Faremos avaliação em grupos de 2 a 8 componentes. O professor colocará exercício hoje. Criem grupos por “afinidade afetiva”.
Vamos continuar Aristóteles.
A questão da justiça é
absolutamente intemporal. Costuma-se dizer que existe o inconsciente coletivo
da humanidade. Essa ideia foi posta no século XX por Carl Jung, discípulo
rebelado de Freud. Nesse inconsciente coletivo da humanidade há o valor da
justiça. É de tal importância porque não se chega só pelo exercício da razão,
mas também pelos sentidos e pela intuição. O sentimento de justiça é um corte
horizontal na experiência da humanidade. Há até um frevo pernambucano de um
bloco chamado Madeira do Rosarinho que tem por tema a justiça de Freud!
Não se precisa frequentar a
faculdade durante cinco anos para que se tenha acesso emocional e sentimental
ao que é justo e ao que é injusto. Nem para ter acesso intuitivo. Os que irão
trilhar o caminho da Jurisprudência irão elaborar mais, claro. E aí terão
contato com o que é justo e o que é injusto.
Houve uma tentativa de diluir a
questão de centralismo da justiça, impondo o ultrarrelativismo, segundo o qual
seria impossível equacionar o razoável. Como se a justiça prescindisse de
regras da razão, do pensar, do argumentar. Para Stalin, era justo matar 20
milhões de camponeses. Para Hitler, era justo matar os judeus.
Professor diz: a primeira relação
que devemos ter do vínculo de Aristóteles com a justiça é tem a ver principalmente
a essa questão. Aristóteles foi o primeiro a estabelecer regras para o
pensamento do que é a justiça. Ao seu tempo, vigia esse agudo relativismo que
fazia que se reivindicasse com justas as práticas mais dissonantes com a
justiça. É como se Nero arguisse a justiça do fogo em Roma, ou a campanha destrutiva
de Genghis Khan.
Aristóteles preocupou-se com o
pensamento seguido da aplicação da justiça. Primeiro, pensar de maneira ordenada, depois, aplicar de maneira mais ordenada. E a terceira pergunta: o que é
justiça para Aristóteles, como se chega a ela? O filósofo entendia que havia a
justiça do pensar e a justiça do agir. Há também injustiça no pensar e no agir.
Injusto é pensar e agir injustamente. Nisso o pensador criou três categorias para
a ordenação, a operacionalização do debate. Para Aristóteles justiça é
O que quer dizer isso? É uma nova
proposição existente no Direito. Da ideia de alteridade tiramos que alter = o outro, enquanto ego = eu.
Aristóteles estabelece uma regra primordial: só se é justo ou injusto para com o outro, que é o destinatário maior da
justiça. Eis a humanidade.
Segunda questão: para
Aristóteles, nas interações sociais, os homens e mulheres estão contraindo débitos, materiais ou simbólicos, uns
para com os outros. Viver por viver é permanentemente contrair de débitos
mútuos. Um débito material é o empréstimo de um bem, que gera o dever de
restituir. Um débito simbólico, moral ou espiritual é o reconhecimento do dever
de gratidão. É o débito moral. Filhos têm o débito moral para com os pais que
os amam e criam. Cortesia e gratidão.
O débito é parte das interações
sociais, quer na esfera material, quer nas espirituais.
Pode-se pluralizar isso: eu e o
outro, ou eu e os outros. A grande questão da justiça é a proporção com que os débitos têm que ser satisfeitos, adimplidos,
liquidados. Aristóteles, à luz de Pitágoras, dirá que justiça é proporção,
medida, equilíbrio novo que se estabelece entre as partes. Se empresto uma caneta
para Bruno, ele contrai um débito material. Bruno, de boa-fé, tenta
restituí-la, mas não aceito, e exijo uma fabrica de canetas em retorno. Isso é
absolutamente desproporcional e descabido.
Essa medida, essa proporção, esse
meio-termo já está na cultura humana. Aristóteles, de maneira fulgurante,
levanta essa bandeira. Ele irá garimpar no argumento de Pitágoras de que
justiça é proporção.
Só se pode pensar em justiça se
se notar as categorias observadas.
A justiça é de natureza comutativa, para Aristóteles. Os atores
são o indivíduo e outros indivíduos. Não há instituições aqui.
Aristóteles avança e diz: há
outra justiça, a distribuitiva. Os
atores são outros: de um lado, a comunidade; de outro, o Estado. Há o elemento
plural que é a comunidade. Os homens vivem nela. O problema que se estabelece
nessa alteridade é que o Estado é o regente da vida, o rei. Rege a orquestra da
sociedade. Detém o poder do Estado. O rei é o regente da sociedade porque avoca
o poder. Entretanto, o rei não se autofinancia; a comunidade é quem o suporta.
Aristóteles logo nota que a comunidade não é um monolito, um bloco, mas
heterogênea. Deve buscar, então, a simetria perante as disparidades sociais. Se
há quem seja diferente, o justo é que se trate diferentemente. Há quem diga que
o imposto sobre grandes fortunas tem inspiração aristotélica.
Terceira justiça em Aristóteles é
a justiça geral. A alteridade é Estado – sociedade. É preciso que se entenda a
significação da justiça para Aristóteles. Para ele, era a virtude perfeita,
pois nela toda a virtude se encontra unida. Há coragem, amizade, bom senso
prático, liberalidade, etc. Por isso Aristóteles busca um verso de Homero para
dizer que a mais significativa das justiças está na justiça da sociedade.
Governar de maneira justa é encurtar distâncias sociais. É a justiça que brilha
mais que a estrela da manhã.
Aristóteles está, então, diante
de um dever, dever do Estado. O Estado está em débito com a sociedade porque
esta, organizada, lhe proveu meios para estabelecer as políticas públicas. O
próprio é que os meios sejam retornados como benefícios, como promoções
sociais. O impróprio é que se estabeleça um desaguadouro de dinheiro público em
favor de um ou outro.
No século XX se disse: “a
sociedade é um todo de todos.” – Jacques Marrietan (1882 – 1973). Era o líder
de uma Filosofia espiritualista do século XX. Mas é assim mesmo na prática? Não
é, mas deveria ser.
É o propósito maior da sociedade
em geral. Transformá-la num todo de todos. Pode ser um propósito de nivelamento
social radical, ou, por outro lado, reconhecer as diferenças, as assimetrias
sociais. O que alguns propõem é que se sobretaxem os que mais têm para servir
os que menos têm.
Aristóteles trabalha ainda com
uma quarta justiça: a justiça corretiva.
A justiça revisional. Segundo essa justiça, há de se compreender que as três
primeiras, a comutativa, a distributiva e a geral são guiadas pela lei e,
humanamente construídas, podem cometer injustiças. É preciso então que haja uma
justiça correcional, não inspirada na lei, mas na equidade, feita para se corrigir os erros das outras. Usava uma
metáfora: a justiça legal era a feita pela régua rígida. A norma geral e
abstrata não considera as peculiaridades dos casos concretos.
A equidade é um mecanismo pelo
qual o Direito Romano iria se pautar dali a alguns séculos. Joaquim Nabuco diz
que o Brasil incompreendeu a diferença entre real e legal. As instituições
jurídicas formais e abstratas às vezes se tornam hermeticamente fechadas a
ponto de não compreender a dinâmica social. A equidade é a régua maleável, a
régua de Lesbos (historicamente a régua que se adaptaria às formas dos sólidos
que media). Na equidade, se magnifica o caso concreto. Busca-se humanamente
fazer justiça.
Direito do mundo que guardou o
espírito do Direito Romano foi o Common Law.
Outra questão em Aristóteles é
que Platão admitiu que a mulher poderia ser tudo, inclusive guerreira. Golda
Meir, premier de Israel, judia de origem russa, fez o chamamento das mulheres
às Forças Armadas. Aristóteles fez o teste empírico de quase tudo, mas também
era condicionado pelo social. Viveu com a prevalência do homem sobre a mulher.
Morte de Aristóteles
Morto Alexandre, os gregos se
deixam tomar por uma onda de sentimento antimacedônico. Logo alguém diz ao
público que foi Aristóteles quem preparou Alexandre para a conquista do mundo.
Criou-se antipatia contra o filósofo, que teve o mesmo destino de Sócrates.
Aristóteles fugiu, escreveu carta se despedindo de Atenas, dizendo uma coisa
inesquecível: “para que os atenienses não tenham a oportunidade de pecar duas
vezes contra a Filosofia.” Bastava Sócrates. Foi para a Macedônia, e morreu
longe de tudo que conquistara. Deprimiu-se e... cometeu suicídio.
Morreu Aristóteles homem,
resgatado séculos depois por São Tomás de Aquino, que o usou para criar a
doutrina oficial da Igreja Católica, construída com a Filosofia grega.