Filosofia do Direito

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Introdução

Vamos começar.

O professor não recomenda livro nenhum. Há alguns textos, entretanto, que talvez ele nos indique ao longo do semestre, postando no SGI. Esses textos têm um único defeito: são de autoria do professor, diz ele mesmo!

Então, Filosofia. Qual a perspectiva? Ela começa no século VI a.C. Não para o professor, pois, para ele, a Filosofia se faz presente de maneira difusa nas religiões e na vida dos povos. Estava na civilização chinesa, persa, assíria, hindu... todas anteriores à grega. Há Filosofia antes mesmo de desaguar num governo.

No Egito, por exemplo, o homem cristaliza na pedra sua relação com o tempo. Ele o faz buscando a eternidade. Compreende-se que, ali, de maneira difusa, do ponto de vista da consciência social, se chegava a uma relação metafisica, acima do palpável, do visível com as circunstâncias da existência. Múmias e pirâmides são reveladoras dessa dimensão ontológica e metafísica dessa consciência. Vida, existência, morte, renascimento, eternidade, que são temas filosóficos intemporais. Todos estão plenamente presentes na Filosofia egípcia.

O que acontece com a Filosofia em Atenas? Lá a Filosofia ganha autonomia, tornando-se, em si mesma, uma forma de saber social. Antes a Filosofia estava imbrincada com outras formas, como até na magia, no mito e na religião.

Ao ganhar autonomia, a Filosofia alcança, em Atenas, a Filosofia legitima, por si só, o que é característico dessa forma de saber social. O que significa isso? a Filosofia é muito mais a capacidade de indagar, de interrogar-se do que a capacidade de deslumbrar-se com as respostas. Está mais na interrogação do que na exclamação. Quando se chega a alguma exclamação na Filosofia, ela necessariamente está preparando novas e incessantes possibilidades de indagar novamente. A busca é eterna pela verdade.

Em Atenas temos dupla perspectiva da Filosofia: a Filosofia natural, também chamada de Filosofia primeira, originária, e pré-socrática. Por que Filosofia da Natureza? Porque nesse momento as grandes interrogações que cercam o homem dizem respeito ao mundo e à vida. É a busca pelo chamado ápeiron, a substância primeira, a causa das causas. o que se quer saber é a materialidade do mundo e da vida. Do que é feita? Qual a origem material do mundo e da vida? A Filosofia Natural, ordinária, pré-socrática irá construir diferentes respostas sistemáticas em sua aparência alegórica.

O ápeiron transpassa a ideia de fogo, ar, água e pó, até chegar à partícula átomo. Isso inclusive foi revisitado na Suíça há meses com a experiência no acelerador de partículas, e se investigou a origem do mundo.

Tales de Mileto tem um argumento fundado na lógica formal que mostra a inteligência do que estamos trabalhando: o mundo seria derivado da água, e a vida também. É um pressuposto sobre o qual é construído seu pensamento. Demócrito, outro atomista, chegou à ideia de que o átomo não é a matéria da matéria.

Por que é relevante discutir a materialidade da vida e do mundo? Porque o que acontece na Grécia antiga é que ali desaguam inquietações milenares precedentes, que são reveladoras de um homem que está se defrontando com um terror cósmico: um homem sem ciência, sem tecnologia, e que tem uma relação de desigualdade com a Natureza, pois não tinha a força. O homem buscava escrever a saga de sua sobrevivência. Para viver, portanto, o homem deveria entender o Código Natural. Ele encontra respostas no mito, na magia, na religião, e, um dia, na Filosofia.
 

A Filosofia Socrática

A outra Filosofia, que é a Socrática, já que Sócrates dividiu as águas da Filosofia, é um produto de circunstâncias novas e diferenciais. Por quê? a Filosofia social, acrescentando um novo capítulo, passa a líder com a natureza do homem, o homem em si mesmo, e não mais a Natureza. O homem é um ator social que convive na cidade. Na cidade, a confirmação da cultura consolidou uma nova natureza, artificial, um novo casulo, produto exclusivo da cultura. Obra puramente humana! Tal como a própria cidade. É o embate da cultura com a natureza, no aspecto natural e material, que permite a criação de um objeto chamado cidade. O homem que vivia nas montanhas e florestas passa a viver num cenário exclusivamente resultante de sua capacidade de concessão. A cidade teve que ser concebida e construída. É a cultura que permite a afirmação da arte na história.

A história da humanidade é a história da urbanização do homem. Das cidades derivam as metrópoles, daí as megalópoles, por fim a cosmópole, nesta ordem. Qual nosso horizonte de vida? Vivemos em Brasília, ou, na verdade, na Terra? Aqui em Brasília estamos bem perto das embaixadas, que conectam nosso Estado aos seus pares no mundo. Hoje já temos condições de saber e nos interessar por o que acontece no Egito, no Iêmen, na Líbia. Nossa vida será cada vez menos circunscrita pela localidade, e a universalidade ganhará cada vez mais força. O desafio será manter a identidade local e as autonomias locais.

A cidade é uma transgressão absoluta para com a vida natural. A cidade é uma pretensão de defender o homem de si mesmo, de outros homens, de animais selvagens, dos estrangeiros que varrem ameaçadoramente o mundo. E o que a cidade faz é condenar o homem ao social, pois ele está vivendo, agora, num espaço circunscrito. As pessoas estão presas na cidade agora. A única diferença entre um presídio e uma cidade antiga é que esta era território sagrado, considerados lugares em que se vivia na companhia dos Deuses.

Aristóteles diz o que da cidade? Tudo o que é humano está na cidade. De fora dos muros temos vida natural, que não é humano, mas rústico. Daqui se depreende que a cidade humaniza o homem, civiliza-o. A civilização é o que, em tese, nos distancia da barbárie.

E como a sociedade condena o homem ao social? Por meio da remoção da escolha de viver sozinho. Ninguém vive sozinho na cidade. Na montanha, o ermitão pode vislumbrar a aproximação de invasores, e aí se retirar para a floresta, ou optar por ficar. Hoje usamos os mesmos elevadores, vamos aos mesmos destinos. Alguém já disse: “o diabo são os outros.” Como seria maravilhosa a vida sem ninguém para nos atormentar! 

Avancemos. Do que se trata esse fenômeno transformador da história da sociedade? A vida central como vida urbana, tal como em Atenas, considerada capital do mundo antigo, que amplia os contatos entre humanos. Antes da cidade, nas vilas, feiras de comércio dispersas e aldeias, não se vivia em contato permanente, e não havia circunvizinhança necessária.

Já se disse: “onde está o homem está o perigo.” ¹ Quanta necessidade de regência da vida na presença de mais homens! A cidade estabelece uma necessidade de nova regência da vida social.

A Família é a célula materna da sociedade. O regente é o pai, que tem hierarquia sobre o grupo familiar. Poder sobre clientes, mulheres, filhos e escravos. Ele decide o destino de sua comunidade familiar. No entanto, a vida não foi feita sempre de famílias isoladas. Havia também as vilas, com vizinhança necessária, organizadas para defesa contra o inimigo externo. Todos se defendem na vila. E quem é a autoridade da vila? Não pode ser o pai de família. O sujeito que surgiu foi o Vilão Mor, o chefe da vila. Ele determinava o sistema de segurança, de abastecimento, de distribuição de atividades, e assim por diante. Vilas congregadas fizeram surgir as cidades. A hierarquia cresce organicamente, bem como a autoridade. Isso desagua na formação do Estado.

A autoridade do Estado é pessoal ou institucional? Institucional, necessariamente, em todos os tempos. Se alguém disser “L’État c’est moi”, isso está errado, pois a autoridade é institucional, e não pessoal. O Estado é uma criação humana, rigorosamente aberta, e nada autoriza a dizer que vai acabar amanhã ou será eterno.

O que isso tem a ver com Sócrates? Com ele, o homem pôde planejar a existência, programar o dia seguinte, abastecer-se, que é uma tarefa crucial na vida da humanidade. Tal como significou o fogo quando de sua criação.

A cidade permitiu a existência de um sistema de abastecimento, resolvendo o problema da sobrevivência. Os produtores armazenam e trocam seu excedente por outros artigos, prática típica da vida citadina. O abastecimento para 25 mil pessoas se tornou problema do passado, e até o ócio começou! Pela primeira vez na cidade foi possível o homem deitar e sentir-se seguro para o dia de amanhã e depois. O que fazer em seguida? “Descubra-te a ti mesmo”, disse Sócrates. É a mais infinita das viagens: a introspecção.

É hora de o homem se tornar objeto maior dessa necessidade de conhecimento. Buscar-se, realizar o autoconhecimento, e assim surgiu a Filosofia social.

Quem irá disciplinar a vida social? O Estado, que se formara. Qual ferramenta? A religião, a etiqueta, os costumes, e, por fim, o Direito. Este último com capacidade de coercibilidade. A demanda social é por paz, e o Estado promete justiça.

Atenas domina o mundo cultural, militar, econômica e politicamente. Os persas, civilização anterior, já haviam desenvolvido o desejo de dominação universal. Os persas criam um império indo da África a além do Oriente Médio. Destruindo Atenas, poderiam dominar o mundo civilizado. Persas eram temidos, mas um general ateniense, Temístocles, consegue vencer os persas no mar. Atenas sobrevive e o Ocidente também, pois essa transição do Ocidente para o Oriente traria a imposição de um modelo cultural diferente para o resto da existência. Foi a batalha de Salamina.

Eis que, dessa batalha, nasce a glória política de Temístocles, bem como sua ruína. Queria um exercício vertical do poder. Acabou exilado. Aceitou abrigo justamente na Pérsia.

Atenas criou uma liga de defesa do mundo contra os persas, e cobrou tributos de mais de 150 cidades-Estados. Com a entrada de dinheiro, veio a corrupção, e o tratamento da coisa pública como própria. Aqui emergiu Sócrates, vindo das castas populares.

Disse que o mundo estava dividindo entre pessoas que viviam do fazer e pessoas que viviam do saber. Este último era para poucos, para senhores. Essa atividade era chamada de “télos”, que era a percepção. Somente estes poderiam dirigir a cidade. Os outros somente fazem, mas nada sabem, e não poderiam dirigir a cidade a conforto. Não poderiam nem se manifestar sobre os rumos da cidade. Sócrates, entretanto, filho de uma parteira e de um escultor, veio do puro mundo do fazer. Trabalhar era considerado diminutivo no mundo antigo; era um signo de insignificância, um demérito no mundo social. Se trabalha, é insignificante. Não é patrício, não é nobre. O comerciante era uma das maiores vítimas de preconceito.

Somente depois surgiu a ideia de que o trabalho dignifica o homem. Inclusive vem do termo tripalium, um instrumento de tortura do mundo antigo!


1 – O professor mencionou um nome como autor desta frase, e o que de mais próximo meu ouvido pegou foi “Leon Proat”. Não encontrei a confirmação, entretanto.