Filosofia do Direito

quinta-feira, 17 de março de 2011

Aristóteles - conclusão

Faremos avaliação em grupos de 2 a 8 componentes. O professor colocará exercício hoje. Criem grupos por “afinidade afetiva”.

Vamos continuar Aristóteles.

A questão da justiça é absolutamente intemporal. Costuma-se dizer que existe o inconsciente coletivo da humanidade. Essa ideia foi posta no século XX por Carl Jung, discípulo rebelado de Freud. Nesse inconsciente coletivo da humanidade há o valor da justiça. É de tal importância porque não se chega só pelo exercício da razão, mas também pelos sentidos e pela intuição. O sentimento de justiça é um corte horizontal na experiência da humanidade. Há até um frevo pernambucano de um bloco chamado Madeira do Rosarinho que tem por tema a justiça de Freud!

Não se precisa frequentar a faculdade durante cinco anos para que se tenha acesso emocional e sentimental ao que é justo e ao que é injusto. Nem para ter acesso intuitivo. Os que irão trilhar o caminho da Jurisprudência irão elaborar mais, claro. E aí terão contato com o que é justo e o que é injusto.

Houve uma tentativa de diluir a questão de centralismo da justiça, impondo o ultrarrelativismo, segundo o qual seria impossível equacionar o razoável. Como se a justiça prescindisse de regras da razão, do pensar, do argumentar. Para Stalin, era justo matar 20 milhões de camponeses. Para Hitler, era justo matar os judeus.

Professor diz: a primeira relação que devemos ter do vínculo de Aristóteles com a justiça é tem a ver principalmente a essa questão. Aristóteles foi o primeiro a estabelecer regras para o pensamento do que é a justiça. Ao seu tempo, vigia esse agudo relativismo que fazia que se reivindicasse com justas as práticas mais dissonantes com a justiça. É como se Nero arguisse a justiça do fogo em Roma, ou a campanha destrutiva de Genghis Khan.

Aristóteles preocupou-se com o pensamento seguido da aplicação da justiça. Primeiro, pensar de maneira ordenada, depois, aplicar de maneira mais ordenada. E a terceira pergunta: o que é justiça para Aristóteles, como se chega a ela? O filósofo entendia que havia a justiça do pensar e a justiça do agir. Há também injustiça no pensar e no agir. Injusto é pensar e agir injustamente. Nisso o pensador criou três categorias para a ordenação, a operacionalização do debate. Para Aristóteles justiça é

O que quer dizer isso? É uma nova proposição existente no Direito. Da ideia de alteridade tiramos que alter = o outro, enquanto ego = eu. Aristóteles estabelece uma regra primordial: só se é justo ou injusto para com o outro, que é o destinatário maior da justiça. Eis a humanidade.

Segunda questão: para Aristóteles, nas interações sociais, os homens e mulheres estão contraindo débitos, materiais ou simbólicos, uns para com os outros. Viver por viver é permanentemente contrair de débitos mútuos. Um débito material é o empréstimo de um bem, que gera o dever de restituir. Um débito simbólico, moral ou espiritual é o reconhecimento do dever de gratidão. É o débito moral. Filhos têm o débito moral para com os pais que os amam e criam. Cortesia e gratidão.

O débito é parte das interações sociais, quer na esfera material, quer nas espirituais.

Pode-se pluralizar isso: eu e o outro, ou eu e os outros. A grande questão da justiça é a proporção com que os débitos têm que ser satisfeitos, adimplidos, liquidados. Aristóteles, à luz de Pitágoras, dirá que justiça é proporção, medida, equilíbrio novo que se estabelece entre as partes. Se empresto uma caneta para Bruno, ele contrai um débito material. Bruno, de boa-fé, tenta restituí-la, mas não aceito, e exijo uma fabrica de canetas em retorno. Isso é absolutamente desproporcional e descabido.

Essa medida, essa proporção, esse meio-termo já está na cultura humana. Aristóteles, de maneira fulgurante, levanta essa bandeira. Ele irá garimpar no argumento de Pitágoras de que justiça é proporção.

Só se pode pensar em justiça se se notar as categorias observadas.

A justiça é de natureza comutativa, para Aristóteles. Os atores são o indivíduo e outros indivíduos. Não há instituições aqui.

Aristóteles avança e diz: há outra justiça, a distribuitiva. Os atores são outros: de um lado, a comunidade; de outro, o Estado. Há o elemento plural que é a comunidade. Os homens vivem nela. O problema que se estabelece nessa alteridade é que o Estado é o regente da vida, o rei. Rege a orquestra da sociedade. Detém o poder do Estado. O rei é o regente da sociedade porque avoca o poder. Entretanto, o rei não se autofinancia; a comunidade é quem o suporta. Aristóteles logo nota que a comunidade não é um monolito, um bloco, mas heterogênea. Deve buscar, então, a simetria perante as disparidades sociais. Se há quem seja diferente, o justo é que se trate diferentemente. Há quem diga que o imposto sobre grandes fortunas tem inspiração aristotélica.

Terceira justiça em Aristóteles é a justiça geral. A alteridade é Estado – sociedade. É preciso que se entenda a significação da justiça para Aristóteles. Para ele, era a virtude perfeita, pois nela toda a virtude se encontra unida. Há coragem, amizade, bom senso prático, liberalidade, etc. Por isso Aristóteles busca um verso de Homero para dizer que a mais significativa das justiças está na justiça da sociedade. Governar de maneira justa é encurtar distâncias sociais. É a justiça que brilha mais que a estrela da manhã.

Aristóteles está, então, diante de um dever, dever do Estado. O Estado está em débito com a sociedade porque esta, organizada, lhe proveu meios para estabelecer as políticas públicas. O próprio é que os meios sejam retornados como benefícios, como promoções sociais. O impróprio é que se estabeleça um desaguadouro de dinheiro público em favor de um ou outro.

No século XX se disse: “a sociedade é um todo de todos.” – Jacques Marrietan (1882 – 1973). Era o líder de uma Filosofia espiritualista do século XX. Mas é assim mesmo na prática? Não é, mas deveria ser.

É o propósito maior da sociedade em geral. Transformá-la num todo de todos. Pode ser um propósito de nivelamento social radical, ou, por outro lado, reconhecer as diferenças, as assimetrias sociais. O que alguns propõem é que se sobretaxem os que mais têm para servir os que menos têm.

Aristóteles trabalha ainda com uma quarta justiça: a justiça corretiva. A justiça revisional. Segundo essa justiça, há de se compreender que as três primeiras, a comutativa, a distributiva e a geral são guiadas pela lei e, humanamente construídas, podem cometer injustiças. É preciso então que haja uma justiça correcional, não inspirada na lei, mas na equidade, feita para se corrigir os erros das outras. Usava uma metáfora: a justiça legal era a feita pela régua rígida. A norma geral e abstrata não considera as peculiaridades dos casos concretos.

A equidade é um mecanismo pelo qual o Direito Romano iria se pautar dali a alguns séculos. Joaquim Nabuco diz que o Brasil incompreendeu a diferença entre real e legal. As instituições jurídicas formais e abstratas às vezes se tornam hermeticamente fechadas a ponto de não compreender a dinâmica social. A equidade é a régua maleável, a régua de Lesbos (historicamente a régua que se adaptaria às formas dos sólidos que media). Na equidade, se magnifica o caso concreto. Busca-se humanamente fazer justiça.

Direito do mundo que guardou o espírito do Direito Romano foi o Common Law.

Outra questão em Aristóteles é que Platão admitiu que a mulher poderia ser tudo, inclusive guerreira. Golda Meir, premier de Israel, judia de origem russa, fez o chamamento das mulheres às Forças Armadas. Aristóteles fez o teste empírico de quase tudo, mas também era condicionado pelo social. Viveu com a prevalência do homem sobre a mulher.

 

Morte de Aristóteles

Morto Alexandre, os gregos se deixam tomar por uma onda de sentimento antimacedônico. Logo alguém diz ao público que foi Aristóteles quem preparou Alexandre para a conquista do mundo. Criou-se antipatia contra o filósofo, que teve o mesmo destino de Sócrates. Aristóteles fugiu, escreveu carta se despedindo de Atenas, dizendo uma coisa inesquecível: “para que os atenienses não tenham a oportunidade de pecar duas vezes contra a Filosofia.” Bastava Sócrates. Foi para a Macedônia, e morreu longe de tudo que conquistara. Deprimiu-se e... cometeu suicídio.

Morreu Aristóteles homem, resgatado séculos depois por São Tomás de Aquino, que o usou para criar a doutrina oficial da Igreja Católica, construída com a Filosofia grega.
 


Livros de autoria do professor:

  1. Crítica da Razão Legal – segunda edição
  2. Jusfilosofia de Deus