Filosofia do Direito

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Conclusão do Direito e da Política no renascimento


Vamos continuar a transição para o renascimento.

O feudalismo, momento histórico que durou mais de um milênio, que foi sucedido pelo renascimento, foi fundado sobre a ideia de autarquia, auto - próprio, arkhia – poder. Feudo = gado ou rebanho. Quando os bárbaros se deslocaram para o centro do mundo, eles levaram seus costumes pastoris e agrícolas, as relações de vassalagem e fundam o poder central sobre a terra, em que as baronias eram exercidas segundo os mesmos princípios: autonomia do barão da terra para estabelecer o estatuto completo da vida, com autoridade política, jurídica, tudo, menos valorativa, que cabia à Igreja. Ela estabeleceu como princípio a ideia de que, onde existe uma aldeia, existe o Direito. Pega as entranhas deste mundo feudal desde sua base. A Igreja não é somente a Igreja das catedrais, mas de todas as aldeias.

Este princípio era a própria dispersão da autoridade. Poder local, multiplicidade de barões da terra, tantos quantos forem barões que reinarão absolutamente em seus domínios. Essa é a regra fundamental. Sucede que, com a Igreja, logo se realizou uma condição do advento do Estado-nação, que é o esboço que a Igreja vai empreender, condensar, concentrar, unificar a autoridade. No mundo da dispersão da autoridade, ela realizou a convergência da autoridade em torno de um rei. Em que espaço, em que territorialidade? No reino cristão. O rei reinava sobre uma territorialidade nova, que não é a territorialidade fragmentária dos barões da terra. É um território inteiriço. Havia a autoridade central do reino cristão. É um esforço contrário de unificação e condensação da autoridade. Quem reina é o rei, singularmente, e todos estão sob seu poder, sob seu domínio. A autoriktas era dele. É um movimento dialeticamente contrário à tradicionalíssima dispersão territorial feudal. A partir daí unificou-se a autoridade.

Este é o extraordinário significado jurídico e político dos reinos cristãos. Eles foram se unificando e concentrando o poder e a autoridade, trocando a multiplicidade dispersa de poder dos barões da terra, pela unidade concentrada do poder no rei. Isso é a precursão do Estado-nação, que é a etapa posterior de solidificação do reino cristão. Esse Estado-nação, que surgiria em poucos séculos a partir dessa crise do feudalismo, seria o maior grau dessa concentração do poder, porque vigeria o princípio institucional e não o pessoal. No reino cristão, a autoridade ainda era pessoal. O princípio jurídico fundamental do reino cristão é que onde está o rei, está a lei. No Estado-nação o poder é de pessoa jurídica, de instituição. Isso significa que não existe “L’État c’est moi” (o Estado sou eu), já que o Estado não se personaliza.

Existe um brocardo do Direito consuetudinário que diz que não há terra sem senhor. Ele pode obter o poder pela terra, e fundar feudalidades. A Igreja então estabeleceu um corolário desse princípio: não há aldeia sem igreja. Estima-se que ela tenha tido a capacidade de estabelecer nas aldeias europeias quase 100 mil igrejas em 100 mil aldeias. Esse era o sentido dos reinos cristãos.

O reino cristão pressupõe uma aliança. Preponderância do papa e rei, submetendo o barão da terra. O barão da terra tinha o poder, mas não era o principal, que era do papa, nem o secundário, que era do rei. A dinâmica social da história é que o rei, séculos depois, elegeria outro parceiro, prescindindo do papa, tomando seu lugar. Esse parceiro viria depois a ser o burguês. Rei e mercador irão investir contra o Papa e contra o barão da terra para fundar outro modelo de vida social e econômica. O rei trairá politicamente o papa. Desse consórcio de rei e mercador nascerá o chamado Estado absoluto, a primeira forma de Estado moderno, com predomínio do rei no interesse econômico do mercador. Importa a vantagem material. O mercador tem uma vantagem material porque até então ele era taxado e sobretaxado pelo barão da terra para realizar seu comércio. Agora ele paga um só tributo ao rei.

A crise do papado se traduziu na criação do Estado Absoluto. O princípio passou a ser “só a coroa pode tributar.” O poder da Igreja foi subtraído. As fontes vitais do papado foram declaradas absolutamente ilegais. No Estado Absoluto, o tributo exclusivo é passou a ser legalidade. O Estado laico começou a ganhar forma em detrimento do Estado sacro. O Estado canônico-românico-germânico muda para Estado civil romano-germânico. Estado esse cuja principal atividade econômica passará a ser o comércio, por causa do surgimento dos mercados e do artesanato.

Com a difusão da economia urbano-industrial, os feudos desovaram gente para as cidades, e o que ressurgiu foi o Direito Romano pós-clássico, que gerou o Direito Liberal Moderno. E até hoje, especialmente com o sistema codificado. Nessa época, uma comissão de juristas e estabeleceu o conceito de propriedade como centro do sistema. Foi uma diretriz jurídica transcrita do sistema romano.

A vantagem da realeza agora é concentrar todo o poder e não mais ser vassalo do papa. A vantagem da burguesia nessa submissão é que a tributação foi menor, então foi possível a relação estreita. O Estado absoluto não nasceu liberal, nem de Direito, nem constitucional. O Estado moderno não nasceu em conexão com a democracia, mas sim em conexão com a antidemocracia radical. Todo poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Essa foi uma lição aprendida pelos liberais absolutistas ingleses.

O grande exemplo de gratidão observado na história foi que, um dia, tínhamos a aliança estabelecida entre rei e burguesia, que, depois, apunhalará aquele. A burguesia ficará um dia sozinha no poder. Vai ocupar-se do entendimento de que não há falta maior do que a falta de poder. A burguesia tornou-se fortíssima do ponto de vista econômico, inclusive afirmou o capitalismo comercial, realizou o industrial, e caminhou para a formação do capitalismo financeiro. O que a burguesia fez foi agradecer pelos serviços da realeza e mandá-la para a guilhotina no final do século XVIII. O ovo da serpente foi fortificado em favor da burguesia.

Esse foi um longo curso de mudanças. Passou pela Revolução Inglesa de 1688, pela Independência Americana de 1776 e claro, a Francesa, de 1789.

O que temos agora são três questões: Estado, nação e soberania. São três questões cruciais. A afirmação do Estado-nação significa o que, literalmente? Estado-nação significa situação nascente e diferenciada, mas relativamente a quê? À superação do poder autônomo, autárquico e local do barão da terra. Agora é a autoridade institucional do Estado que prevalece. O poder pessoal do barão da terra está indo para o museu da história.

Depois da Revolução Francesa, toda a propriedade feudal foi expropriada em favor do Estado Nacional Francês. É aqui que nasce o capitalismo moderno! Sim, parece estranho, mas foi de uma expropriação inicial – dos ativos do senhor feudal – que o capitalismo nasceu.

A nação é a maior revolução psicossocial da história da humanidade. Até o advento da nação soberana ninguém morria pela pátria. Não existia pátria, nem identidade nacional; o que havia de mais forte era a identidade citadina. Por isso os antigos eram chamados por suas cidades: Tales de Mileto, Sócrates de Atenas, Aristóteles de Estagira e assim por diante. Os moradores da Hélade jamais se sentiram “gregos”. Por isso Esparta fez aliança com persas para destruir Atenas. Não existia “A Grécia”, mas cidades gregas. No mundo feudal, perguntava-se entre si: qual seu feudo? Não existia nação no feudalismo.

Quem criou o espírito nacional? O Estado Absoluto. E a criação é que levaria à circunstância que universalizaria o sentimento de identidade a partir do processo de universalização das sociedades urbano-industriais. Daí veio a identidade nacional.

Agora, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, sentimo-nos brasileiros. Oxente ou tchê, Riachão do Jacuípe ou Passo Fundo, não importa. Foi o maior ganho político da história do mundo. Quem começou com isso foi Portugal, que descobriu o mundo novo e se unificou cedo.

Esse fenômeno da identidade é a grande revolução do Estado moderno, o que fará com que nós, brasileiros, nos sintamos diferentes dos argentinos, mesmo eles estando bem próximos de nós. Assim como eles se sentem diferentes dos uruguaios.

Um segundo fenômeno político-jurídico é a comunidade de nações. Pode haver a dissolução das identidades locais em prol de uma identidade maior. Nessa hora nos lembramos da soberania, claro. O que é? Atenção: Jean Bodin (1530 – 1596). Atenção para o nome desse jurista e filósofo francês, em seu livro muito clássico que, só depois de 500 anos, foi publicado no Brasil: De la République. Ele quem funda e traz para o Direito a temática da soberania, que é o valor mais em crise quanto ao Estado moderno soberano. Esse Estado é o que era definido como autoridade incontrastável e incontestável sobre certa população em determinado território, e só ele tem legitimidade para exercício do poder. A ideia da soberania, ao contrário do que os manuais ensinam, é a possibilidade do príncipe de dizer o Direito neste território. A dicção do Direito é do príncipe do Estado. Ele é quem tem a legitimidade para dizer o Direito. A jurisdição é exclusiva, quanto à competência, do príncipe. Esse é o sentido original de soberania.

Há a dimensão econômica da soberania, a financeira, a política, a filosófica e a jurídica.

Resumo da opera: o Estado Absolutista foi a primeira forma de Estado moderno, que é um produto acabado do Renascimento. A maior contribuição político-jurídica foi o nascimento do primeiro Estado moderno. Não existiria o Estado Absoluto sem o precedente dos reinos cristãos. Os reinos cristãos prepararam os estados nacionais. Por isso que o Papa Alexandre VI, espanhol radicado na Itália, da família Bórgia, chegou a criar ele mesmo o Estado absoluto eclesiástico.

Naquele tempo, a riqueza das nações consistia em espaço no mundo. Pouco a pouco começou a corrida pela conquista de terras além-mar e surgiram as colônias.

Hoje não é mais a dominação do espaço a coisa mais importante. O que mais importa é a detenção do conhecimento, próprio e de outrem. Conhecendo a si e ao “inimigo”, o detentor desse conhecimento é capaz de parar o tempo dos adversários e acelerar seu próprio. Agora não importa mais controlar determinados espaços.