Vamos falar de Aristóteles (384 –
322 a.C.) hoje. Se não pudermos levar adiante tudo que temos para falar sobre
ele, vamos começar, ao menos, a discussão.
É o terceiro grande personagem da
Filosofia ateniense. Viveu também na Macedônia, que havia sido província da
Grécia, e em outros momentos teve uma autonomia difícil de preservar. Mais no
futuro integrou a Iugoslávia.
A Macedônia nunca teve autonomia
cultural. Filipe da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande, vinha tinha uma
herança cultural grega. Inclusive instituiu a língua grega como língua oficial
da Macedônia, acabando com a chance de formar uma língua própria e autônoma. O
próprio Filipe, ao escolher um preceptor, escolheu um macedônico, mas também de
alma grega.
Aristóteles formou Alexandre com essa
alma grega, o que fez o conquistador espalhar a cultura grega pelo mundo.
Aristóteles era filho de um
físico e médico mor, Nicômaco. Os ascendentes de Aristóteles estavam vinculados
à ciência natural e, em especial, a médica. O próprio filósofo se tornou mais
um médico e físico que, ao ser despertado, respondeu aos estímulos. Muito jovem
já foi nomeado cientista natural, onde se ganhou notoriedade como fundador da
Biologia. Aristóteles deixou uma numerosa obra de naturalística, que veio até
nós por meio de fragmentos. Há mais de mil páginas, cobrindo espécies da flora
e fauna, devidamente classificadas e com uma teoria sobre a origem da vida.
Nisso ele já nadava de braçadas no mundo do saber. Continuou vinculado em toda
sua existência ao saber. O Aristóteles sociólogo, politicólogo, eticólogo,
filósofo, psicólogo nunca se desprendeu do naturalista.
Aonde Alexandre chegava, coletava
espécimes e enviava a Aristóteles, para estudo.
Em certa campanha, Alexandre
convidou Aristóteles para uma expedição, que sensatamente disse não. O Mestre,
entretanto, cumprindo a regra intemporal do nepotismo, indicou, ao negar, seu
sobrinho para acompanhar o conquistador e ser cronista, já que era historiador.
Seria uma oportunidade de ouro. Ele prometeu ao tio que cumpriria a regra boa.
No meio do caminho, o sobrinho se
tornou um problema, plantou intrigas, e Alexandre teve uma difícil decisão para
tomar. Torturou o sujeito, que teve que acompanha-lo ferido, mas continuou
viagem. Mais tarde, Alexandre teve que matá-lo. A notícia chegou a Aristóteles,
que publicamente rompeu com Alexandre. O filósofo em seguida começou a temer
por sua vida. E isso mesmo lhe custou preço alto ao final de sua vida. Esse
Aristóteles, preparado para ser cientista natural, terá se acertado no saber
politico ao encontrar Alexandre.
As obras jurídicas mais
importantes de Aristóteles para nós são a Retórica, a Ética a Nicômaco, a Ética
a Eudemo, a Política e a Constituição dos Atenienses.
Em Portugal, há cerca de dez a quinze
anos, um filósofo do Direito chamado Paulo Pereira da Cunha recortou e colou os
textos jurídicos de Aristóteles, e compôs uma coletânea chamada Aristóteles:
Pensamento Jurídico. 1
Quem discute justiça atualmente,
e o faz em profundidade, começa sempre com Aristóteles ou passa por ele. Dificilmente
alguém não citará Aristóteles quando falar de justiça.
A obra que Aristóteles cria é
extraordinariamente numerosa, que chegou de maneira fragmentada até nós, já que
os romanos espezinharam a cultura grega, e grande parte do conhecimento foi
salva pelos árabes. Tanto que foi necessário que se traduzisse Aristóteles de
árabe para grego! Havia várias escolas no mundo árabe especialistas em
Aristóteles, e buscavam a melhor forma de interpretar sua obra. Foram os
chamados neo-aristotélicos. Tinham um domínio do conhecimento sem igual no
Ocidente. Foi necessário, então, reintroduzir Aristóteles na vida do Ocidente
traduzindo suas obras do árabe para as línguas ocidentais. Inclusive, cerca de
quase mil anos depois, na Baixa Idade Média, com o nascimento das Universidades,
um dos primeiros trabalhos de que as academias se preocuparam foi com o
entendimento das obras do pensador.
O conhecimento aristotélico foi
preservado até o século XI, quando foi absorvido por São Tomás de Aquino, quem
criou a doutrina oficial da Igreja Católica.
Aristóteles criou obras esotéricas e exotéricas. Qual a diferença? Esotéricas eram obras produzidas
ocasionalmente, resultantes de compilações de notas de seus alunos, reescritas
depois pelo filósofo, que dava uma forma final. Não era permitido que se
vazasse para o público externo. Quebrou-se o pacto e um desses livros vazados
foi A Política.
As obras exotéricas eram obras
criadas segundo um plano, um projeto, e não objetivavam um consumo em sala de
aula, mas sim alimentar a complexa reflexão do espírito da humanidade.
Uma obra resultante foi uma
análise comparada das constituições de várias cidades. Foi considerada o
embrião do estudo do Direito Comparado.
E as obras físicas? Alexandre
mandou uma carta ao mestre Aristóteles, que foi resgatada por Plutarco, o
historiador das vidas paralelas, que está estampada na biografia de Alexandre.
Julgava-se que Aristóteles não deveria ter publicado a Metafísica, que era um
saber complexo e estratégico, mais do que especial, que não poderia ser do
conhecimento do público, e que tinha que ficar restrita ao circulo dos eleitos.
Aristóteles ambicionava uma visão
totalizante das coisas, mesmo que
para elas tenha buscado uma construção unitária.
Criou o que se chamou de escada ou escala da Natureza, quando busca o
próprio, o essencial de cada coisa, e de onde fará derivar, de maneira ordenada
à sua Filosofia: pedra, planta, bicho, homem, Deus. Perguntou-se a natureza de
cada um desses entes. Qual a natureza da pedra? Ser inanimada; e qual a
diferença específica entre a pedra e a planta? Esta última é um ser vivo. Ao se
perguntar a diferença entre bicho e planta, responderá que é a mobilidade. E a
diferença entre bicho e homem? A racionalidade. E, por fim, qual a entre homem
e Deus? Deus está na eternidade e no infinito. O homem vive no tempo e no
espaço. Aristóteles diz que Deus é a causa
primeira. “Deus é o motor imóvel.” A causa primeira está em Deus, enquanto
a causa segunda está nos outros quatro entes. Marco Tulio Cicero depois chamou
Deus de causa das causas.
Aristóteles tira daqui a visão
totalizante das coisas. Perguntar-se-á: quem é o elemento “homem”? Definiu o
homem pela negativa (Aristóteles definia quase todas as outras coisas pela
afirmativa). Definiu o homem, basicamente, como “nem bicho, nem Deus”: pretende
seguramente ser Deus agindo permanentemente como bicho.
Daqui Aristóteles tira que o
homem é o animal ético, desafiado a conviver segundo valores. Que outro animal
ético existe na natureza? Só o homem o é, pelo fato da consciência, de um agir
segundo não apenas os instintos, mas segundo a vontade. Esse animal ético, ser
de convivência, vive e convive onde? Para responder, Aristóteles parte do
simples para o complexo. Vive originariamente na família, passa para a vila e
chega, no final, à cidade. Sempre segundo a hierarquia e a autoridade.
Aristóteles considera a família como ente natural, e dentro dela há havia
autoridade e hierarquia. Era o pater
a personificação da hierarquia e da autoridade dentro da família. Pensava
piramidalmente: pai, mãe, filhos, clientes e escravos, nessa ordem.
Aristóteles diz então que as
autoridades domésticas e isoladas eram frágeis frente aos perigos do mundo. Não
tinham condições de se defender das ameaças vindas do mundo, como animais
perigosos e hordas. Uma fortificação maior era necessária. As comunidades
domésticas precisavam se aproximar mais, formando vilas, onde estavam mais seguras. Não se tinham mais unidades
domésticas isoladas. O princípio da solidariedade servia aqui. A vila exige uma
nova forma de hierarquia e de autoridade. Pode, na vila, o pai ser hierarquia e
autoridade? Não, apenas da porta de casa para dentro. Urgia-se por uma
autoridade e hierarquia que tratasse dos interesses grupais da vila, o
abastecimento, a arbitragem do Direito, e tudo que dizia respeito à vida
coletiva, para fora da autoridade doméstica. Surge, então, o chefe, personificando essa nova
hierarquia e autoridade. Era o pai de família mais forte dentre os ali
congregados. Ele responde pela vida coletiva.
Só que, com a crescente complexidade
do mundo, as vilas isoladas, como foram as unidades domésticas no passado,
tornaram-se frágeis também. A congregação de vilas criou uma segunda
condensação, que resultou na formação das cidades.
E as cidades, novamente, colocam os mesmos problemas que haviam sido colocados
em relação à vila antes. O simples se tornou complexo, e o que já era complexo
se tornou mais do que complexo. A hierarquia e a autoridade na cidade passaram
a pertencer institucionalmente ao Estado. E agora tínhamos pessoa jurídica, não
mais física, personificando a autoridade e hierarquia.
O Estado criava seu Direito para
a disciplina da vida social.
E nova questão surge: quem tem
legitimidade para governar a cidade? Quem tem o direito de governar? Direito,
para Aristóteles, é ética e conduta, com componente valorativo essencial em
Aristóteles. A Lei não é lei porque o Estado puramente a declarou; ela deve
ter, de acordo com Aristóteles, uma carga de vetores valorativos.
Aristóteles diz que Direito é Ética aplicada. A Ética
compromete o Direito com valores. Essa questão é de tal maneira aguda e
significativa que São Tomás de Aquino, no mundo medieval, disse que se deve
obedecer a lei não porque seja lei, mas porque é justa. Interrogação: e se não
for justa? Aquino diz: que se repudie a lei. A sociedade civil tem o direito de
resistência ao príncipe que impõe a legalidade injusta. O que é isso? Direito
Natural! Não precisa ser positivado em uma Constituição.
E a relação de Aristóteles com o
poder? O saber justifica e legitima o
poder se seu exercício. O mundo, já lhe disseram, que era composto pelas
pessoas do fazer e pelas pessoas do saber. Aristóteles estava do lado dos
senhores, dos que dispunham de tempo livre. O poder exige percepção para a
tomada de decisões. E não se chega ao percepcionismo sem o refinamento, pela
educação e cultura. Aristóteles disse, então, que as aristocracias do espírito
devem iluminar o Estado, que deve ser governado por elites responsáveis. Só
quem pode refinar o télos é o senhor,
que tem tempo livre, e não os que fazem.
Só que a esse poder que se
justifica pelo saber Aristóteles nos dá uma visão pesarosa: para legitimar as
aristocracias, o poder é conseguido por meio de sacrifícios. Os nobres sábios
deveriam fazer um sacrifício para mandar no mundo, quando poderiam estar
cuidando de si mesmos. É um jogo ideológico de Aristóteles. Assim, por dizer
que as aristocracias estão governando ao invés de cuidar de si mesmas, elas
deveriam ser respeitadas como autoridade na condição de mando.
Formas de mandar segundo Aristóteles
Formas puras e impuras de
governo. Impuras são as formas que eram outrora puras e se corromperam. As
puras são éticas, enquanto as impuras são aéticas. Aristóteles diz que política
é a arte de bem governar. Era uma
visão totalmente ética da política. O que não era o bom governo não era
político para Aristóteles. É corrupção da política, politicagem, politiquice. Essa
visão foi contraditada no século XV por Nicolau Maquiavel, que disse que
política era simplesmente “a arte de governar”, removendo-se o “bem”. Por isso
que a proposição é maquiavélica!
O governo, de acordo com o
Aristóteles, que faz seu trabalho de forma ética pode ser de três formas:
monarquia, aristocracia e democracia. Corrompendo essas formas, temos as três
formas impuras correspondentes: tirania, oligarquia e demagogia, respectivamente.
Pensem em princípio do um, do “alguns” e do todos.
Princípio valorativo da
monarquia: honra. Um tem a honra de
conduzir, solitariamente, o timão da nau da sociedade, pois ele é o dirigente,
ele é o príncipe, o principal, que tem um dever ético. É conduzir a cidade.
Tudo em Aristóteles leva à busca
pela eudaimonia, que nada mais é que a felicidade. Corrompida a monarquia,
tem-se a tirania: recorrência ao terror, para difundir o medo, e então conduzir
a sociedade em nome de seus personalíssimos interesses. Vale a felicidade do
tirano.
E a aristocracia? O princípio
aqui é a qualidade. Aristocrata na
verdade é “governo dos bons”. Só depois que a palavra tomou a conotação de
consanguinidade, e depois de nobreza privilegiada. Corrompe-se quando o círculo
dos qualificados assumem a qualidade de máfia, a subversão total do Estado, que
deveria ter espírito público. Seria o interesse de uma família tomando a
preferência.
Quando um oligarca leva sua
família para ser titular do Estado, o titular do Estado passa a ser sua
família. Deixou de ser coisa pública. Interessa à oligarquia o dinheiro
público.
E o princípio da democracia, qual
é? Participação. Abre-se o leque para
a participação da sociedade civil organizada nas decisões públicas. Esse leque
nunca foi amplo nas cidades-Estados gregas, por isso a democracia era criticada
na Grécia. No auge da democracia grega, nem 25% dos adultos participavam das
decisões.
Corrompe-se
a democracia transformando-se em demagogia, que é a arte de conduzir o povo,
com promessas falsas e vãs. Desrespeita e desconstrói as instituições. O contraprincípio
é a manipulação.