de cada um desses entes. Qual a natureza da pedra? Ser inanimada; e qual a diferença específica entre a pedra e a planta? Esta última é um ser vivo. Ao se perguntar a diferença entre bicho e planta, responderá que é a mobilidade. E a diferença entre bicho e homem? A racionalidade. E, por fim, qual a entre homem e Deus? Deus está na eternidade e no infinito. O homem vive no tempo e no espaço. Aristóteles diz que Deus é a causa primeira. “Deus é o motor imóvel.” A causa primeira está em Deus, enquanto a causa segunda está nos outros quatro entes. Marco Tulio Cicero depois chamou Deus de causa das causas.

Aristóteles tira daqui a visão totalizante das coisas. Perguntar-se-á: quem é o elemento “homem”? Definiu o homem pela negativa (Aristóteles definia quase todas as outras coisas pela afirmativa). Definiu o homem, basicamente, como “nem bicho, nem Deus”: pretende seguramente ser Deus agindo permanentemente como bicho.

Daqui Aristóteles tira que o homem é o animal ético, desafiado a conviver segundo valores. Que outro animal ético existe na natureza? Só o homem o é, pelo fato da consciência, de um agir segundo não apenas os instintos, mas segundo a vontade. Esse animal ético, ser de convivência, vive e convive onde? Para responder, Aristóteles parte do simples para o complexo. Vive originariamente na família, passa para a vila e chega, no final, à cidade. Sempre segundo a hierarquia e a autoridade. Aristóteles considera a família como ente natural, e dentro dela há havia autoridade e hierarquia. Era o pater a personificação da hierarquia e da autoridade dentro da família. Pensava piramidalmente: pai, mãe, filhos, clientes e escravos, nessa ordem.

Aristóteles diz então que as autoridades domésticas e isoladas eram frágeis frente aos perigos do mundo. Não tinham condições de se defender das ameaças vindas do mundo, como animais perigosos e hordas. Uma fortificação maior era necessária. As comunidades domésticas precisavam se aproximar mais, formando vilas, onde estavam mais seguras. Não se tinham mais unidades domésticas isoladas. O princípio da solidariedade servia aqui. A vila exige uma nova forma de hierarquia e de autoridade. Pode, na vila, o pai ser hierarquia e autoridade? Não, apenas da porta de casa para dentro. Urgia-se por uma autoridade e hierarquia que tratasse dos interesses grupais da vila, o abastecimento, a arbitragem do Direito, e tudo que dizia respeito à vida coletiva, para fora da autoridade doméstica. Surge, então, o chefe, personificando essa nova hierarquia e autoridade. Era o pai de família mais forte dentre os ali congregados. Ele responde pela vida coletiva.

Só que, com a crescente complexidade do mundo, as vilas isoladas, como foram as unidades domésticas no passado, tornaram-se frágeis também. A congregação de vilas criou uma segunda condensação, que resultou na formação das cidades. E as cidades, novamente, colocam os mesmos problemas que haviam sido colocados em relação à vila antes. O simples se tornou complexo, e o que já era complexo se tornou mais do que complexo. A hierarquia e a autoridade na cidade passaram a pertencer institucionalmente ao Estado. E agora tínhamos pessoa jurídica, não mais física, personificando a autoridade e hierarquia.

O Estado criava seu Direito para a disciplina da vida social.

E nova questão surge: quem tem legitimidade para governar a cidade? Quem tem o direito de governar? Direito, para Aristóteles, é ética e conduta, com componente valorativo essencial em Aristóteles. A Lei não é lei porque o Estado puramente a declarou; ela deve ter, de acordo com Aristóteles, uma carga de vetores valorativos.

Aristóteles diz que Direito é Ética aplicada. A Ética compromete o Direito com valores. Essa questão é de tal maneira aguda e significativa que São Tomás de Aquino, no mundo medieval, disse que se deve obedecer a lei não porque seja lei, mas porque é justa. Interrogação: e se não for justa? Aquino diz: que se repudie a lei. A sociedade civil tem o direito de resistência ao príncipe que impõe a legalidade injusta. O que é isso? Direito Natural! Não precisa ser positivado em uma Constituição.

E a relação de Aristóteles com o poder? O saber justifica e legitima o poder se seu exercício. O mundo, já lhe disseram, que era composto pelas pessoas do fazer e pelas pessoas do saber. Aristóteles estava do lado dos senhores, dos que dispunham de tempo livre. O poder exige percepção para a tomada de decisões. E não se chega ao percepcionismo sem o refinamento, pela educação e cultura. Aristóteles disse, então, que as aristocracias do espírito devem iluminar o Estado, que deve ser governado por elites responsáveis. Só quem pode refinar o télos é o senhor, que tem tempo livre, e não os que fazem.

Só que a esse poder que se justifica pelo saber Aristóteles nos dá uma visão pesarosa: para legitimar as aristocracias, o poder é conseguido por meio de sacrifícios. Os nobres sábios deveriam fazer um sacrifício para mandar no mundo, quando poderiam estar cuidando de si mesmos. É um jogo ideológico de Aristóteles. Assim, por dizer que as aristocracias estão governando ao invés de cuidar de si mesmas, elas deveriam ser respeitadas como autoridade na condição de mando.

 

Formas de mandar segundo Aristóteles

Formas puras e impuras de governo. Impuras são as formas que eram outrora puras e se corromperam. As puras são éticas, enquanto as impuras são aéticas. Aristóteles diz que política é a arte de bem governar. Era uma visão totalmente ética da política. O que não era o bom governo não era político para Aristóteles. É corrupção da política, politicagem, politiquice. Essa visão foi contraditada no século XV por Nicolau Maquiavel, que disse que política era simplesmente “a arte de governar”, removendo-se o “bem”. Por isso que a proposição é maquiavélica!

O governo, de acordo com o Aristóteles, que faz seu trabalho de forma ética pode ser de três formas: monarquia, aristocracia e democracia. Corrompendo essas formas, temos as três formas impuras correspondentes: tirania, oligarquia e demagogia, respectivamente. Pensem em princípio do um, do “alguns” e do todos.

Princípio valorativo da monarquia: honra. Um tem a honra de conduzir, solitariamente, o timão da nau da sociedade, pois ele é o dirigente, ele é o príncipe, o principal, que tem um dever ético. É conduzir a cidade.

Tudo em Aristóteles leva à busca pela eudaimonia, que nada mais é que a felicidade. Corrompida a monarquia, tem-se a tirania: recorrência ao terror, para difundir o medo, e então conduzir a sociedade em nome de seus personalíssimos interesses. Vale a felicidade do tirano.

E a aristocracia? O princípio aqui é a qualidade. Aristocrata na verdade é “governo dos bons”. Só depois que a palavra tomou a conotação de consanguinidade, e depois de nobreza privilegiada. Corrompe-se quando o círculo dos qualificados assumem a qualidade de máfia, a subversão total do Estado, que deveria ter espírito público. Seria o interesse de uma família tomando a preferência.

Quando um oligarca leva sua família para ser titular do Estado, o titular do Estado passa a ser sua família. Deixou de ser coisa pública. Interessa à oligarquia o dinheiro público.

E o princípio da democracia, qual é? Participação. Abre-se o leque para a participação da sociedade civil organizada nas decisões públicas. Esse leque nunca foi amplo nas cidades-Estados gregas, por isso a democracia era criticada na Grécia. No auge da democracia grega, nem 25% dos adultos participavam das decisões.

Corrompe-se a democracia transformando-se em demagogia, que é a arte de conduzir o povo, com promessas falsas e vãs. Desrespeita e desconstrói as instituições. O contraprincípio é a manipulação.

 1 – Em pesquisa perfunctória, não encontrei no Google menções ao autor ou à obra “Aristóteles: Pensamento Jurídico”.