Marco
Túlio Cícero foi um dos
primeiros pensadores de tradição latina. Encerramos nossa relação com o
mundo
grego, e entramos agora no que é chamado de jusromano. Cícero é um
pensador do
mundo romano, e pensador singular, porque tinha vínculo mais que
intelectual
com o Direito. Foi advogado de grande notoriedade no Direito Romano e
jurista
consagrado. Distingue-se da Grécia pois uma coisa é se debruçar
intelectualmente sobre
o Direito, e outra é,
além de pensar o Direito intelectualmente, tomá-lo quanto à vivência
enquanto
advogado e jurista.
Aqui
estamos mais para Jean-Paul
Sartre do que para René Descartes. Pensando, podemos desvendar as
circunstâncias da existência e iluminando-as conceitualmente. É a
solução
cartesiana: “penso, logo existo.” Com o existencialismo de Jean-Paul
Sartre,
podemos dizer “existo, então penso de maneira diferenciada” Mas o
existencialismo
de Jean-Paul Sartre é inexoravelmente relevante porque nos traz uma
relação
existencial com o Direito, com uma visão distinta da que tem o filósofo
iluminista.¹
Marco
Túlio Cícero é, portanto
esse personagem do mundo romano, mundo este que estava para viver uma
trajetória singular. Os romanos viviam em uma terra de várzea, à beira
do rio
Tibre, que se prenderam a um mito de origem. Seriam descendentes de uma
raça de
deuses e dividiam-se do resto do mundo. Viviam na Península Itálica
isolados de
demais tribos. Isso provocou antipatia dos vizinhos. Por isso que, em
certo
tempo, um general que vivia fora da Península Itálica com forte
articulação política
envolveu-se na campanha de atacar Roma.Pirro
do Épiro.
Roma
era uma sociedade campesina,
com poucos centros urbanos. O teísmo romano levou a que a cidade
tivesse vários
templos, a exemplo do Panteão, que sobreviveu aos milênios. A ordem era
privada,
com um germe de Estado e das demais instituições sociais.
Humilhados
e ofendidos, os
romanos se fecharam de qualquer interação com qualquer outro povo da
Península
Itálica. Estavam, portanto, preparando um ponto de mutação, que
consistia na
organização do Estado e, com uma superorganização do braço armado do
Estado. Os
romanos se revitalizaram. Logo dispunham de um exercito de 500 mil
homens e
armas. Desenvolveram um projeto de dominação da Península Itálica para
que
todas as tribos se rendessem a Roma.
Conseguiram
a unificação da Península.
Ao mesmo tempo, o mundo Grego se naufragava. Sócrates já havia
prenunciado
isso. A previsão se confirmou. Cidades gregas buscaram aliados de fora
para
atacar outros gregos. De tanto buscarem teimosamente sua destruição, os
gregos
levaram-se à decadência política, econômica e social. até pensavam,
antes, que
todos os demais povos eram bárbaros.
Com
o declínio do mundo grego, evidencia-se
a proposição de que outros povos irão querer escrever páginas da
história.
cartagineses, persas e romanos!
Roma
passou a entender que a
guerra era outra forma de fazer política, e assim conquistar a
hegemonia do
mundo. Precisavam enfrentar os concorrentes, especialmente Cartago, nas
guerras
púnicas. Cartago foi eleita a grande inimiga. Roma resolveu se
transformar em
ordem imperial intemporal.
Se
lembrarmos do esquema
família-vila-cidades, podemos expandir a sequência, incluindo em
seguida reinos
e impérios. Os romanos constituíram-se em reino e deram o salto para a
vida
imperial. Isso significa estabelecer-se de forma central na história
levando
todas as periferias a serem tributárias do mundo romano. Todos os
caminhos do
mundo levavam a Roma. Para Roma trabalham. Todos os impérios futuros se
inspiraram no Romano.
Roma
se tornou modelo porque
superorganizou a burocracia do Estado, o militarismo, e uma nova
linguagem do
funcionamento do Estado, que é o Direito Administrativo. É método e
linguagem
de dominação. De tal sorte que se instaurará, no mundo, um Estado
burocrático
que dará a medida dessa competência segundo a qual eles estabelecerão
seu
magistério na história.
Precisamos
perguntar, todavia,
como Roma chegou até lá. É possível que flagremos o sentido genético da
formação, hegemonia e declínio de Roma.
O
primeiro período é a sociedade
pré-clássica, da sociedade campesina, em que os senhores, reinando
sobre a
ordem privada, eram mais fortes que a esfera pública. Os romanos
herdaram as
práticas e costumes dos mundos mais antigos. Na ordem privada reinava o
mais
forte. Mas mesmo o mais forte dos senhores não estava seguro de si em
face do
mundo, e amanhã poderia surgir alguém com maior capacidade de fazer a
guerra e
tornar-se superior. A natureza da Roma pré-clássica era a guerra. Era
regida
por um Direito Costumeiro e rustico, aliado a um mecanismo de garantia
dos
pactos.
Aqui
veio o direito quiritário,
em que o credor poderia lançar mão do devedor, prendendo-o em cárcere
privado
por 60 dias. Levava então o devedor ao mercado para se fazer a
publicidade de
que havia um descumpridor de contratos. Sem adimplemento, o credor
poderia
reduzir o devedor à escravidão.
Mas
imaginemos nós que, durante
essas idas ao mercado, ninguém tenha comprado o devedor já escravo. O
que o
credor poderia fazer? Matá-lo. Com isso, dava-se o exemplo.
Essa
sociedade clássica é a que
preservará o dogma dos romanos. Roma é latifúndio. A alma romana é de
uma
sociedade escravocrata. Estão tão presos ao latifúndio que condenaram à
morte
todos os defensores de reforma agrária em solo romano. Também
condenaram os que
defenderam que a reforma agrária fosse feita nas colônias mais
distantes, ainda
que fossem sociedades abandonadas por Roma.
Havia
o clamor social de parcelar
o latifúndio, ao mesmo tempo em que queriam mantê-lo. Inventaram,
então, a
exploração condominial da terra. Solução romana usada até hoje, com
poucas
adaptações!
É
uma sociedade que preserva,
portanto, sua base latifundiária. Superdesenvolveu as rotas comerciais,
fortaleceram a marinha, as tropas terrestres com grande capacidade de
construção de estradas. Daqui surgiu o termo pontífice = o que levanta
pontes.
O termo foi incorporado à estrutura da Igreja pois é o Papa quem
levanta a
ponte para Deus.
Os
romanos, então, fizeram-se
senhores das rotas e da riqueza. Avançaram no processo de urbanização
da
cidade. A ponto de chegarem a ter, em certo tempo da sociedade
clássica, sete
milhões de habitantes.
Preservam
sua qualidade de vida
porque se acreditavam descendentes de deuses. Análogo à autovalorização
grega,
que desconsideravam os outros, rotulando-os bárbaros.
Sociedade
agraria e sociedade
urbana: artesanal, mercantil, de cultivo. Tudo regido pelo Direito,
mais
privado, e posteriormente o Direito Administrativo, público, já que
havia a
necessidade de um sistema de normas para o funcionamento do Estado e
garantir
sua centralidade sobre o mundo. É uma sociedade que irá supervalorizar
o
advogado. Pela primeira vez na história o advogado se estabelece num
escritório! Ficavam nos portos e nos mercados conversando entre si e,
enquanto
o tempo passava, os que tivessem demandas iriam escolher um ou outro
para interferir,
para postular em seu favor.
Criou-se
até uma mística que
levou ao argumento de que é uma honra ao cliente poder pagar honorários
pelos
seus serviços. Daí o nome Honorários!
Os
senadores consultavam
juristas, que respondiam por escrito, e assim escreviam a doutrina que
iria
orientar as decisões políticas. Isso resulta no magistério do mundo
romano.
Pessoa, obrigação, contrato, coisa, família, sucessão. Essa sequência
lembra alguma
coisa? Sim, é a própria estrutura de nosso Código Civil, excetuada
somente a
parte de Direito de Empresa, que é mais moderna. Foi o mundo romano que
mostrou
essa visão unitária dos institutos do Direito Civil.
Em
matéria de Direito, os romanos
serão sempre considerados o ó do borogodó.
Até
que um dia surgiu o Cristianismo.
Primeiro, o império resistiu; depois, incorporou. Completou com a única
coisa
que faltava: valores universais. Respeito à pessoa humana,
solidariedade,
dignificação do outro e das gentes, tudo isso incorporado ao Direito
Romano,
que antes era regionalista, e passou a adotar uma perspectiva
universalista do
Direito do mundo. Os valores egoísticos do patriciado foram removidos.
O Estado
universal romano lhe trouxe a qualidade de Direito Intemporal.
Certo.
Este Estado imperial e
universal da sociedade clássica, entretanto, padecerá dos males de
todos os
impérios em sua supremacia sobre o mundo. Encontrou, em certo tempo, as
elites
romanas envolvidas em profundas crises, perdendo a capacidade de
empreender,
perdendo a hegemonia. Chegou a cultura de usufruir segundo a lei do
menor
esforço. Conquistas, despojos, motins, saques e partilha dos frutos
entre os
agentes privados que financiaram e o Estado que promoveu. Ao mesmo
tempo os
bacanais aumentaram, enquanto enriqueciam com a guerra. Viraram
escravos da
guerra. Chegou a haver uma descentralização do mundo romano, com
insurgentes de
várias regiões outrora conquistadas, como a Gália.
Houve
um filósofo chamado Herbert
Spencer (1820 – 1903), que dizia que a história era a cissiparidade.
O que é simples torna-se complexo, que se torna
supercomplexo, que se fragmenta. Spencer se aplica aqui! Houve a
separação da
banda ocidental da oriental do Império Romano. Aquela foi tomada por
bárbaros,
enquanto esta deformou o que era a tradição no Ocidente. O Direito
Romano
deixou de ser equitativo e doutrinário e passou a ser exclusivamente
legalista,
pela tradição religiosa do Oriente. Justiniano foi produto disso. O
Direito
Romano se tornou ágrafe, autocrático, dura
lex, sed lex. Daqui veio a inspiração do
positivismo moderno. A transmissão foi feita pela oralidade e a
sistematização
foi desintegrada.
Eis
que nesse mundo pós-clássico
se dará a recepção da transição do Cristianismo no mundo romano. A
Igreja passa
a ser Estado, e tenta-se salvar o império à luz do Cristianismo. O
poder
imperial romano era universal, mas faltava um argumento para
legitimá-lo.
Usaram o Cristianismo para isso.
Três
unidades: um só Estado, um
só Direito e uma só Religião. Rudolph Von Jhering notou que o Império
Romano
foi o único a conquistar essa tríade.
O
Direito tornou-se universal a
partir do imperador Caracala, porque os romanos preferiram sobreviver
(daí
adotando o universalismo) a se manterem apegados à ideia de que eram
descendentes de uma raça superior.
Por
fim,
a unidade da religião: o Cristianismo se tornou religião oficial do
Estado
romano.
1
– Neste início de aula eu
estava atrasado em relação ao professor. Esse segundo parágrafo ficou,
portanto, como uma junção de pequenas ideias dentre as coisas que ele
disse
nesses dois primeiros minutos de aula, o que foi muito difícil de ouvir
na
gravação.