Hoje vamos estudar mais um recurso, o
recurso extraordinário.
Ele se parece em muitas coisas com o recurso especial. Vamos agora ver
a
sistemática e a razão de ser do recurso extraordinário.
Recurso extraordinário é um recurso
direcionado ao Supremo
Tribunal Federal. Basicamente, serve para discussão de matéria
constitucional. O
STF é o guardião do Direito Constitucional. É a Corte Máxima de nossa
justiça.
Ele controla se a Constituição se está respeitada por meio do recurso
extraordinário.
De modo geral, quais as formas de
controle de
constitucionalidade? Difuso e concentrado. Concentrado se dá através
das ações
objetivas: diretas. Provavelmente nunca tínhamos ouvido falar em “ações
objetivas”. Em provas orais de certos concursos ou na admissão em
alguns
lugares da iniciativa privada o examinador pode perguntar secamente: “o
que são
ações objetivas?” As ações são ditas objetivas porque não têm partes,
discutem-se
apenas teses, e só o Direito Objetivo. São ações objetivas cuja
competência
para processamento e julgamento são do Supremo Tribunal Federal a ação
direta de
inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação
direta de
inconstitucionalidade por omissão e arguição de descumprimento de
preceito
fundamental. A “parte”, aquele que a propõe, não pode nem desistir.
Existem
partes do ponto de vista pragmático, mas não no sentido de defesa do
direito
subjetivo.
Por meio das ações objetivas o
Supremo controla a
constitucionalidade das leis pelo controle
concentrado, mas, também, controla a constitucionalidade das
leis pelo controle difuso. Qual o
meio de realizar
esse controle difuso? O recurso extraordinário! A parte recorre ao STF,
buscando a discussão de alguma questão constitucional, e a Corte
Suprema,
julgando o recurso extraordinário, poderá declarar a
inconstitucionalidade de
uma norma.
Quando se declara a
inconstitucionalidade de uma norma por recurso
extraordinário a decisão tem efeito erga
omnes? Não. O efeito é só inter
partes. Somente em controle concentrado, por meio da ação
direta de
inconstitucionalidade, que a decisão terá efeito erga
omnes.
O controle concentrado é baseado no
Direito americano. O
sistema brasileiro copiou, mas o funcionamento aqui é completamente
diferente.
Mas não deixa de ser inspirado no Direito americano. Lá o país é
dividido em estados,
cada um com um Poder Judiciário, e acima de todos há a Suprema Corte. É
a
guardiã do Direito Constitucional. Só que, em nosso país, a
Constituição é
muito extensa e dogmática, não apenas principiológica como a americana,
portanto muita coisa acaba indo ao STF. O recurso extraordinário surgiu
com o
advento da República. É muito antigo, portanto. Também porque é muito
antigo o próprio
Supremo Tribunal Federal. Controlar o Direito Constitucional e
controlar as
decisões dos tribunais estaduais via recurso extraordinário.
O cidadão tem a possibilidade de
questionar uma decisão
oriunda de tribunal se essa decisão, em sua perspectiva, violar a
Constituição.
O STF tem jurisdição em todo o
território nacional, com sede
na Capital. É composto de 11 Ministros, escolhidos aleatoriamente pelo
Presidente
da República com sabatina posterior pelo Senado Federal. Não
necessariamente
precisa ser juiz, ter carreira jurídica, não há terço de advogados ou
Ministério Público, o que for. A escolha é livre, desde que o indicado
tenha
pelo menos 35 anos de idade e não mais de 65, tenha notável saber
jurídico e
reputação ilibada. Constituição, art. 101:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de
onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e
menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e
reputação ilibada. Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. |
Organização do Supremo Tribunal
Federal: Plenário, com
competência jurisdicional, e duas turmas. Cada uma com cinco Ministros,
e o que
restante é o Presidente da Corte Suprema.
O recurso extraordinário é,
basicamente, julgado pelas
turmas. Pode se deslocar para um órgão superior dentro da hierarquia do
Tribunal
quando a matéria for relevante. Os órgãos são simples: 11 ministros,
Plenário,
duas turmas.
Ponto relevantíssimo: o STF julga
casos ou só teses? É somente
uma corte de cassação? Só julga teses? Não, julga casos concretos
também. A Suprema
Corte americana julga só teses.
Aqui no STF, julgam-se casos e teses.
Exemplo: Renato vs.
União. Julga o caso concreto, aplicando a tese. É diferente da Suprema
Corte
Americana. Julga casos concretos no RE. Briga de vizinhos, honorários,
despejo,
o que for, desde que atendam aos requisitos de admissibilidade. Aplica
a tese
ao caso concreto.
Cabimento do
recurso
extraordinário
Quando cabe RE? Contra que decisões?
Vamos fazer um paralelo
com o recurso especial. Relembremos, pois, o art. 105, inciso III,
alínea a da Constituição:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. [...] |
No caso do Supremo, temos o art. 102,
inciso III:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) [...] |
Lembrem-se dos embargos de alçada. Da
sentença cabem embargos
de alçada, e, dali, RE diretamente. Afinal, os embargos de alçada não
são outra
coisa que não “causa decidida em última ou única instância.” Se ainda
cabe
algum recurso, é porque a decisão não é de única nem de última
instância. Então
não será caso de recurso extraordinário.
TSE: cabe recurso extraordinário
contra acórdão do Tribunal
Superior Eleitoral? Sim! Afinal, é última instância. Eis a questão da
Ficha
Limpa julgada pelo Supremo. Julgou em RE interposto contra acórdão do
TSE. Tradicionais
políticos recorreram com RE. Acórdão do Tribunal Superior Eleitoral,
com decisão
de única e última instância, é recorrível por meio de recurso
extraordinário,
atendidos os demais requisitos de admissibilidade.
Superior Tribunal Militar? Também
cabe RE contra decisões do
STM, pelo raciocínio análogo ao feito acima com o TSE.
E de acórdãos do TST? Também. Mas
note que, em todos esses
casos, se ainda cabe dentro do próprio tribunal superior, então não
caberá recurso
extraordinário. Isso porque, se for possível recorrer internamente
dentro do
tribunal que proferiu a decisão recorrida, então esta decisão não será
de
última instância.
Juizados Especiais: cabe recurso
extraordinário contra
acórdão de turma dos Juizados Especiais? Cabe, porque ali não cabe mais
nada. Vamos
ver muitos acórdãos de juizados. A única possibilidade será RE. E
recurso
especial? Como vimos, não cabe contra acórdão dos juizados. Só cabe
recurso
especial contra acórdãos de Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais
Federais.
O recurso extraordinário, por sua vez, cabe contra qualquer decisão de
única e
última instância.
Atenção agora. E de acórdãos
proferidos por TJ ou TRF? Cabe RE?
Quando não cabe mais nada, vimos que cabe recurso especial. E aqui vem
a
questão. Se cabe recurso especial, isso exclui o cabimento do recurso
extraordinário, ou cabem os dois contra a mesma decisão? Cabem os dois!
É um
sistema bipartido. Como assim? STJ tem a última palavra em Direito
Federal
Infraconstitucional. STF tem a última palavra em Direito
Constitucional.
Pensem na justiça especializada. A
justiça trabalhista, por
exemplo. Começou o processo na Vara do Trabalho, o juízo do trabalho de
primeiro grau. O recurso vai para o TRT. Proferido o acórdão pelo TRT,
a única
opção agora é ir para o TST. Não se pode ir para o STF diretamente,
pois o Supremo
está exatamente acima do TST na estrutura hierárquica do Poder
Judiciário. Do
TST a única opção será o STF. O mesmo vale para o STM e para o TSE.
Todos estão
abaixo do STF, exatamente abaixo. Só a partir deles se vai ao STF.
Agora voltem a pensar na justiça
comum. Nela, proferida uma
decisão pelo juízo de primeiro grau, seja o juiz de direito ou o juiz
federal,
a apelação vai, dessa primeira instância, para o TJ ou TRF. Daqui
pode-se ir
para os dois. Proferido um acórdão por qualquer desses dois tribunais,
poderá
ser caso de recurso especial para o STJ. Mas, a partir daqui, o
raciocínio não será o mesmo da
justiça
especializada, pois o STJ não está diretamente, verticalmente abaixo do
STF uma
vez que o sistema é bipartido: do acórdão proferido pelo tribunal de
segunda
instância da justiça comum, pode-se interpor recurso especial e/ou recurso extraordinário
simultaneamente para o STJ e o Supremo, respectivamente. Não
necessariamente
deve-se passar primeiramente pelo STJ para só então ir ao STF, como
seria com o
TSE, STM e TST. Há projeto de emenda constitucional para equiparar o
STJ aos
outros tribunais superiores.
Então depende da matéria recorrida.
Se constitucional,
vai-se ao STF. Se infraconstitucional, a parte vai ao STJ. Apresenta-se
o RE e
o REsp simultaneamente. Por isso o STJ está “quase que” na lateral, e
não verticalmente
abaixo do Supremo.
Cabe recurso extraordinário contra
acórdão do TJ e do TRF? Sim!
É única e última instância, porque não se vai ao STJ primeiro, mas
simultaneamente, dependendo da matéria versada, se constitucional ou
infraconstitucional.
Como se julga isso? Divide o
processo, tiram-se cópias?
Vamos ver já, já.
Lembrem-se daquele princípio da unirecorribilidade:
contra cada decisão judicial só cabe um tipo de recurso. Aqui temos uma
exceção
a esse princípio. Poderemos interpor, ao mesmo tempo, contra a mesma
decisão,
recurso especial e recurso extraordinário. Num alego uma coisa (matéria
federal), noutro alego outra (matéria constitucional). Às vezes vemos a
expressão “federal” como sinônima de “infraconstitucional”, a depender
do
contexto.
Mais uma pergunta: cabe recurso
extraordinário contra
acórdão do STJ? Cabe! Decisão de única e última instância. O último
suspiro é o
Supremo. Mas, sabem quantos recursos são admitidos contra acórdão do
STJ? O STJ
julga só matérias infraconstitucionais, exceto em processos
originários. 5 a
10%. É possível, entretanto, haver RE contra acórdão do STJ.
E a última pergunta: cabe recurso
extraordinário contra
acórdão do próprio STF? Numa ação originária, por exemplo. Lembrem-se
que o
inciso III do art. 102 não fala de onde é a decisão recorrida, só diz
que é de
última ou única instância. E um acórdão do STF, do ponto de vista
literal, seria
sim a última instância, portanto, poderia. Mas, do ponto de vista sistemático, não faria sentido. Então
não pode.
O cabimento é mais amplo do que do
recurso especial, que só
cabe contra acórdão de TJ e de TRF.
Alíneas do
inciso III
do art. 102 da Constituição
O que a parte argumenta no recurso
extraordinário? Pode
fundamentar seu recurso na alínea a,
b, c
e/ou d do inciso III do art. 102.
Originariamente
havia só as três primeiras alíneas, e a quarta entrou no inciso com a
Emenda
Constitucional nº 45/2004. A d, na
verdade, fazia parte da alínea b do
inciso III do art. 105, que trata do cabimento de recurso especial para
o STJ.
Com a Emenda, o legislador constituinte derivado removeu um pedaço da b do inciso III do art. 105 para inserir
na d do inciso III do art. 102.
Como sempre, a mais importante é a
alínea a, e é a única que
precisaria existir. Compete
ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante RE, as causas decididas em
única
ou última instância, quando a decisão recorrida...
a) contrariar dispositivo desta Constituição; |
Ofensa à Constituição. É a hipótese
mais importante. É para
isso que serve recurso extraordinário. A parte alega violação à
Constituição da
República. “Houve violação ao art. 27 da Constituição, ou ao 133, por
isso, por
isso e por aquilo.” O Supremo é guardião da Constituição, então
verificará se o
acórdão de origem violou ou não a Constituição. No caso em a Lei Ficha
Limpa
estava sub judice, TSE
manifestou-se
dizendo que a lei poderia sim ser aplicada à presente eleição, no caso,
a de
2010. STF, por sua vez, disse que a LFL ofendeu o princípio da
anualidade.
Houve violação a um dispositivo da Constituição, no caso, o art. 16.
Recurso extraordinário
com provimento, ainda que apertadamente por 6x5, mas foi dado
provimento. Serve
exatamente isso: para alegar violação à Constituição.
Recurso difícil de redigir, requer
técnica, deve-se mostrar
o acórdão e suas razões. Deve-se trazer sua própria interpretação. A
alínea a é a mais importante. A
alínea em si é até
muito simples.
A Constituição também fala de
princípios gerais: “é
garantido o contraditório e o devido processo legal.” “É garantida a
ampla
defesa.” Veja o tanto de princípios abertos que temos na Constituição,
que
podem ser matéria de RE. É fácil enquadrar, na verdade. Pode haver
violação do
devido processo legal, por exemplo. Ou do princípio da legalidade, da
ampla
defesa. “Recurso meu não foi conhecido porque foi intempestivo porque
meu pneu
furou. Não tive acesso à ampla defesa, Excelência!” teoricamente
poder-se-ia argumentar
assim, mas o Supremo já disse que: para
fins de recurso extraordinário com base na alínea a, a violação da
Constituição
tem que ser direta, e não meramente reflexa. Quando é caso de
violação
direta e quando é caso de violação reflexa? É o que passamos a ver
agora.
É difícil, mas é o seguinte. Pense
em: quando existe um
dispositivo infraconstitucional tratando da Constituição, específico, e
um
dispositivo genérico da Constituição, a violação é não à Constituição,
mas ao
dispositivo. A violação à Constituição é reflexa. Agora, quando não há
dispositivo infraconstitucional tratando da questão específica e o
tratamento
dado na Constituição é específico, a violação pode ser direta. Se for
reflexa,
não cairá na alínea a. O
dispositivo
tem que ser específico e não pode haver nenhum dispositivo
infraconstitucional
violado diretamente.
Exemplifiquemos. A Lei do Processo
Administrativo, 9784, é 1999,
e a Constituição é de 1988. A partir de 99, foi disciplinado todo o
processamento do processo administrativo. Garantias, prazos,
procedimentos, tudo
mais. Imagine que havia, em curso, um determinado processo
administrativo antes
de 99, de um sujeito que perdeu a aposentadoria do serviço público
federal sem
direito à defesa. Isso tudo administrativamente. O Judiciário, quando
provocado, julgava judicialmente e dizia se estava certa a perda da
aposentadoria. Era possível alegar violação à ampla defesa, porque a
violação à
Constituição seria direta. Mas, desde 99, quando passamos a ter lei
específica
de processo administrativo, e uma decisão administrativa violar
garantias, alegar-se-á
violação à lei do processo administrativo,
pois tem dispositivo específico, e, de forma reflexa, alega-se violação
à Constituição.
Vamos para as alíneas específicas.
Primeiro vejamos as alíneas c e d
que são mais
fáceis. c:
Compete ao Supremo Tribunal Federal
julgar, mediante RE, as
causas decididas em única ou última instância, quando a decisão
recorrida...
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. |
Tribunal qualquer ou decisão qualquer
aplica lei local em
detrimento da Constituição. Declara constitucional uma lei local e a
parte
alega que essa lei local viola a Constituição. Há confronto entre lei
local e a
Constituição. É caso de RE pela alínea c.
Mas, na verdade, veja como ela se enquadra dentro da alínea a. Mas a c
é específica, então invocamos a c.
E a alínea d?
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. |
Confronto entre lei local e lei
federal. Esse confronto
deveria ser de análise da lei federal, e quem tem competência é o STJ.
Por que
este confronto passou a ser do Supremo Tribunal Federal? Porque, na
verdade, notou-se
que essa discussão influencia sobre a competência
legislativa, se é do Legislativo local ou do Legislativo
federal. Essa discussão,
basicamente, está centrada na competência legislativa. Imagine que
Brasília diz
que agora libera o cinto de segurança. Lei local. O Distrito Federal
tem competência
legislativa para legislar sobre trânsito? Não, é competência da União,
então
compete ao Congresso Nacional. É um vício de origem. A discussão,
portanto,
envolve um confronto do poder de legislar. A competência legislativa
está onde? Na Constituição. Por isso essa questão envolve matéria
constitucional,
porque se refere ao poder de legislar, se de estado, de município, do
Distrito
Federal ou da União. Essa competência está na Constituição.
No final das contas, a parte vai
alegar violação à
Constituição tal como na alínea a,
mas,
aqui, de forma específica. Essa é a alínea d.
Por último, a alínea b
do inciso III do art. 102 da Constituição. Compete ao Supremo Tribunal
Federal
julgar, mediante RE, as causas decididas em única ou última instância,
quando a
decisão recorrida...
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; |
A alínea b
é o
seguinte: todo tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de uma
norma.
Todo julgador, até juiz de primeira instância. Como é declarada a
inconstitucionalidade
de uma norma no âmbito dos tribunais? É suscitado o chamado incidente de inconstitucionalidade.
Lembram-se dele?
Um exemplo concreto: prisão civil na
alienação fiduciária. Renato
está pagando um consórcio para carro, e, em determinado momento, depois
de já
estar na posse do veículo, ele para de pagá-lo. A administradora do
consórcio
passa a querer tomar o carro de volta, e Renato se recusa a devolvê-lo.
Há discussão
se ele pode ser preso por isso, afinal era depositário infiel. Prisão
civil em
razão de ele ser considerado depositário infiel. E muitos já foram
presos por
isso. A questão, claro, chegou aos tribunais, especialmente por conta
do Pacto
de São Jose da Costa Rica. A causa vai ao Judiciário, com Renato x
Ferraz
Consórcios, esta querendo a prisão daquele porque queria sumir com o
carro. Renato
diz que essa prisão é inconstitucional, porque a Constituição só
permite a
prisão civil do depositário em si, não na alienação fiduciária, e a por
alimentos.
Isso chega ao Tribunal de Justiça, na primeira turma. Os
desembargadores leem o
processo do Renato e acham que ele tem razão. Eles consideram
inconstitucional
a prisão. Eles, entretanto, julgando a apelação, não podem declarar a
inconstitucionalidade de uma norma. Somente o órgão especial, assim
definido
pelo regimento interno de cada tribunal, tem capacidade de declarar a
inconstitucionalidade de uma norma.
A turma, portanto, não pode declarar,
e suscita-se um
incidente de inconstitucionalidade. Vai ao órgão especial. Este se
reúne e julga
se é ou não constitucional essa prisão civil. O julgamento da apelação
do
Renato fica suspenso, e só ensejou o incidente. Suspende-se o
julgamento do processo
Renato x Ferraz Consórcios, suscita o incidente, que é julgado pelo
órgão
especial. Somente este pode declarar a inconstitucionalidade dessa
norma.
Declarou. E agora? Volta para a turma
de três desembargadores
e agora sim, estes poderão julgar o caso aplicando o que foi decidido
pelo
órgão especial. É nesse caso que cabe recurso extraordinário pela
alínea b: quando há declaração de
inconstitucionalidade pelo órgão especial do tribunal respectivo.
Pergunta básica: o recurso
extraordinário será interposto
contra o acórdão que julgou o incidente, ou contra o acórdão que julgou
o caso
com base no caso do acórdão do incidente? Contra o acórdão do caso, mas
que se
baseou no incidente. Vejamos uma súmula:
Súmula 513 do STF: A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito. |
Não é contra o acórdão do órgão
especial, mas sim contra o
acórdão que julgou o caso com base naquele acórdão. Somente na hipótese
em que
haja declaração de inconstitucionalidade pelo órgão especial do
tribunal. O
órgão inferior aplica o decidido pelo órgão especial do tribunal no
caso
concreto.
Não será perguntado em prova a alínea
b. Será perguntado para que serve
recurso extraordinário: discutir matéria
constitucional.
Vários doutrinadores sustentam que
deveriam ser suprimidas
as alíneas b, c
e d do inciso III do
art. 102. Tudo envolve Constituição!
Para isso serve o recurso
extraordinário. É claro que, se
formos interpor por uma ou mais das alíneas, devemos apontá-la(s).
Prazo do
recurso
extraordinário
15 dias.
Preparo
Há preparo no recurso extraordinário.
Regularidade
formal
Petição escrita, com fundamentação
vinculada, e procuração. Súmula 115
do STJ! Sem procuração,
o recurso é inexistente.
Não esqueçam do prazo quando houver
embargos infringentes. Embargando
infringente o prazo fica sobrestado para interposição de recurso
extraordinário.
A quem é dirigida a petição? Ao juízo
de origem, inclusive o
juiz de primeiro grau, ou turma recursal de juizados. Por isso juízo de origem. Normalmente se interpõe
contra decisão de tribunal. Então, dirige-se ao presidente do tribunal
de
origem.
É um recurso de fundamentação
vinculada, porque a lei (no
caso, a Constituição) diz o que tem que ser discutido. Deve-se apontar
a
violação ao dispositivo da Constituição. Dizer quais razões sustentam a
tese de
que houve violação.
Prequestionamento
Também é imprescindível, no recurso
extraordinário, manifestação
prévia do tribunal de origem sobre a questão controvertida. O acórdão,
a
decisão contra a qual a parte se insurge tem que se manifestar sobre o
dispositivo da Constituição. Tem que dar sua opinião, e deve haver
análise da
tese controvertida. Deve haver discussão sobre aquela tese, sobre
aquele ponto
controvertido. Se não tem prequestionamento, o recurso extraordinário
não será
conhecido.
Quem faz o primeiro juízo de
admissibilidade do RE? É o
juízo de origem. Se não admite por falta de prequestionamento, teremos
à mão o
agravo do art. 544 contra essa decisão que nega seguimento ao recurso
extraordinário. Se o próprio STF estiver julgando um recurso
extraordinário e
disser que não há prequestionamento, ou melhor, se um ministro estiver
julgando
monocraticamente e entender que não há prequestionamento, o recurso
cabível é o
agravo regimental. Se, por outro lado, foi o colegiado que entendeu não
haver
prequestionamento, veremos depois o recurso cabível contra esse
acórdão.
Depende de quem decidiu, de quem afirmou a ausência do
prequestionamento.
Um detalhe só: existe uma diferença
entre o conceito de
prequestionamento para o STF e o conceito de prequestionamento para o
STJ. É o
confronto entre a Súmula 356 do STF e a 211 do STJ.
Súmula 211 do STJ: Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo. |
Agora veja a Súmula 356 do Supremo:
Súmula 356 do STF: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento. |
O Supremo admite prequestionamento
ficto. O que é isso? Falamos ontem que, se insistimos com uma
tese em todo
o momento e o tribunal de origem não se manifesta sobre ela, ainda não
obtivemos o prequestionamento. O que devemos fazer e embargar de
declaração. Se
o tribunal de origem se mantém omisso, ainda não obtivemos o
prequestionamento.
É a Súmula 211 do STJ. É inadmissível o recurso especial em relação a
determinada questão que, mesmo com embargos de declaração, continua sem
análise. Para o STJ, embargando de declaração e o tribunal de origem
não se
manifestando, o prequestionamento ainda não foi alcançado. Assim é para
o STJ.
O Supremo é mais liberal, e adota o
prequestionamento ficto.
A decisão de origem foi omissa, embargamos de declaração, o tribunal de
origem continua
sem se manifestar, e persiste na omissão. Neste momento, para o STF, já obtivemos o prequestionamento. O
embargante
já fez sua parte, e o Supremo entende que ele não pode ser prejudicado
porque o
tribunal é preguiçoso. O embargante, buscando obter o
prequestionamento, insistiu
e provou que fez sua parte. Está presente o prequestionamento. A Súmula
356 diz
exatamente isso.
Vejam a diferença entre os dois
conceitos de
prequestionamento para cada tribunal, portanto. Para o STJ, mesmo
embargando e
continuando omisso, não há prequestionamento. Para o STF, há o
prequestionamento ficto. O resto é igual.
Deve haver prequestionamento sob pena
de não conhecimento. Requisito
de admissibilidade do recurso extraordinário.
Vamos para uma parte nova agora, sem
semelhante no recurso
especial:
Repercussão
Geral
Foi instituída pela Emenda
Constitucional nº 45, a Emenda da
reforma do Judiciário, e depois foi disciplinada no Código de Processo
Civil. Agora
é necessário que a questão controvertida, a tese sustentada no recurso
extraordinário tenha relevância,
repercussão na sociedade, e não somente para o recorrente. Ou seja, em
poucas
palavras: o Supremo julgará recursos extraordinários se a questão for
relevante, se for transcendental, ultrapassando os interesses
subjetivos da
causa. Significa que a decisão do Supremo, naquele caso, será relevante
não só
para a parte, mas para a sociedade de uma forma geral.
O que é ser “relevante para a
sociedade”? Basta pensar no
seguinte: a decisão tem que ultrapassar os interesses apenas daquelas
pessoas
envolvidas naquela ação.
Exemplo: valor de dano moral tem
influência naquela causa
concreta, e não de modo geral na sociedade. O valor em si só vale para
o
recorrente. Mas a aplicação da convenção de Varsóvia ou de outras das
quais o
Brasil é signatário em detrimento do Código de Defesa do Consumidor é
interessante à sociedade, e não apenas à parte. Isso foi um processo
que saiu
dos juizados e foi ao Supremo por perda de bagagem! Qual a forma de
indenização
da bagagem? Peso, conforme a Convenção de Varsóvia, ou Código de Defesa
do
Consumidor, desde que provado o que estava lá dentro? Assentar esse
entendimento
de qual norma aplicar é de grande relevância para a sociedade.
Vamos ler o art. 543-A do Código de
Processo Civil:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em
decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a
questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos
termos deste artigo. § 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. § 2o O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6o O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 7o A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão. |
§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. |
Ponto de vista econômico, político,
social ou jurídico que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Deve-se ver caso a caso.
É até
subjetivo mesmo saber o que é relevante. Hoje é o Plenário virtual que
está
julgando o que é relevante. Ministros julgam via Internet. É um
procedimento
menos formal do que é e o que não é relevante.
Compete ao recorrente, ao redigir o
recurso extraordinário,
abrir uma preliminar demonstrando que aquela decisão eventualmente
proferida
ultrapassará seus interesses e influenciará a sociedade de forma geral.
O
professor mantém um modelo de preliminar genérica, que depois adapta
para cada
caso. É difícil. Se existir relevância, ótimo; se não, o caso não será
julgado
e nem os demais.
Uma vez decidido que não há mais
Repercussão Geral, nenhum
caso sobre aquilo subirá. Pega-se um, suspendem-se todos os demais, e,
se não
tiver, todos são dispensados.
A Repercussão Geral é um requisito de
admissibilidade
específico do recurso extraordinário.
Efeitos do
recurso
extraordinário
Quais são os efeitos? Iguais ao do
recurso especial. Devolutivo
limitado, já que só devolve matéria de direito, não examina prova, o
que está
inclusive sumulado
Súmula 279 do STF: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. |
E não tem efeito suspensivo.
Significa dizer que a decisão
já gera efeitos jurídicos desde que proferida.
Procedimento
e
julgamento
Igual ao do recurso especial. Quem
faz o primeiro juízo de
admissibilidade do recurso extraordinário é o juízo de origem.
Admitindo, vai
ao Supremo. Não admitindo, caberá o agravo do art. 544, que veremos na
próxima aula.
Se o recurso chega ao Supremo, será julgado. E aqui?
Ou monocraticamente, pelo relator,
decisão da qual caberá
agravo regimental, ou por uma turma, de 5 ministros, com sustentação
oral, sem
revisor, e é incluído em pauta.
Recurso
extraordinário retido
Acórdãos interlocutórios ficam
retidos nos autos, e só
subirão ao Supremo quando o processo for remetido em face da decisão
final.
Exatamente como na regra do recurso especial retido.
Art. 542, § 3º:
§ 3o O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões. |
Tem que ficar retido quando o acórdão
é interlocutório.
Aquele em que se discute uma questão incidental, sem por fim ao
processo. Não
se esqueçam da reiteração!
Atenção agora: começou o processo em
primeiro grau. Decisões
interlocutórias. Um agravo retido para cada uma. Sentença. Embargos de
declaração. Apelação. Reiteração dos agravos. TJ. Decisão monocrática.
Agravo
regimental. Ao colegiado. Julga a apelação por maioria. Embargos
infringentes. Recurso
especial e recurso extraordinário. Julga o recurso especial. Embargos
de
divergência. Só então julga o recurso extraordinário. E agora? Julgado
o RE,
proferido um acórdão pelo STF, cabe mais alguma coisa, além de embargos
de
declaração? Ou seja, contra o acórdão que julga RE cabe algum outro
recurso? Questão de
prova:
contra o acórdão da primeira turma que, por maioria de votos, deu
provimento ao
RE e reformou o acórdão, quais os recursos cabíveis? Embargos de
declaração, em
seguida embargos de declaração, e então embargos de declaração, assim
sucessivamente. Mas esqueçam os embargos de declaração. Cabem os
embargos de
divergência, que vamos ver na próxima aula. Ainda temos uma pequena
chance!
Por último, e se a parte interpõe
recurso especial e recurso
extraordinário simultaneamente, o que acontece com o processo? Está no
TJ, a
parte interpôs REsp e RE. REsp alegando matéria infraconstitucional, e
RE
alegando matéria constitucional. Qual o procedimento? Vai ao presidente
do
tribunal de origem para fazer o primeiro juízo de admissibilidade.
Digamos que
ele admita os dois, coisa difícil de acontecer. Tira uma cópia e manda
um
pedaço para cada um? Não. Leia com atenção o art. 543:
Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. § 1o Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado. § 2o Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário. § 3o No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial. |
E se o RE for prejudicial ao REsp?
Julga-se primeiro o RE. A
lei excepciona isso no art. 543. Em caso de apreciação de questões
preliminares,
por exemplo.
Próxima aula agravo do art. 544 e
embargos de divergência.