Vamos começar.
O professor não recomenda livro
nenhum. Há alguns textos, entretanto, que talvez ele nos indique ao longo do
semestre, postando no SGI. Esses textos têm um único defeito: são de autoria do
professor, diz ele mesmo!
Então, Filosofia. Qual a
perspectiva? Ela começa no século VI a.C. Não para o professor, pois, para ele,
a Filosofia se faz presente de maneira difusa nas religiões e na vida dos
povos. Estava na civilização chinesa, persa, assíria, hindu... todas anteriores
à grega. Há Filosofia antes mesmo de desaguar num governo.
No Egito, por exemplo, o homem
cristaliza na pedra sua relação com o tempo. Ele o faz buscando a eternidade. Compreende-se
que, ali, de maneira difusa, do ponto de vista da consciência social, se
chegava a uma relação metafisica, acima do palpável, do visível com as
circunstâncias da existência. Múmias e pirâmides são reveladoras dessa dimensão
ontológica e metafísica dessa consciência. Vida, existência, morte,
renascimento, eternidade, que são temas filosóficos intemporais. Todos estão
plenamente presentes na Filosofia egípcia.
O que acontece com a Filosofia em
Atenas? Lá a Filosofia ganha autonomia, tornando-se, em si mesma, uma forma de
saber social. Antes a Filosofia estava imbrincada com outras formas, como até
na magia, no mito e na religião.
Ao ganhar autonomia, a Filosofia
alcança, em Atenas, a Filosofia legitima, por si só, o que é característico
dessa forma de saber social. O que significa isso? a Filosofia é muito mais a
capacidade de indagar, de interrogar-se do que a capacidade de deslumbrar-se
com as respostas. Está mais na interrogação do que na exclamação. Quando se
chega a alguma exclamação na Filosofia, ela necessariamente está preparando
novas e incessantes possibilidades de indagar novamente. A busca é eterna pela
verdade.
Em Atenas temos dupla perspectiva
da Filosofia: a Filosofia natural, também chamada de Filosofia primeira,
originária, e pré-socrática. Por que Filosofia da Natureza? Porque nesse
momento as grandes interrogações que cercam o homem dizem respeito ao mundo e à
vida. É a busca pelo chamado ápeiron,
a substância primeira, a causa das causas. o que se quer saber é a
materialidade do mundo e da vida. Do que é feita? Qual a origem material do
mundo e da vida? A Filosofia Natural, ordinária, pré-socrática irá construir
diferentes respostas sistemáticas em sua aparência alegórica.
O ápeiron transpassa a ideia de fogo, ar, água e pó, até chegar à
partícula átomo. Isso inclusive foi revisitado na Suíça há meses com a
experiência no acelerador de partículas, e se investigou a origem do mundo.
Tales de Mileto tem um argumento
fundado na lógica formal que mostra a inteligência do que estamos trabalhando:
o mundo seria derivado da água, e a vida também. É um pressuposto sobre o qual
é construído seu pensamento. Demócrito, outro atomista, chegou à ideia de que o
átomo não é a matéria da matéria.
Por que é relevante discutir a
materialidade da vida e do mundo? Porque o que acontece na Grécia antiga é que
ali desaguam inquietações milenares precedentes, que são reveladoras de um
homem que está se defrontando com um terror cósmico: um homem sem ciência, sem
tecnologia, e que tem uma relação de desigualdade com a Natureza, pois não
tinha a força. O homem buscava escrever a saga de sua sobrevivência. Para
viver, portanto, o homem deveria entender o Código Natural. Ele encontra
respostas no mito, na magia, na religião, e, um dia, na Filosofia.
A Filosofia Socrática
A outra Filosofia, que é a
Socrática, já que Sócrates dividiu as águas da Filosofia, é um produto de
circunstâncias novas e diferenciais. Por quê? a Filosofia social, acrescentando
um novo capítulo, passa a líder com a natureza do homem, o homem em si mesmo, e
não mais a Natureza. O homem é um ator social que convive na cidade. Na cidade,
a confirmação da cultura consolidou uma nova natureza, artificial, um novo
casulo, produto exclusivo da cultura. Obra puramente humana! Tal como a própria
cidade. É o embate da cultura com a natureza, no aspecto natural e material,
que permite a criação de um objeto chamado cidade. O homem que vivia nas
montanhas e florestas passa a viver num cenário exclusivamente resultante de
sua capacidade de concessão. A cidade teve que ser concebida e construída. É a
cultura que permite a afirmação da arte na história.
A história da humanidade é a
história da urbanização do homem. Das cidades derivam as metrópoles, daí as megalópoles,
por fim a cosmópole, nesta ordem. Qual nosso horizonte de vida? Vivemos em
Brasília, ou, na verdade, na Terra? Aqui em Brasília estamos bem perto das
embaixadas, que conectam nosso Estado aos seus pares no mundo. Hoje já temos
condições de saber e nos interessar por o que acontece no Egito, no Iêmen, na
Líbia. Nossa vida será cada vez menos circunscrita pela localidade, e a
universalidade ganhará cada vez mais força. O desafio será manter a identidade
local e as autonomias locais.
A cidade é uma transgressão
absoluta para com a vida natural. A cidade é uma pretensão de defender o homem
de si mesmo, de outros homens, de animais selvagens, dos estrangeiros que
varrem ameaçadoramente o mundo. E o que a cidade faz é condenar o homem ao
social, pois ele está vivendo, agora, num espaço circunscrito. As pessoas estão
presas na cidade agora. A única diferença entre um presídio e uma cidade antiga
é que esta era território sagrado, considerados lugares em que se vivia na
companhia dos Deuses.
Aristóteles diz o que da cidade?
Tudo o que é humano está na cidade. De fora dos muros temos vida natural, que
não é humano, mas rústico. Daqui se depreende que a cidade humaniza o homem,
civiliza-o. A civilização é o que, em tese, nos distancia da barbárie.
E como a sociedade condena o
homem ao social? Por meio da remoção da escolha de viver sozinho. Ninguém vive
sozinho na cidade. Na montanha, o ermitão pode vislumbrar a aproximação de
invasores, e aí se retirar para a floresta, ou optar por ficar. Hoje usamos os
mesmos elevadores, vamos aos mesmos destinos. Alguém já disse: “o diabo são os
outros.” Como seria maravilhosa a vida sem ninguém para nos atormentar!
Avancemos. Do que se trata esse
fenômeno transformador da história da sociedade? A vida central como vida
urbana, tal como em Atenas, considerada capital do mundo antigo, que amplia os
contatos entre humanos. Antes da cidade, nas vilas, feiras de comércio
dispersas e aldeias, não se vivia em contato permanente, e não havia
circunvizinhança necessária.
Já se disse: “onde está o homem
está o perigo.” ¹ Quanta necessidade de regência da vida na presença de mais
homens! A cidade estabelece uma necessidade de nova regência da vida social.
A Família é a célula materna da
sociedade. O regente é o pai, que tem hierarquia sobre o grupo familiar. Poder
sobre clientes, mulheres, filhos e escravos. Ele decide o destino de sua
comunidade familiar. No entanto, a vida não foi feita sempre de famílias
isoladas. Havia também as vilas, com vizinhança necessária, organizadas para
defesa contra o inimigo externo. Todos se defendem na vila. E quem é a
autoridade da vila? Não pode ser o pai de família. O sujeito que surgiu foi o
Vilão Mor, o chefe da vila. Ele determinava o sistema de segurança, de
abastecimento, de distribuição de atividades, e assim por diante. Vilas
congregadas fizeram surgir as cidades. A hierarquia cresce organicamente, bem
como a autoridade. Isso desagua na formação do Estado.
A autoridade do Estado é pessoal
ou institucional? Institucional, necessariamente, em todos os tempos. Se alguém
disser “L’État c’est moi”, isso está errado, pois a autoridade é institucional,
e não pessoal. O Estado é uma criação humana, rigorosamente aberta, e nada
autoriza a dizer que vai acabar amanhã ou será eterno.
O que isso tem a ver com
Sócrates? Com ele, o homem pôde planejar a existência, programar o dia
seguinte, abastecer-se, que é uma tarefa crucial na vida da humanidade. Tal
como significou o fogo quando de sua criação.
A cidade permitiu a existência de
um sistema de abastecimento, resolvendo o problema da sobrevivência. Os
produtores armazenam e trocam seu excedente por outros artigos, prática típica
da vida citadina. O abastecimento para 25 mil pessoas se tornou problema do passado,
e até o ócio começou! Pela primeira vez na cidade foi possível o homem deitar e
sentir-se seguro para o dia de amanhã e depois. O que fazer em seguida?
“Descubra-te a ti mesmo”, disse Sócrates. É a mais infinita das viagens: a
introspecção.
É hora de o homem se tornar
objeto maior dessa necessidade de conhecimento. Buscar-se, realizar o autoconhecimento,
e assim surgiu a Filosofia social.
Quem irá disciplinar a vida
social? O Estado, que se formara. Qual ferramenta? A religião, a etiqueta, os
costumes, e, por fim, o Direito. Este último com capacidade de coercibilidade.
A demanda social é por paz, e o Estado promete justiça.
Atenas domina o mundo cultural,
militar, econômica e politicamente. Os persas, civilização anterior, já haviam
desenvolvido o desejo de dominação universal. Os persas criam um império indo
da África a além do Oriente Médio. Destruindo Atenas, poderiam dominar o mundo
civilizado. Persas eram temidos, mas um general ateniense, Temístocles,
consegue vencer os persas no mar. Atenas sobrevive e o Ocidente também, pois
essa transição do Ocidente para o Oriente traria a imposição de um modelo
cultural diferente para o resto da existência. Foi a batalha de Salamina.
Eis que, dessa batalha, nasce a
glória política de Temístocles, bem como sua ruína. Queria um exercício
vertical do poder. Acabou exilado. Aceitou abrigo justamente na Pérsia.
Atenas criou uma liga de defesa
do mundo contra os persas, e cobrou tributos de mais de 150 cidades-Estados.
Com a entrada de dinheiro, veio a corrupção, e o tratamento da coisa pública
como própria. Aqui emergiu Sócrates, vindo das castas populares.
Disse que o mundo estava
dividindo entre pessoas que viviam do fazer e pessoas que viviam do saber. Este
último era para poucos, para senhores. Essa atividade era chamada de “télos”, que era a percepção. Somente
estes poderiam dirigir a cidade. Os outros somente fazem, mas nada sabem, e não
poderiam dirigir a cidade a conforto. Não poderiam nem se manifestar sobre os
rumos da cidade. Sócrates, entretanto, filho de uma parteira e de um escultor,
veio do puro mundo do fazer. Trabalhar era considerado diminutivo no mundo
antigo; era um signo de insignificância, um demérito no mundo social. Se
trabalha, é insignificante. Não é patrício, não é nobre. O comerciante era uma
das maiores vítimas de preconceito.
Somente depois surgiu a ideia de
que o trabalho dignifica o homem. Inclusive vem do termo tripalium, um instrumento de tortura do mundo antigo!