Direito Processual Civil

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Recurso extraordinário

 ·

 

Hoje vamos estudar mais um recurso, o recurso extraordinário. Ele se parece em muitas coisas com o recurso especial. Vamos agora ver a sistemática e a razão de ser do recurso extraordinário.

Recurso extraordinário é um recurso direcionado ao Supremo Tribunal Federal. Basicamente, serve para discussão de matéria constitucional. O STF é o guardião do Direito Constitucional. É a Corte Máxima de nossa justiça. Ele controla se a Constituição se está respeitada por meio do recurso extraordinário.

De modo geral, quais as formas de controle de constitucionalidade? Difuso e concentrado. Concentrado se dá através das ações objetivas: diretas. Provavelmente nunca tínhamos ouvido falar em “ações objetivas”. Em provas orais de certos concursos ou na admissão em alguns lugares da iniciativa privada o examinador pode perguntar secamente: “o que são ações objetivas?” As ações são ditas objetivas porque não têm partes, discutem-se apenas teses, e só o Direito Objetivo. São ações objetivas cuja competência para processamento e julgamento são do Supremo Tribunal Federal a ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade por omissão e arguição de descumprimento de preceito fundamental. A “parte”, aquele que a propõe, não pode nem desistir. Existem partes do ponto de vista pragmático, mas não no sentido de defesa do direito subjetivo.

Por meio das ações objetivas o Supremo controla a constitucionalidade das leis pelo controle concentrado, mas, também, controla a constitucionalidade das leis pelo controle difuso. Qual o meio de realizar esse controle difuso? O recurso extraordinário! A parte recorre ao STF, buscando a discussão de alguma questão constitucional, e a Corte Suprema, julgando o recurso extraordinário, poderá declarar a inconstitucionalidade de uma norma.

Quando se declara a inconstitucionalidade de uma norma por recurso extraordinário a decisão tem efeito erga omnes? Não. O efeito é só inter partes. Somente em controle concentrado, por meio da ação direta de inconstitucionalidade, que a decisão terá efeito erga omnes.

O controle concentrado é baseado no Direito americano. O sistema brasileiro copiou, mas o funcionamento aqui é completamente diferente. Mas não deixa de ser inspirado no Direito americano. Lá o país é dividido em estados, cada um com um Poder Judiciário, e acima de todos há a Suprema Corte. É a guardiã do Direito Constitucional. Só que, em nosso país, a Constituição é muito extensa e dogmática, não apenas principiológica como a americana, portanto muita coisa acaba indo ao STF. O recurso extraordinário surgiu com o advento da República. É muito antigo, portanto. Também porque é muito antigo o próprio Supremo Tribunal Federal. Controlar o Direito Constitucional e controlar as decisões dos tribunais estaduais via recurso extraordinário.

O cidadão tem a possibilidade de questionar uma decisão oriunda de tribunal se essa decisão, em sua perspectiva, violar a Constituição.

O STF tem jurisdição em todo o território nacional, com sede na Capital. É composto de 11 Ministros, escolhidos aleatoriamente pelo Presidente da República com sabatina posterior pelo Senado Federal. Não necessariamente precisa ser juiz, ter carreira jurídica, não há terço de advogados ou Ministério Público, o que for. A escolha é livre, desde que o indicado tenha pelo menos 35 anos de idade e não mais de 65, tenha notável saber jurídico e reputação ilibada. Constituição, art. 101:

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Organização do Supremo Tribunal Federal: Plenário, com competência jurisdicional, e duas turmas. Cada uma com cinco Ministros, e o que restante é o Presidente da Corte Suprema.

O recurso extraordinário é, basicamente, julgado pelas turmas. Pode se deslocar para um órgão superior dentro da hierarquia do Tribunal quando a matéria for relevante. Os órgãos são simples: 11 ministros, Plenário, duas turmas.

Ponto relevantíssimo: o STF julga casos ou só teses? É somente uma corte de cassação? Só julga teses? Não, julga casos concretos também. A Suprema Corte americana julga só teses.

Aqui no STF, julgam-se casos e teses. Exemplo: Renato vs. União. Julga o caso concreto, aplicando a tese. É diferente da Suprema Corte Americana. Julga casos concretos no RE. Briga de vizinhos, honorários, despejo, o que for, desde que atendam aos requisitos de admissibilidade. Aplica a tese ao caso concreto.
 

Cabimento do recurso extraordinário

Quando cabe RE? Contra que decisões? Vamos fazer um paralelo com o recurso especial. Relembremos, pois, o art. 105, inciso III, alínea a da Constituição:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

[...]

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

[...]

Note a alínea a: contra decisão dos TJs e dos TRFs.

No caso do Supremo, temos o art. 102, inciso III:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...]

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[...]

Causas decididas em única ou última instância. Não fala de onde vieram as causas, quem proferiu essa única ou última decisão, de quais cortes são elas, se Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça, ou turmas recursais de Juizados Especiais ou juízo de primeiro grau. Ou mesmo se se tratam de órgãos da justiça especializada. O inciso III fala somente em única e última instância, sem falar em tribunais. Olhem como é muito mais amplo o cabimento do recurso extraordinário; o inciso III do art. 102 não aponta de qual órgão! O dispositivo constitucional é genérico. “Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário...” não fala de quais órgãos é a decisão levada à discussão.

Lembrem-se dos embargos de alçada. Da sentença cabem embargos de alçada, e, dali, RE diretamente. Afinal, os embargos de alçada não são outra coisa que não “causa decidida em última ou única instância.” Se ainda cabe algum recurso, é porque a decisão não é de única nem de última instância. Então não será caso de recurso extraordinário.

TSE: cabe recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral? Sim! Afinal, é última instância. Eis a questão da Ficha Limpa julgada pelo Supremo. Julgou em RE interposto contra acórdão do TSE. Tradicionais políticos recorreram com RE. Acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, com decisão de única e última instância, é recorrível por meio de recurso extraordinário, atendidos os demais requisitos de admissibilidade.

Superior Tribunal Militar? Também cabe RE contra decisões do STM, pelo raciocínio análogo ao feito acima com o TSE.

E de acórdãos do TST? Também. Mas note que, em todos esses casos, se ainda cabe dentro do próprio tribunal superior, então não caberá recurso extraordinário. Isso porque, se for possível recorrer internamente dentro do tribunal que proferiu a decisão recorrida, então esta decisão não será de última instância.

Juizados Especiais: cabe recurso extraordinário contra acórdão de turma dos Juizados Especiais? Cabe, porque ali não cabe mais nada. Vamos ver muitos acórdãos de juizados. A única possibilidade será RE. E recurso especial? Como vimos, não cabe contra acórdão dos juizados. Só cabe recurso especial contra acórdãos de Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais. O recurso extraordinário, por sua vez, cabe contra qualquer decisão de única e última instância.

Atenção agora. E de acórdãos proferidos por TJ ou TRF? Cabe RE? Quando não cabe mais nada, vimos que cabe recurso especial. E aqui vem a questão. Se cabe recurso especial, isso exclui o cabimento do recurso extraordinário, ou cabem os dois contra a mesma decisão? Cabem os dois! É um sistema bipartido. Como assim? STJ tem a última palavra em Direito Federal Infraconstitucional. STF tem a última palavra em Direito Constitucional.

Pensem na justiça especializada. A justiça trabalhista, por exemplo. Começou o processo na Vara do Trabalho, o juízo do trabalho de primeiro grau. O recurso vai para o TRT. Proferido o acórdão pelo TRT, a única opção agora é ir para o TST. Não se pode ir para o STF diretamente, pois o Supremo está exatamente acima do TST na estrutura hierárquica do Poder Judiciário. Do TST a única opção será o STF. O mesmo vale para o STM e para o TSE. Todos estão abaixo do STF, exatamente abaixo. Só a partir deles se vai ao STF.

Agora voltem a pensar na justiça comum. Nela, proferida uma decisão pelo juízo de primeiro grau, seja o juiz de direito ou o juiz federal, a apelação vai, dessa primeira instância, para o TJ ou TRF. Daqui pode-se ir para os dois. Proferido um acórdão por qualquer desses dois tribunais, poderá ser caso de recurso especial para o STJ. Mas, a partir daqui, o raciocínio não será o mesmo da justiça especializada, pois o STJ não está diretamente, verticalmente abaixo do STF uma vez que o sistema é bipartido: do acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância da justiça comum, pode-se interpor recurso especial e/ou recurso extraordinário simultaneamente para o STJ e o Supremo, respectivamente. Não necessariamente deve-se passar primeiramente pelo STJ para só então ir ao STF, como seria com o TSE, STM e TST. Há projeto de emenda constitucional para equiparar o STJ aos outros tribunais superiores.

Então depende da matéria recorrida. Se constitucional, vai-se ao STF. Se infraconstitucional, a parte vai ao STJ. Apresenta-se o RE e o REsp simultaneamente. Por isso o STJ está “quase que” na lateral, e não verticalmente abaixo do Supremo.

Cabe recurso extraordinário contra acórdão do TJ e do TRF? Sim! É única e última instância, porque não se vai ao STJ primeiro, mas simultaneamente, dependendo da matéria versada, se constitucional ou infraconstitucional.

Como se julga isso? Divide o processo, tiram-se cópias? Vamos ver já, já.

Lembrem-se daquele princípio da unirecorribilidade: contra cada decisão judicial só cabe um tipo de recurso. Aqui temos uma exceção a esse princípio. Poderemos interpor, ao mesmo tempo, contra a mesma decisão, recurso especial e recurso extraordinário. Num alego uma coisa (matéria federal), noutro alego outra (matéria constitucional). Às vezes vemos a expressão “federal” como sinônima de “infraconstitucional”, a depender do contexto.

Mais uma pergunta: cabe recurso extraordinário contra acórdão do STJ? Cabe! Decisão de única e última instância. O último suspiro é o Supremo. Mas, sabem quantos recursos são admitidos contra acórdão do STJ? O STJ julga só matérias infraconstitucionais, exceto em processos originários. 5 a 10%. É possível, entretanto, haver RE contra acórdão do STJ.

E a última pergunta: cabe recurso extraordinário contra acórdão do próprio STF? Numa ação originária, por exemplo. Lembrem-se que o inciso III do art. 102 não fala de onde é a decisão recorrida, só diz que é de última ou única instância. E um acórdão do STF, do ponto de vista literal, seria sim a última instância, portanto, poderia. Mas, do ponto de vista sistemático, não faria sentido. Então não pode.

O cabimento é mais amplo do que do recurso especial, que só cabe contra acórdão de TJ e de TRF.
 

Alíneas do inciso III do art. 102 da Constituição

O que a parte argumenta no recurso extraordinário? Pode fundamentar seu recurso na alínea a, b, c e/ou d do inciso III do art. 102. Originariamente havia só as três primeiras alíneas, e a quarta entrou no inciso com a Emenda Constitucional nº 45/2004. A d, na verdade, fazia parte da alínea b do inciso III do art. 105, que trata do cabimento de recurso especial para o STJ. Com a Emenda, o legislador constituinte derivado removeu um pedaço da b do inciso III do art. 105 para inserir na d do inciso III do art. 102.

Como sempre, a mais importante é a alínea a, e é a única que precisaria existir. Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante RE, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida...

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

Ofensa à Constituição. É a hipótese mais importante. É para isso que serve recurso extraordinário. A parte alega violação à Constituição da República. “Houve violação ao art. 27 da Constituição, ou ao 133, por isso, por isso e por aquilo.” O Supremo é guardião da Constituição, então verificará se o acórdão de origem violou ou não a Constituição. No caso em a Lei Ficha Limpa estava sub judice, TSE manifestou-se dizendo que a lei poderia sim ser aplicada à presente eleição, no caso, a de 2010. STF, por sua vez, disse que a LFL ofendeu o princípio da anualidade. Houve violação a um dispositivo da Constituição, no caso, o art. 16. Recurso extraordinário com provimento, ainda que apertadamente por 6x5, mas foi dado provimento. Serve exatamente isso: para alegar violação à Constituição.

Recurso difícil de redigir, requer técnica, deve-se mostrar o acórdão e suas razões. Deve-se trazer sua própria interpretação. A alínea a é a mais importante. A alínea em si é até muito simples.

A Constituição também fala de princípios gerais: “é garantido o contraditório e o devido processo legal.” “É garantida a ampla defesa.” Veja o tanto de princípios abertos que temos na Constituição, que podem ser matéria de RE. É fácil enquadrar, na verdade. Pode haver violação do devido processo legal, por exemplo. Ou do princípio da legalidade, da ampla defesa. “Recurso meu não foi conhecido porque foi intempestivo porque meu pneu furou. Não tive acesso à ampla defesa, Excelência!” teoricamente poder-se-ia argumentar assim, mas o Supremo já disse que: para fins de recurso extraordinário com base na alínea a, a violação da Constituição tem que ser direta, e não meramente reflexa. Quando é caso de violação direta e quando é caso de violação reflexa? É o que passamos a ver agora.

É difícil, mas é o seguinte. Pense em: quando existe um dispositivo infraconstitucional tratando da Constituição, específico, e um dispositivo genérico da Constituição, a violação é não à Constituição, mas ao dispositivo. A violação à Constituição é reflexa. Agora, quando não há dispositivo infraconstitucional tratando da questão específica e o tratamento dado na Constituição é específico, a violação pode ser direta. Se for reflexa, não cairá na alínea a. O dispositivo tem que ser específico e não pode haver nenhum dispositivo infraconstitucional violado diretamente.

Exemplifiquemos. A Lei do Processo Administrativo, 9784, é 1999, e a Constituição é de 1988. A partir de 99, foi disciplinado todo o processamento do processo administrativo. Garantias, prazos, procedimentos, tudo mais. Imagine que havia, em curso, um determinado processo administrativo antes de 99, de um sujeito que perdeu a aposentadoria do serviço público federal sem direito à defesa. Isso tudo administrativamente. O Judiciário, quando provocado, julgava judicialmente e dizia se estava certa a perda da aposentadoria. Era possível alegar violação à ampla defesa, porque a violação à Constituição seria direta. Mas, desde 99, quando passamos a ter lei específica de processo administrativo, e uma decisão administrativa violar garantias, alegar-se-á violação à lei do processo administrativo, pois tem dispositivo específico, e, de forma reflexa, alega-se violação à Constituição.

Vamos para as alíneas específicas.

Primeiro vejamos as alíneas c e d que são mais fáceis. c:

Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante RE, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida...

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

Tribunal qualquer ou decisão qualquer aplica lei local em detrimento da Constituição. Declara constitucional uma lei local e a parte alega que essa lei local viola a Constituição. Há confronto entre lei local e a Constituição. É caso de RE pela alínea c. Mas, na verdade, veja como ela se enquadra dentro da alínea a. Mas a c é específica, então invocamos a c.

E a alínea d?

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Confronto entre lei local e lei federal. Esse confronto deveria ser de análise da lei federal, e quem tem competência é o STJ. Por que este confronto passou a ser do Supremo Tribunal Federal? Porque, na verdade, notou-se que essa discussão influencia sobre a competência legislativa, se é do Legislativo local ou do Legislativo federal. Essa discussão, basicamente, está centrada na competência legislativa. Imagine que Brasília diz que agora libera o cinto de segurança. Lei local. O Distrito Federal tem competência legislativa para legislar sobre trânsito? Não, é competência da União, então compete ao Congresso Nacional. É um vício de origem. A discussão, portanto, envolve um confronto do poder de legislar. A competência legislativa está onde? Na Constituição. Por isso essa questão envolve matéria constitucional, porque se refere ao poder de legislar, se de estado, de município, do Distrito Federal ou da União. Essa competência está na Constituição.

No final das contas, a parte vai alegar violação à Constituição tal como na alínea a, mas, aqui, de forma específica. Essa é a alínea d.

Por último, a alínea b do inciso III do art. 102 da Constituição. Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante RE, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida...

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

A alínea b é o seguinte: todo tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Todo julgador, até juiz de primeira instância. Como é declarada a inconstitucionalidade de uma norma no âmbito dos tribunais? É suscitado o chamado incidente de inconstitucionalidade. Lembram-se dele?

Um exemplo concreto: prisão civil na alienação fiduciária. Renato está pagando um consórcio para carro, e, em determinado momento, depois de já estar na posse do veículo, ele para de pagá-lo. A administradora do consórcio passa a querer tomar o carro de volta, e Renato se recusa a devolvê-lo. Há discussão se ele pode ser preso por isso, afinal era depositário infiel. Prisão civil em razão de ele ser considerado depositário infiel. E muitos já foram presos por isso. A questão, claro, chegou aos tribunais, especialmente por conta do Pacto de São Jose da Costa Rica. A causa vai ao Judiciário, com Renato x Ferraz Consórcios, esta querendo a prisão daquele porque queria sumir com o carro. Renato diz que essa prisão é inconstitucional, porque a Constituição só permite a prisão civil do depositário em si, não na alienação fiduciária, e a por alimentos. Isso chega ao Tribunal de Justiça, na primeira turma. Os desembargadores leem o processo do Renato e acham que ele tem razão. Eles consideram inconstitucional a prisão. Eles, entretanto, julgando a apelação, não podem declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Somente o órgão especial, assim definido pelo regimento interno de cada tribunal, tem capacidade de declarar a inconstitucionalidade de uma norma.

A turma, portanto, não pode declarar, e suscita-se um incidente de inconstitucionalidade. Vai ao órgão especial. Este se reúne e julga se é ou não constitucional essa prisão civil. O julgamento da apelação do Renato fica suspenso, e só ensejou o incidente. Suspende-se o julgamento do processo Renato x Ferraz Consórcios, suscita o incidente, que é julgado pelo órgão especial. Somente este pode declarar a inconstitucionalidade dessa norma.

Declarou. E agora? Volta para a turma de três desembargadores e agora sim, estes poderão julgar o caso aplicando o que foi decidido pelo órgão especial. É nesse caso que cabe recurso extraordinário pela alínea b: quando há declaração de inconstitucionalidade pelo órgão especial do tribunal respectivo.

Pergunta básica: o recurso extraordinário será interposto contra o acórdão que julgou o incidente, ou contra o acórdão que julgou o caso com base no caso do acórdão do incidente? Contra o acórdão do caso, mas que se baseou no incidente. Vejamos uma súmula:

Súmula 513 do STF: A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito.

Não é contra o acórdão do órgão especial, mas sim contra o acórdão que julgou o caso com base naquele acórdão. Somente na hipótese em que haja declaração de inconstitucionalidade pelo órgão especial do tribunal. O órgão inferior aplica o decidido pelo órgão especial do tribunal no caso concreto.

Não será perguntado em prova a alínea b. Será perguntado para que serve recurso extraordinário: discutir matéria constitucional.

Vários doutrinadores sustentam que deveriam ser suprimidas as alíneas b, c e d do inciso III do art. 102. Tudo envolve Constituição!

Para isso serve o recurso extraordinário. É claro que, se formos interpor por uma ou mais das alíneas, devemos apontá-la(s).
 

Prazo do recurso extraordinário

15 dias.
 

Preparo

Há preparo no recurso extraordinário.
 

Regularidade formal

Petição escrita, com fundamentação vinculada, e procuração. Súmula 115 do STJ! Sem procuração, o recurso é inexistente.

Não esqueçam do prazo quando houver embargos infringentes. Embargando infringente o prazo fica sobrestado para interposição de recurso extraordinário.

A quem é dirigida a petição? Ao juízo de origem, inclusive o juiz de primeiro grau, ou turma recursal de juizados. Por isso juízo de origem. Normalmente se interpõe contra decisão de tribunal. Então, dirige-se ao presidente do tribunal de origem.

É um recurso de fundamentação vinculada, porque a lei (no caso, a Constituição) diz o que tem que ser discutido. Deve-se apontar a violação ao dispositivo da Constituição. Dizer quais razões sustentam a tese de que houve violação.
 

Prequestionamento

Também é imprescindível, no recurso extraordinário, manifestação prévia do tribunal de origem sobre a questão controvertida. O acórdão, a decisão contra a qual a parte se insurge tem que se manifestar sobre o dispositivo da Constituição. Tem que dar sua opinião, e deve haver análise da tese controvertida. Deve haver discussão sobre aquela tese, sobre aquele ponto controvertido. Se não tem prequestionamento, o recurso extraordinário não será conhecido.

Quem faz o primeiro juízo de admissibilidade do RE? É o juízo de origem. Se não admite por falta de prequestionamento, teremos à mão o agravo do art. 544 contra essa decisão que nega seguimento ao recurso extraordinário. Se o próprio STF estiver julgando um recurso extraordinário e disser que não há prequestionamento, ou melhor, se um ministro estiver julgando monocraticamente e entender que não há prequestionamento, o recurso cabível é o agravo regimental. Se, por outro lado, foi o colegiado que entendeu não haver prequestionamento, veremos depois o recurso cabível contra esse acórdão. Depende de quem decidiu, de quem afirmou a ausência do prequestionamento.

Um detalhe só: existe uma diferença entre o conceito de prequestionamento para o STF e o conceito de prequestionamento para o STJ. É o confronto entre a Súmula 356 do STF e a 211 do STJ.

Súmula 211 do STJ: Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.

Agora veja a Súmula 356 do Supremo:

Súmula 356 do STF: O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.

O Supremo admite prequestionamento ficto. O que é isso? Falamos ontem que, se insistimos com uma tese em todo o momento e o tribunal de origem não se manifesta sobre ela, ainda não obtivemos o prequestionamento. O que devemos fazer e embargar de declaração. Se o tribunal de origem se mantém omisso, ainda não obtivemos o prequestionamento. É a Súmula 211 do STJ. É inadmissível o recurso especial em relação a determinada questão que, mesmo com embargos de declaração, continua sem análise. Para o STJ, embargando de declaração e o tribunal de origem não se manifestando, o prequestionamento ainda não foi alcançado. Assim é para o STJ.

O Supremo é mais liberal, e adota o prequestionamento ficto. A decisão de origem foi omissa, embargamos de declaração, o tribunal de origem continua sem se manifestar, e persiste na omissão. Neste momento, para o STF, já obtivemos o prequestionamento. O embargante já fez sua parte, e o Supremo entende que ele não pode ser prejudicado porque o tribunal é preguiçoso. O embargante, buscando obter o prequestionamento, insistiu e provou que fez sua parte. Está presente o prequestionamento. A Súmula 356 diz exatamente isso.

Vejam a diferença entre os dois conceitos de prequestionamento para cada tribunal, portanto. Para o STJ, mesmo embargando e continuando omisso, não há prequestionamento. Para o STF, há o prequestionamento ficto. O resto é igual.

Deve haver prequestionamento sob pena de não conhecimento. Requisito de admissibilidade do recurso extraordinário.

Vamos para uma parte nova agora, sem semelhante no recurso especial:
 

Repercussão Geral

Foi instituída pela Emenda Constitucional nº 45, a Emenda da reforma do Judiciário, e depois foi disciplinada no Código de Processo Civil. Agora é necessário que a questão controvertida, a tese sustentada no recurso extraordinário tenha relevância, repercussão na sociedade, e não somente para o recorrente. Ou seja, em poucas palavras: o Supremo julgará recursos extraordinários se a questão for relevante, se for transcendental, ultrapassando os interesses subjetivos da causa. Significa que a decisão do Supremo, naquele caso, será relevante não só para a parte, mas para a sociedade de uma forma geral.

O que é ser “relevante para a sociedade”? Basta pensar no seguinte: a decisão tem que ultrapassar os interesses apenas daquelas pessoas envolvidas naquela ação.

Exemplo: valor de dano moral tem influência naquela causa concreta, e não de modo geral na sociedade. O valor em si só vale para o recorrente. Mas a aplicação da convenção de Varsóvia ou de outras das quais o Brasil é signatário em detrimento do Código de Defesa do Consumidor é interessante à sociedade, e não apenas à parte. Isso foi um processo que saiu dos juizados e foi ao Supremo por perda de bagagem! Qual a forma de indenização da bagagem? Peso, conforme a Convenção de Varsóvia, ou Código de Defesa do Consumidor, desde que provado o que estava lá dentro? Assentar esse entendimento de qual norma aplicar é de grande relevância para a sociedade.

Vamos ler o art. 543-A do Código de Processo Civil:

Art. 543-A.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1o  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

§ 2o  O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.

§ 3o  Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

§ 4o  Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

§ 5o  Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 6o  O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 7o  A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

O que é Repercussão Geral? § 1º do art. 543-A acima:

§ 1o  Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

Ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Deve-se ver caso a caso. É até subjetivo mesmo saber o que é relevante. Hoje é o Plenário virtual que está julgando o que é relevante. Ministros julgam via Internet. É um procedimento menos formal do que é e o que não é relevante.

Compete ao recorrente, ao redigir o recurso extraordinário, abrir uma preliminar demonstrando que aquela decisão eventualmente proferida ultrapassará seus interesses e influenciará a sociedade de forma geral. O professor mantém um modelo de preliminar genérica, que depois adapta para cada caso. É difícil. Se existir relevância, ótimo; se não, o caso não será julgado e nem os demais.

Uma vez decidido que não há mais Repercussão Geral, nenhum caso sobre aquilo subirá. Pega-se um, suspendem-se todos os demais, e, se não tiver, todos são dispensados.

A Repercussão Geral é um requisito de admissibilidade específico do recurso extraordinário.
 

Efeitos do recurso extraordinário

Quais são os efeitos? Iguais ao do recurso especial. Devolutivo limitado, já que só devolve matéria de direito, não examina prova, o que está inclusive sumulado

Súmula 279 do STF: Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.

E não tem efeito suspensivo. Significa dizer que a decisão já gera efeitos jurídicos desde que proferida.
 

Procedimento e julgamento

Igual ao do recurso especial. Quem faz o primeiro juízo de admissibilidade do recurso extraordinário é o juízo de origem. Admitindo, vai ao Supremo. Não admitindo, caberá o agravo do art. 544, que veremos na próxima aula. Se o recurso chega ao Supremo, será julgado. E aqui?

Ou monocraticamente, pelo relator, decisão da qual caberá agravo regimental, ou por uma turma, de 5 ministros, com sustentação oral, sem revisor, e é incluído em pauta.
 

Recurso extraordinário retido

Acórdãos interlocutórios ficam retidos nos autos, e só subirão ao Supremo quando o processo for remetido em face da decisão final. Exatamente como na regra do recurso especial retido.

Art. 542, § 3º:

§ 3o O recurso extraordinário, ou o recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões.

Tem que ficar retido quando o acórdão é interlocutório. Aquele em que se discute uma questão incidental, sem por fim ao processo. Não se esqueçam da reiteração!

Atenção agora: começou o processo em primeiro grau. Decisões interlocutórias. Um agravo retido para cada uma. Sentença. Embargos de declaração. Apelação. Reiteração dos agravos. TJ. Decisão monocrática. Agravo regimental. Ao colegiado. Julga a apelação por maioria. Embargos infringentes. Recurso especial e recurso extraordinário. Julga o recurso especial. Embargos de divergência. Só então julga o recurso extraordinário. E agora? Julgado o RE, proferido um acórdão pelo STF, cabe mais alguma coisa, além de embargos de declaração? Ou seja, contra o acórdão que julga RE cabe algum outro recurso? Questão de prova: contra o acórdão da primeira turma que, por maioria de votos, deu provimento ao RE e reformou o acórdão, quais os recursos cabíveis? Embargos de declaração, em seguida embargos de declaração, e então embargos de declaração, assim sucessivamente. Mas esqueçam os embargos de declaração. Cabem os embargos de divergência, que vamos ver na próxima aula. Ainda temos uma pequena chance!

Por último, e se a parte interpõe recurso especial e recurso extraordinário simultaneamente, o que acontece com o processo? Está no TJ, a parte interpôs REsp e RE. REsp alegando matéria infraconstitucional, e RE alegando matéria constitucional. Qual o procedimento? Vai ao presidente do tribunal de origem para fazer o primeiro juízo de admissibilidade. Digamos que ele admita os dois, coisa difícil de acontecer. Tira uma cópia e manda um pedaço para cada um? Não. Leia com atenção o art. 543:

Art. 543.  Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. 

§ 1o  Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado.

§ 2o  Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.

§ 3o  No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial.

Manda primeiro para o STJ. Julga primeiro o recurso especial. Dependendo da decisão do STJ, aos autos vão ao Supremo para julgamento do RE. Se o STJ entender que com o julgamento do recurso especial o RE passou a ficar prejudicado, não mandará para o Supremo. Vai primeiro ao STJ, que julga o recurso especial e depois manda para o STF apreciar o RE. O professor acha uma aberração jurídica esse sistema bipartido. Ele é a favor da PEC que igualaria, na estrutura do Poder Judiciário, o STJ aos demais tribunais superiores, tornando-o direta e verticalmente inferior ao STF. Acredita que nunca acontecerá, porque o STJ não quererá perder o status de última palavra em direito infraconstitucional.

E se o RE for prejudicial ao REsp? Julga-se primeiro o RE. A lei excepciona isso no art. 543. Em caso de apreciação de questões preliminares, por exemplo.

Próxima aula agravo do art. 544 e embargos de divergência.