Rudolph
Von Jhering (1818 – 1892)
foi um jurista do século XIX, considerado um dos maiores de todos os
tempos.
Discípulo renegado de Savigny, escreveu um livro chamado o
Espírito do Direito Romano. Lá ele se reporta àquelas três
unidades: mesmo Estado, mesma religião e mesmo Direito. Enquanto houve
magistério dos romanos sobre o mundo, as elites começam a viver para a
guerra.
Começou a decadência e isso levou à fragmentação do Estado Romano, que
foi um Estado
burocrático regido por um Direito Administrativo.
Os
romanos advinham de um
preconceito segundo o qual eram descendentes de uma raça de deuses.
Havia uma
dualidade jurídica: direito quiritário
romano, que tinha três componentes: civitatis,
indicando a incidência sobre todos os nascidos em Roma, libertatis,
indicando os nascidos livres, e familiae,
denotando os nascidos entre os patrícios. Esse Direito
quiritário era se contrapunha o Direito das
Gentes, imposto aos povos conquistados. Aplicava-se aos não
romanos que
integravam a sociedade, perifericamente, de maneira subordinada. Eram
afinal as
gentes nascidas não patrícias, não romanas, e sofriam o direito das
gentes,
pois não era um Direito emancipatório, mas de natureza disciplinar, de
confirmação do poder dos romanos sobre o mundo.
O
Direito se unifica na Era
Cristã sob o imperador Caracala. É quando o império começa a ser
ameaçado pela
decadência. Já se assentava sobre um plano inclinado, e, sem medidas, o
naufrágio seria inexorável. Decretou, então, que o direito quiritário
romano
seria de aplicação universal. A dignidade se estendeu a todos. A
fragmentação era
sinal de ruptura. O objetivo com essa extensão do Direito interno
romano foi
robustecer o Estado.
Terceira
unidade era a da Igreja,
que foi a que marcou o mundo romano, o mundo medieval e o mundo
contemporâneo.
O Cristianismo traz para a história um valor novo: o indivíduo tratado
como
pessoa humana, dotado de uma alma, de uma subjetividade. O argumento
central é
a regra de amor. João, 10, 10: “Deus é amor”. É aqui que vemos o
imperativo do
amor do homem a Deus sobre todas as coisas. O preceito do amor ao
próximo como
a si mesmo é o que funda a ética do Cristianismo. Essa metafísica e
essa ética
carregam para si, para seu território, um enunciado, que é a questão
central, a
garantia da salvação da alma. O Cristianismo subjetivou a história. Não
era mais
o poder do Estado, a autoridade constituída, mas a pessoa o ente
central. Foi a
maior subversão possível ao Império Romano, pois acabou com a tradição
romana.
É uma crise em potencial ao mundo objetivo, que divinizava os
imperadores em
detrimento dos súditos. Atacou-se a ideia de dignificação do imperador.
O
Cristianismo acredita na metáfora da família e não do Estado. A
família,
privada, é onde o cristianismo se organiza. Para que o solidarismo
universal
exista, a posse comum das coisas deveria ser a regra da vida. Daí o
cristianismo primitivo pregou a desautorização da propriedade privada.
Quando
se chega à evidência da
crise, o que falta ao Estado imperial romano é um argumento universal
que
garanta a sobrevivência do Estado frente ao mundo. Todos os argumentos
até
então existentes se desgastaram e se deslegitimaram.
Para
a unificação entre Estado e
Igreja, ambos tiveram que fazer concessões. Um abre mão da exigência de
posse
comum das coisas, enquanto outro abre mão da diferenciação entre
indivíduos,
considerando-os pessoas humanas. Assim o Estado criou as condições de
sobrevivência.
O
que há, então, é um processo de
mutação, a perseguição do paganismo e ocupação dos templos pagãos pela
Igreja.
Os templos pagãos foram transformados em templos cristãos. Até hoje há
alguns
panteões, entretanto. Há a Igreja de São Paulo, onde Paulo está
sepultado, que
era antes um templo pagão. Foi um grande símbolo do fim do
entretenimento
romano de jogar cristãos aos leões.
Cícero
Vamos transcrever aqui o esquema passado ontem pelo
professor:
Cícero
era um homo novus, não detinha o
status de cidadão,
não nasceu em Roma nem era patrício. Rompeu o cerco e chegou ao
exercício da
função pública apesar de sua origem. Não fez como o avô ou pai; seu avô
era
homem de espírito intelectualizado, que aspirara o saber e o modo de
vida
grego. Este avô de Cícero preparou o filho (pai de Cícero) para o sonho
de
saber. Quase deu certo.
Foi
só com a geração de Cícero
que se conseguiram os meios para, de maneira refinada, chegar à esfera
pública.
Cícero foi o primeiro a ocupar função pública em Roma como se patrício
fosse. A
tradição era que a função pública era prerrogativa dos patrícios, mas
ele foi
desde cedo educado por filósofos.
Cícero
viajou a Éfeso, cidade
grega transformada em romana na Turquia. Ali contratou um preceptor,
que
ensinou a ele e seu irmão, Quinto Túlio Cícero, o patriciado daquela
região do
mundo. Quinto se notabilizou como militar, e Cícero se destacou como
jurista e
filósofo. Só então Cícero volta a Roma, quando encontrou, na vida
pública,
Júlio César, Otávio Augusto e Marco Antônio, aqueles que fariam a
história do
Império Romano. Sofreu discriminação na escola e logo criou antipatia
pelo
ambiente. Refugiou-se em meio aos judeus, começou a escrever em
hebraico e
formou-se na teologia.
Cícero,
em três outros momentos
de sua vida, foi a Atenas estudar Direito, Retórica e Filosofia. Tinha,
portanto,
uma formação eminentemente grega.
Voltou
ao mundo romano, onde, ao
chegar, teve condições de se notabilizar como advogado. A questão da
ordem do
dia era Caio Verres, um patrício romano que foi denunciado ao Tribunal
porque
teria governado a Sicília da maneira mais impiedosa, com genocídio, e
ainda
criando uma máquina colossal de corrupção que teria o levado junto com
os seus
a se locupletarem, fraudando o erário. Houve um júri comprado, mas
Cícero foi
contratado para ser acusador de Verres. Confrontou-se com Quinto
Hortêncio
Hórtalo, grande orador quem venceu nos debates forenses. Cícero ficou
odiado no
patriciado, mas se notabilizou como advogado. Acabou casando-se com uma
Patrícia
e isso lhe abriu as portas para o patriciado. Não tinha raízes na elite
mas
superou essa circunstância pela aliança no dedo.
O
avô de Cícero dizia desde o
começo que os netos não deveriam se sentir diminuídos. Eles teriam que
combater
no plano da política com a maior força.
Os
filhos de patrícios eram
mandados para as periferias para aprender a mandar e, com isso, fazer
um
exercício administrativo. Vinham para o centro lentamente, até chegar a
Roma, por
fim disputando um cargo político. Com Cícero, bem casado, foi
diferente.
Começou sua vida como governador da Sicília, e lá fez uma revolução
administrativa, aplicando suas ideias solidaristas. Aplicou um bem mais comum.
Assim
ele subiu na carreira
política. Chegou a Roma, alcançando o Senado, e posteriormente o
consulado,
como primeiro cônsul, que se tornaria o eixo do poder romano. Cícero
venceu a
conspiração de Catilina ¹, que institucionalizaria a corrupção em todo
o poder
imperial romano. Cícero alcançou a condição de alguém que, pelo brilho
oratório, avocava para si a capacidade de dizer as circunstâncias
jurídicas e
morais de Roma. Combateu Catilina em quatro discursos célebres, as
chamadas Catilinárias.¹ “até quando, ó
Catilina, abusarás
de nossa paciência? [...]²
Cícero
também combateu
politicamente Marco Antônio, a quem acusou de participar na conspiração
contra Júlio
Cesar. Combateu em dezessete discursos, quando demonstrou o que Marco
Antônio
estava prestes a causar a derrubada da república e instituindo o
Império. Marco
fez aliança com Lépido e Otávio Augusto, que formaram o Segundo
Triunvirato, e
dividiram o mundo romano em si, derrubando a república e instituindo o
império
com o fim da trio. Entendiam que só com Cícero morto é que o golpe de
estado
seria possível.
“Ó
Origem causa das causas, não
te esqueças de mim!” – esta foi a frase que Cícero pronunciou pouco
antes de
ser morto pela espada de um soldado. Isso revela sua percepção estoica
do
mundo. Era a ideia de logos, a
causa
das causas, que Cícero traduzia por Deus.
Os
soldados voltaram a Roma dando
a noticia de que a cidade se livrava naquele momento daquele que, pelo
poder da
palavra, subvertia a ordem e o poder constituído.
Daí
se estabelece o Império.
Legado de Cícero
O
núcleo do pensamento de Cícero
se encontra em quatro livros: Das Leis, Da República, Da Ética e
Tratado dos
Deveres.
Entendia
o
político-filósofo-advogado-orador-publicista que cada pessoa humana era
uma
centelha divina, detentora de uma fagulha do logos
universal. A pessoa humana pode ser dignificada e respeitada
em toda parte, a todo tempo. Antes do Estado e da cidade já existia a
relação umbilical
do logos universal com cada pessoa
humana. Portanto, o Direito daí decorrente, natural por excelência,
antecipava
o Direito da Cidade Universal, que atingia as pessoas onde quer que
estivessem.
Bastava que fossem pessoas humanas, pois já teriam a centelha divina
advinda do
logos universal, e poderiam ser
sujeitos de direitos.
É
o que diziam os estoicos: onde
quer que estivesse a pessoa humana, ela carregava consigo sua condição
de
digna. Por isso o necessário respeito e a dignificação. Esse Direito
estoico e
universalista irá marcar profundamente o Direito: Direito
divino, mandamental, que se bebe nos livros sagrados,
portanto jurídicos, fonte do Direito da época. A Bíblia contêm normas
mandamentais, muito além do Decálogo. No Antigo Testamento há o Livro
dos
Juízes. Diziam o Direito e detinham o poder.
O
Estado aprendeu o Direito com a
tradição religiosa cristã.
O
outro Direito que se reconhece é o natural.
É o Direito da natureza humana, da condição humana. É a condição
racional. O
Direito natural para Cícero é aquele que permitiu o entendimento do
Código
Sagrado e, segundo a razão, valorativamente fazer o que prometia.
Deveria
servir ao bem mais comum.
Justiça para Cícero é um aprendizado de
natureza moral. Se explica
no agir, uma consciência que se transmuta em atitude. Cícero descreve
que, no
deserto, longe do Estado e seu braço armado, há uma legião de gente
aventureira
que, numa marcha só, vai daqui para lá, mas volta homens frágeis e
solidários,
carregando consigo a maior riqueza do ser humano: a sabedoria.
Paz no mundo para Cícero é resultado da proporção do outro. É o primeiro filósofo
da história a dizer: “o
outro é igual a mim”. Nem Aristóteles nem Platão disse isso. É o
fundamento da
integração e inclusão social.
Boa-fé
recíproca para a criação
de uma nova República, com inclusão dos então excluídos, sem engodo.
Assim se permitiria
aos romanos de maneira retificada a preservação seu magistério imperial
sobre o
mundo.
Cícero
foi fundador do humanismo
latino. Foi o primeiro filósofo a escrever Filosofia em latim e
primeiro
escritor a escrever poesia e prosa literária. No latim não havia norma
culta e
gramática. Ele criou a gramática latina e a norma culta. Foi criticado
porque o
latim era tido por língua bárbara, e que não poderia ser usada para
formalizar
grandes saberes.
Somente
cerca de 500 anos depois
de Cícero que se evidencia a vitória de seu pensamento, quando foi
revisto por
Santo Agostinho. Foi retomado fortemente pelo renascimento, já que se
buscava
uma feição para o Direito moderno. Chegou-se a coletar quase mil
cartas, muitos
tratados de Filosofia e Direito, de Ética, livros, e inspirou até
Norberto
Bobbio.
Morreu
em
44 a.C., invocando Deus em seu último segundo de vida.
1
– Discursos de grande gabarito
de Cícero enquanto acusava um político chamado Lucius Sergius
Catilina. Eis os discursos,
para os interessados: http://www.culturabrasil.pro.br/catilinaria.htm
2 – Continuação: “...quanto zombará de
nós ainda esse teu atrevimento? onde vai dar tua desenfreada
insolência? É
possível que nenhum abalo te façam nem as sentinelas noturnas do
Palatino, nem
as vigias da cidade, nem o temor do povo, nem a uniformidade de todos
os bens,
nem este seguríssimo lugar do Senado, nem a presença e semblante dos
que aqui
estão? Não pressentes manifestos teus conselhos? não vês a todos
inteirados da
tua já reprimida conjuração? Julgas que algum de nós ignora o que
obraste na noite
próxima e na antecedente, onde estiveste, a quem convocaste, que
resolução
tomaste? [...]”
3 – Em outro momento da aula, enquanto
respondia a uma pergunta, o professor falou sobre a origem do Cristianismo,
que assimilou componentes judaicas e estoicas. Monoteísmo, paraíso,
queda do
paraíso e redenção. Do estoicismo herdou o conceito de pessoa humana,
dignificação
humana e universalismo.