Direito Processual Civil

terça-feira, 1º de março de 2011

Atos sujeitos a recurso



Na aula passada estudamos conceito de recurso, recurso em sentido estrito, e recurso em sentido amplo no ponto de vista processual. Vimos também a diferença entre recursos e ações autônomas de impugnação; recursos são, em regra, o meio judicial cabível para impugnar decisões judiciais, mas também podem-se propor ações autônomas de impugnação. Esta forma novo processo, aquele prolonga o já existente.

A justificativa da doutrina para a existência dos recursos é a economia processual, unificação da jurisprudência, ser o órgão superior mais experiente, imperfeição e insatisfação humana, e a utilidade preventiva, além de outros motivos. Daí o próprio Poder Judiciário controla os atos praticados por seus membros.

Vimos também a ideia de duplo grau de jurisdição, com o reexame de uma decisão, e aprendemos que não é uma garantia absoluta.

Natureza jurídica do recurso é que ele é uma extensão do direito de agir, e ônus processual. Processualmente falando é um ônus; do ponto de vista das decisões do indivíduo é uma faculdade.

O que temos que fazer é identificar o recurso cabível. Vejam a importância disso: o juiz profere decisão, e achamos que é uma sentença. Mas não é uma sentença! Aprenderíamos, então, o recurso cabível contra a sentença. E qual seria? Apelação. Mas, se não for, o recurso errado fará prevalecer a decisão. Na prática é fácil pois o juiz escreve em sua manifestação: “sentença”. O próprio juiz, entretanto, pode errar! Não pode a parte nem o advogado dizer que foi induzido a erro; a parte tem que apresentar o recurso correto. Não cabe essa justificativa.

Parte da doutrina e da jurisprudência, especialmente a trabalhista, entende que é possível recorrer com base em erro no nome do ato. Professor discorda. Profissionais de direito não podem se render tão facilmente. Cabe recorrer da decisão que é correta. Por isso que existem os recursos! Corrigir erros do juiz.

E não é simples, principalmente em primeiro grau. Os conceitos dessas decisões mudaram há pouco tempo, dado que nosso Código de Processo Civil data de 1973. Várias reformas já mudaram o sistema recursal.
 

Atos sujeitos a recurso

Que atos dentro do processo estão sujeitos a recurso? Dentro do processo há vários atos praticados, seja pelas partes, pelos auxiliares, atos do juiz, do Ministério Público... Então, dentro de um processo, que devemos encarar como um jogo de resolução de conflitos, os atos são a materialização do poder de julgar. Sendo um jogo, há uma estratégia. Elaboração de quesitos de perícia, o que perguntar para as testemunhas e em que momento, etc.

Somente os atos jurisdicionais estão sujeitos a recurso. Ou seja, atos do juiz. Significa que não se recorre, em sentido estrito, de um ato da parte. É o juiz que tem o poder de decidir, de julgar; atos da parte não têm o condão de atingir a parte contrária diretamente.

O professor já perguntou: podemos recorrer, em sentido estrito, de um parecer do Ministério Público que foi contrário ao seu interesse? Não, mas podemos recorrer do ato do juiz que acolheu seu parecer. Cuidado com o termo “juiz” aqui. na verdade estamos falando de qualquer magistrado, de todo o Poder Judiciário.

Todos os atos jurisdicionais são passíveis de recurso? Não. É recorrível o ato de inspeção judicial? Não. Apenas os pronunciamentos são recorríveis: a manifestação do juiz, sua exposição, o falar nos autos. O processo começa por iniciativa da parte mas é impulsionado pelo juiz. Pronunciamento jurisdicional é passível de recurso.

E aí vamos para a última etapa: todo pronunciamento do juiz é recorrível? Também não! Às vezes o juiz fala nos autos, mas sem causar prejuízo, sem “resolver questão”. Se ele não resolver questão alguma, o ato não será passível de recurso. O exemplo mais clássico é o despacho.

Os pronunciamentos judiciais são ou decisões ou despachos. Quando o juiz fala nos autos, ou ele está decidindo, ou está despachando.

E o que é “questão”, posta entre aspas desde o começo? Ponto controvertido. Resolver ponto controvertido é o que causa prejuízo à parte. O ato que resolve a controvérsia é considerado decisão judicial. Por outro lado, o processo tem que caminhar, tem que ser impulsionado. Isso se faz por meio do despacho.

Exemplos de despachos: designe-se audiência. Intime-se a parte. Dê-se vista à parte contrária.

Na prática não é bem assim: há atos que aparentemente têm aspecto de despacho, mas que, no caso concreto, causam prejuízo, daí serem pronunciamentos do tipo decisão. O mero “cite-se” pode causar prejuízo! Há até um artigo chamado: “Da Recorribilidade do Cite-se.” Pode ser passível de recurso por causar prejuízo à parte contrária. Não é que será um despacho recorrível; se é despacho, o ato é irrecorrível. Art. 504 do Código de Processo Civil:

Art. 504.  Dos despachos não cabe recurso.

Não existe a frase “alguns despachos são recorríveis”.

Há dois casos que o professor irá nos mandar, no STJ, com impugnação do “intime-se.” Num foi considerado despacho, noutro foi considerado decisão. Até um “ao MP” já foi recorrido. A remessa dos autos pode ser desnecessária e prejudicial ao andamento do processo e à economia processual. É comum juízes escreverem “despacho” e, no corpo, termos uma verdadeira decisão. É plenamente recorrível, apesar do nome.

A primeira coisa, portanto, é identificar que o ato judicial é uma decisão.
 

Tipos de decisão

Identificado que se trata de uma decisão, temos que identificar seu tipo. São dois tipos proferidos na primeira instância, e dois na segunda. Sentenças e decisões interlocutórias, e acórdãos e decisões monocráticas, respectivamente.

Primeiro passo é identificar o órgão que proferiu a decisão. Se é um tribunal, só podemos estar falando de um TJ, de um TRF, do STJ ou do STF. Isso, claro, dentro da justiça comum.

O processo começa com a petição inicial e termina num ato que ainda não sabemos. No decorrer, vários atos são praticados pelo juiz. Vamos vê-los.

Nosso Código é de 1973. Sentença, de acordo com Alfredo Buzaid, autor do Código, era o ato pelo qual o juiz punha fim ao processo. Não é mais assim, já sabemos. Decisão interlocutória era ato no qual o juiz decidia um incidente sem por fim ao processo. Proferida uma decisão no meio do processo, ou seja, uma decisão interlocutória, o processo não terminava, e ainda havia atos por serem praticados. São decisões que resolvem incidentes. Ao mesmo tempo, cuidado com a expressão “pôs fim ao processo”. O ato que põe fim ao processo no primeiro grau era a sentença. Mas o processo em si não necessariamente termina aqui; ainda há atos por serem praticados pelas partes.

Isso tudo no passado.

Hoje temos um conceito novo, com um processo maior, dividido em duas fases. É o processo sincrético, com as fases de conhecimento e de cumprimento da sentença. Dizer que sentença era o “ato pelo qual o juiz coloca fim ao processo” não mais procede, pois há a fase de execução, do cumprimento de sentença. O processo não termina mais com a sentença, do ponto de vista pragmático. Ainda continua em primeiro grau, e partirá para a segunda fase. Antes, a execução era um novo processo, uma nova inicial, com citação da parte contrária, uma nova relação jurídica processual. A sentença, no passado, colocava sim fim no processo. O que surgia depois era um novo processo, chamado execução de título executivo judicial. O devedor, hoje, é intimado para pagar, e não citado. E felizmente, pois a citação é um procedimento muito mais complicado do ponto de vista do interesse do autor.

Art. 162, § 1º: Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

Vejam que foi excluída a expressão “extinção do processo”, substituindo por “situações dos artigos 267 e 269”.

Art. 267: Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: [...]

Art. 269: “Haverá resolução de mérito: [...]

Complicou. O que é sentença agora? Sentença põe ou não fim ao processo? Logo depois que surgiu esse conceito, o professor ajuizou ação de execução de alimentos. A magistrada notou que parte da dívida em cobrança estava prescrita. Pelo conceito antigo, que dizia que sentença é o ato pelo qual o juiz põe fim ao processo, esse ato seria uma decisão interlocutória, pois continuaria do mesmo ponto.

Então veio o conceito novo, prescrevendo que sentença é o ato pelo qual o juiz aplica uma das questões dos arts. 267 e 269. No caso da execução de alimentos, foi o caso do art. 269, pois se tratava de prescrição. O recurso cabível era apelação, e todo o caderno processual era remetido ao Tribunal. E a parte deferida da execução alimentícia? Houve um problema.

É aqui que entra a doutrina: “sentença é a o ato pelo qual o juiz põe fim ao processo ou a uma de suas fases.” A conclusão que chegamos é de que o conceito de sentença tem que ser visto pelo conteúdo e pela sentença. Não somente pelo conteúdo do ato.

O juiz recebe uma petição inicial e exclui três dos cinco réus do processo, extinguindo o processo em relação a eles. Não é uma extinção completa, então é uma decisão interlocutória! Não existe a possibilidade de dizer: “para os três, temos sentença, para os réus restantes temos decisão interlocutória.” Não é assim. O ato é visto de uma forma só para todos os consortes. O pronunciamento judicial é visto na perspectiva do processo e não das partes individualmente consideradas.

Vejamos exemplos de pronunciamentos decisórios:

O art. 162, § 1º não deve ser interpretado literalmente, mas sistematicamente. Importa o conteúdo e a consequência.

Essa é a diferença entre sentença e decisão interlocutória. Basta identificar o ato para identificar o recurso, no futuro. Se não souber, você poderá até errar o prazo.
 

Decisões nos tribunais

E nos tribunais? Como identificar os tipos de decisões judiciais? É mais simples aqui. Temos vários julgadores divididos em colegiados. O que são colegiados? Grupos de julgadores. No primeiro grau, quem decide o processo é um juiz, uma única pessoa. Nos tribunais, é um colegiado, várias pessoas. Adotamos como regra a colegialidade. Decisões monocráticas serão exceção.

O nome da decisão proferida por esse colegiado é acórdão. Do que é composto? Relatório, votos, ementa e a certidão de julgamento.

No relatório, o magistrado lê o processo e elabora uma síntese do que está em discussão. Resumo da controvérsia. Elabora, depois, sua decisão. Esse é o voto. O relator lê o relatório para os colegas, que começarão a visualizar o que está acontecendo. Em seguida, os demais se pronunciam.

A ementa, por sua vez, é um resumo de tudo o que foi decidido. É isso o que será publicado no jornal da justiça. Não há como publicar tudo.

Por fim, a certidão de julgamento, com um registro da ata do julgamento, quem esteve presente, como ficou a votação, data, entre outros.

Isso tudo compõe o acórdão, que é a decisão proferida por um colegiado.

Decisão monocrática: como dito, nosso sistema adota a regra da colegialidade. Significa que, nos tribunais, em regra quem decide é uma pluralidade de julgadores. Entretanto, são muitas causas repetidas que tramitam, inclusive com jurisprudência consolidada. No passado, os regimentos internos começaram a permitir que os julgadores que compõem os tribunais passassem a decidir alguns casos sozinhos. Ele não precisava levar ao colegiado, mas poderia decidir em nome dele.

Antigamente gerava muita controvérsia o instituto da decisão monocrática, mas hoje virou lei, e temos muitas decisões desse tipo. No STJ e no STF as decisões monocráticas são maioria. A parte perde algumas garantias, como não saber a data precisa do julgamento e não poder fazer sustentação oral.

Observação: se houver erro no relatório, cabe embargo de declaração. Não é erro na decisão em si, mas de coerência.

Terminamos as decisões proferidas nos tribunais. 

Certeza que cairá na prova uma situação para identificar que tipo de ato é.

Essa conceituação de sentença, decisão monocrática, acórdão aplica-se a todos os processos e procedimentos. Ação de reintegração de posse, ação de cobrança, execução, cautelar, não interessa. Nem o tipo de processo nem de processo. O ato pelo qual o juiz põe fim ao processo será sempre sentença.

Amanhã: defeitos das decisões.