Direito Processual Civil

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Efeitos dos recursos

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Pelo Código de Processo Civil, temos somente dois efeitos dos recursos disciplinados: o efeito suspensivo e o efeito devolutivo. Mas a doutrina prevê outros, tais como o translativo, o regressivo ou de retratação, o substitutivo, o expansivo e o obstativo.
 

Efeito obstativo

É um efeito comum a todos os recursos. Obstar, aqui, significa impedir o trânsito em julgado, portanto a formação da coisa julgada e da preclusão. A preclusão, como sabemos, é a perda do direito da parte de praticar um ato processual. Então falamos, no efeito obstativo, de preclusão temporal. Em se praticando o ato (exercer o direito de recorrer) dentro do lapso temporal, não teremos preclusão.

Se o recurso for interposto, também não teremos a formação da coisa julgada.

Art. 301 do Código de Processo Civil, § 3º, in fine:

[...] há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.

A coisa julgada em si encontra-se no art. 467:

Seção II

Da Coisa Julgada

Art. 467.  Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
 

Efeito suspensivo

O efeito suspensivo não é comum a todos os recursos. Depende de previsão legal, e, em sua ausência, entende-se sem efeito suspensivo o recurso. O recurso dotado de efeito suspensivo suspende os efeitos da decisão recorrida até o julgamento do recurso. Consistirá na ineficácia da decisão até seu julgamento. Significa que a decisão não poderá ser executada nem provisoriamente.

Art. 475-I, § 1º:

Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo.

§ 1o É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo.

Note o trecho “ao qual não foi atribuído efeito suspensivo”. Claro que só se suspenderão os efeitos de uma decisão negativa. Se o autor ajuíza uma ação e o juiz indefere totalmente o pedido, não há motivo para suspender a eficácia. Mas se o réu sucumbir, ele terá interesse em bloquear o efeito da decisão.

A apelação, por exemplo, como vamos ver, a regra é que tenha efeito suspensivo.

Mas há casos em que a via judicial pode ser usada para suprir a ausência de efeito suspensivo. Pode ser que a decisão recorrida cause prejuízo inevitável, então a parte pede que seja atribuído o efeito suspensivo. Parece com o que é feito nas medidas cautelares.

Art. 520.  A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:

I - homologar a divisão ou a demarcação;

II - condenar à prestação de alimentos;

III - (Revogado pela Lei nº 11.232, de 2005)

IV - decidir o processo cautelar;

V - rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes;

VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem.

VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.

Vejamos o último inciso. Confirmada a antecipação dos efeitos da tutela, como na ocasião em que a parte ajuíza contra a empresa de planos de saúde, e precisa da instalação imediata de um home care. O autor e a empresa ré celebraram, antes, um contrato de plano de saúde, e nele não está prevista a cobertura de home care. Como a parte está doente, ela ajuíza a ação e pede antecipação de tutela, visando à entrega dos equipamentos em casa e à disponibilização da equipe. Neste caso, o juiz pode confirmar ou negar. Se confirmar a antecipação de tutela, a empresa, que entende ser enorme a despesa não prevista do home care, poderá apelar. Essa apelação, entretanto, só poderá ser recebida no efeito devolutivo, pois, se fosse atribuído o efeito suspensivo, a antecipação de tutela perderia a razão de ser.

Com o efeito suspensivo, a decisão não surte efeito até o julgamento do recurso.
 

Efeito devolutivo

Há divergência doutrinária se o efeito devolutivo é comum ou não a todos os recursos. Há quem entenda, (corrente minoritária) que todos os recursos têm efeito devolutivo. Quem defende essa posição alega que o exame da matéria é devolvido ao Poder Judiciário, e que não faz diferença se é para o órgão hierarquicamente superior, ou para o órgão que prolatou a própria decisão.

A corrente majoritária entende que o efeito devolutivo não é comum a todos os recursos. Seria, por exemplo, o caso dos embargos de declaração. É um recurso interposto contra qualquer decisão, para solucionar somente uma obscuridade, contradição ou omissão (art. 535 do CPC).¹ O recurso será analisado pelo próprio prolator da decisão. Não irá para o órgão jurisdicional hierarquicamente superior. Essa corrente majoritária entende isso: o efeito devolutivo manda a matéria do órgão a quo ao órgão ad quem, e restringe-se à matéria impugnada no recurso.

Se a parte recorre somente sobre a questão dos honorários advocatícios, nada mais poderá ser revisto quando do julgamento do recurso.

O julgamento do tribunal poderá ser igual ou menos extenso em termos de matéria discutida do que o julgamento do órgão a quo, nunca mais extenso. Exemplo: o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito por entender ilegítima a parte. Esta apela dessa decisão terminativa. Quando o faz, o tribunal entende que a parte é legítima, ao contrário do que fora decidido antes, mas não poderá, agora, adentrar no mérito. A sentença do juízo a quo é reformada pelo juízo ad quem, e agora sim o mérito poderá ser decidido pelo próprio juízo a quo.
 

Efeito regressivo ou de retratação

Esse efeito é o contrário do devolutivo. Retorna a matéria impugnada ao próprio órgão prolator da decisão recorrida. É o caso dos embargos de declaração. Todos os agravos, e a apelação em alguns casos, terão o efeito regressivo e também o efeito devolutivo. Significa que, ao contrário do que aparenta, esses dois efeitos não são incompatíveis entre si. ²

Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua decisão.

Parágrafo único.  Não sendo reformada a decisão, os autos serão imediatamente encaminhados ao tribunal competente.

 

Efeito translativo

É a apreciação pelo tribunal de matéria cujo exame é obrigatório por força de lei, como as matérias de ordem pública. Exemplos: prescrição, decadência, pressupostos processuais, condições da ação, nulidades, etc. Independente de recurso da parte, ou de ter abordado aquela questão antes. O juízo ad quem pode notar que a ação estava prescrita sem que o juízo a quo tenha notado. ³

Art. 515.  A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1o  Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§ 2o  Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

[...]

Art. 113.  A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.

§ 1o  Não sendo, porém, deduzida no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, a parte responderá integralmente pelas custas.

§ 2o  Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente.

É um outro caso de análise pelo juízo ad quem. A incompetência absoluta pode ser conhecida de ofício. A sentença pode analisar o mérito, mas o órgão revisor da decisão pode notar que a parte não tinha legitimidade ou outra condição para o desenvolvimento correto do processo. A prescrição e a decadência podem ser analisadas pelo tribunal independente de a parte ter suscitado isso.
 

Efeito substitutivo

Significa que a decisão impugnada será substituída por outra decisão, a última proferida, que será, naturalmente, a que julga o recurso. Algumas vezes o tribunal reforma completamente a sentença. Como poderíamos ter duas decisões incompatíveis no mesmo processo? Uma decisão substituirá a outra. O que vale agora é a nova decisão do recurso.

As exceções: essa substituição não se verificará em duas hipóteses: se o recurso não for conhecido por ser deserto ou intempestivo, a matéria não será apreciada. Prevalecerá o entendimento que está na decisão recorrida; e também no caso de error in procedendo, um vício na atividade jurisdicional. A decisão recorrida é cassada, mas não substituída. A matéria volta para ser reexaminada no mérito.

Outra coisa: a sentença aborda vários assuntos tratados no processo. Se a parte recorre só de determinado ponto, tal como juros ou correção monetária, a nova decisão irá substituir a sentença recorrida somente na parte impugnada, não atingindo a questão do valor principal, nesse exemplo. No que o recorrente ficar silente, nada mudará.
 

Efeito extensivo ou expansivo

Este efeito, bem como o anterior, está relacionado ao julgamento do recurso. Vimos rapidamente ontem. Falávamos sobre o mérito do recurso adesivo, que não está vinculado ao mérito do recurso principal, exceto na questão dos honorários advocatícios. O efeito extensivo é exatamente a ampliação do julgamento além da decisão recorrida para atingir outros atos processuais ou beneficiar outras pessoas. Um recorre, e a decisão aproveita aos demais. Uma aparição do efeito extensivo no Direito Brasileiro é no caso de litisconsórcio:

Art. 509.  O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses.

Parágrafo único.  Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros, quando as defesas opostas ao credor Ihes forem comuns.

Exemplo de “outro ato processual” é o preceituado no art. 113, § 2º:

Art. 113.  A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.

[...]

§ 2o  Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente.
 

Cessação dos efeitos

Há a cessação dos efeitos quando o recurso é julgado. Por exemplo: a apelação, que em regra tem efeito devolutivo e efeito suspensivo, ao ser julgada, cessam-se seus efeitos. Passa a importar o efeito do recurso seguinte.

  1. Dica: cabem embargos de declaração quando o pronunciamento judicial tiver OCO.
  2. Neste momento a professora exemplificou falando sobre o processamento do agravo de instrumento, mas não consegui copiar.
  3. A professora mencionou algo sobre apelação entre o comentário do art. 515 e o do art. 113. Não consegui escrever precisamente do que se tratava nem mesmo depois de ouvir o áudio, do qual consegui ouvir somente palavras soltas. Tomando-as por palavras-chave e pesquisando, resolvi trazer o seguinte trecho da obra de Fredie Didier & Leonardo José Carneiro da Cunha: “se o autor invocara dois fundamentos para o pedido, se o juiz o julgou procedente apenas por um deles, silenciando sobre o outro, ou repelindo-o, a apelação do réu, que pleiteia a declaração de improcedência, basta para devolver ao tribunal o conhecimento de ambos os fundamentos; caso a seu ver, o pedido mereça acolhida justamente pelo segundo fundamento, e não pelo primeiro, o tribunal deve negar provimento ao recurso, “confirmando” a sentença na respectiva conclusão, mediante correção dos motivos.” – Curso de Direito Processual Civil, Vol 3: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais, 3ª edição. Salvador, JusPODIVM, 2007.