Direito Processual Civil

terça-feira, 7 de junho de 2011

Recurso especial – continuação

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Revisão

Na aula passada aprendemos a estrutura do STJ, a crise do Supremo, e que, com a Constituição de 1988, foi criado um tribunal novo que pegasse parte da competência do STF. No STJ parte da competência que era do antigo Tribunal Federal de Recursos, mas a maior parte era competência do Supremo. Matéria constitucional e infraconstitucional era julgada pelo STF, e agora, a infraconstitucional é julgada pelo STJ por meio do recurso especial. O REsp é um desdobramento do recurso extraordinário; é uma espécie de recurso extraordinário; em outras palavras o recurso especial é um recurso extraordinário latu sensu. Por isso há súmulas do STF usando a expressão “recurso extraordinário” que, na verdade, se aplicam também aos recursos especiais hoje de competência do STJ.

Cabe recurso especial contra que tipos de acórdãos? Acórdãos dos Tribunais de Justiça dos estados e dos Tribunais Regionais Federais, desde que seja o último acórdão. Se couber recurso para o próprio tribunal, para outro órgão interno hierarquicamente superior, não caberá REsp para o STJ; se couber recurso ordinário ou embargos infringentes também não será caso de recurso especial. Precisam-se esgotar as instâncias inferiores. Contra acórdão, devemos primeiramente pensar em recurso ordinário e, depois, em embargos infringentes. Só então pensamos em recurso especial e/ou recurso extraordinário. Isso porque aqueles são específicos. O RO, como vimos, cabe no STJ contra sentenças que decidem causas estrangeiras, ou contra decisões que julgam pedidos de habeas corpus ou mandados de segurança proferidas em última ou única instância pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais se denegatória a decisão, ou, perante o STF, ações constitucionais (HC, MS, HD, MI) decididas em última ou única instância pelos tribunais superiores, também se denegatória a decisão, e os crimes políticos; e embargos infringentes de acórdãos não unânimes que reformam, em grau de apelação, sentenças de mérito.

Não se enquadrando em nenhuma dessas hipóteses, pensamos em RE e REsp. Lembrem-se que turma recursal de Juizado Especial não é órgão de tribunal algum, então não cabe recurso especial contra acórdãos de turmas recursais. Só contra acórdãos dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais.

Vimos as alíneas do art. 105 do inciso III da Constituição.

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

[...]

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Posso alegar em recurso especial violação à lei local? Não posso, porque só se analisa violação à lei federal. Alvará de funcionamento sem limites de horário: é caso de REsp? Não. Talvez fosse caso de RE, se fosse caso de inobservância dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, ampla defesa e contraditório, mas muito mais dificilmente.

A alínea “a” é a mais importante e geral. Contrariar, negar vigência a dispositivo de lei federal. Não observado o dispositivo de lei federal, cabe REsp pela alínea “a” do inciso III do art. 105 da Constituição. É bom apontar, logo na primeira folha do recurso especial, o fundamento do REsp interposto (qual alínea do inciso III do art. 105) bem como o dispositivo de lei federal violado.

Alínea “b”: ato de governo contestado em face de lei federal... também não foge da descrição de lei federal, como vimos.

Alínea “c”: divergência na jurisprudência. Aqui em Brasília, TJDFT decidiu uma questão de uma forma, e, no Rio, o TJRJ decidiu a mesma questão de outra forma. Aplicou prazo prescricional de vinte anos lá, enquanto aqui entendeu que a prescrição era de cinco anos. Então houve divergência jurisprudencial. Sobre o quê? Lei federal, Código Civil de 2002, art. 206, que trata dos prazos prescricionais. No final das contas também se discutirá lei federal. Tudo envolve lei federal, e o STJ é guardião e uniformizador do Direito federal e infraconstitucional. É a Corte Superior que uniformiza a interpretação em relação à lei federal.

Não podemos alegar, em recurso especial, divergência entre turmas do mesmo tribunal.

Isso é o mais importante do que vimos ontem. Vamos adiante.
 

Prequestionamento

É difícil entender o que é prequestionamento, mas vamos ter uma ideia. Prequestionamento é uma palavra que sequer existe em nossos dicionários. Foi uma criação da jurisprudência, desde o Supremo Tribunal Federal do tempo em que não havia STJ. Não vamos encontrar essa expressão na lei, sequer na Constituição. Com o advento da Constituição de 1988 manteve-se essa exigência, e até hoje é um requisito de admissibilidade do recurso especial. O que significa isso? Não presente, o recurso não será conhecido. É um requisito de admissibilidade específico do recurso especial.

Vamos ver o que é prequestionamento.

Como preencher o prequestionamento? É um requisito problemático porque é também um pouco subjetivo. Tempestividade, por exemplo, não é um requisito subjetivo; basta contar o prazo. Prequestionamento é subjetivo porque podemos mostrar para alguém um acórdão, e quem analisar poderá achar que está prequestionado, enquanto outros podem achar que não. Envolve análise do acórdão recorrido em si, contra o qual a parte interpõe recurso especial.

Prequestionamento: vamos pensar na palavra em si. “Pré” e “questionar” dão a ideia de obrigação do recorrente de questionar previamente determinada questão. Vamos alegar violação, no recurso especial, ao art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre inversão do ônus da prova. Interponho recurso alegando essa violação. Só que ainda não falei em nenhum momento sobre esse art. 6º do CDC. O processo tramitou e nada foi dito sobre a norma. Ninguém falou sobre isso. Interponho o recurso especial, e o relator irá ler o acórdão e a peça. Lê o acórdão e nota que o acórdão absolutamente nada fala sobre o art. 6º. Está preenchido ou não o requisito do prequestionamento? Não. Prequestionar é obter uma manifestação do acórdão recorrido sobre a questão que será levada ao STJ. Opinião, manifestação prévia do tribunal de origem sobre aquela questão. Sem essa opinião do tribunal, o STJ não terá como falar se o acórdão violou ou não o dispositivo. Isso porque faltou o prequestionamento.

Prequestionamento, então, é manifestação do tribunal de origem sobre questão controvertida. Prequestionar é uma obrigação da parte. Mas prequestionamento em si não é só a manifestação da parte. Quem tem que falar realmente sobre a questão é o tribunal. Não adianta suscitar algo e o tribunal recorrido não se manifestar. É a manifestação do tribunal de origem sobre aquele dispositivo legal. Os acórdãos que dizem simplesmente “mantenho a decisão por seus próprios fundamentos” não têm prequestionamento. Devem falar da prescrição de 20 anos, porque “assim interpreto o dispositivo tal”. De nada adianta a insistência da parte se o tribunal não se pronunciar sobre a questão controvertida.

A importância que tem hoje o prequestionamento é que, ao ajuizar uma ação judicial no primeiro grau, já devemos pensar no dispositivo legal que, lá na frente, tenha possível controvérsia sobre sua interpretação. Assim já nos antecipamos em relação a um eventual REsp. E, se for caso de nós, e não a parte contrária interpor, já devemos discutir amplamente na petição inicial o direito e o dispositivo legal que nos serve de fundamento para forçar o órgão jurisdicional a se pronunciar sobre ele, fazendo com que torne-se mais provável que o tribunal, numa apelação, também o discuta quando na análise das razões. Devemos suscitar o dispositivo lá no início, para que tenhamos manifestação do tribunal sobre aquele dispositivo. Se pensarmos nisso só depois, veja o problema do desavisado: a parte contrária apela, o tribunal dá provimento, e a parte que estava confortável passa a perder. Nessa hora ela pensa num recurso especial. Mas ainda não falou sobre nada, e nem contrarrazões fez na apelação. Vai dançar!

O professor mesmo, uma vez, optou por perder em primeira instância para que ele apelasse e colocasse a discussão da forma que queria. Assim ele estaria pronto para o recurso especial.

Vejam também que os embargos de declaração têm importância fundamental no prequestionamento, porque se o tribunal foi omisso sobre determinada questão, embargamos de declaração e assim buscamos o prequestionamento. No tribunal preguiçoso, é mais difícil obtermos prequestionamento. É aquele que tem fama de julgar assim: “nego provimento à apelação pelos próprios recursos da sentença.”

Prequestionamento é atitude da parte ou do tribunal? Dos dois. Não basta só a parte suscitar a questão e o dispositivo que pretende ver em discussão, mesmo que ela tenha papel importante nisso; mas quem tem efetivamente que julgar a questão é o tribunal.

O tribunal foi omisso, mas omisso mesmo; não foi como naquelas vezes em que só o advogado da parte acha que o órgão julgador não se manifestou. Interpomos qual recurso? Às vezes a parte acha que foi e não foi. Embarga de declaração. Os prequestionamentos para o STJ e para o STF são diferentes; vamos entender a diferença quando virmos o recurso extraordinário. Certo, mesmo depois do julgamento dos embargos de declaração o acórdão continua omisso. Não temos prequestionamento ainda. Não adianta ir para o recurso especial nessas condições porque não será conhecido. Devem-se interpor embargos de declaração primeiro. O tribunal Julga, e continua omisso. O que deve a parte fazer? Embargos de declaração de novo, insistindo naquela análise, ou interpor recurso especial alegando que o acórdão violou o dispositivo legal que trata de embargos de declaração e diz que, em caso de omissão, o recurso apropriado é embargos de declaração, então com violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. Cassará o acórdão e mandará o tribunal se manifestar sobre essa questão.

Veja a Súmula 282 do Supremo:

Súmula 282 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

Aplica-se ao recurso especial! Essa súmula foi editada quando o STF ainda julgava matéria infraconstitucional. Daí a expressão “questão federal”.

Esse enunciado é exatamente o conceito de prequestionamento.

Súmula 211 do STJ: É inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.

É inadmissível recurso especial que, mesmo com embargos de declaração, o tribunal de origem continue omisso. Embargou de declaração, o tribunal se manteve omisso, e não se obteve ainda o prequestionamento. O tribunal também tem que discutir. Não é atividade só da parte. É argumentar e o tribunal discutir. Sem discussão não se obtém o prequestionamento.

Por isso é subjetivo. Aconteceu já de o professor dizer com segurança que certos acórdãos estavam prequestionados, mostrava-os ao colega, que achava que não estavam, e um terceiro achava que estava. Justamente porque a análise do acórdão é verificar em suas razões os fundamentos se ele tratou ou não. Há casos sutis.

Antigamente havia prequestionamento implícito e explícito. Explícito quando o acórdão citava o número do dispositivo. Implícito quando discutia a questão, sem citar o número. Hoje esse detalhamento não é considerado; ou está, ou não está prequestionado.

Observação: o STJ só julga o direito; alegada violação ao art. 535 e conhecido o recurso, ele terá que anular o acórdão. Não poderá superar essa nulidade. Cassa e manda se manifestar. O STJ não aplica a teoria da causa madura.

Houve um caso em que alguém alegava omissão num acórdão do TJ do Rio, e embargou de declaração. O TJ acolheu os embargos, proferiu novo acórdão mas este continuou omisso. A parte interpôs REsp perante o STJ alegando violação ao art. 535 do Código de Processo Civil, que trata dos embargos de declaração. O STJ conheceu e deu provimento ao recurso especial, e mandou que o TJRJ corrigisse o acórdão. Este, entretanto, entendeu que não havia sido omisso e manteve o posicionamento, o que ensejou novo REsp. Mais uma vez, o STJ deu provimento e ordenou a correção da omissão. Em tom impaciente, os magistrados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manifestaram-se mais ou menos assim: “Tendo em vista que o STJ assim decidiu, corrijo a suscitada omissão no acórdão...”

Prequestionamento, portanto, é manifestação do tribunal de origem sobre a questão controvertida. Comparar o que a parte alega com o que o tribunal disse.

Sempre há questão de prova sobre prequestionamento.
 

Demonstração da divergência

A parte interpõe recurso especial pela alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição. Alega que há divergência na jurisprudência. Acórdão de um tribunal de outro Estado decidiu diferentemente sobre determinada questão. Como demonstrar a divergência? Juntar o acórdão supostamente divergente, ou tem-se que arrazoar? Claro que tem-se que arrazoar, pois é essa a demonstração. Deve fazer a prova da divergência e o confronto da divergência.

Como se faz a prova da divergência? Juntando-se a cópia do acórdão paradigma. Cuidado com essa expressão, que pode aparecer em prova de vez em quando. Acórdão paradigma é o acórdão modelo, que o recorrente traz para confronto para servir de fonte de inspiração. O acórdão recorrido contra a qual a parte está insurgindo serve-se da ajuda do acórdão paradigma. Primeira obrigação do recorrente é juntar a cópia do acórdão. Hoje em dia é muito simples: citar a fonte ou imprimir do site do STJ. O então apontar a revista tal de jurisprudência, coisa bem mais comum antes do advento da Internet. Não é qualquer revista; existem revistas credenciadas pelo STJ, que obtêm o credenciamento através de um procedimento que se inicia quando o editor vai ao STJ e pede que sua publicação se torne repositório oficial da jurisprudência. Passa por um procedimento e se transforma em fonte oficial. O STJ publica uma lista das fontes autorizadas. Hoje em dia não tem mais importância porque é muito fácil citar um acórdão com cópia. Pode-se até declarar autêntica a cópia do acórdão ou acórdãos. Há quem junte cinco.

E o confronto da divergência? É uma técnica processual. O recorrente, em sua peça recursal, terá que demonstrar que os acórdãos que ele está confrontando têm base fática semelhante, mas a solução jurídica foi diferente. Isso é o confronto analítico da divergência. Vejam como é: art. 541, parágrafo único do CPC:

Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:

I - a exposição do fato e do direito;

II - a demonstração do cabimento do recurso interposto;

III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

Parágrafo único.  Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na Internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

Não basta só citar ementas. Tem que confrontar, transcrever trechos. Há advogados que até fazem quadros comparativos, com acórdão recorrido e acórdão paradigma. Escrevem trechos de um e de outro para demonstrar que a base fática é a mesma, mas a solução jurídica é divergente. Por isso é difícil redigir recurso especial.

Vamos imaginar uma pedido de dano moral por pisão no pé ajuizado em Brasília. A questão sobre ao TJDFT. Trecho do acórdão recorrido: “trata-se de ação indenizatória por pisadela no pé direito do autor... o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tratou da mesma questão, exceto que o pé pisado foi o esquerdo... mas o TJDFT entendeu não haver dano moral. O TJRJ, por sua vez, entendeu que cabe dano moral sim.” Confronto! A parte deve demonstrar ao STJ que a base fática é semelhante, mas a solução jurídica é divergente. Se, simplesmente, a parte só juntar ementas, o recurso será considerado deficiente e não será conhecido.

Isso para a alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição. Volte a ler o art. 541, parágrafo único. Em seguida, leia a Súmula 83 da Corte Superior:

Súmula 83 do STJ: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.

Se a divergência já foi solucionada, então não cabe recurso especial.
 

Reexame de provas

O STJ não reexamina provas em sede de recurso especial. O que é isso? Não reexaminar provas é não ler laudos, não ler depoimentos, a prova em si. Apenas verifica o direito. Olhe a dificuldade que tem para julgar casos que envolvam acidente de trânsito, responsabilidade civil, dano moral, e outras parecidas. Isso porque acidente de trânsito está vinculado quase todo à análise das provas. O STJ não examina provas, não revolve-as. O que significa que, se o tribunal de origem disse que o carro estava a 60km/h, o STJ não pode falar que estava a 80km/h, ou teria que reexaminar a prova dos autos. Só julga o direito.

Pode valorar a prova de forma diferente? Alguém teve um acidente com um Uno, cujo cinto de segurança falhou. O motorista morreu. Tribunal de origem decidiu favoravelmente à Fiat. Vejam o que chegou ao STJ. Era um caso basicamente vinculado a exame de prova. Análise de velocidade, estrutura da pista, funcionamento do cinto de segurança... o STJ pode reexaminar o processo e apontar: “no acórdão diz que o sujeito estava bêbado.” Não pode falar que não estava. Deve tomar o fato como incontroverso. Segundo ponto é que ele estava acima da velocidade permitida para a via, e isso também estava escrito isso no acórdão. Bêbado, acima da velocidade. Por outro lado, o sujeito estava com o cinto de segurança, o que também estava presente no acórdão. “Pelo laudo, o cinto de segurança falhou, e o carro não tinha proteção de barra lateral.” Tudo no acórdão. Pode o STJ, com bases nesses dados, e decidir de forma diferente, e dizer que a culpa não foi somente do sujeito mas também da Fiat? Um fato não pode ser contrariado, mas a valoração dele pode. O STJ só se baseou em elementos já constituídos antes. Significa que a única fonte de informação do STJ é o acórdão, enquanto este, que julgou uma apelação, poderia ter por fonte de informação não somente a sentença recorrida mas também qualquer elemento de prova trazido à baila, uma vez que o efeito devolutivo da apelação é amplo, e a fundamentação não é vinculada. No REsp a fundamentação é vinculada ao teor do acórdão recorrido, e a única outra fonte de informação para o STJ serão as razões do REsp, que não poderão trazer novos elementos fáticos.

Pisão no pé: o STJ não dirá que não houve. Mas poderá, com base nesse fato incontroverso, e considerar que houve dano moral no caso concreto diferentemente do que disse o tribunal? Pode.

Isso é sutil, porque alguns ministros podem achar que a questão importará reexame de prova, enquanto outros não.

Veja a Súmula 7 do STJ:

Súmula 7 do STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

A tendência é se negar qualquer coisa que pareça que implicará em reexame de prova. Não vão conhecer do recurso invocando a Súmula 7 sempre que possível.
 

Efeitos do recurso especial

Devolutivo limitado. Limitado porque só examina questões de direito, e não de prova. Em outras palavras, somente a matéria de direito é devolvida ao STJ. Em regra não tem efeito suspensivo, o que significa que a decisão pode ser objeto de execução provisória, e já gera efeitos jurídicos desde que proferida. Mas todo recurso, como sabemos, pode passar a ter efeito suspensivo desde que haja concessão judicial. Como fazer isso, no caso do REsp? Através de uma medida cautelar. Processo paralelo, autônomo cuja pretensão é a obtenção de efeito suspensivo para o recurso especial já em trâmite. Não é na própria petição do recurso especial.

Vamos ler, mais uma vez, as súmulas 634 e 635 do STF:

Súmula 634: Não compete ao supremo tribunal federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem.

Súmula 635 do STF: Cabe ao presidente do tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade.

O efeito translativo

Tem efeito translativo o recurso especial? Conhece matéria de ordem pública de ofício. No recurso especial tem efeito translativo? É controvertido, mas a tendência pela doutrina é que não tenha efeito translativo. O STJ só julga o que a parte pede, ainda que se trate de matéria de ordem pública. O Superior Tribunal de Justiça não faz justiça! A coisa mais errada que tem é alguém escrever “JUSTIÇA!!!” no final da petição de REsp. Além de impróprio é muito feio. O STJ julga apenas a letra fria da lei. Não reexamina prova, e não deve ver matérias de ordem pública. É o guardião do direito federal. Até faz justiça, mas a tendência não é essa. 
 

Procedimento

Quem faz o primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial? Presidente ou vice-presidente do tribunal de origem. Ele processa o recurso especial. Quem é o tribunal de origem? Tribunal Regional Federal ou Tribunal de Justiça. Se admite o recurso especial, este será fato digno de comemoração, porque a maioria dos desembargadores não admite; há quem diga que somente 20 a 30% dos recursos especiais são admitidos. Isso porque há muitos obstáculos, como vimos. Tem que demonstrar divergência, prequestionar, não pode reexaminar provas, etc.

No juízo de admissibilidade positivo, o presidente ou vice encaminha ao STJ. Será julgado ou monocraticamente, ou por um colegiado. Monocraticamente quando naquelas hipóteses do art. 557 do Código de Processo Civil. Questão de prova!

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1o-A   Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. 

§ 1o   Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

§ 2o   Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

Julgamento monocrático virou regra. É muito comum agora o ministro relator julgar monocraticamente.

Que colegiado é esse que julga recurso especial? Turma, com cinco ministros. É incluído em pauta, tem sustentação oral, e não tem revisor. É julgado por uma turma de cinco ministros em que um é o relator e quatro são vogais. O advogado deve ficar sabendo com 48 horas de antecedência do julgamento de seu REsp.

Contra decisão monocrática o recurso cabível é agravo interno. Não se esqueçam disso! Neste caso não haverá pauta nem sustentação oral. Estudamos agravo interno ou regimental!
 

REsp retido

O que é isso? Quando o acórdão contra o qual a parte está recorrendo (art. 542, § 3º) tiver natureza de decisão interlocutória, ou seja, quando esse acórdão estiver julgando uma questão incidente ao processo, e não necessariamente uma questão final, poderá haver os chamados recursos especiais retidos.

Como funciona na primeira instância? Petição inicial – atos processuais – sentença. Podem surgir várias questões incidentais antes da sentença, que serão decididas incidentalmente, por decisões das quais caberá agravo do art. 522. Imagine que a parte resolva agravar todas por instrumento, entendendo urgentes as questões. O tribunal irá julgar cada um desses agravos por instrumento, proferido um acórdão para cada. Esses acórdãos recorridos foram proferidos ou pelo TJ ou pelo TRF. Contra esses acórdãos do TJ ou TRF cabe REsp? Cabe! Para cada acórdão, um REsp. Esses RESps interpostos contra acórdãos interlocutórios ficarão retidos nos autos. A mesma ideia do agravo retido. Até que se chega ao REsp final, que é o oriundo da sentença, contra a qual foi interposta uma apelação, e do julgamento dessa apelação saiu um acórdão, do qual se recorreu mediante o REsp. Tudo no processo. Quando tiver REsp final, se admitidos todos, todos vão ao STJ, que os julga de uma vez só. São interpostos recursos especiais contra acórdãos de natureza interlocutória, ou seja, oriundos de decisões interlocutórias. Da mesma forma que quando da apelação a parte deve reiterar todos os agravos retidos sob pena de deserção, aqui a parte também tem que reiterar os REsps retidos, sob pena de desistência tácita. Deverá ratificar as razões dos REsps anteriores.

Caso não urgente: a parte apelou. O juiz de primeiro grau não admitiu a apelação, dizendo que a parte não pagou o preparo. Barrou a subida do recurso. Dessa decisão que inadmite cabe agravo de instrumento. Foi ao tribunal. Deu provimento, dizendo que o sujeito era beneficiário da justiça gratuita. Determinou ao juiz de primeiro grau que processasse a apelação.
 

REsp repetido

Isso mudou o dia-a-dia forense, inclusive do STJ e do STF. O que está fazendo hoje? Diante da quantidade de recursos discutindo a mesma coisa, a Caixa Econômica Federal desistiu de 500 processos idênticos. INSS, União, poder público em geral costumam litigar em casos muito repetidos. O que resolveram fazer? Racionalizar o julgamento desses casos repetidos. Para que julgar todos? O STJ está fazendo o seguinte: escolhe um dos casos, que é o recurso representativo da controvérsia. E suspende todos os demais. Se tiver na origem (não em primeiro grau, mas em fase de recurso especial), todos ficam na espera, até que esse representativo seja julgado. O processamento desse julgamento é diferente, é julgado por uma sessão de 10 ministros e não por uma turma, tem amicus curiae, intervenção de terceiros, e há todo um julgamento mais complexo. Julga esse processo, e aplica-se o julgamento aos demais. A ideia é racionalizar o julgamento. Julga um, e fica livre de mil. Automaticamente a decisão desse será aplicada aos demais. Manda que os tribunais de origem reformem as decisões. Criou uma nova forma de retratação. Se não voltam atrás, o STJ anula o acórdão do tribunal de origem.

A escolha do “processo piloto” (recurso representativo da controvérsia) é quase aleatória. Torça para ser o seu, pois o de outro poderá ser julgado sob outra perspectiva. Se não for o seu, entre como amicus curiae. É bom que você acompanhe as notícias, vendo a listinha divulgada de processos pendentes e de representativos.