Direito Processual Civil

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Efeitos da apelação

 

Vamos recapitular. Iniciamos o estudo da apelação antes da prova. Agora vamos estudar recurso por recurso. Vimos conceito, cabimento, súmula impeditiva, regularidade formal... agora vamos para os efeitos da apelação.

Apelação é o recurso mais amplo. Os outros conseguiremos ver, em princípio, em uma aula.

Efeitos são, como sabemos, consequências da interposição do recurso. Essas consequências são os efeitos. O que acontece com o processo, o que acontece com a decisão? Ela já vale, ou ainda não? Que matéria pode ser analisada pelo órgão que irá julgar o recurso?

Já estudamos isso. Vamos aplicar o tópico de efeitos dos recursos, que faz parte da teoria geral dos recursos, especificamente à apelação.

Esta parte está prevista nos arts. 515 a 517 do Código de Processo Civil. O efeito suspensivo está no art. 520.

Quando a parte interpõe a apelação, ela vai, primeiramente, ao juízo a quo, que faz o primeiro juízo de admissibilidade. Paralelamente ao juízo de admissibilidade, é competência do juízo a quo declarar os efeitos em que recebe a apelação. “Recebo a apelação no efeito suspensivo.” O juízo a quo que declara. Efeito devolutivo sempre haverá na apelação. Há até carimbos: “recebo a apelação no duplo efeito”.

O que significa o efeito devolutivo? A ideia, como diz o nome, é de devolução. Devolver algo. Pensem no Poder Judiciário como um todo. Ele recebe uma pretensão judicial. A ideia exprimida pela parte quando leva seu problema ao Judiciário é “resolva este conflito para mim! Eu e minha contraparte não fomos capazes de resolver amigavelmente.” O Estado processa e profere a sentença. A sentença, em princípio, é a resolução do conflito. Claro, no entanto, que alguém pode não aceitar. A parte que não aceitar poderá recorrer. O recurso cabível em regra é a apelação. Nesse momento vem a ideia do efeito devolutivo: o recorrente devolve ao Poder Judiciário a apreciação da matéria. Pensem na solução da primeira instância como um pacote fechado, que quem recebe pode não gostar. A matéria será rediscutida, claro, sendo devolvida para outro órgão do mesmo Poder Judiciário. No caso, Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal.

Mas a parte pode devolver apenas parte ou a inteireza da solução. “Devolvo ao Poder Judiciário o exame desta solução.” O efeito devolutivo tem importância total porque fixa a matéria que será analisada pelo órgão ad quem.

Imaginem que ajuizei ação de danos morais e materiais em decorrência de um prejuízo que sofri. O juiz me concede 70% dos danos materiais, mas indefere o pedido em relação aos danos morais. Recorro só dos morais, e aceito a solução dada em relação aos materiais. Devolvo somente a questão relativa aos danos morais. O que o órgão ad quem poderá julgar na apelação? Somente os danos morais! O juízo ad quem não poderá julgar a questão dos danos materiais, pois não recorri da solução dada em relação a eles. É a mesma ideia do julgamento ultra, citra e extra petita. Arts. 128 e 460 do CPC:

Art. 128.  O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

Art. 460.  É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.

Parágrafo único.  A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional.

O tribunal não pode julgar o que não for pedido, salvo em relação às matérias de ordem pública.

O efeito devolutivo, portanto, é o mérito do recurso; a matéria devolvida será analisada pelo órgão julgador. O efeito devolutivo fixa a controvérsia que será julgada pelo órgão ad quem. E mérito, como sabemos, é a pretensão da parte. Mérito = pretensão. O mérito da discussão é o que a parte está pretendendo. O efeito devolutivo fixa a matéria controvertida. O órgão julgador não poderá julgar nem além, nem a menos, nem fora do que foi suscitado na apelação.

A apelação é um recurso com efeito devolutivo duplo. Vamos ver a profundidade das coisas que podem ser discutidas na apelação.

Há recursos com efeito devolutivo limitado. Recurso especial e recurso extraordinário, por exemplo. Provas não são reanalisáveis. Aqui na apelação o efeito devolutivo é amplo, o maior que existe dentre os recursos cabíveis.

Reformatio in pejus: pode-se reformar a decisão para pior, considerando o recurso da parte? Sabemos que não. Isso é decorrência do efeito devolutivo. Quem está recorrendo está buscando uma melhora. Daí a proibição da reforma para pior. Não se pode piorar a situação daquele que recorre, justamente quem recorre está buscando a melhora, e isso delimitará a pretensão a ser discutida. Piorar seria julgar fora da matéria.
 

Profundidade da apelação

Vamos agora estudar a teoria da causa madura, o duplo fundamento, e vamos entender coisas diferentes hoje.

O que se pode analisar com o julgamento da apelação? O tribunal recebe a apelação com efeito devolutivo. Até onde ele pode ir? Essa é a profundidade do efeito devolutivo. Ele deve julgar o que a parte pediu, mas, ao fazê-lo, poderá analisar o quê? Pode analisar os fatos e o Direito do processo livremente? Vamos entender. O juiz de primeiro grau se baseou no depoimento da testemunha A. Pode o tribunal se basear no testemunho da testemunha B? Pode. O tribunal pode analisar todas as questões de fato e de direito. Inclusive fatos não vinculados à sentença. A sentença, por exemplo, pode ter valorado mais a testemunha do que o laudo pericial. O tribunal poderá se motivar no laudo. Todas as questões de fato e de direito, vinculadas ao que a parte pediu, poderão ser (re)analisadas.

E se a sentença se baseou no Código de Defesa do Consumidor? Será que o tribunal pode, julgando a mesma questão, se basear no Código Civil? Em outras palavras, dar um enquadramento jurídico diverso? Em lei diferente da qual a sentença tenha se baseado? Sim! O efeito devolutivo é amplo! Da mihi factum, dabo tibi jus! Significa que podemos redigir uma apelação sem citar um único dispositivo legal. Podemos! O que importa é que o tribunal decida a questão. Não importa, agora, o enquadramento jurídico que ele dará à questão. Mas claro que devemos fazer a apelação com fundamento em todos os dispositivos legais possíveis. É função do advogado enquadrar a questão juridicamente. Muito embora o tribunal possa fazê-lo mesmo sem que a parte tenha invocado nenhum dispositivo legal.

O professor, quando faz uma apelação, procura citar os dispositivos legais, já pensando num futuro REsp. Veremos depois por quê. O tribunal julgará de acordo com o Direito, e não necessariamente com nenhum dispositivo legal. A apelação abre a chance para o julgador. Não significa que o órgão ad quem deve afastar o enquadramento jurídico dado na sentença. Pode mantê-lo. Citar os dispositivos é bom para dar o caminho das pedras ao julgador, e assim ele saberá melhor qual sua linha de raciocínio. Não confundir, é claro, com “ensinar Direito ao magistrado”.

Matéria de ordem pública pode ser analisada de ofício, sem que ninguém peça. É a matéria em que o interesse público prevalece sobre o interesse privado. As nulidades absolutas, pressupostos processuais, condições da ação, prescrição... É uma exceção ao princípio da proibição da reformatio in pejus. A parte pode sair ainda pior quando uma questão de ordem pública é apreciada a contragosto.
 

Questões anteriores à sentença

Vejam como o efeito devolutivo é amplo. O juiz profere a sentença, mas deixa algo para trás. Oitiva de testemunha, impugnação ao valor da causa, pedido de gratuidade da justiça, qualquer questão. Mas já houve sentença proferida. O tribunal pode julgar as questões anteriores à sentença. O órgão ad quem “dá uma geral” no processo. É a ideia de segundo exame amplo. Questões anteriores à sentença também são julgadas, analisadas e sanadas pelo órgão ad quem.

O tribunal de segundo grau vive mais o caso, a controvérsia do que o próprio STJ, que só analisa a matéria de direito. O tribunal de segunda instância analisa depoimento de testemunhas, inspeção judicial, laudo pericial. Tudo isso porque o efeito devolutivo é amplo.

Art. 515:

Art. 515.  A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1o  Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§ 2o  Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

§ 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.

Prestem atenção nesta parte, que é difícil. Ajuízo uma ação de despejo. Quero que o sujeito saia do meu imóvel rural, por dois motivos: um, por não ter pagado sua prestação periódica, e outro, por ter descumprido causa do contrato que vedava a realização de rodeios. Os dois motivos são autônomos. A ação de despejo poderia ter um fundamento apenas. Neste caso, entretanto, foram dois os fundamentos. “Se Vossa Excelência entender insuficiente o primeiro fundamento, que acolha o segundo como suficiente!” essa é a essência. Estamos falando em situações em que dois ou mais motivos podem servir de base para o deferimento do pedido, portanto.

O juiz de primeiro grau julga a ação e decreta o despejo. Entende que os alugueres não foram pagos, mas nada fala sobre o descumprimento da cláusula contratual. E não precisava. O inquilino apela, alegando que pagou os alugueres e que não está em atraso. E demonstra que pagou. A questão vai ao tribunal. Neste momento, admitam como verdade a afirmativa de que o inquilino realmente pagou o que devia, e não estava inadimplente. O fundamento da sentença para decretar o despejo foi o não pagamento dos alugueis. O que o tribunal fará? Dará provimento, a princípio, porque o sujeito comprovou o pagamento. Mas e o outro fundamento? Eu, senhorio, levei-o à petição inicial e o juiz de primeiro grau manteve-se silente. O tribunal analisa ou não? Devolve ao primeiro grau para analisar? Não. O tribunal analisa. A apelação devolve ao tribunal o exame do outro fundamento, ainda que a sentença de primeiro grau não tenha apreciado. Veja o § 2º do art. 515.

§ 2o  Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

Isso não precisa sequer ser citado em contrarrazões, porque é um dispositivo para o órgão julgador.

Neste caso, o tribunal pode negar o provimento à apelação, mesmo entendendo que o sujeito pagou os alugueis. No entanto, em relação ao outro fundamento, o inquilino descumpriu a cláusula contratual por promover rodeio com meus semoventes, que acompanhavam o bem principal, o imóvel de alguns hectares. O tribunal, portanto, mantém, o despejo.

Exemplo de defesa: alguém me cobra uma dívida. Eu não devo ao sujeito, porque já paguei. Mas, mesmo que Sua Excelência entenda que eu não paguei a dívida, eu tenho um crédito com autor credor, então deve-se operar uma compensação. O juiz diz: julgo improcedente o pedido porque ficou demonstrado o pagamento da dívida. Nada precisava falar sobre a compensação e a existência de crédito meu favor, réu apontado como devedor.

Certo. O autor apela da decisão que julgou improcedente seu pedido. No recurso ele inclui, dentre as razões, que “esse recibo que ele (eu, o réu apontado como devedor) juntou não diz respeito àquela dívida, mas a outra, de outra avença que fizemos.” Como deverá ser o posicionamento do juízo ad quem? Colocando-se na pele do órgão ad quem, a manifestação seria “a princípio, portanto, afasto o pagamento, e analiso, agora, a compensação.” Neste caso, a improcedência do pedido é mantida, já que, mesmo que o pagamento tenha sido afastado, o crédito do réu com o autor servirá à compensação. Se, entretanto, entender inválida a compensação, o juízo ad quem dará provimento à apelação. Note que não são pedidos alternativos, mas sim fundamentos para o mesmo pedido, que é um só.

Não confundam pedidos com fundamentos! O pedido é o mesmo, mas com múltiplos fundamentos. Se eu, agora na posição de autor, formulei dois pedidos e ganhei um deles, e não apelei do outro, perdi, pela preclusão consumativa, o direito de buscar o reexame do outro.
 

Causa madura

É um tema complexo. É o seguinte: vamos ver novamente um exemplo antes. O juiz extingue um processo sem julgamento do mérito. O que é isso? Sentença terminativa. Por julgar sem resolução de mérito, o juízo está dizendo, claro, que falta algo para que o mérito seja analisado. Ou ilegitimidade da parte, ou há coisa julgada, ou o pedido é juridicamente impossível, ou falta interesse... Não analisa a pretensão em si. Julga o processo sem resolução do mérito. Apelo dessa sentença terminativa. O que alegarei nessa apelação? Direi que “o que o juiz diz que não tem, tem.” Calma, vamos repetir. Na apelação que interpus contra essa sentença terminativa, busco demonstrar que os elementos que o juiz de primeiro grau entendeu estarem ausentes estão, na verdade, presentes. Digamos que o juiz me declarou ilegítimo para a causa. Se ele entendeu haver ilegitimidade, vou apelar com base na legitimidade. Apelei só para isso. O tribunal de segundo grau irá julgar se sou ou não legítimo. Se acolher minhas razões, o tribunal afastará a causa que extinguiu o processo sem julgamento do mérito.

É aqui que vem a questão. O que o tribunal faz? Devolve ao juízo a quo para que, aí sim, julgue o mérito, ou o próprio tribunal vai adiante e julga, ele mesmo, o mérito do caso? O juiz de primeiro grau nada falou sobre isso. Portanto, o tribunal já se manifesta. Antigamente devolvia-se a matéria para o juízo a quo; hoje há a chamada supressão de instância. No passado a supressão era vedada, até porque era garantia constitucional absoluta o duplo grau de jurisdição. Afastada a questão preliminar, o órgão ad quem devolvia ao juiz de primeiro grau para que analisasse o mérito. Hoje, a supressão de instância é permitida desde que o processo esteja maduro. O que é isso? Matéria está pronta para julgamento. O órgão ad quem já julga, sem retornar ao juízo a quo.

§ 3º do art. 515:

§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

Ou seja, desde que o processo esteja em condições de imediato julgamento, e a matéria seja somente de direito. Como sabemos da regra do efeito devolutivo, só se julga o que foi devolvido, certo? Não é isso o efeito devolutivo, devolver somente a matéria impugnada ao juízo ad quem? Pois é. Mas aqui se julga o que não foi devolvido! Foi uma revolução no sistema processual. Pode-se, inclusive, falar sobre o próprio mérito na apelação. Isso porque não haverá outra oportunidade para a parte. Não se abrirá vista às partes para manifestarem-se sobre o mérito uma vez que a questão preliminar que impediu a apreciação do mérito tenha sido afastada. Mesmo que a apelação não seja provida, é bom falar sobre o mérito, inclusive na sustentação oral! Baseia-se no “talvez”.

Isso aconteceu uma vez com o professor. Ele aproveitou seu tempo restante e, já imaginando a possibilidade de ter sua apelação provida, aproveitou para reservar os últimos 5 minutos ao mérito. Entretanto, os desembargadores rejeitaram o recurso, e esses cinco minutos acabaram sendo para falar, na verdade, sobre “nada”. O caso era até interessante. Tratava-se de um vestido de noiva. Uma jovem estava prestes a se casar e contratou com uma loja a locação de um vestido, que foi entregue pouco antes da celebração, mas não do jeito que ela havia contratado. Foi feita a reclamação, cheques foram sustados, não houve acordo. O problema foi a juízo. A ação em si era economicamente de pouca significância, mas juridicamente a tese em discussão era rica. Discutia-se o conceito de bem durável e não durável.

O tribunal entendia que roupa era bem não durável, enquanto o professor sustentava que era bem durável, no mérito. Isso sobre a ótica do Código de Defesa do Consumidor, defendia ele; falou que não se tratava da diferença entre bem consumível e não consumível, regulados pelo Código Civil. Durabilidade estaria ligada ao grau de descartabilidade do bem, e roupa, entendia o professor, não seria descartável. Isso tem relevância para a reclamação do consumidor. CDC:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

Como o entendimento do tribunal era de que roupa era bem não durável, portanto uma reclamação feita depois de 30 dias era extemporânea, e não estava amparada pela norma do art. 26 do Código de Defesa do Consumidor. Foi sobre isso que o professor falou em sua sustentação oral, infelizmente em vão.

Esse dispositivo do § 3º do art. 515 do CPC teve sua constitucionalidade questionada, porque violaria o duplo grau de jurisdição. Mas o duplo grau de jurisdição não é absoluto, como já falamos, e o dispositivo foi declarado constitucional.

Art. 515, § 4º:

§ 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.

Novidade também. Agora o tribunal tem poderes para sanar nulidades. Mas havia questões em relação às quais o órgão ad quem estava limitado. Há quem sustente inclusive a possibilidade de o órgão ad quem ouvir testemunha. Pode determinar nova diligência que faltava, para só então torná-los aptos ao julgamento.
 

Efeito suspensivo

Mais simples. Qual é o conceito de efeito suspensivo? Corriqueiramente, significa “ganhar mas não levar”. Ganha-se a causa, mas o direito não é exercido, porque suspenso. Isso mudará no novo Código. O efeito suspensivo passará a ser exceção. Ganhar e não levar é muito frustrante. Ganho R$ 10 mil em ação de cobrança em primeira instância, mas a outra parte apela alegando um nada jurídico. O tribunal pode levar seis anos para julgar a apelação. E a vontade de receber logo? Mesmo que corrigidos monetariamente, o que vale o uma sentença? É uma indagação que se faz. A resposta é “nada!” A outra parte vai apelar, e a apelação tem como regra o efeito suspensivo. É recebida sempre no efeito suspensivo, salvo as exceções que veremos logo mais.

Regra geral: a apelação terá efeito suspensivo. Adia os efeitos da decisão. A decisão existe mas não tem, no primeiro momento, eficácia. A parte tem que esperar o julgamento da apelação. As exceções estão no art. 520:

Art. 520.  A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:

I - homologar a divisão ou a demarcação;
II - condenar à prestação de alimentos;
III - (Revogado pela Lei nº 11.232, de 2005)
IV - decidir o processo cautelar;
V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes;
VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem.
VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela;

Alimentos, por exemplo. Se eu apelar de uma sentença que defere alimentos, e ao recurso for atribuído efeito suspensivo, alguém poderá morrer. A apelação, neste caso, não terá efeito suspensivo. Na prática, o condenado terá que pagar os alimentos. Os alimentos não são repetíveis, mesmo com ação de investigação de paternidade que venha a comprovar, posteriormente, que o alimentante não é pai do alimentado. Também nos processos cautelares e nas ações de demarcação. A ação cautelar contém a questão do periculum in mora.

E nesses casos, pode haver concessão do efeito suspensivo mesmo assim? Pode. Pode haver a concessão judicial do efeito suspensivo, provando a existência de prejuízo em caso de imediato cumprimento da decisão. Pode-se pedir efeito suspensivo parcial, demonstrando a necessidade, inclusive para os alimentos. E quais os requisitos para pedir o efeito suspensivo? Art. 558:

Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.

Parágrafo único.  Aplicar-se-á o disposto neste artigo as hipóteses do art. 520.

O artigo trata de agravo, recurso que ainda não conhecemos, mas suas disposições, conforme diz o parágrafo único do art. 558, aplicam-se às hipóteses do art. 520, que trata justamente das exceções ao efeito suspensivo na apelação. Em suma: havendo risco de dano e sendo a fundamentação relevante, ou seja, periculum in mora e fumus boni juris, pode-se pedir a concessão judicial do efeito suspensivo.

Nos casos em que a apelação não tem efeito suspensivo, quer dizer, ela já vale e é eficaz, qual o meio de exercer o direito? Através da execução provisória. Existe a execução definitiva, fundada em título judicial transitado em julgado, e a execução provisória fundada em título não transitado. Já se começa a praticar atos de execução mesmo estando o título pendente de recurso. Neste caso, o direito pode ser exercido, mas com limitações. O devedor deverá receber uma garantia.

Documento novo

A pergunta aqui é: pode ser juntado um novo documento na apelação? Documento que não foi juntado quando da tramitação do processo em primeiro grau. Pode ser ou não suscitada uma nova questão na apelação? Do ponto de vista negativo, pode-se guardar um documento ou questão “na manga”? A resposta está no art. 517 do Código de Processo Civil:

Art. 517. As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.

Significa que pode, desde que não altere o pedido. Os requisitos em si para juntada de novo documento é que não haja espírito de ocultação premeditada e surpresa do juízo. Ter o documento e não juntar antes. A ocultação não pode ser premeditada, na verdade, não pode ser ocultação de forma alguma pois “ocultação” pressupõe dolo. Se tiver esse espírito, o documento deverá ser desentranhado. O conceito de documento novo é aquele surgido após a sentença, ou que já existia, mas a parte ainda não tinha acesso. Lembrem-se: o pedido é fixado no momento do ajuizamento da ação, portanto não se pode alterar o pedido. O objetivo do processo é dar uma decisão que trate mesmo da questão, que julgue mesmo o caso. O documento é até bem-vindo, pois daria uma solução mais próxima da verdade real. No Processo Civil impera a verdade dos autos. Pode ocorrer de você ter a verdade verdadeira, mas não conseguir provar nos autos. No Processo Civil moderno, entretanto e felizmente, busca-se a verdade real na melhor medida possível.
 

Direito superveniente

Surge nova lei. Essa lei se aplica ou não à situação jurídica discutida na apelação? Sim. Desde que não se altere o pedido. Direito de Família, por exemplo, com alimentos. A decisão tem que tratar a situação fática do momento da decisão, e não do momento do ajuizamento da ação. O interesse de agir, com o binômio necessidade/utilidade, é variável, portanto a nova decisão poderá contemplar a nova situação jurídica.

Art. 462:

Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

O resultado do processo tem que retratar a situação fática existente no momento da decisão, e não do ajuizamento. Ou não haveria tutela jurisdicional.

Terminamos a apelação aqui. O próximo é o agravo!