Filosofia do Direito

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Montesquieu


Vamos ter uma conversa “em dois tempos” sobre Charles-Louis Secondat (1689 – 1755), o Barão de Montesquieu. Montesquieu, na verdade, era nome próprio da nobreza, da terra que ele havia herdado, e isso faz com que se passe a assinar o nome do título, e não da pessoa. Abriu-se mão do nome de registro civil.

Na verdade Charles se transforma no Barão de La Brède, o que é um título de Montesquieu.

Por isso que, com nossa nobreza sem tradição, quando inventado o Estado Nacional por D. Pedro I e D. Pedro II, quando este quis agraciar Joaquim Nabuco com um título de barão, conferindo-lhe uma possessão, ele recusou, e resistiu à tentação. O nome dele era Nabuco de Araújo, na verdade. Nabuco é uma forma sintética de Nabucodonosor, nome do rei babilônico de grande prestígio. Talvez tenha sido por isso que foi recusado o título!

Charles Secondat é o Barão de La Brède e de Montesquieu.

Charles é alguém absolutamente singular e atípico na história do iluminismo. Assim como Voltaire, ele tem raízes profundas na nobreza feudal. O iluminismo é um clube de intelectuais na origem francesa, que vai espalhar esse espírito no mundo inteiro, porque vamos encontrar iluminismo na Itália, na Espanha, em Portugal, na Escócia, na Alemanha, nos Estados Unidos, no mundo afora. Ali o espírito se dissemina. O que significa o iluminismo? Uma crença desabrida nos poderes da razão. Crença aguda e extraordinária, fazendo com que se estabeleça na retórica dos intelectuais que irão preparar o espirito da Revolução Francesa fazendo com que se estabeleça um embate entre razão e superstição.

Superstição, para os iluministas, significa todas as divindades na história da humanidade. Eles trazem consigo a luz da razão. Por isso que, num esforço grande, eles estabelecem uma fenda entre a idade das trevas e a idade das luzes. Com essa modéstia, dizem que tudo foi prefácio da história da humanidade. Daí começaram a editar as Enciclopédias, em que se “passaria a limpo” a história sobre tudo. Da agricultura à situação da mulher na ordem econômica, jurídica e política. Verbete sobre verbete, artigo sobre artigo, tudo sob o signo do iluminismo. Ordenariam uma visão racional de tudo. Recuperariam a superstição e a transformariam na razão. A enciclopédia é um esforço coletivo desses pensadores. Três exemplos que mais nos interessam são exatamente Montesquieu, Voltaire e Rousseau, além de outros mais.

Eles trazem pela primeira vez a razão para a história. É o racionalismo, mas este já estava em Sócrates, Platão, Aristóteles, que volta à história da humanidade pelo medievalismo árabe até Tomás de Aquino, que recupera as obras, passa pelos humanistas, e desembarca nos iluministas que chegam nesta hora no baile, para só então começarem a dançar.

Dizem que a razão educada, a razão culta irá transfigurar a história da humanidade. Universalmente o homem é um agente de mudanças, portanto sua razão tem que ser objeto da educação e da cultura.

Por isso a educação e a cultura têm que ser difundidas. Isso para que se possa fazer do homem, em qualquer latitude, um agente de mudanças.

Que mudanças? As que permitem que o mundo seja universal, guiado exclusivamente pela razão. Um mundo geométrico, aritmético, ordenado, planejado. Esse mundo irá existir algum dia? Jamais. Brasília é uma cidade iluminista em sua concepção. Ordem sobre ordem, setor de tudo. O que se teve aqui foi o começo da reinvenção da vida. Até hoje há litígio entre o real com o legal, do legal com o real.

A vida real, entretanto, reinventa o legal. Puxadinhos de bares e restaurantes nas quadras comerciais, por exemplo, mas são transgressões.

Um mundo sem superstição jamais existirá, porque são portadores da ideia de que a razão presidirá a história. Mas Freud descobre que o homem não é simplesmente razão, mas um misto de razão e desrazão. É sombra e luz, e essa dualidade determina sua conduta. Percebe-se que é uma díade que existirá para sempre.

O mundo da superstição, o preconceito dos iluministas é o mundo do mito, da magia, da religião, da poética, da intuição, dos sentimentos, tudo isso. Como se se pudesse, com a razão e com a ciência, elidir todas essas vertentes da condição humana para restringir à ciência e à razão. Daí vem o cientificismo ou cientismo, o pressuposto de que a ciência prescinde de todos os demais para chegar à realidade.

Hoje há um contraponto: há de se recuperar todas as formas de elaboração do saber social. A ciência há que se conjugar todas as vias sentimentais, magias, mitos, sabedorias, religiões, para que se crie uma visão mais total, mais plural, mais dinâmica da realidade. Foi Montesquieu, à sua maneira, que está presente nessa luta dos iluministas.

Charles Secondat era um nobre que herda privilégios da nobreza, tinha terras, títulos, e herda também o dever de garantir uma vida de altíssimo padrão, porque às vezes somos tentados a imaginar que a vida refinada é o produto do aqui e agora; em todos os momentos os potentados viveram regiamente, e herdou o dever de conferir a essa parentela uma vida de altíssimo padrão. Essa missão se faz pesada em demasia porque Montesquieu se faz grande patrono que imaginava que dinheiro desse em árvore: quando ele sente que ameaçaria seu futuro, casou com uma mulher megarrica, e viveu pensando na razão até o resto da vida.

Chegou aos ciclos centrais na França, e é alguém educado pelo pai para ser advogado. Por que advogado? Porque o pai imaginava que o advogado poderia ser um tipo intelectual do Estado. Montesquieu estava mais próximo da advocacia do que da medicina. Seria presidente de parlamento, com a formação de advogado. Ainda não existiam como saberes específicos a Sociologia e a Ciência Política. A formação advocatícia poderia, de acordo com seu pai, lhe dar todo esse conhecimento. Era o espírito da cultura humanística: quem queria ser sociólogo, filósofo ou cientista político deveria fazer advocacia.

Fez curso em Paris. Isso foi seu inferno e sua glória. Como vinha sendo educado desde muito cedo na cultura humanística, e tinha uma base humanística forte, estava demonstrado desde cedo que seria um bom escritor. Foi para a faculdade de Direito esperando que tivesse ali uma efervescência de ideias. Quando chegou à faculdade, lhe deram grandes coleções de leis para ler. Enfrentou esse universo e teve a expectativa que as aulas magnas seriam sua redenção. Mas os professores iam à aula com o pressuposto de que os alunos não soubessem ler. Às manhãs da faculdade de Direito era leitura de normas, com tentativas de explicar o que estava escrito. Isso era uma afronta ao espírito, para Charles.

Essa metodologia era avassaladora na faculdade de Direito. Formava os alunos não em Direito, mas em Código. Montesquieu, então, tem vontade de voar da faculdade, nunca mais vê-la, mas o pai lhe repreende e ele teve que tirar o máximo de proveito das circunstâncias. Começou a construir seu paraíso e sua gloria na faculdade. Criou uma paciência franciscana e, à medida que o professor lia, ele reescrevia em sua consciência o que estava escrito. O professor estava lendo a lei, e Montesquieu começou a construir o espírito. O professor lia: “todos são iguais perante a lei”. Montesquieu perguntava-se: “o que significa isso? O que é essa igualdade? Que lei é essa?” Nisso ele construía o espírito. Começou a criar o método, e que foi de onde saiu a obra Do Espírito das Leis. “A letra mata”. É uma regra hermenêutica fantástica e universal. É uma proposição paulina. A letra mata, mas o espírito dignifica. Ele começa a desenvolver essa técnica de construção do espírito. Chegou à sua formação jurídica e ao Direito se dedicou, como pensador do Direito.

Mas é humanista plural e, ao mesmo tempo, é alguém de um cuidado com suas circunstâncias muito grande: tinha os pés na nobreza feudal e a alma relativamente voltada aos círculos liberais, onde foi objeto de muita desconfiança. Para os nobres, ele é um transgressor, traidor e subversivo. Convivia com os que queriam mudar a ordem feudal, e promover a ordem liberal, burguesa e capitalista. E, entre os liberais, ele é visto como alguém merecedor de desconfiança, um infiltrado, pois tinha origem nobre. Quem era ele? Vivia da nobreza da terra, super-explorava a servidão que ela permitia, e vivia no circulo de poder central da França. Uma dupla desconfiança.

Esta é a situação de Montesquieu.

Montesquieu vai, entretanto, escrever uma obra da qual dizia o maior editor da França: “vai vender feito pão.” Só que Montesquieu é tão cauteloso que publicou livros sobre livros sem assiná-los, por medo de ser alvo de perseguições dos dois lados. Vamos entender essa perseguição, pela qual se sentiu ameaçado não somente Montesquieu, mas Rousseau e outros. Os iluministas serão proscritos, perseguidos, e condenados à morte. Rousseau foi condenado à morte duas vezes. Queriam que fosse morto e remorto. No mesmo mês ele publicou “Emílio” (ou “Da Educação”) e Do Contrato Social. Fugiu para a Suíça, em busca de sua Genebra, onde pudesse ficar salvo da perseguição tenaz que era movida em seu desfavor, mas, quando chega à fronteira, seus parentes o alertam para não se aproximar de sua cidade natal pois ali também fora condenado à morte. Exilou-se nas montanhas e passou dois anos, até que a poeira baixasse. Conseguiu se defender escrevendo um livro maravilhoso chamado Cartas Escritas na Montanha: exegese, hermenêutica e argumentação jurídica. O mundo liberal e burguês lutava contra os senhores feudais. A história é a uma luta de privilégios contra direitos. Os privilégios feudais são personificados pela aristocracia da terra... ninguém entrega o bastão da história para ninguém. Os iluministas foram os primeiros intelectuais da história que conseguem viver do ofício intelectual, sem patrocínio, sem dependência de papas, generais, reis, porque até então, na história da humanidade, o intelectual não era livre para pensar, mas era cronista de seu patrono, que deveria escrever os grandes feitos dos grandes homens. O pensador um cortesão que não tinha autonomia intelectual.

Os iluministas criaram o cerne do pensamento intelectual autônomo. Por isso perguntaram a Voltaire qual era sua função. Respondeu: “minha função é dizer o que penso”. Porque isso é possível? Porque agora existe, nasce na história da humanidade um mercado de produtos intelectuais. É mercado e comércio que alcança a cultura. Nasce uma indústria cultural. O ator é o autor. Até então o artista, o intelectual, por meio de educação são, em sua maioria, preceptores e educadores de outras pessoas. Tinham que viver de seus ofícios. Produzia partituras musicais; Rousseau, por exemplo, tinha uma multiplicidade de ofícios. E vendia também as conferências. Rousseau era contratado, por exemplo, para falar sobre “o amor”. Os intelectuais se colocam no mercado vivendo de seus próprios serviços, sem padrinhos.

O feudalismo sobrevive pelo controle de uma estrutura jurídico-política feroz, que queria sua manutenção a qualquer preço. Quem ocupa essa estrutura jurídico-política feudal são os nobres togados, com funções de Estado. Quem tinha terra e riqueza delegava poderes aos nobres que não tinham. Quem dizia o Direito era a nobreza togada. Nesse contexto surgiu Cesare Beccaria, que escreveu Dos Delitos e das Penas. O próprio Beccaria foi preso nas masmorras. Escreveu sobre o que viveu. Embateu-se amorosamente com uma mulher casada, e seu marido termina com os poderes que tem por leva-lo à masmorra. É dali que ele prega o humanismo penal.

É a nobreza togada dizendo a ferro e fogo, dizendo o que era lei, para que o feudalismo sobrevivesse. O papel ambíguo e reticente de Montesquieu em face dessas circunstâncias, que vai escrever uma obra composta de novelas, além de ter escrito diálogos, poemas, peças de teatro, e sobre numerosas coisas de relevância estética; mas as obras principais de Montesquieu são três:

  1. Do Espírito das Leis;
  2. Cartas Persas e
  3. Razões da Grandeza e da Decadência dos Romanos.

O professor mesmo é tentado a dizer que este último livro é mais relevante do que o Do Espírito das Leis, temerário, mas uma tentação.

O que Montesquieu fez do ponto de vista científico? Fundou a Sociologia jurídica antes que houvesse Sociologia geral. Montesquieu viveu de 1689 a 1755, mas a Sociologia geral seria fundada no século seguinte, por Auguste Comte, engenheiro, matemático e filósofo, que será o líder do positivismo, e, no curso de Filosofia positiva, ele funda a Sociologia como saber específico. O espírito, método e objeto da Sociologia cria algo o que a coloca no topo do saber social.

Mas alguém, com espírito avançado, um século antes havia criado uma Sociologia específica. Eis a contribuição histórica de Montesquieu.

Cartas Persas: livro altamente maroto e de extrema atualidade. Pérsia é o Irã. Mahmoud Ahmadinejad tem, mesmo hoje em dia, vontade imperial. Foi quem queria lapidar Sakineh Mohammadi Ashtiani, acusada de adultério e conspiração para a morte de seu consorte.

Mas Cartas Persas é o contrário: um persa que vive na Europa ocidental, que considera os costumes do Ocidente absurdos. Manda cartas para sua terra natal relatando cada coisa. Fez enorme sucesso. Na 25ª edição, ninguém foi condenado à morte, surge a assinatura do nome de Barão de Montesquieu.

Na terceira obra, Montesquieu cria a metodologia da chamada pluricausal. Para entender o que é a metodologia pluricausal, podemos tomar a metodologia unicausal conforme pensada por Marx, que é: os fenômenos têm uma causa em que as relações humanas decorrem das relações econômicas. Daí seria uma circunstância unicausal. A economia tudo determina, inclusive as mentalidades. A metodologia pluricausal de Montesquieu prega que não existe a causa, mas as causas, que, simultaneamente, funcionam para que um fenômeno possa existir. Com essa metodologia ele explica a origem, desenvolvimento e decadência do mundo romano. É uma obra prima. Elencou 20 causas para a derrocada do Império Romano.

E, por fim, Do Espírito das Leis. Montesquieu leva 20 anos para escrever esse livro. Viajava pelo mundo, tinha uma vida de “grande sacrifício”. Não parava de viajar. Trabalhava entre oito e doze horas por dia. Diz, numa carta famosa, que será o retrato da dificuldade que irá viver para escrever esse livro: “a respeito de minhas leis, trabalho nelas oito horas por dia no mínimo... serão quatro volumes em 24 livros, em grande formato.”

Quando ele sentou para ler o primeiro volume do que havia escrito, ele decidiu que perdeu seu tempo, pois estava ininteligível. Trabalhou em demasia. A possibilidade de trabalhar de maneira concisa foi jogada fora. A ideia foi incinerar os manuscritos. Eis aí o príncipe, eis aí a utopia, uma pletora da vida de sínteses. Nisso ele senta e escreve um livro de apenas 100 páginas, um resumo, como diria. Quando leu, pensou que era um nada mais que um telegrama, uma traição a tudo que pensava. De novo para o fogo. Até que chegou à terceira versão do Livro, com cerca de 700 páginas, muito curioso. Há capítulos de uma página, e outros de sessenta. Não há simetria. Hoje entende-se que o ensaio tem que ter simetria. O livro de Montesquieu não passa por essa prova.

Mas outra questão curiosíssima do livro é que, quando alguém se debruça sobre o Do Espírito das Leis pela primeira vez, fica se perguntando: onde está o Direito? Isso aqui é só história do comércio, história universal do comércio! Mas aqui está: Montesquieu coloca em prática de maneira bem sutil sua metodologia: comércio é uma fonte civilizatória da história da humanidade. Quanto mais a civilização estabelecer um comércio, mais desenvolverá suas instituições jurídicas e políticas. Chegam-se aos institutos jurídicos e políticos pelos pactos materiais da vida. Estabelece-se o diálogo de proximidade de povos e civilizações distantes. Assim chega-se a civilização, e lá se pergunta pelas instituições jurídicas e políticas.

E Montesquieu, então, publica seu livro em Genebra, na Suíça, sem autor. Poderia provocar celeuma na realeza, ou ser perseguido pela Igreja, poderia fomentar a fúria da inquisição, então resolveu se manter nas sombras. Disse: “este livro quase me matou. Não mais escreverei. É um filho sem pai. Tive que escrever três versões em 20 anos para chegar a isso”. Exauriu-se. Ele não se guiou pelo modelo de ninguém, e criou um modelo novo. Criou a Sociologia jurídica.

Diz que sua metodologia é a única que permite que se veja por inteiro o que está posto no mundo: uma visão totalizante das coisas. Mais tarde, Montesquieu assume o livro, e vai viver desses embates assumidos principalmente com a Igreja, que o considerou maldito. Considerou-se que ele cedia à mais subversiva das doutrinas. Sociedade de mercado, burguesa e capitalista. Mas é acusado, ao mesmo tempo, pelos liberais, de ser conservador, porque pregava uma mudança sob controle. É acusado também de ser reacionário, de querer levar para o passado as instituições jurídicas e políticas ou fazê-las agora a voltar à forma historicamente pretéritas. Marcha à ré: daí vem o nome reacionário. É acusado, pelos conservadores, que querem a manutenção do Estado das coisas, de ser revolucionário, de ceder espaço para ideais perigosíssimos de mudanças. A mais grave das acusações, entretanto, foi a de spinozista: partidário das ideias de Baruch de Spinoza (1632 – 1677): filósofo judeu holandês de origem portuguesa e espanhola, família perseguida nos dois países, vivendo depois em Amsterdã. Maldito pelos cristãos, judeus e mouros. Este sim vivia numa boa, era perseguido por representantes das três grandes religiões! Spinoza valorizava sobremaneira os aspectos materiais do mundo, e, nessa Filosofia incompreendida, foi acusado de ser propagandista do materialismo, pregando preponderância do materialismo sobre o espírito e sobre a fé. Por isso foi expulso de toda comunidade religiosa, a começar pela judaica. Sua Filosofia panteísta, ao contrário, é altamente complicada porque ele vê a transcendência na imanência, que, simplificadamente, significa ver o que está para além do mundo, o que é metafísico, nas coisas do mundo, materiais, visíveis e palpáveis. Quando se diz, então, que Montesquieu é spinozista, ele é jogado na mão do Tribunal do Santo Ofício. Por isso Montesquieu se refugia nessa estratégia de viajar enquanto a poeira não baixa.

O que há, então, em Montesquieu é que ele vai para o Index Librorum Prohibitorum. Lista de livros que não deveriam ser livros, que não deveriam ser publicados, de autores malditos, cuja alma estaria perdida para sempre. É como uma excomunhão espiritual. Mas ele foi tão sutil em sua capacidade de transitar sobre espinhos que, mesmo no Index, ele conseguiu se eleger para a academia francesa. Rei da França instituiu, e, quem chegasse a essas 40 cadeiras, seria membro de uma academia invulgar.

A partir daí podemos dizer hoje, de Montesquieu, que ele vive este embate patrimonialista feudal vs. liberalismo capitalista. Patrimônio de família, patrimônio da nobreza. Esse é o patrimonialismo. Por causa disso que se considera que o Brasil nasceu sobre esse signo do patrimonialismo. Veja como se sente Sarney. A preponderância dos interesses da família. A família como titular da esfera pública.

O mundo feudal, portanto, é um mundo patrimonialista. Há uma hereditariedade nele, e essas funções públicas, como exército, administração, magistratura e Igreja só são alcançadas por quem é nobre. Não existe meritocracia. O mérito é ser nobre. Montesquieu provou isso. Ele próprio chegou à magistratura sendo nobre da terra; ele próprio se distraia do mundo e da vida vivendo num castelinho. Era patrimonialista, mas namorava o liberalismo. Queria que a esfera pública fosse aberta para o mérito, através da difusão da educação. Montesquieu está com um embate entre a nobreza, o Primeiro Estado, o clero, o Segundo Estado, e o povo, o Terceiro. Eis o mundo feudal que Montesquieu viu. Terceiro Estado é a burguesia. O quantitativo do povo na França daquela época era em torno de 26 milhões de almas. Extraordinária maioria. O que eles podiam? Sofrer a vida. No segundo patamar, da base para o cume da pirâmide, estava o Clero. Tradição das forças da terra, que designava seus membros para as funções clericais. Tanto material quanto espiritual. Mandavam-se filhos para serem cardeais. Subindo, chegamos à nobreza, o primeiro Estado, detentor de superprivilégios. Era um mundo estamental feudal, fechado em si mesmo, com dificílima hipótese de mobilidade social. O nascimento demarcava diferenças. Na nobreza não havia mais que 200 mil almas, enquanto o segundo Estado era composto por 100 mil delas... daqui podemos dizer: que coisa absurda! Como é que 300 mil dominavam 26 milhões? Minorias organizadas dominam a história. É o que mais vemos hoje: quem mais adquire direitos mediante pressão junto às Casas Legislativas são as minorias organizadas, já que as massas inorgânicas nada fazem.

Montesquieu é originário na nobreza, mas contestado lá mesmo e no clero. Amor longínquo pelo povo.